PCB
Os comunistas e o golpe de 1964 / Declaração de maio 1965 do PCB
A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura
Declaração de maio 1965 do PCB
(Voz Operária, Suplemento Especial, Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, maio de 1965)
Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro
O CC do Partido Comunista Brasileiro se reuniu no corrente mês de maio e, tomando por base o informe apresentado pela CE, fez uma análise da situação internacional, da situação nacional e da atividade do Partido, no período decorrido desde sua ultima reunião.
Assinala-se nesse período, com o acontecimento marcante, o golpe militar reacionário de 1 de abril do ano passado, com a conseqüente deposição do presidente João Goulart e a instauração, no País, de uma ditadura reacionária e entreguista. Interrompeu-se assim, o processo democrático em desenvolvimento. As forças patrióticas e democráticas e, em particular, o movimento operário e sua vanguarda – nosso Partido - sofreram sério revés. Modificou-se profundamente a situação política nacional.
As conclusões a que chegou o CC, após os debates, estão contidas na seguinte resolução:
1. As lutas do povo brasileiro desenvolvem-se num quadro de uma situação internacional caracterizada pelo fortalecimento das posições do socialismo, pelo Ascenso do movimento nacional-libertador e do movimento operário internacional, pelo crescimento das forças empenhadas na preservação e consolidação da paz mundial.
A política de paz realizada pela União Soviética e demais países socialistas, apoiada em seu avanço econômico, técnico e científico e inspirada no princípio da coexistência pacífica, penetra cada vez mais fundo na consciência de todos os povos. Desenvolve-se com vigor o movimento de emancipação nacional da Ásia, África e América Latina.
A conjuntura econômica dos países capitalistas mais desenvolvidos mantém-se, em geral, em ascenso. Aumenta o interesse, no campo capitalista, pela intensificação das relações econômicas com os países do campo socialista, o que amplia as condições objetivas da política de coexistência pacífica. Mas, simultaneamente, e em conseqüência também do continuado agravamento da crise geral do capitalismo, aguçam-se as contradições interimperialistas, que se manifestam especialmente na disputa de mercado e se refletem, com maior destaque, em posições assumidas pelo governo francês em sua política externa.
É nessa situação que o imperialismo, particularmente o norte-americano, intensifica suas atividades em diferentes regiões do mundo, empreendendo atos de agressão contra os povos que lutam pela libertação nacional. A situação internacional se agrava sensivelmente.
A intervenção no Congo por parte das forças ianques e belgas; a repressão da ditadura portuguesa às lutas do povo de Angola; a intervenção da Grã-Bretanha na Guiana Inglesa; as provocações da República Federal Alemã em torno de Berlim e a tentativa de organizar a Força Atômica Multilateral e criar um cinturão atômico nas fronteiras dos países socialistas – todas essas medidas constituem não apenas violações dos direitos dos povos, mas também novas ameaças à paz mundial.
Ante a firme resistência do povo do Vietnã do Sul, dirigido pela Frente Nacional de Libertação (Vietmin), o governo de Washington estende a sua agressão ao Laos e ao Camboja, bombardeia o território da República Democrática do Vietnã (Vietnã do Norte), ataca sua marinha mercante e de guerra. Para sufocar a luta do povo dominicano contra a reação e para defender os interesses dos monopólios ianques, desembarca tropas na República de São Domingos, utilizando a OEA para dar cobertura a essa monstruosa agressão.
A intensificação da agressividade do imperialismo norte americano expressa a orientação da chamada “doutrina Johnson” de esmagamento pela força dos movimentos democráticos e de libertação nacional. E tem também o objetivo de provocar guerras locais e limitadas, para impedir a distensão internacional, atendendo aos interesses dos círculos mais agressivos de Wall Stret e do Pentágono. Tais ações despertam, entretanto, os protestos e a revolta dos povos do mundo inteiro, inclusive do povo dos Estados Unidos. Contribuindo, assim, de um lado, para sério agravamento da situação internacional, concorrem de outro lado, para desmascarar cada vez mais o imperialismo norte-americano como opressor e explorador dos povos, como inimigo da paz, despertando novas forças para a luta em defesa dos povos oprimidos e contra as ameaças de nova guerra mundial.
Na América Latina, torna-se cada vez mais evidente o contraste entre a situação do povo cubano que, sob a direção de Fidel Castro, prossegue na construção vitoriosa da sociedade socialista, e a dos demais povos latino-americanos, que padecem sob a crescente exploração dos monopólios ianques.
Aumenta a miséria das massas trabalhadoras, aguça-se a crise de estrutura e crescem as contradições entre as forças progressistas de cada país e os monopólios norte-americanos. Em alguns países como Venezuela, Colômbia, Guatemala e São Domingos, as lutas antiimperialistas tomam a forma de luta armada. Os Estados Unidos, prosseguindo, embora, na política da “Aliança para o Progresso”, que visa em parte à realização de reformas limitadas em benefício das burguesias locais, não vacilam em intervir diretamente pela força, ou provocar golpes reacionários e apoiar governos ditatoriais, para assegurar e consolidar seu domínio espoliador. De março de 1962 para cá em sete países – Argentina, Peru, Guatemala, Equador, São Domingos, Honduras e Bolívia - além do Brasil, foram dados golpes de Estado, sob a orientação e com apoio do governo de Washington.
Nada disso impede, entretanto, que os povos da América Latina continuem avançando no caminho da democracia e da emancipação nacional. Na Argentina, os comunistas reconquistaram o direito de organizar-se e propagar suas idéias. O governo do Chile estabeleceu relações diplomáticas com a União Soviética e outros países socialistas. O México mantém relações com Cuba, apesar da resolução em contrário da OEA. Entre as amplas massas, cresce o ódio ao imperialismo ianque e a determinação de lutar contra a reação interna. Na medida em que se unam e lutem, na medida em que fortaleçam sua solidariedade e sua ação conjunta contra o inimigo comum, os povos latino americanos serão tão invencíveis como o heróico povo irmão de Cuba, glória e exemplo para toda a América Latina.
2 – No Brasil, com de 1 de abril, assenhorearam-se do poder os representantes das forças mais retrógradas e antinacionais: agentes do imperialismo norte-americano, latifúndios e grandes capitalistas ligados aos monopólios ianques. Constituiu-se uma ditadura militar, reacionária e entreguista, sendo o governo de fato exercido por um grupo de generais a serviço da Embaixada dos Estados Unidos.
A submissão do país aos interesses dos monopólios norte-americanos assume proporções jamais vistas. Foi praticamente abolida a lei que limitava a remessa de lucros para o exterior. Realizou-se a negociata da compra do acervo da Bond and Share. Duplicou-se o montante do “Acordo do Trigo” com os Estados Unidos. Facilita-se a importação de produtos agrícolas norte-americanos. Adotou-se uma política de minérios de acordo com as exigências da Hanna Mining Co. Foi assinado o “Acordo sobre Garantias de Investimentos Privados”, que concede privilégios aos interesses norte-americanos e constitui sério atentado à soberania nacional. Missão militar ianque faz o levantamento aerofotogramétrico de nosso território. A política econômica e financeira é ditada pelo FMI.
A ditadura leva à prática uma política de inteira dependência ao governo dos Estados Unidos. Rompe relações com Cuba. Serve de instrumento e porta voz do Departamento de Estado na OEA. Toma posições contra os povos que lutam contra o imperialismo na Ásia e na África. Apóia a tirania de Salazar. Solidariza-se com a agressão ianque à República Democrática do Vietnã e com o brutal atentado à soberania do povo de São Domingos. Permite, sob o pretexto da realização de experiências científicas, a construção de base para foguetes e armas nucleares em território nacional.
Após as violências e arbitrariedades resultantes da aplicação do Ato Institucional, inclusive a mutilação do Congresso Nacional e de Assembléias Estaduais, prosseguem os inquéritos policiais-militares, com o objetivo de perseguir, prender e torturar milhares de cidadãos, desde trabalhadores e jovens estudantes até professores, magistrados, escritores, artistas, jornalistas, militares, padres católicos, parlamentares, pessoas, enfim, de todas as classes e camadas sociais. Sindicatos de trabalhadores continuam sob intervenção. É aprovada uma lei contra o direito de greve. Impede-se o livre funcionamento da Une e demais entidades estudantis.
Maiores sofrimentos e privações são impostos aos trabalhadores e a todo o povo. Elevam-se os impostos indiretos. Libera-se o preço dos produtos essenciais a alimentação popular. Nova lei do inquilinato determina a majoração dos aluguéis. Enquanto a carestia aumenta sem cessar, o reajustamento dos salários dos operários e dos vencimentos do funcionalismo público é contido em nível inferior ao da elevação dos preços. O salário mínimo subiu em apenas 57%, num período em que o custo de vida se elevou em mais de 90%. Aumenta o desemprego.
A política econômico financeira da ditadura também atinge os interesses da burguesia nacional, cada dia mais ameaçada pela concorrência imperialista. Reduzem-se as atividades comerciais e industriais. Acumulam-se os estoques nas fábricas. Cai a produção. As concordatas e falências aumentam em número e valor. Acentua-se o processo de desnacionalização da indústria brasileira.
A política da ditadura torna mais aguda as contradições que dividem a sociedade brasileira. Acentua-se a premência das reformas de estrutura.
Numa tentativa de ludibriar a Nação, a ditadura se mascara de reformista e chega a apresentar-se como revolucionária. Procura impingir como reforma agrária um “Estatuto da Terra” que, com exceção dos dispositivos limitadores da taxa de arrendamento – aliás, de difícil aplicação – não passa de um plano de colonização. Sua “reforma política” possui conteúdo nitidamente reacionário. Os projetos da Lei Eleitoral e de Estatuto dos Partidos Políticos visam de fato reduzir o número e impedir a organização de partidos políticos, transformam os partidos em organizações burocráticas subordinadas ao aparelho de Estado, ameaçam a representação proporcional, tornam praticamente impossível a representação das minorias. A exigência de maioria absoluta nas eleições para presidente da República e governadores de Estado golpeia o voto popular direto, transferindo para o Congresso e as Assembléias estaduais a escolha final dos eleitos.
Os interesses nacionais exigem a concretização de reformas efetivas na estrutura da sociedade brasileira que golpeiem o domínio do imperialismo sobre nossa economia e o domínio da propriedade da terra pelos latifundiários. A ditadura, que representa exatamente os interesses do latifúndio e dos monopólios imperialistas norte-americanos, não realizará essas reformas.
A política da ditadura fere os interesses da Nação. Aprofunda-se a contradição entre nosso povo e a minoria reacionária e entreguista que assaltou o poder. Essa contradição constitui, no momento, a expressão peculiar da contradição principal da sociedade brasileira, define a essência de todos os conflitos políticos, sobre eles atuando como fator determinante.
4. Começam a se ampliar e aprofundar as manifestações de resistência à ditadura e de oposição à sua política reacionária e entreguista.
