pazuello
Ricardo Rangel: Profecia autorrealizável
Muitos democratas têm se manifestado no sentido de que uma “terceira via” não tem chance e que um segundo turno entre Bolsonaro e Lula é inevitável. Ato contínuo, elogiam Lula, que, afinal, “é um democrata” e não tem por objetivo desmontar por completo as instituições, como o supremo mandatário vem fazendo.
Lula se assemelharia ao barítono da ópera da anedota, que, brutalmente vaiado, alerta: “Não gostaram do barítono? Esperem para ouvir o tenor!”. O barítono Lula parece determinado a mostrar que não desafina, e, incansável, perambula por Brasília, conversa com todo mundo, lança pontes ao centro, busca vacinas, produz um discurso com começo, meio e fim.
Diante da insuportável cacofonia produzida pelo tenor que ocupa o Alvorada, Lula surge com a maviosa voz de um Fischer-Dieskau redivivo. Mas quão afinado com a democracia está, de fato, o barítono Luiz Inácio?
Foi Lula quem criou a polarização e o ódio político: o “nós x eles” que impede o país de se reconciliar consigo mesmo começou contra Collor em 1989, intensificou-se no mensalão, chegou ao paroxismo na Lava-Jato e no impeachment de Dilma; o hábito petista de chamar qualquer não petista de fascista, racista, homofóbico etc. perdura até hoje. Fake news foram usadas para assassinar a reputação de Marina Silva em 2014, e foi Lula que iniciou a campanha de desmoralização e descredibilização da imprensa (que os petistas chamam de “mídia golpista”).
O esquema de corrupção centralizada, administrada pelo Planalto, não foi algo que “sempre existiu”, como dizem os petistas. Foi algo novo: um método de governo que comprava em dinheiro vivo o apoio dos parlamentares e, assim, atentava contra um dos alicerces da democracia, a separação dos poderes, (o tratoraço de Bolsonaro é parecido). E o dinheiro desviado foi também para a campanha eleitoral, reelegendo o PT mais três vezes, atentando contra outro pilar da democracia, a alternância no poder.
“Não se deve perder de vista que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal”
Afora os ataques à democracia, ainda houve a “nova matriz econômica”, que provocou um descalabro econômico. E como Lula afirma que o mensalão e o petrolão nunca existiram e atribui o desastre econômico a Temer, é lícito supor que, eleito, vá fazer tudo igualzinho.
Admita-se que, apesar de tudo, Lula continua sendo melhor do que Bolsonaro, mas não se deve perder de vista que, quando se escolhe o menor entre dois males, o que se escolhe é um mal. Então é bom examinar bem para ver se essa escolha é mesmo inevitável. E, por enquanto, não é.
O Brasil é um país onde terremotos políticos se multiplicam — há pouco mais de um mês, Lula não era elegível, a CPI da Covid não existia e nada se sabia sobre o tratoraço, por exemplo —, e ainda faltam dezessete meses para a eleição: há muita água para rolar.
Quem vaticina que um segundo turno entre Lula e Bolsonaro é inevitável não está fazendo análise política, está contribuindo para criar uma profecia autorrealizável: se aqueles que não querem um segundo turno entre os dois polos acreditarem que ele é inevitável, assim será.
Não é hora de crer em vaticínios e inevitabilidades, é hora de criar alternativas.
Publicado em VEJA de 19 de maio de 2021, edição nº 2738
Fonte:
Veja
https://veja.abril.com.br/blog/ricardo-rangel/profecia-autorrealizavel/
Janio de Freitas: Os bilhões dos milhões de vacinas
O boicote à vacinação, pela sabotagem à compra de vacinas, é uma aberração que justifica o interesse nela concentrado pela CPI —que vai bem, obrigada. Mas daí deriva a ausência de questionamento, a todos os depoentes, sobre um tema que pode estar na raiz de parte dos transtornos enfim investigados.
As compras de vacinas, ou de ingredientes, movimentam quantias montanhosas. A guerra comercial entre as vacinas, pela conquista da opinião pública e pressão sobre os governos, extravasa em acusações de risco feitas e desfeitas em torno de bilhões. Nem foi outro o motivo da apressada recomendação (se foi só isso) dos Estados Unidos para aqui não se comprar a Sputnik V, que, sobre ser russa, tem preço baixo. A velha proteção comercial americana não se distrai.