Lutam os trabalhadores chegando a utilizar a arma da greve, em defesa de direitos conquistados e contra a redução de salários. Reativa-se no campo, embora lentamente, o movimento de sindicalização surge choques com os grileiros e as forças policiais, conflitos entre os assalariados do açúcar e os usineiros do Nordeste. Os estudantes se insurgem contra a lei 4464, em defesa da autonomia do movimento estudantil, na UNE, e das suas demais entidades. Os intelectuais se arregimentam contra o terror cultural e para exigir a restauração das liberdades democráticas e a retomada do desenvolvimento econômico do País. Amplos setores da burguesia nacional, principalmente através de entidades como a Confederação Nacional da Indústria, exigem modificações nos pontos básicos da política econômica e financeira, denunciam a desnacionalização da nossa indústria. Avoluma-se o repúdio da opinião pública às violências e arbitrariedades da polícia e dos encarregados dos inquéritos policiais-militares. Há manifestações do poder judiciário de condenação à essas violências e arbitrariedades, presos políticos são libertados. Partidos e correntes políticas se unem em torno da exigência de restabelecimento das liberdades democráticas e de realização de eleições livres.
Amplos setores sociais, que manifestaram apoio ou simpatia ao golpe, sentem-se ludibriados e prejudicados pela política reacionária e entreguista da ditadura, tendem a unir-se aos que a ela se opõem. Modifica-se, a favor das forças democráticas e patrióticas, a conjuntura que, em abril de 1964, favoreceu a reação e possibilitou a vitória dos golpistas. Estreita-se a base social da ditadura.
Essa situação leva ao aguçamento das contradições entre os golpistas e a instabilidade do governo. Insiste o Sr Castelo Branco em suas medidas de institucionalização da ditadura, procurando oculta-la através da fachada da “democracia representativa”. Mas persiste a pressão dos grupos da extrema direita no sentido da suspensão total dos direitos e garantias constitucionais, pela instauração de uma ditadura sem máscara. Apoiando embora, no essencial, a orientação reacionária e entreguista da ditadura, outros setores golpistas assumem posição de crítica à sua política econômico-financeira, procurando assim, capitalizar em seu benefício, para fins eleitorais o crescente descontentamento popular.
A intensificação da resistência e oposição de nosso povo à ditadura levará a que a sua instabilidade aumente, aprofundará a divisão entre os golpistas. Crises de governo e novos golpes militares podem ocorrer. Nesse caso, só a intervenção ativa das massas nos acontecimentos, levantando suas próprias bandeiras de luta, poderá impedir uma solução reacionária, com a simples substituição de golpistas no poder, e impor a retomada do processo democrático.
5. Desde o início, os comunistas se colocaram em posição e combate à ditadura. Através de entendimentos com partidos, correntes políticas e com personalidades, e, principalmente, através de nossas ações entre as massas, temos procurado participar ativamente do agrupamento das forças que contra ela lutam. Os fatos comprovam que este é o caminho acertado.
O objetivo tático imediato a alcançar, nessa luta, é isolar e derrotar a ditadura e conquistar um governo amplamente representativo das forças antiditatoriais, que assegure as liberdades para o povo e garanta a retomada do processo democrático interrompido pelo golpe reacionário e entreguista. Os comunistas se empenham no sentido de que tal governo seja o mais avançado possível, mas compreendem que a sua composição não poderá deixar de refletir o nível alcançado pelo movimento de massas e a correlação de forças existente no momento em que se constituir.
O êxito dessa luta dependerá fundamentalmente da unidade de ação de todas as forças, correntes e setores políticos que se opõem à ditadura. A formação dessa ampla frente de resistência, oposição e combate à ditadura será possível através da luta pelas liberdades democráticas, em defesa da soberania nacional, pelos direitos e interesses imediatos dos trabalhadores e do povo, pelo desenvolvimento de nossa economia, pelo progresso do País. A defesa das liberdades democráticas constitui o elo principal dessa luta. Inseparável de todas as demais reivindicações constitui, por isso mesmo, a mais ampla e mobilizadora, capaz de unificar e canalizar todos os movimentos reivindicatórios para a ampla frente de combate à ditadura.
6. Nas circunstâncias atuais, a luta por eleições livres e nossa participação ativa em todas as campanhas eleitorais se revestem de enorme importância para fazer avançar as lutas pelas liberdades democráticas e pela conquista de um novo governo. Com essa compreensão é que devemos participar das eleições estaduais deste ano, das eleições estaduais e federais de 1966, além das que se realizam nos municípios. Particular importância possui os pleitos eleitorais em Estados como Guanabara, Minas Gerais, Goiás e Paraná, bem como as eleições municipais de Porto Alegre.
Ao participar ativamente das campanhas eleitorais, devem os comunistas ter em vista que elas se tornem, no processo de sua realização, um meio para aglutinar forças contra a ditadura, desmascará-la diante das massas, conquistar postos que sirvam para combatê-la e, afinal, derrotá-la. É, portanto, do interesse do proletariado e demais forças contrárias à ditadura lutar por eleições efetivamente livres, exigir a livre manifestação de todas as correntes políticas de oposição e o exercício do direito de propaganda sem censura, bem como lutar contra todas as discriminações políticas e ideológicas, oriundas do Ato Institucional ou de novas leis sobre incompatibilidades ou inelegibilidades, por maio das quais pretenda a ditadura riscar arbitrariamente, da lista de possíveis candidatos, todos os cidadãos que não mereçam sua confiança.
Os comunistas devem lançar-se com decisão e entusiasmo à campanha eleitoral do Estado e do município em que atuem, e cogitar, do desde logo do pleito de 1966, para o qual já se movimentam as várias correntes políticas. Devem ser o elemento unificador por excelência, capaz de encontrar, em cada caso concreto, a melhor maneira de unir as mais amplas forças contrárias à ditadura em torno de plataformas unitárias e de candidatos que mereçam a confiança popular.
É essencial dar à campanha eleitoral um caráter de massas, de luta firme pelas liberdades democráticas, de maneira a não permitir à ditadura utilizar-se das eleições para “legalizar” o poder usurpado. Nos casos em que este objetivo se tornar praticamente inviável, podem as forças de oposição à ditadura adotar o voto em branco, como meio de protesto contra a transformação do pleito numa farsa destinada a acobertar com uma espúria “legalidade” o governo do golpe de 1 de abril.
É fazendo da campanha eleitoral uma campanha de massas que será possível assegurar a realização de eleições livres e a posse dos eleitos e criar condições políticas para que possam governar.
7. No desenvolvimento da luta contra a ditadura, devemos utilizar as mais variadas formas. Cabe aos comunistas saber estimular a iniciativa das massas e encorajar a luta por todos os caminhos que favoreçam a retomada do processo democrático. Para tanto, devem ser utilizadas todas possibilidades legais, sem que isso se reduza à “legalidade” concedida pela ditadura. As massas devem ser estimuladas a não aceitar as restrições da ditadura aos seus direitos de reunião, de greve, de manifestação pública, de propaganda, etc. O ascenso das lutas poderá levar a choques violentos com a reação, inclusive a choques armados. É dever do Partido preparar-se e preparar as massas para tais eventualidades.
O esforço principal dos comunistas deve intensificar-se na intensificação do trabalho entre as massas, na defesa do fortalecimento de suas organizações, na organização e desencadeamento das lutas pelos seus direitos e reivindicações.
Seja qual for a forma que a luta contra a ditadura venha a assumir, a ação das massas constituirá sempre um fator decisivo, capaz de assegurar o avanço do processo político de acordo com os interesses do povo. É através da ação que o povo ganhará confiança em suas próprias forças. Através da ação é sempre possível alcançar êxitos parciais, por pior que seja a reação, êxitos que ajudarão a encorajar as próprias massas a reforçar suas organizações, estreitar sua unidade e avançar para ações cada vez mais vigorosas. É deve dos comunistas saber colocar-se no nível de compreensão das massas, para levá-las à ação e ganhá-las para as posições políticas de vanguarda.
A passividade frente à ditadura é o grande perigo que ameaça as forças populares e o nosso Partido. É nosso dever combatê-la, tendo em vista que decorre tanto da superestimação das forças dos golpistas, como das ilusões de que a ditadura caia por si mesma, minada pelas contradições que a dividem. È necessário compreender que nossa intervenção em qualquer crise de governo só poderá ter resultado positivo na medida em que formos capazes de mobilizar massas. Isso significa que devemos ser vigilantes, saber acompanhar os acontecimentos, mas que o mais importante, o premente, o decisivo é o nosso trabalho de massas, nosso esforço constante para nos ligarmos às massas, esclarecê-las, despertá-las, mobilizá-las para a ação, organizá-las e uni-las.
8. A fim de ganhar as massas para a ação, é indispensável saber levantar as reivindicações mais sentidas de cada setor da população. Devemos intensificar as lutas pela revogação do Ato Institucional, a anulação aos atentados aos direitos individuais resultantes de sua aplicação, pela libertação dos presos políticos, pela solidariedade aos perseguidos e suas famílias, pela anistia geral, pela liberdade e autonomia para os sindicatos de trabalhadores, entidades estudantis e demais organizações populares; contra o terror cultural, pela liberdade de cátedra.
Outro elemento mobilizador de massas é a luta contra a política econômico-financeira da ditadura, política de carestia, de elevação de impostos, de desvalorização forçada do cruzeiro em relação ao dólar, de redução do salário real. Devemos ter a maior iniciativa junto a outras forças e lutar por melhores condições de vida para os trabalhadores, contra a carestia e o desemprego, em defesa dos direitos conquistados, a legislação do trabalho e da previdência social. Participar de forma ativa e unitária das eleições sindicais e procurando, ao mesmo tempo, organizar os trabalhadores nos locais de trabalho.
Importância particular tem as lutas das grandes massas trabalhadoras do campo contra a exploração do latifúndio e pela reforma agrária, por suas conquistas e reivindicações imediatas, especialmente pela aplicação do Estatuto do Trabalhador Rural, garantia ao acesso e à posse da terra, regulamentação e baixa da taxa de arrendamento.
Devemos dar maior atenção às reivindicações específicas das mulheres. É de grande valor sua participação na luta em defesa da paz, contra a carestia, pelas liberdades democráticas, pela solidariedade aos presos e perseguidos políticos, pela anistia.
Merece todo apoio a luta do funcionalismo público e autárquico em defesa dos seus direitos e reivindicações, em especial o reajustamento de vencimentos.
A política entreguista da ditadura fere os sentimentos patrióticos das mais amplas camadas do nosso povo, que poderá ser mobilizado para a luta em defesa da soberania nacional, contra as concessões aos monopólios norte –americanos e à submissão do Brasil ao governo de Washington, contra ratificação pelo Congresso do Acordo sobre Garantia dos Investimentos Privados. As sérias ameaças que pesam sobre as empresas estatais, em particular a Petrobrás, possibilitam ampla mobilização de massas em sua defesa.
A luta pelo progresso do País, contra a política econômico-financeira que desnacionaliza a indústria nacional, que leva à estagnação econômica, que nega recursos às obras públicas, ao desenvolvimento econômico do Nordeste (SUDENE) e do Norte (SPEVEA), à instrução do povo e ao desenvolvimento cultural, à pesquisa científica – permitirá a mobilização de amplos setores da população.
Por sua vez, a agressão militar dos Estados Unidos no Vietnam e, agora à República de São Domingos exige que se intensifique a luta pela paz, contra a política de guerra do governo norte-americano, pela autodeterminação dos povos, pela solidariedade aos povos agredidos, contra o envio de soldados brasileiros para o exterior. É dever dos comunistas encontrar formas novas que permitam na atual situação reorganizar e ampliar a luta pela paz em nosso País. A luta permanente pela solidariedade ao povo cubano e pelo restabelecimento com o governo de Cuba deve ser intensificada com a realização do Congresso Latino-Americano de Solidariedade à Cuba e pela libertação dos povos.
9. ´E intensificando nossa atividade entre as massas, nas fábricas, fazendas e escolas, nas grandes concentrações populares, que poderemos forjar a ampla frente única de luta contra a ditadura. Dando especial atenção à formação da frente única pela base, devemos realizar entendimentos com personalidades, correntes e partidos políticos, com todos os que se opõem às forças reacionárias que usurpam o poder.
À medida que aumenta a instabilidade da ditadura, que cresce a ação das massas populares, as várias forças políticas, na defesa de seus interesses, cuidam do futuro imediato e da eventualidade da substituição do governo, procurando o caminho a ser trilhado de acordo com os objetivos de cada um. Como representantes do proletariado, devemos apresentar nossa própria visão tática, buscando ganhar para ela as forças aliadas.
Ao mesmo tempo em que intensificam a luta pela derrota da ditadura e a conquista de um governo representativo das forças que a ela se opõem, têm os comunistas como perspectivas a conquista de um governo nacionalista e democrático, capaz de iniciar e levar adiante as reformas de estrutura, aproximando nosso povo dos objetivos da atual etapa da revolução brasileira. É com essa perspectiva que os comunistas se colocam à frente das massas, indicando o caminho que conduz à solução dos problemas brasileiros e se empenhando para que o proletariado, através do fortalecimento da sua unidade e organização e da aliança com os trabalhadores do campo, passe a exercer papel hegemônico no processo revolucionário.
10 Ao examinar a situação do Partido e os novos problemas que devemos agora enfrentar, o CC coloca em primeiro lugar a necessidade de levar adiante e aprofundar o processo autocrítico em que nos encontramos e que deve ser coroado com a realização do VI Congresso.
O CC saúda a preocupação crítica e autocrítica que se manifestou em todo o Partido em busca dos nossos erros e das causas que contribuíram para o revés sofrido, preocupação em que vê saudável espírito revolucionário de amor ao Partido e de ardente aspiração pela elevação do nível ideológico de suas fileiras.
A fim de estimular esse processo autocrítico, damos conhecimento ao Partido das principais conclusões a que pôde até agora chegar o CC, na análise que fez dos acontecimentos relacionados com a vitória do golpe de 1 de Abril, a respeito das falhas e erros da atividade dos comunistas.
A vitória do golpe militar pôs à descoberto muitas de nossas mais sérias debilidades. Fomos colhidos de surpresa pelo desfecho dos acontecimentos e despreparados não apenas para enfrentá-los, como também para prosseguir com segurança e eficiência em nossa atividade nas novas condições criadas no País. Revelou-se falsa a confiança depositada no “dispositivo militar” de Goulart. Também falsa era a perspectiva, que então apresentávamos ao Partido e às massas, de uma vitória fácil e imediata. Nossas ilusões de classe, nosso reboquismo em relação ao setor da burguesia nacional que estava no Poder, tornaram-se evidentes. Cabe-nos analisar o processo que nos levou à semelhante situação.
Resultado de uma árdua batalha política e ideológica, a linha aprovada pelo V Congresso constituiu-se em poderoso instrumento revolucionário que permitiu ao Partido estreitar suas ligações com as massas e participar ativamente da vida política, contribuindo de tal maneira para o avanço do processo revolucionário que contra nosso Partido se levantaram raivosos os inimigos da revolução. Mas, desde a posse de Goulart, que se deu como resultado de um compromisso da burguesia nacional com as forças reacionárias, preocupados em lutar contra a conciliação começamos a nos afastar da linha política. Esse processo culminou nos últimos meses do governo Goulart, quando de fato abandonamos a luta pela justa aplicação da linha.
Era sem dúvida indispensável combater com firmeza a política de conciliação. Foi justa nossa posição contra o Plano Trienal e contra a negociata de Bond and Share. E foi devido à luta contra a política de conciliação que fracassaram as tentativas reacionárias de abril e outubro de 1963, quando Goulart pretendia, a pretexto de atacar a direita, tomar medidas para conter o avanço do movimento popular. Conduzimos, entretanto, a luta contra a conciliação de forma inadequada.
Nossa atividade em relação ao governo de Goulart era orientada, na prática, como se sua política fosse inteiramente negativa. Desprezávamos seus aspectos positivos de grande importância, como, em sua política externa, a defesa da paz, da autodeterminação dos povos, do princípio de não intervenção, o desenvolvimento das relações diplomáticas e comerciais com os países socialistas, e, sua política interna relativo respeito às liberdades democráticas, o atendimento de reivindicações dos trabalhadores. Nossa oposição ao governo adquiria o sentido de luta contra um governo entreguista, com o objetivo principal de desmascará-lo perante as massas.
Atuávamos considerando a luta contra a conciliação como a forma concreta pela qual devia ser combatido, nas condições então existentes, o maior inimigo do nosso povo – o imperialismo norte-americano. Semelhante posição política só poderia levar ao desvio do golpe principal, transferindo-o para a burguesia nacional. Ao invés de concentrar o fogo da nossa luta contra o imperialismo norte-americano e seus agentes internos, nós dirigíamos nossos ataques fundamentalmente contra a política de conciliação, atingindo o imperialismo quase só em conseqüência desses ataques. Daí a despreocupação em combater agentes descarados do imperialismo norte-americano como Lacerda e Ademar. Daí a despreocupação com as manobras e articulações do próprio imperialismo, com a intensificação de sua agressividade contra os povos por ele dominados. Daí a subestimação do perigo de golpe de direita, considerado mero espantalho para amedrontar as massas. Concentrando nosso fogo no governo, exigíamos medidas cada vez mais avançadas, sem levar em conta nossas próprias debilidades e a fraqueza do movimento nacionalista e democrático, bem como a efetiva correlação de forças sociais que então existia, o que põe a nu a persistente influência do subjetivismo em nossa atividade.
Deixamos de lado o fato de que o próprio avanço do processo democrático ameaçava os privilégios dos monopólios estrangeiros, dos latifundiários e da grande burguesia entreguista, que ainda possuíam fortes posições. Uma falsa avaliação da realidade não nos permite ver que a correlação de forças sociais, nos últimos meses do governo Goulart, tornava-se dia a dia, menos favorável às forças nacionalistas e democráticas. Uniam-se os reacionários e entreguistas, que conseguiam atrair para seu lado amplos setores da burguesia nacional e da pequena burguesia urbana, descontentes com a situação e que não concordavam com as crescentes ameaças ao regime constitucional vigente. As forças da direita armavam-se e preparavam aceleradamente o golpe.
Em princípios de 1964, quando Goulart, movido por seus próprios objetivos políticos, procurou aproximar-se das forças populares, acentuou-se, em nossa atividade, o afastamento da linha política do V Congresso. Subestimamos a importância que tinha para o povo brasileiro a realização das eleições e não cuidamos de aplicar a Resolução Eleitoral aprovada pelo CC, ao mesmo tempo em que estimulávamos o golpismo continuista de Goulart. Ao invés de alertar as massas e convocá-las à luta contra a ameaça de um golpe de direita, claramente revelada na ação de Lacerda, Ademar e seus sustentáculos militares, lançamos a nota da Comissão Executiva de 27-3-64, na qual, ao lado da reivindicação de formação imediata de um novo governo, que “pusesse termo à política de conciliação”, transferimos o centro de ataque para o Parlamento, exigindo a reforma constitucional e ameaçando o Congresso. “O plebiscito – dizia a nota – deverá ser convocado pelo Congresso ou, no caso de omissão, protelação ou recusa deste, pelo próprio Poder Executivo”. Permitíamos, desta forma, que a defesa da legalidade fosse utilizada pelas forças da reação para enganar amplos setores da população e arrastá-los ao golpe reacionário. E na prática abandonávamos a orientação tática contida em nossa linha política.
Na raiz de nossos erros está uma falsa concepção, de fundo pequeno-burguês e golpista, da revolução brasileira, a qual se tem manifestado de maneira predominante nos momentos decisivos de nossa atividade revolucionária, independentemente da linha política, acertada ou não, que tenhamos adotado. É uma concepção que admite a revolução não como um fenômeno de massas, mas como resultado da ação de cúpulas ou, no melhor dos casos, do Partido. Ela imprime à nossa atividade um sentido imediatista, de pressa pequeno-burguesa, desviando-nos da perspectiva de uma luta persistente e continuada pelos nossos objetivos táticos e estratégicos, através do processo de acumulação de forças e da conquista da hegemonia do proletariado.
O exame autocrítico dos nossos erros e a análise de suas causas mais profundas constituem fator decisivo na luta pela justa aplicação de nossa linha política.
10. Com a vitória do golpe militar e a implantação da ditadura reacionária e entreguista, nosso Partido enfrenta uma nova situação e novos problemas. As tarefas de sua construção, sob todos os aspectos, assumem importância decisiva. Devemos dedicar os maiores esforços à recuperação das Organizações de Base e à criação de novas, principalmente nas empresas, fazendas e escolas, e seu fortalecimento político, ideológico e orgânico, capacitando-as a cumprirem suas pesadas tarefas.
É indispensável que todo o Partido adquira a convicção de que cabe aos comunistas um papel de vanguarda na luta para derrotar a ditadura, o que exige espírito revolucionário, desprendimento e capacidade de sacrifício. Se devemos combater o aventurismo, a pressa pequeno-burguesa, precisamos também compreender que a inércia política não é menos prejudicial à causa da Revolução. Nas condições atuais, só cumpriremos nosso dever se formos capazes de fazer de nosso Partido a força organizadora e dirigente do movimento pela reconquista das liberdades democráticas. Isto requer de cada militante grande sentido de responsabilidade e não menor combatividade.
Mais de quarenta anos de atividade já mostraram que só poderemos intervir com êxito nos acontecimentos na medida em que nos mantivermos unidos, procurando aplicar com firmeza a orientação traçada pelo Comitê Central e demais órgãos dirigentes, lutando sem vacilações em defesa do centralismo democrático, pela direção coletiva e pela mais rigorosa disciplina. É na unidade política, orgânica e ideológica do Partido que reside sua força.
Apoiados na ciência do proletariado, na doutrina invencível do marxismo-leninismo, no internacionalismo proletário, nas resoluções do movimento comunista internacional, contidas nas Declarações de Moscou de 1957 e 1960, saberemos dirigir com êxito a luta histórica do nosso povo pela completa emancipação nacional, pela paz, a democracia, o progresso e o socialismo, pela vitória mundial do comunismo.
Maio de 1965
(Voz Operária, Suplemento Especial, Resolução Política do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, maio de 1965)
Os 120 anos do nascimento de Prestes no #ProgramaDiferente
O #ProgramaDiferente desta semana registra os 120 anos de nascimento de Luís Carlos Prestes (Porto Alegre, 3 de janeiro de 1898 – Rio de Janeiro, 7 de março de 1990). Trata-se do mais emblemático líder comunista brasileiro e uma das personalidades políticas mais influentes do século 20 na história do Brasil. Passagens como a Coluna Prestes ou a morte da companheira Olga Benário Prestes numa câmara de gás, na Alemanha nazista, fizeram da sua vida uma lenda. Assista.