A compra que o ministro Marcelo Queiroga comemorou nos últimos dias é de 100 milhões de doses da Pfizer. Em breve passagem de sua entrevista à Veja, Fabio Wajngarten referiu-se ao preço da Pfizer, com a qual negociava: os diretores da farmacêutica “toparam até mesmo reduzir o preço da unidade, que ficaria abaixo dos US$ 10”. Abaixado também o dólar para uma estimativa, só essa compra anda pelos R$ 5 bilhões.
Negócio com tamanho custo para o dinheiro público foi conduzido junto à Pfizer, no entanto, pelo então secretário de Comunicação da Presidência, não pelo ministro da Saúde com sua assessoria técnica, nem pelo ministro da Economia e seus técnicos. Por que o alheio Wajngarten estava “autorizado pelo presidente” para a negociação? Foi acompanhado apenas, em uma reunião com a Pfizer, pelos não menos inabilitados para representar o governo, e o próprio país, Filipe Martins, assessor no Planalto, e o vereador Carlos Bolsonaro.
A CPI está em tempo de se voltar também para o lado do dinheiro na investigação. Há perguntas indispensáveis: como negócios comerciais, as transações com as indústrias das vacinas têm intermediação remunerada? Comissão? De quanto e paga por que lado? Nas compras à Pfizer, há intermediação empresarial remunerada? Em caso positivo, de que empresa(s)? E alguma outra modalidade de comissão, destinada a quem e de que forma?
São informações relevantes em qualquer sentido, inclusive para exteriorizar a importância da tarefa incumbida à CPI.
Wajngarten foi exonerado em circunstâncias algo estranhas, no mesmo março em que, dia 8, o governo aceitou o contrato proposto pela Pfizer e, dia 19, assinou-o. No controle da propaganda do governo, Wajngarten foi acusado de ganho indireto, por triangulação de empresas, com parte das comissões por veiculação de campanhas. Negou, claro. Continuou polêmico, grosseiramente presunçoso e ambicioso.
De repente, ofereceu-se à entrevista de acusações ao general Eduardo Pazuello e ao Ministério da Saúde, na Veja, cuidando de proteger Bolsonaro & família. A interpretação de que agiu por vingança consolidou-se. E fez esperar que Wajngarten na CPI seria fulminante.
A CPI não sabe por que Wajngarten desdisse a entrevista gravada, mentiu o tempo todo, a cara suarenta de pânico, uma pusilanimidade de dar repugnância. Wajngarten não tinha mais motivo para incomodar o governo. Fazê-lo seria atingir Bolsonaro em cheio: era ele, e só ele, quem impedia o fechamento do negócio, afinal autorizando o que antes considerara “leonino”. O argumento de autorização do Senado para aceitar as condições da Pfizer é falso, porque a alegada inconveniência não foi retirada pela medida parlamentar. Bolsonaro aceitou a grande compra negociada por Wajngarten com outras quaisquer motivações.
As mentiras e silêncios de Fabio Wajngarten não importam. O que importa é o que o fez adotar os silêncios e mentiras em lugar das acusações que traziam, implícitas, outras possíveis. Piores.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/os-bilhoes-dos-milhoes-de-vacinas.shtml
Correio Braziliense: Em duas semanas, os efeitos da CPI da Covid são devastadores para o governo
Sarah Teófilo, Correio Braziliense
O governo enfrentou duas semanas tensas, e não é nem metade do tempo inicial previsto para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 no Senado Federal. Nesse período, a base aliada e o próprio presidente da República tentaram criar maneiras de desviar a atenção do que é dito na CPI. Voto impresso, ameaça de convocar as Forças Armadas e ataques ao relator Renan Calheiros foram algumas das estratégias adotadas pelo Planalto e aliados no Congresso. Na comissão, quatro senadores aliados buscavam defender o governo ao longo dos seis depoimentos ouvidos. Até o filho 01, Flávio Bolsonaro, entrou na trincheira. Foi à CPI para socorrer o ex-secretário de Comunicação Fábio Wajngarten e chamar Renan Calheiros de “vagabundo”.