Ivan Alves Filho: Perdido na selva
Soube, há tempos, da morte de René Andrieu, ex-diretor do L’Humanité e herói da resistência francesa. Um homem do maquis, um daqueles organizadores da guerrilha anti-nazista em meio rural. Solidário das lutas do povo brasileiro, Andrieu denunciava sempre em seu jornal os crimes perpetrados pela Ditadura Militar.
Estive com ele em várias oportunidades, tanto em Paris quanto no Rio de Janeiro. Tive a honra de intermediar, na condição de intérprete, um encontro dele com o saudoso Giocondo Dias, na sede do Comitê Central do PCB, em meados da década de 80.
Certa feita, Andrieu me contou uma história muito saborosa envolvendo Régis Debray. Saborosa e, até certo ponto, trágica. Recém-formado em filosofia, membro da Juventude Comunista, Debray procurara Andrieu para uma conversa, logo após o seu retorno de uma viagem clandestina à selva venezuelana, onde se avistara com Douglas Bravo e outros líderes da guerrilha local.
Durante o encontro, realizado nos arredores de Paris, Debray não parava de falar de sua passagem pela Venezuela e de um próximo retorno à América do Sul (soubemos depois que realizaria uma viagem à Bolívia, onde se juntaria à guerrilha do Che). Ocorre que lá pelas tantas o futuro autor de Révolution dans la révolution se embaralhou de tal maneira numa daquelas inúmeras portes (ou saídas) de Paris que acabou se perdendo completamente no trânsito.
Andrieu não titubeou: “Se você, Régis”, disse o velho combatente dos anos 40 para o futuro combatente dos anos 60, “já fica desorientado em Paris, o que dirá na selva amazônica. Abre o olho”.
Não deu outra. Pouco depois, Debray era capturado na Bolívia. Para azar do futuro companheiro do Che, Andrieu não se equivocara.
* Ivan Alves Filho é historiador
Tibério Canuto: O agosto petista
Quando o registro do PCB foi cassado em 1947 o PCB deu por finda sua política de “conciliação de classe” que o tinha levado a aconselhar os operários a apertar os cintos. Greve por melhores salários, nem pensar. Era antipatriótica, conspirava contra o governo de salvação nacional de Getúlio Vargas.
O PCB sentiu-se traído pela burguesia, que, guiada pela lógica da guerra-fria, embarcou de proa na onda anticomunista que varreu o mundo. Os comunistas entenderam que o pacto social estabelecido foi rompido e movimentou seu pêndulo para esquerda.
O Manifesto de agosto de 1950, assinado por Prestes, foi a maior expressão da guinada esquerdista. Os comunistas abandonaram os sindicatos e a via parlamentar para se concentrar na via extra institucional. Deliraram com a pregação do armamento geral do povo e a criação de um exército popular de libertação nacional.
A política sectária levou o PCB ao gueto, com a perda de vínculos com a classe da qual se auto atribuía porta-voz e vanguarda. Isolado, perdeu vínculos com a sociedade e suas fileiras definharam.
Só voltou a ser um sujeito da vida política nacional depois que suas bases atropelaram o sectarismo e pressionaram por enterra-lo, coisa que iria se consolidar com a Declaração de Março de 1958.
A referência ao Manifesto de Agosto vem ao caso para entender o movimento que o PT vem operando. Desde o impichi, sente-se traído pela burguesia. A carta que José Dirceu escreveu ainda na prisão reclama quanto a ruptura do pacto estabelecido e preconiza a inflexão à esquerda, propondo um retorno aos tempos da política de “classes contra classes” praticada pelo PT antes do seu amancebamento.
O sentimento de traição entende-se porque, no seu governo, Lula domesticou a CUT, o MST, a UNE e assemelhados, levando a pelegada ao paraíso das estatais. Mais ainda, porque uma das poucas verdades que Lula disse em sua vida é que empresários e bancos nunca ganharam tanto como no seu governo.
Quem leu o artigo de José Dirceu pregando o diálogo com os militares percebe claramente que o PT está de volta aos anos 50, quando a esquerda via o capital externo como um polvo a sugar as riquezas nacionais e dividia as Forças Armadas entre oficiais “entreguistas e golpistas” e “nacionalistas democráticos”.
Conheceremos melhor o “Manifesto de Agosto” petista no dia 24 de janeiro, quando Lula será julgado pela segunda instância da Justiça Federal. O PT quer fazer dessa data o seu 7 de maio de 1947, dia que o registro legal do PCB foi cassado.
Há uma falácia terrível nessa paródia. O PCB perdeu o seu registro sem ter cometido qualquer desvio de conduta no terreno ético. Já Lula corre o risco de ser condenado em segunda instância por ter pisado na jaca em matéria de corrupção.
Mesmo assim, o PT e Lula anunciam uma estratégia de apostar no confronto e de “ir até as últimas consequências” com a candidatura Lula. Em outras palavras, travará mais a batalha no campo extra institucional – leia-se por meio da “pressão das massas” - e menos no terreno jurídico.
Este será usado à exaustão com vistas a criar um clima de comoção nacional. Lula e o PT acreditam que as massas emparedarão o Poder Judiciário. Confia ainda que manterá seu bloco unido até o suspiro final.
A estratégia do tudo ou nada sempre dá em nada. Não será diferente com Lula.
A esquerda sempre teve uma fé messiânica de que na hora do aperto as massas sempre saem em seu socorro.
Quando a Aliança Nacional Libertadora foi colocada na ilegalidade por Getúlio Vargas, o PCB e a ala esquerda do tenentismo achavam que estavam dadas as condições de uma insurreição que seria respaldada por um levante popular. O putsch de 1935 não passou de uma quartelada sem respaldo nas massas populares.
O PCB, quando cassado, também não foi socorrido pelas massas, sobretudo porque enveredou pelo sectarismo. Nada indica que será diferente com o PT, se der consequência prática à sua estratégia aventureira.
Além do furo de não contar com as massas de um país cujo povo é refratário a radicalizações, o estratagema petista tem dois outros furos.
O primeiro é acreditar que a Justiça deixará seu caso arrastar-se até a undécima hora, a ponto de fazer irreversível sua presença na urna eletrônica. Tenho pra mim que a celeridade da Justiça Federal da 4ª Região não será um episódio isolado no caso desse julgamento de Lula. Por uma razão simples: todas as instâncias da Justiças terão o mesmo entendimento que a eleição não pode ocorrer em meio a tamanha insegurança jurídica.
O segundo furo é confiar na firmeza de aliados como Renan, Eunício, Roseana Sarney e demais coronéis do Nordeste. Se não houver a garantia de que a candidatura Lula não será impugnada ao fim do processo, eles pulam do barco. Ou sequer entram nele.
O complicador para Lula é que não é possível ter uma estratégia de dois bicos. Um, a sua candidatura e outro o chamado plano B. Essa coisa faz água para um lado ou para outro., quando não faz para os dois. Pensar em plano B para agosto é coisa para kamikaze. Mas pensar antes é mandar para a cidade de pés juntos a candidatura de Lula.
Se para o PCB agosto de 50 foi a data histórica do seu movimento pendular para a esquerda, para o PT agosto de 2018 pode ser seu mês de cachorro louco.
Cláudio de Oliveira: A instrumentalização partidária e eleitoral dos sindicatos
De 1982 a 1989, fui militante do antigo PCB. Com os velhões do Partidão, aprendi que não se deve transformar os sindicatos e associações profissionais em instrumentos da política partidária.
Antigos militantes me diziam que, de 1922 a 1958, o PCB aparelhou as “entidades de massa”, com enfraquecimento de ambos.
O “aparelhismo” causou prejuízos para os órgãos de classe, que perderam representatividade e, assim, força de atuação e mobilização das categorias. Ao se fecharem em um único partido, deixaram de representar os filiados a outros partidos ou os sem filiação, caso da maioria dos trabalhadores. Para o PCB, que demonstrava atitude antidemocrática de não respeitar o pluralismo da sociedade brasileira.
A partir dos anos 1960, o Partidão passou a entender os sindicatos e associações profissionais como instituições suprapartidárias, compreendidas como órgãos da sociedade civil, com autonomia em relação ao Estado, independentes dos partidos e pertencentes ao chamado movimento democrático geral.
Foi assim que o PCB começou a atuar nos sindicatos e instituições como OAB e ABI, considerando que elas representavam não só os comunistas do PCB, como também os socialistas do PSB, os trabalhistas do PTB, os liberais do PSD e da UDN, e muitos profissionais sem filiação partidária.
Aquelas instituições, pluralistas e de caráter suprapartidário, ao lado de outras como a CNBB, foram muito importantes na resistência ao regime ditatorial de 1964. Atuaram decididamente na campanha pela convocação da Constituinte, na luta pela Anistia aos exilados e presos políticos, e nas mobilizações das Diretas já, por exemplo.
Ontem, em visita ao Campus da Unesp da cidade de Rio Claro, a 173 Km de São Paulo, onde o meu filho faz uma graduação, vi um cartaz da Apeoesp, convocando a comunidade universitária para um debate composto exclusivamente de representantes do PT.
Se eu fosse estudante da Unesp, iria ao debate e ouviria com o devido respeito todos eles, vários dos quais consagrados pelo voto popular. Mas, gostaria de ouvir também as posições políticas de representantes do Psol, PCdoB, PSB, PDT, PPS, PSDB, PV, Rede.
E até do DEM, partido do atual ministro da Educação, José Mendonça Bezerra Filho, para ouvir quais são suas propostas, em que nelas concordo e quais delas divirjo, para saber bem combatê-las, se fosse o caso.
Ao ver o cartaz da Apeoesp, lembrei-me do meu queridíssimo camarada Vulpiano Cavalcanti (1921-1988), militante comunista desde 1934, que costumava repetir:
– Não basta lutar, é preciso saber lutar.
* Cláudio de Oliveira, jornalista e cartunista
Luiz Sérgio Henriques: O legado de Armênio, agora
O título remete à serenidade e, indiretamente, à ideia de revolução e luta pelas liberdades, e o livro em si fala de um personagem que, nascido em 1918, nos dá a honra de ser seu contemporâneo, depois de ter acompanhado parte conspícua das batalhas pela democracia segundo a ótica de um pequeno, mas importante, partido da esquerda contemporânea. Refiro-me ao relato de Sandro Vaia sobre a vida de um comunista singular (Armênio Guedes - sereno guerreiro da liberdade, Barcarolla, 2013), cuja leitura convida simultaneamente a uma reavaliação do passado e a uma posição no presente - esta última sempre tão difícil de tomar, se é que, como diz o filósofo, a ave da sabedoria só levanta voo ao escurecer e, por isso, estamos humanamente condenados a travar os combates do dia com uma consciência tão só parcial e muitas vezes enganosa.
O partido, naturalmente, é o PCB, criado no significativo ano de 1922, prenhe de acontecimentos que assinalariam a modernidade brasileira. Entre seus quixotescos fundadores, Astrojildo Pereira, intelectual fora dos padrões convencionais, admirador e estudioso arguto de Machado de Assis - paixão que o acompanharia pela vida afora e muitas vezes o salvaria da aridez sectária tanto na política quanto na literatura. Armênio chegaria ao "partido" - assim entre aspas, como se fosse "o" partido por antonomásia e todos os demais não passassem de ficção ou figuras casuais - em circunstância diversa e posterior, por ocasião da mobilização antifascista que também iria abalar internamente o Estado Novo e propiciar, logo em seguida à redemocratização de 1945, o curto período de legalidade do PCB.
Astrojildo e Armênio se cruzariam na história partidária, já então profundamente marcada por um traço específico do nosso país - a admissão da ala esquerda do tenentismo, simbolizada na figura de Luís Carlos Prestes -, bem como por uma característica generalizada dos velhos partidos comunistas - a adesão à União Soviética e ao corpo doutrinário que daí se irradiava para os demais partidos "irmãos", o "marxismo-leninismo".
Tempos de ferro e fogo, de clandestinidade, prisões e exílios. E também de enrijecimento dogmático, de cisões e excomunhões estrepitosas, como, para dar o exemplo canônico, as que acompanharam a denúncia dos crimes de Stalin e do seu sistema de poder, no já distante ano de 1956.
Prestes e Armênio - uma visão que tendia a soluções militares, marcada por uma assimilação positivista do marxismo, e outra que tendia a valorizar a política e os recursos da democracia, em cujo cerne estão a dissuasão, e não a força, o consenso, e não a coerção. O mais tradicional e moderado dos partidos da esquerda chegaria cindido a 1964. "No embate entre Jango e seu mais feroz opositor, o governador Carlos Lacerda, da UDN, Prestes achava que o PCB podia ficar no meio da briga e sair ganhando o poder que sobraria depois da mortal briga entre os dois lados." Armênio e muitos outros, ao contrário, tiveram consciência imediata do alcance histórico da derrota e do salto de qualidade que o capitalismo iria conhecer entre nós, na sequência dos idos de março de 1964.
Debilitado pelas sucessivas cisões de quadros que iriam fazer a luta armada - Marighella, Gorender, Mário Alves -, o velho PCB, apesar de tudo, acharia forças para prestar um último e decisivo serviço à democracia brasileira, ao tornar-se "linha auxiliar do MDB" e apostar na crescente discrepância entre o arbítrio do regime dos atos institucionais e o resíduo de legalidade que se manifestava na competição eleitoral e no movimento associativo, mesmo sob severos condicionamentos. Uma estratégia que apontava, desde o início, para a derrota do regime discricionário mediante a obtenção de ampla anistia e, fundamentalmente, de uma Carta democrática - esta mesma a que lealmente nos devemos referir em todos os momentos, especialmente nos de crise e incerteza, como o que ora atravessamos.
Eis-nos, como dissemos no princípio, antes de um novo e iluminador voo da coruja, a nos haver não só com o legado de Armênio, como também com os problemas um tanto opacos do presente. Movemo-nos num ambiente em que o mundo virtual - num indício, talvez, de verdadeira mudança antropológica - facilita enormemente a difusão do anseio por uma "democracia direta" que, segundo seus adeptos radicais, eliminaria a mediação institucional e os organismos estáveis da representação.
Além do fato de o mundo virtual também estar atravessado de boas e más possibilidades, podendo gerar, no limite negativo, um "assembleísmo eletrônico" com todos os vícios do assembleísmo tradicional, resta a evidência de que a esquerda hegemônica não parece ter pela Carta de 1988 o apreço a que devem sentir-se convocados todos os cidadãos. Alguns dos seus dirigentes veem a crise como ocasião para "enfrentar a direita e levar o governo para a esquerda", ainda que, a rigor, não tenham nenhum projeto alternativo de País ou de sociedade. Enxergam o conflito social legítimo como oportunidade de processos constituintes espúrios ou plebiscitos mal-ajambrados, que supostamente reuniriam um Executivo ainda mais hipertrofiado e a massa da população, fora ou dentro das redes sociais - mas sempre ao largo das instituições.
Num paradoxo só aparente, o caminho da fidelidade às regras do jogo democrático, como poderia ter sido em 1964 e como se patentearia nos anos da resistência, continua a ser a via mestra das mudanças substantivas, sem aventuras ou saltos no escuro. No velho PCB, em circunstâncias muito mais difíceis, pôde germinar um reformismo como o de Armênio Guedes. A esquerda hegemônica, hoje, está desafiada a fazer o mesmo: hic Rhodus, hic salta, diria conhecido pensador. E já não seria sem tempo.
* Luiz Sérgio Henriques é tradutor, ensaísta e um dos organizadores das obras de Gramsci no Brasil. Site: www.gramsci.org
Alberto Aggio: Descobertas tardias
Nossa expectativa é de que, juntos com as novas, essas descobertas tardias inundem o espaço público, democratizando a informação e a opinião, quer seja de intelectuais ou de organizações políticas como o PPS.
Em sua coluna para o jornal Folha de São Paulo (veja aqui), o jornalista Clovis Rossi faz alguns comentários sobre o PT e a “esquerda latina”, repassando à opinião pública brasileira as recentes avaliações de Noam Chomsky a respeito do fracasso do PT e do bolivarianismo venezuelano.
É positivo que isso ocorra, especialmente quando se recupera um intelectual como Chomsky, sempre colocado ao lado do petismo e do bolivarianismo, numa crítica definitiva ao que foram os governos petistas. Se Rossi é um crítico do PT há algum tempo, Chomsky sempre foi mobilizado como um aliado de corpo inteiro e de primeira hora, embora sua sensibilidade política esteja mais ligada ao pensamento tardo-anarquista. Chomsky nunca foi exímio conhecedor da América Latina ou do Brasil, não passou a entendê-los por apoiar o PT e Chávez e mesmo agora entende pouco dessa realidade, quando pula fora do barco num momento que parece ser o crepúsculo petista.
O linguista norte-americano Noam Chomsky em conferência na USP em 1996
O que veio à tona nos últimos dias jogou por terra qualquer discurso ou manifesto alinhavado de última hora por intelectuais que continuam a emprestar seu apoio a Lula e ao PT. Rossi anota que a descoberta dos descaminhos do petismo nos seus governos (economia baseada em commodities, falta de desenvolvimento sustentável interno e corrupção) é bastante tardia, mas o que “há de novo é que alguém de esquerda enfim abre os olhos e diz o rei está nu, coisa que nenhum intelectual de esquerda o fez até agora no Brasil”.
Uma injustiça do nobre colunista da Folha. Sabemos que não foram poucos os intelectuais que advertiram sobre esses descaminhos – e outros tantos mais perigosos. Basta citarmos Chico de Oliveira, Paulo Arantes e Roberto Schwarz, por exemplo. Mas deveríamos acrescentar à lista os nomes, pelo menos, de Luiz Werneck Vianna, Luiz Sérgio Henriques, Francisco Weffort, José Álvaro Moisés, Sérgio Fausto, dentre outros. Esse pequeno acréscimo indica que até mesmo na lavra de jornalistas experientes como Clovis Rossi o bloqueio exercido pelo PT em relação a quem pertence ao campo da esquerda, em especial da “esquerda democrática”, continua vigente, lamentavelmente.
Mas há que informar também ao nobre jornalista que um pequeno partido político, como é o PPS – legítimo herdeiro do PCB –, ao romper com o PT em 2004, inclusive a partir de uma formulação escrita sob o título “Sem mudança não há esperança”, o fez mencionando alguns dos aspectos que hoje são lembrados por Chomsky.
Como não poderia deixar de ser, nossa expectativa é de que, juntos com as novas, essas descobertas tardias inundem o espaço público, democratizando a informação e a opinião, quer seja de intelectuais ou de organizações políticas como o PPS.
Alberto Aggio é professor titular da Unesp, membro do Conselho Político do PPS e diretor da FAP (Fundação Astrojildo Pereira)
Fonte: http://www.pps.org.br/2017/04/17/alberto-aggio-descobertas-tardias/
Foto capa: Divulgação/Ricardo Stuckert/Instituto Lula
Marcus Vinícius: O Homem ainda está na cidade
Ferreira Gullar, no grandioso Poema Sujo, pensando sobre as várias velocidades e tempos pelos quais as existências se desenrolam afirmou que “variados são os modos como uma coisa está em outra.”. Hoje, Gullar não está mais na cidade, não caminha mais pelas quitandas, nem observa as bananas que apodrecem como a própria vida. Todavia, Gullar permanece em nós, uma voz firme como um relâmpago capaz de gerar os espantos necessários à criação.
No escuro desses tempos difíceis, a voz de Gullar continua ressoando como um alerta contra as simplificações e os dogmatismos. Sua última crônica, publicada hoje na Folha de São Paulo o demonstra, revelando o homem que aprendeu, a partir dos traumas e das derrotas, a falência da revolução e do socialismo, mas que manteve, inabalável, a perspectiva da construção de uma sociedade mais igualitária e justa.
Sua trajetória, a qual acompanhei durante alguns anos como objeto de pesquisa, acompanha as grandes transformações e angústias do século XX e início do XXI. Em todos os momentos, Gullar esteve disposto a se lançar ao debate público, seja com sua poesia ou suas intervenções políticas.
Nos anos 1950, recém chegado ao Rio, se engaja nas vanguardas artísticas, fazendo parte dos movimentos concretista e neoconcretista. Na breve e profunda mudança para Brasília no início dos anos 1960 percebe que as vanguardas o levaram ao silêncio e no contato com os trabalhadores candangos preenche o silêncio com a política. Assume a presidência do CPC e, no dia do golpe de 1964, filia-se ao Partidão.
Sempre contrário a via armada para a derrubada do regime militar, Gullar se contrapôs aos militares no terreno em que eram mais fracos, a política. Apesar disso, terminou clandestino e exilado no início dos anos 1970.
No exílio, experimenta o autoritarismo dos comunistas da URSS e dos militares chilenos e argentinos. Na busca pela sobrevivência, imerso em sua própria trajetória, compõe em Buenos Aires sua maior obra, o Poema Sujo. O poema emociona a todos e chega ao Brasil como uma ausência, em uma fita cassete com a voz do poeta, que retorna somente alguns anos mais tarde.
No contato com o autoritarismo e a derrota de Allende, Gullar percebe os problemas da esquerda revolucionária e afirma não estar mais disposto a conciliar com os radicalismos tolos. Nos anos 1980, em um poema em homenagem aos 60 anos do PCB, acerta as contas com a cultura política pecebista, mantendo em si aquilo de mais essencial, a vontade de justiça e a necessidade da política.
Mesmo fora da política partidária, Gullar nunca abandona a política. Prossegue intervindo no debate político nacional, apontando desde o início os problemas do petismo e mantendo-se firma na defesa da democracia e do espírito republicano, pensando a necessidade da transformações da sociedade brasileira a partir de uma chave reformista.
Assim, o que fica em nós de Gullar, além, é claro, da sensibilidade incrível de sua poesia, que certamente será ressaltada por muitos, a figura de um homem que sempre combateu pela igualdade, por aquela vida banal que descreveu milimetricamente em seus versos.
Em muitos poemas, Gullar abordou a morte e suas relações com o tempo dos vivos. Escrevendo sobre a morte de Clarice Lispector, Gullar observou as pedras e pensou que existiam independentes e exteriores à morte da amiga. Todavia, feitos de carne, continuamos a existir, numa tarde de dezembro, carregando os maxilares de nossos mortos, como naquela poema de Drummond que Gullar sempre citava. O corpo de José Ribamar Ferreira morreu, Ferreira Gullar certamente está presente.
* Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira é Historiador, mestre em História na Unesp/Franca e doutorando do Programa de Pós-Graduação em História e Cultura
Memória: Cabo Dias, o revolucionário de 1935
Está completando 103 anos do nascimento de Giocondo Dias, o dirigente político que substituiu Luiz Carlos Prestes na Secretaria Geral do PCB. Trata-se do cabo Vermelho, um dos comandantes do governo revolucionário de quatro dias, no Rio Grande do Norte, em 1935.
Chamado pela historiografia de Cabo Dias ou, simplesmente, o camarada Dias, ele nasceu na cidade de Salvador, em 18 de novembro de 1913, no centro histórico dessa cidade. Descendente de italianos por parte de mãe e de portugueses por parte de pai, Giocondo trabalhou em armazéns de secos e molhados e, depois, como ajudante de padres, em várias igrejas do centro histórico expandido de Salvador. A luta pelo sustento da família não permitiu que ele terminasse sequer o curso primário, embora tenha se matriculado várias vezes. O que restava para um jovem pobre e lutador, naquele período, era ingressar no exército para garantir a continuidade do sustento familiar. Contudo, antes de entrar para o exército, ele entrou em contato com as ideias que movimentariam a sua vida e pelas quais lutaria por toda a sua existência.
Em 1932, em Pernambuco, Giocondo Dias se alista no 21º Batalhão de Caçadores e entra oficialmente para o exército brasileiro. Logo depois eclode o movimento de descontentamento da burguesia paulista com o Governo Getúlio Vargas, que ficou conhecido na história oficial como a “Revolução Constitucionalista de 1932”.
Ao terminar sua participação nas disputas entre o governo de Vargas e as tropas arregimentadas pela burguesia paulista, o 21ºBC, que em 1931 havia se levantado contra o usineiro e governador de Pernambuco Lima Cavalcante (quase foi dissolvido após esse episódio), foi enviado para a fronteira. Giocondo, que havia participado de combates e operações, estava neste momento, numa região inóspita de fronteira, onde o batalhão foi quase liquidado por doenças tropicais. Esse batalhão sempre mostrou um desejo ardente por transformação social. Giocondo cita que ao chegar ao quartel, no início da sua vida militar, encontrara nas paredes muitas pichações com as seguintes frases: “Viva o Comunismo”, “Viva Luiz Carlos Prestes”.
Mas a ingerência política do então governador de Pernambuco, Lima Cavalcanti, não permitiria o retorno do 21º BC à sua terra e a saída foi fazer uma troca, o 29º BC de Natal iria para Pernambuco e o 21º BC iria para o Rio Grande do Norte. Manifestando assim, nesse momento, o uso e abuso das classes dominantes sobre o exército brasileiro.
O Cabo Vermelho
Giocondo Dias, por bravura e heroísmo na luta contra as tropas paulistas, tinha sido promovido a Cabo. Em 1933 se encontrava em Natal, onde sua liderança crescia dentro do quartel. Provavelmente em 1934 teria entrado em contato com o PCB. Embora, para outras fontes, a sua entrada no partido teria se dado em agosto de 1935.
O ano de 1934 é de intensa agitação política e com grande insatisfação popular nos centros urbanos, fazendo com que, ao final daquele ano e início de 1935, ocorressem greves que deixaram paralisados mais de 1,5 milhões de trabalhadores pelo Brasil. Operários, estudantes, lutadores antifascista, contribuíram para que o ano de 1935 fosse fortalecido com a fundação, logo no seu início, da ANL (Aliança Nacional Libertadora), em 30 de março, tendo um programa progressista que obteve ampla repercussão. Contando com forte presença nos quartéis, liderança do PCB e comando de Prestes. Embora se fizesse notar uma destacada presença de segmentos que não eram organizados pelo partido.
Essa articulação aliancista agrupou, em trezentas cidades e 17 Estados, algo mais que um milhão de pessoas. Tratava-se de um operador político que, pela sua importância, foi atacado pelo governo Vargas e seus aparatos repressivos, sendo fechado em 12 de julho de 1935. Começava então um momento histórico de muitas precipitações políticas e de avaliações voluntaristas e dogmáticas.
Após entrar para o partido, Giocondo foi desenvolver a sua militância na mesma célula do sapateiro Praxedes, e de outros militantes, no bairro chamado Petrópolis, em Natal. Começa uma grande articulação nacional que colocava a questão do poder na ordem do dia. Essa movimentação ficaria restrita ao aparato militar do partido e, para muitos historiadores, grande parte dos CRs (Comitês Regionais) do partido não tinham conhecimento do que estava ocorrendo. Finalmente, a partir de uma inflexão da base militar do PCB, articulada com poucos membros da cúpula do partido, a partir das informações do Secretário Geral da época (Miranda), e com o conhecimento de Luiz Carlos Prestes, é desencadeado o movimento insurrecional de 1935.
O movimento revolucionário começou em Natal, no Rio Grande do Norte, na noite do dia 23 de novembro, quando o 21º BC se sublevou, tomando a cidade e o batalhão da polícia, depois de uma luta feroz que durou 19 horas. Os revolucionários tiveram o apoio da população e formaram o Comitê Popular Revolucionário (CPR). O Cabo Dias, líder revolucionário, participa nesse momento da indicação dos membros do governo provisório que foi composto por Lauro Cortês Lago (ministro do interior), José Batista Galvão (ministro da viação), José Praxedes, sapateiro que era o Secretário Político do PCB naquele momento, seria o ministro do abastecimento, Quintino Clemente de Barros, que era sargento, ministro da defesa e José Macedo, ministro das finanças. Estava assim constituído o Primeiro Governo Popular da República Brasileira, que ficou quatro dias no poder.
O velho sapateiro Praxedes, comunista de longa tradição, em relatos no primeiro semestre de 1982, nos informou que o Governo Provisório era todo composto por militantes do PCB, embora eles não fizessem a distinção dentro ANL.
O líder revolucionário, Cabo Dias, articulou várias ações que iam definindo os rumos do levante. Todavia, as tropas do governo federal estavam no interior do estado, vindas da Paraíba e de Alagoas, marchando para Natal. A correlação de forças na luta era muito desfavorável. O Cabo Dias ao tentar encontrar meios para reorganizar os combatentes, e evitar as precipitações, foi atingido por 3 tiros tendo que ser socorrido e levado rapidamente para o hospital. Mas, antes impediu que o atirador fosse fuzilado por seus camaradas. Do hospital, prevendo a derrota do levante, encaminhou um carro como escolta do quartel para resgatar a sua família. No retorno, quando o carro passava pela chefatura de polícia, foi alvo de vários tiros e um deles alvejou a cabeça da jovem Sinhá, cunhada do Cabo Dias, que morreu naquele momento.
A insurreição não avançou, mesmo com os levantes do dia 24 em Recife e do dia 27 no Rio de Janeiro. O levante foi dominado em todo o país.
O Cabo Dias empreendeu fuga, conseguiu se esconder numa fazenda no interior do Estado e lá, em circunstâncias periféricas ao movimento, foi covardemente ferido, levando 13 facadas e ficando à beira da morte jogado numa estrada vicinal. O líder revolucionário se recuperou. No entanto, ficou preso em Natal quando sofreu uma nova tentativa de assassinato que não se consumou. Ficou na cadeia por mais de 1 ano, quando foi solto em Salvador (para onde havia sido transferido), pelo ato de anistia conhecido como “macedada”, em 1937. E, mesmo solto, foi procurado pela polícia em Salvador, tendo que entrar para uma rigorosa clandestinidade até meados de 1945.
Os bastidores da reorganização do PCB, na Bahia
Apesar das grandes desconfianças em virtude de infiltrações, Giocondo Dias articula seu contato com o partido na Bahia através de conversas com João Falcão. Mesmo na clandestinidade, se transforma num importante dirigente do CR da Bahia, instância que era reconhecidamente a mais importante do partido no Brasil naquele momento.
No começo dos anos 1940 se constituiu o chamado “Grupo Baiano” que iria preparar e realizar a conferência do PCB, em 1943. Era um contingente de militantes baianos e não baianos, mas que na Bahia haviam se encontrado, a exemplo de Carlos Marighella, Armênio Guedes, Moisés Vinhas, Giocondo Dias, Aristeu Nogueira, Milton Caíres de Brito, Arruda Câmara, Leôncio Basbaum, Alberto Passos Guimarães, Jacob Gorender, Maurício Grabois, Praxedes, Osvaldo Peralva, Boris Tabakoff e Jorge Amado. Mário Alves a partir de 1942 e Ana Montenegro, em 1945. Era um conjunto extraordinário de militantes, intelectuais e dirigentes que marcou a história do PCB e do Brasil de forma indelével.
Durante o período de clandestinidade, Giocondo Dias foi condenado à revelia pelo Tribunal de Segurança Nacional (TSN) há 6 anos e 6 meses. Na clandestinidade fez uma cirurgia para retirar as balas que o atingiram no levante de 1935. Ainda nesse período de dura clandestinidade nasceram seus filhos: Gilberto (1938), Antonio Eduardo (1940) e Eduardo Luís (1942), depois ainda teria mais um filho (já que Ana Maria nasceu em Natal, no Rio Grande do Norte, antes desse período), com D. Lourdes, a companheira de sempre.
Um fato novo ocorreu na vida do partido na Bahia. Voltando do exílio em 1943, Jorge Amado informou ao CR da Bahia que existia uma articulação nacional para reorganizar o partido e que estava sendo feito pela CNOP (Comissão Nacional Provisória do PCB), constituída no Rio de Janeiro pelo chamado “Grupo Baiano”. Pouco tempo depois, em passagem pela Bahia, João Amazonas conversaria com Giocondo Dias e João Falcão sobre o partido. É desse período histórico a realização da II Conferência Política do PCB, que ocorreu nos dias 27, 28 e 29 de agosto de 1943 num local entre Barra do Piraí e Engenheiro Passos, região da Serra da Mantiqueira. A partir daí o partido passaria a ter uma direção e a CNOP elege, in absentia, Luiz Carlos Prestes Secretário Geral do PCB. Nesse momento re-começa o trabalho de construção da unidade partidária e da organização política do partido em todo o país. Na Bahia o Secretário Político era Giocondo Dias.
Novos tempos…
O Estado Novo estava desmoronando, aquele aparato que perseguiu, torturou e matou comunistas sucumbiu diante das lutas sociais e dos novos tempos do mundo. Era o fim do governo despótico que havia enviado grávida, a heroína comunista, Olga Benário Prestes para os campos de concentração da Alemanha nazista para ser assassinada. Lá nasceu sua filha, Anita Prestes, símbolo de uma luta sem trégua contra a barbárie.
O povo tomou as ruas, o PCB se transformou no operador político da vanguarda brasileira. Caiu o Estado Novo no dia 18 de abril de 1945. Nesse dia histórico, na condição de Secretário Político do PCB na Bahia, e ao lado de Mário Alves, Carlos Marighella, Fernando Santana e João Falcão, Giocondo Dias fala para as massas da sacada de um prédio na praça municipal, no centro de Salvador. Era o líder revolucionário falando para os trabalhadores da sua terra. A história marchava para frente, a luta de classes favorecia ao proletariado, a burguesia reacionária encontrava-se debilitada e o PCB dirigia a esquerda brasileira.
Em junho de 1946, na III Conferência Política do PCB, realizada no Rio de Janeiro, Giocondo Dias é eleito para o Comitê Central. Nesse encontro, a vida do Cabo Vermelho é conhecida pela primeira vez dentro do partido e ele passou a gozar de uma grande admiração diante da descoberta de seus feitos em 1935. Ao término dessa conferência foi apresentado, publicamente, o CC (Comitê Central) na sede da UNE. Era sem dúvida um grande feito histórico. Foi eleito um CC com 29 efetivos e 15 suplentes. Entre os efetivos, além de Prestes, chamava à atenção a presença dos integrantes do “Grupo Baiano”.
No processo eleitoral de 1945 o partido teve uma grande participação. Seu candidato à presidência, o engenheiro Yedo Fiúza, tinha tido quase 10% dos votos e Prestes foi eleito Senador, juntamente com 14 deputados federais pelo PCB, e mais três por outros partidos. O PCB encontrava-se num momento de grande visibilidade pública.
Em janeiro de 1947 ocorreram eleições para deputados estaduais e governador. Na Bahia, o PCB lançou uma chapa composta por mais de 20 militantes e liderada por Giocondo Dias, mas que ainda tinha a presença de Ana Montenegro, Mário Alves, Jaime Maciel e o líder operário que seria depois condecorado na URSS, João dos Passos. Essa chapa elegeu dois deputados: Giocondo Dias e Jaime Maciel. Em Sete de abril de 1947 foi instalado os trabalhos da Assembleia Legislativa com caráter Constituinte. Giocondo Dias teve uma participação importante nos debates da Constituinte, levando para este espaço político as propostas dos trabalhadores.
Mas a burguesia interna, reacionária e golpista, articulou a reação conservadora para enfrentar os trabalhadores. No dia 7 de maio de 1947 cassou o registro do PCB. Começava uma longa jornada em defesa do partido que tinha uma presença enorme entre os trabalhadores, quase duzentos mil filiados, 17 deputados federais, 64 deputados estaduais, um senador legendário (mais bem votado do país) e um candidato a presidente que havia tido 10% dos votos na eleição nacional.
O PCB reagiu em todo país. Lutou nas diversas trincheiras, fez manifestações, publicou comunicados em seus jornais, a exemplo daqueles que saíram no jornal O Momento na Bahia, mas foi derrotado. Logo em seguida, no início de 1948, os parlamentares comunistas são cassados e um tempo de trevas se abriu novamente para aqueles que sempre lutaram pela liberdade.
No dia 8 de maio, Giocondo Dias fez um discurso na Assembleia Legislativa da Bahia, em nome dos “interesses do povo e da classe operária da nossa terra”. E no dia 14, realizava o seu discurso final, onde afirmava “[…] Um comunista é homem que sabe cumprir o dever e resistir à todas os arreganhos da reação e dos potentados senhores das classes dominantes.” E concluiu seu discurso dizendo que chegará um tempo onde “não haverá mais lugar para ditaduras terroristas como a que ora infelicita a nação, ditadura que nosso povo repudia e saberá substituir por um governo de sua confiança, um governo popular.” E concluiu dando vivas a Luiz Carlos Prestes.
Recomeça a longa noite…
Já na clandestinidade, Giocondo chega ao Rio de Janeiro em 15 de abril de 1948 e é designado pelo partido para ser um dos responsáveis pela segurança de Prestes. Em 1949, Giocondo, ficou efetivamente encarregado da segurança do Cavaleiro da esperança, agora já em São Paulo, substituindo ao João Amazonas. Assim, Giocondo era a única pessoa que tinha as informações sobre Prestes e sobre o aparelho onde esse residia, fazendo a ponte com a direção do partido.
O partido entrou na mais profunda clandestinidade e seus dirigentes mergulharam nos subterrâneos da luta. No entanto, em meados dos anos 1950, com a eleição de Juscelino (apoiado pelo PCB), ventos de liberdades democráticas modificaram a cena política brasileira.
Nesse mesmo período vem a público o relatório do XX Congresso do PCUS que traria uma larga crise ao partido. Mas após muitos debates o PCB supera aquele momento e numa reviravolta política, a partir da articulação de Giocondo Dias, apresenta uma nova linha política. Essa nova orientação foi apresentada pelo CC em março de 1958, ficando conhecida como a Declaração de Março. Esse documento contou com o apoio de Prestes, afinal, para o Secretário Geral, era a mediação possível no sentido de manter a unidade do partido. Vale ressaltar o papel primordial que tiveram Mário Alves e Jacob Gorender na elaboração do documento.
O PCB está, através da nova orientação, na ante-sala das articulações políticas. Termina o governo Juscelino, passa o episódio Jânio Quadros e agora é o governo Goulart. A Declaração de Março permitiu a reinserção do PCB na política nacional, todavia, se constituiu num instrumento para uma política reboquista frente ao governo e ao processo político em curso, permitindo vacilações frente à conjuntura de crise. Giocondo era, nesse período, o segundo dirigente na estrutura partidária na condição de Secretário de Organização e com o prestígio político em ascensão. Afinal, foi o articulador da nova linha política.
Era um momento muito importante na história do PCB e do Brasil: massas nas ruas, trabalhadores em greve, reformas de base em discussão e estratégias políticas em debate. O partido estava no ápice do seu papel de vanguarda no pós 1946, dirigia a classe operária via o GCT (Comando Geral dos Trabalhadores), estava no comando dos sindicatos rurais, através da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura), tinha muitos militantes nas forças armadas e nas forças públicas (PM). Poderia se dizer que o PCB estava com possibilidades de criar momentos de dualidade de poder. O que fazer? Continuava a indefinição dentro do partido (qual seria o caminho a seguir?), no governo o ambiente político era de confusão e vacilação. Todavia, a reação burguesa encontrou o seu caminho histórico, consolidou uma aliança dentro e fora do país, colocou as tropas na rua e deu o golpe burgo-militar de 1º de abril de 1964, efetivando assim a contra-revolução de forma preventiva.
A derrota política
Giocondo Dias estava alinhado em um campo dentro do partido que examinava o acirramento político, do início de 1964, com preocupação. Ele compreendia que o partido não tinha forças, naquele momento, para colocar a questão do poder na pauta da ação concreta. E, em virtude disso, temia que algo de muito grave ocorresse. Comprovou-se sua tese, a autocracia burguesa se rearticulou e impôs um golpe de classe no Brasil. Dias, assim como o partido, de forma mais dura ou menos fechada, entraram para a clandestinidade. Uma velha forma de vida e militância, conhecida por ele há muito tempo.
Nesse cenário político Giocondo Dias consolidou a sua liderança e lançou o documento “Manifesto ao Partido”. Prestes estava isolado dos debates, por se encontrar blindado na clandestinidade em virtude da repressão. Operavam no campo da luta política dois grupos: um liderado por Dias, que era composto por Geraldo Rodrigues, Jaime Miranda, Orlando Bonfim e Dinarco Reis, tendo o acompanhamento intelectual de Alberto Passos Guimarães, que era sempre consultado por Giocondo e outro, que era composto por Carlos Marighella, Mário Alves e Jover Telles.
Nesse processo, quanto mais o regime “endurecia”, mais estragos o partido sofria. Na disputa interna para encontrar uma orientação política, que refletisse sobre o golpe e apontasse o caminho para enfrentar a autocracia burguesa, foi convocado o VI congresso que viria ocorrer em dezembro de 1967, em São Paulo.
É um momento de grande ruptura política e orgânica que abriu uma fenda profunda na maior força política da esquerda brasileira. O PCB, agora sem os dissidentes, encontrou um novo rumo. Estava formulada a política de Frente Única com o chamamento à participação de amplas camadas populares. O trabalho do partido com base na “linha” definida começa a se mostrar vitoriosa, quando, ao mesmo tempo, os aparatos repressivos massacravam os bravos heróis, que mesmo equivocadamente, optaram pela luta armada. Dias sofreu muito com os assassinatos de camaradas e amigos de longas jornadas, como Mário Alves e Carlos Marighella.
Giocondo Dias operava na clandestinidade. Um terço do CC estava no exílio. Prestes já havia saído do país para não ser eliminado pela repressão, se estabeleceu em Moscou. A ditadura era impactada pelo o avanço das lutas sociais e políticas. Nesse momento a ditadura se voltou contra o PCB e lançou várias operações para destruir o partido. A repressão queria acabar com o papel do PCB na operação política que começava a abalar o poder do regime. Utilizando-se de várias técnicas, a repressão conseguiu com sucesso infiltrar seus agentes no partido, para, a partir daí, efetuar prisões e assassinar quadros dirigentes e lideranças de frente de massa. Quando começou o ano de 1974, essas operações avançaram e até 1976 conseguiram efetuar quase 700 prisões de militantes do partido e mais de 20 assassinatos de dirigentes, sejam eles do CC, CRs ou da base, como o operário Manuel Fiel Filho e o jornalista Vladmir Herzog.
Aqui no Brasil, na clandestinidade, Giocondo Dias sentiu o cerco da repressão que se fechava sobre ele e notando que ele corria risco, o CC no exílio, em conjunto com o governo Soviético, designou o baiano José Salles para organizar uma operação no sentido de tirá-lo do Brasil. Foi uma longa e bem sucedida operação, comandada pelo jovem dirigente que mais tarde viria a ser o Secretário Geral Adjunto do Partido, no exílio. Salles saiu com Dias pela fronteira do sul e conseguiu seguir em diversos vôos até Moscou.
Do Exílio ao comando do PCB: o papel do General da tática
Giocondo Dias se estabeleceu primeiro em Moscou e depois em Paris, onde passou a trabalhar em conjunto com outros dirigentes comunistas em um escritório cedido pela CGT. Era um trabalho de articulação política junto aos exilados da Frente de combate à ditadura brasileira. Ele fazia reuniões, desenvolvia contatos, articulava o partido no exterior e criava pontes para entrar em contato com seus camaradas no Brasil. Trabalhava de forma incessante. No exílio, ainda em Paris, Dias perde a companheira de sua vida. Faleceu D. Lourdes, a camarada Lourdes, a mulher que conviveu ombro-a-ombro com ele por toda uma jornada de vida.
Com a direção do partido quase toda no exílio, novas polêmicas se apresentaram no debate interno do CC. De um lado se postava o Cavaleiro da Esperança e do outro, mesmo sem demonstrar querer o combate, colocava-se o líder da maioria do CC, Giocondo Dias. Ele viajou por toda a Europa, discutindo com os camaradas do PCB e dos outros Partidos Comunistas. No Brasil a luta de massas avançava; a política econômica da ditadura fracassava, a Frente política crescia no parlamento desde as eleições de 1974, se organizavam lutas contra a carestia, pela anistia e por eleições gerais.
Era chegado o momento de voltar ao Brasil. Giocondo Dias retornou no dia 2 outubro de 1979. Alegre, e motivado, ele tenta organizar a sua vida para melhor atender a reconstrução do Partido.Reencontra sua mãe, que pouco depois faleceu, e se casa novamente. Mas a situação do PCB era de profunda cisão entre Prestes e o CC. Após algumas tentativas de resolução do longo impasse, o legendário Secretário Geral lança uma “Carta aos Comunistas” e se afasta da direção. É nesse contexto que o CC se reúne no dia 12 de maio de 1980 e, mesmo bastante desfalcado, por mortes e desaparecimentos, elege Giocondo Dias para a Secretaria Geral do PCB.
Giocondo Dias na condição de Secretário Geral viajou para Moscou, esteve em vários países da Europa, em Cuba, na China, sempre em reuniões com as lideranças comunistas. No Brasil, esteve em contato político com diversas forças que efetivaram a transição. O dirigente Dias, longe do cabo vermelho, agora era o General da tática. Operava na mediação da democracia e não conseguia perceber que a tática estava derrotando a estratégia socialista.
Na consolidação da política de frente Democrática, Giocondo Dias trabalhou na perspectiva da realização do VII congresso que começa no dia 13 de dezembro de 1982, em São Paulo, com a participação de 86 delegados. Contudo, a polícia invade o local e prende todos. Mais uma vez o velho combatente estava na cadeia. Todavia, 3 dias depois seria solto. Mesmo assim, ele seria mais uma vez detido quando retornava de uma viagem a Moscou, em 1985.
O velho dirigente Giocondo Dias seria ainda, antes de morrer, homenageado no Brasil e no exterior pela sua incansável luta em defesa da Democracia, da Paz e da perspectiva do Socialismo.
Mas um novo inimigo se apresentou para um último combate, Dias descobriu que tinha um tumor no cérebro. Foi tratado em Moscou, onde fez uma cirurgia em janeiro de 1987. Retornou ao Brasil e faleceu no dia 7 de setembro desse mesmo ano, seu corpo foi velado na AL (Assembléia Legislativa) do Rio de Janeiro e por lá passaram autoridades políticas, velhos e novos camaradas, intelectuais e simples tra- balhadores. Havia falecido um herói, o Cabo Vermelho, que nos legou um patrimônio de 52 anos de militância no Partido Comunista Brasileiro, o Partidão. Uma legenda da história não oficial do Brasil.
Por: Milton Pinheiro
Fonte: https://blogdaboitempo.com.br/2016/11/18/cabo-dias-o-revolucionario-de-1935/
Ivan Alves Filho: Relembrando Astrojildo Pereira
O que mais impressiona na trajetória de Astrojildo Pereira, a meu juízo, é a união que ele soube cimentar entre o homem de pensamento e o homem de ação. Uma combinação rara. Talvez por isso, o escritor e homem público Afonso Arinos de Mello Franco tenha se referido a ele como “a maior aventura intelectual” do Brasil em seu tempo.
Vamos tentar entender melhor o motivo disso. Nascido em 1890, em Rio dos Índios, localidade de Rio Bonito, na velha província fluminense, Astrojildo Pereira vivenciou, em 1908, um episódio que o marcaria para o resto da vida. Foi assim. Ao ler nos jornais que o romancista Machado de Assis agonizava, ele pega imediatamente uma barca em Niterói, atravessa a Baía de Guanabara e desce na Praça Quinze, no centro do Rio de Janeiro. Lá chegando, se enfia em um bonde e vai bater com os costados no Cosme Velho, aprazível bairro onde vivia o autor de Memórias póstumas de Brás Cubas.
Profundo admirador da obra machadiana, o rapaz, de apenas 17 anos, queria se despedir do velho mestre. Expõe sua intenção às pessoas que se encontravam na casa e é autorizado a entrar no quarto do escritor. Ajoelha-se, beija-lhe então as mãos e logo depois se retira. Na belíssima crônica A última visita, Euclides da Cunha, que presenciara a cena, escreveu: “Naquele momento, o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra”.
Dois anos após esse acontecimento, civilista convicto e já começando a se impregnar de ideias anarquistas, Astrojildo Pereira desembarca no cais da Praça Mauá, no Rio, e vai conhecer algumas das principais capitais europeias. Perambula seis meses pelo Velho Continente e retorna ao Brasil. No ano de 1911, Astrojildo já colaborava com o órgão anarquista Guerra Social, trabalhava como gráfico e linotipista e militava no movimento anarquista. Em 1913, ele integra, com um grupo de aguerridos companheiros, a primeira central operária brasileira, a COB, da qual se tornaria o secretário-geral. Em 1917 e 1918, lidera uma série de greves operárias que abalam o Rio de Janeiro. É preso e barbaramente espancado pela polícia no final de 1917 e novamente preso no ano seguinte. Não esmorece. Em 1922, sob inspiração direta da revolução bolchevique na Rússia, faz a opção definitiva pelo marxismo e ajuda a formar o Partido Comunista no Brasil. Em 1924, viaja para Moscou, já investido na condição de secretário geral do PCB. Nesse mesmo ano, assiste, na Praça Vermelha, aos funerais de Vladimir I. Lênin – o arquiteto da revolução bolchevique e também do Estado soviético. Ainda em Moscou, por essa época, divide um alojamento com um líder comunista que seria considerado um dos grandes estadistas do século XX: Ho Chi Minh.
De volta ao Brasil, vive como um revolucionário profissional. Com efeito, Astrojildo não para. Dedica-se a organizar o PCB clandestino e se interna em seguida na Bolívia, em 1927. Sua missão? Contactar Luiz Carlos Prestes, o chefe da Coluna Invicta, em nome do Partido. Entrega a Prestes uma mala com livros marxistas e tenta convencê-lo da necessidade de revolucionar as estruturas da sociedade – e não apenas derrubar este ou aquele governo. Consegue atrair Luiz Carlos Prestes para as fileiras do PCB.
Uma vez acertado o ingresso do Partido na Internacional Comunista, Astrojildo Pereira passaria a compor sua Comissão Executiva, a instância máxima da organização, em 1929, quando parte novamente para a capital soviética. Com menos de 40 anos de idade, ele já se apresentava como um dos líderes da revolução mundial.
Mas não tardaria muito e Astrojildo Pereira teria sérias divergências políticas com o Partido no Brasil. Assim, é afastado da organização em 1932, sob a acusação de tentar barrar a linha dita de “proletarização” de sua política e de simpatizar, ainda, com as ideias de Nikolai Bukharin, opositor de Josef Stalin na direção do Partido Comunista da União Soviética.
Reintegrado ao PCB no bojo da redemocratização do país em 1945, Astrojildo Pereira colabora, nesse meio tempo, com o jornal carioca Diário de Notícias e escreve ensaios primorosos sobre Machado de Assis. Sua reputação como crítico se consolida. Tampouco abandona a reflexão política, debruçando-se sobre a análise do fascismo e sua influência no Brasil. Mais: é o primeiro a pontar para a grandeza épica dos Quilombos dos Palmares, chamando Zumbi de “o nosso Spartacus negro”. Começa publicar então seus vários livros de ensaios. E ainda se dedica de corpo e alma à organização do I Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em 1945. O Congresso lançaria, praticamente, a pá de cal sobre o Estado Novo de Vargas. Dele participam Jorge Amado, Caio Prado Júnior, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e outros nomes de primeiríssima linha da literatura, da historiografia e da ensaística brasileira.
Durante o Estado Novo, Astrojildo Pereira sobrevive vendendo frutas em um depósito em Niterói, o que motivou Manoel Bandeira a escrever um poema sobre ele. E de 1945 até o dia do Golpe de 1964, realiza pesquisas sobre a obra de Machado de Assis e a trajetória do PCB. Ao lado de sua companheira Inez, essas são as grandes paixões de sua vida, desde a juventude. Daí ter escrito certa vez que seu ideal de vida encorporava “um doce amor de mulher em meio a uma bravia luta política”. Seja como for, Astrojildo edita, nessas duas décadas, publicações da importância de Literatura e Estudos Sociais. Trabalha na célebre Editorial Vitória, do PCB, e passa a ditar, na prática, a política cultural do Partido. Intelectual refinado, ele contribui para revelar alguns valores que brilhariam na cultura e na política, como Armênio Guedes e Leandro Konder.
Astrojildo conviveu com figuras altamente representativas da cultura brasileira, como Oscar Niemeyer, Di Cavalcanti, Monteiro Lobato, Alberto Passos Guimarães e Nelson Werneck Sodré – pelo lado comunista – e Otto Maria Carpeaux e Hélio Silva, intelectuais católicos. Hélio Silva, inclusive, era um querido companheiro desde os tempos do anarquismo. Mais de uma vez, eu o ouvi – fascinado – discorrendo sobre isso, em meados da década de 80, quando tive oportunidade de trabalhar com ele, no Rio de Janeiro.
A explicação para esse trânsito junto a personalidades dos mais diferentes horizontes políticos e filosóficos reside no fato de que Astrojildo Pereira defendia seus pontos de vista sem qualquer traço de sectarismo. É bem verdade que nos momentos mais duros dos embates ideológicos travados pelo PCB, o velho revolucionário se alinhou, daqui e dali, com posições que, a rigor, contrariavam sua própria visão de mundo. É que, por formação, jamais iria contra uma diretriz do Partido. Mesmo assim, era, basicamente, um homem avançado em relação à sua época. Escrevendo de Moscou, em 1925, por exemplo, reconheceu que “a democracia, ainda que burguesa, é vista como um bem pelas massas”.
Era, de fato, um homem raro, desses que aparecem a cada meio século. Sua primeira prisão política, que eu saiba, se deu em 1917; a última, em 1964. Em 1965, devido aos rigores da prisão, onde sofreu um infarto, morreu Astrojildo Pereira. Foi perseguido durante a vida inteira, mas nunca perseguiu ninguém. Lutou todos os combates possíveis pela liberdade. Afonso Arinos tinha razão: Astrojildo Pereira levou uma existência que honra a inteligência brasileira. Sua vida é um desafio permanente lançado à imaginação dos melhores romancistas.
Eu o conheci em nossa casa, no Rio de Janeiro, quando estava para fazer 13 anos. Foi logo após sua saída da prisão. Meu pai, militante do PCB, tinha por ele um grande respeito. Guardo até hoje na memória sua semelhança física com meu avô paterno. Em ambos, eu percebia a mesma candura nos gestos, a mesma doçura no olhar, a mesma calma ao lidar com as pessoas. Como Astrojildo, vovô era um admirador do camarada Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Como ele, vovô nascera na velha província. Ao conhecer Astrojildo Pereira, foi como se eu passasse a ter mais um avô só para mim.
Pouco depois, soube de sua morte. Seu enterro foi uma corajosa manifestação pública de repúdio à ditadura militar então instalada no Brasil. Inez Dias, desafiando os esbirros do regime, gritou, à beira do seu túmulo: Viva Astrojildo Pereira! Naturalmente, fiquei abalado com tudo que estava acontecendo. No país do final da minha infância, prendiam e maltratavam homens com mais de 70 anos de idade. Seu pecado? Ter permanecido fiel às suas ideias de juventude. Era mesmo assustador.
O velho Astrojildo Pereira foi o primeiro herói da minha vida.
Ivan Alves Filho é jornalista, historiador e autor de mais de uma dezena de livros, entre eles Memorial de Palmares