Com argumentos ou xingamentos, o Planalto tenta reagir ao avanço da CPI. O vice-líder do governo no Senado, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), acredita que o governo tem conseguido responder a todos os questionamentos. “Boa parte do que foi discutido na CPI a imprensa já tinha levantado, já tinha informado. O Brasil vem melhorando o combate à covid. O barulho que fica é por conta da questão política”, defende.
Apesar dos esforços para conter os avanços da CPI, o cenário permanece muito desfavorável. Segundo avaliação de cientistas políticos, o desgaste do presidente Jair Bolsonaro é claro. Soma-se aos reveses na CPI a queda de aprovação do presidente, conforme pesquisas de opinião realizadas na última semana. O Instituto Datafolha indicou uma eventual derrota de Bolsonaro para o ex-presidente Lula, em um cenário eleitoral de 2022. Analistas acreditam que o presidente pode “sangrar” com a CPI até o fim do ano, caso ela seja renovada por mais 90 dias, o que aumentaria o desgaste político até o início do processo eleitoral. Para especialistas, o risco de não chegar ao segundo turno já é concreto para Bolsonaro.
Até no ambiente virtual, onde bolsonaristas atuam com grande articulação, o resultado não foi positivo. Informações da agência de análise de dados e mídias .MAP compiladas a pedido do Correio mostram que de 27 de abril a 3 de maio, antes do início da CPI, o apoio manifestado ao presidente nas redes sociais (Twitter e perfis abertos no Facebook, todos os públicos) estava em 43,2%. Na semana seguinte, de 4 a 10 de maio, foi para 27,7%. Já no período de 11 a 14 de maio (até 8 horas), derreteu para 4,9%, em meio aos depoimentos do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Barra Torres, do ex-secretário de Comunicação da presidência Fabio Wajngarten e do presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.
A queda no apoio, segundo a agência, “é ancorada por uma agenda negativa, que os perfis de direita, entre manifestantes, políticos e influenciadores não conseguiram reverter”. “Apesar da mobilização contrária da direita, que soma quase 41% do debate numa tentativa de blindar o presidente, o apoio à CPI da Covid é de 69%, o que demonstra que o público geral está favorável às investigações”, afirma a diretora-geral da .MAP, Marilia Stabile. Até o momento, no mês de maio, a CPI é o segundo tema, com 11,6% de participação, pouco atrás do Paulo Gustavo, que lidera com 11,9%.
Sangria
Analista político da Consultoria Dharma, Creomar de Souza afirma que o desgaste ainda não se dá de forma irreversível, mas gera elementos de desarticulação. Creomar pontua que é cedo para prever o impacto eleitoral, mas, segundo ele, o presidente precisará “mudar o personagem” até 2022. A questão é saber se o ocupante do Planalto conseguirá e se essa mudança de postura implacará perda de apoio dos bolsonaristas convictos. Para o analista, a principal consequência política da CPI é provocar uma “sangria” no governo até as eleições. “Se a CPI for prolongada até o fim do ano, isso gera um impacto eleitoral maior. O presidente corre o risco de não ir para o segundo turno”, afirma Creomar de Souza.
Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira ressalta que a comissão gera um desgaste natural. Somado a isso, entretanto, ele acredita que o governo produz fatos políticos ruins, como o pedido de habeas corpus para que o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello possa permanecer calado em depoimento partir da Advocacia-Geral da União (AGU). “O governo assume um pouco de culpa e aumenta a tensão”, diz.
Analista político do portal Inteligência Política, Melillo Dinis afirma que o governo está “desesperado, desanimado e desconfiado da CPI”. “Não há nenhum tipo de perspectiva positiva e essa é a apenas a segunda semana”, diz, lembrando que a expectativa é de mais desgaste ao governo nos próximos dias, apesar do salvo-conduto concedido pelo Supremo Tribunal Federal ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.
Estratégia diversionista
À medida em que a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 avança, o governo tenta criar estratégias de desvio de foco. Na Câmara dos Deputados, por exemplo, os bolsonaristas instalaram uma comissão especial para discutir a proposta de Emenda à Constituição (PEC) que determina a impressão dos votos em eleições para fins de auditoria, mesmo que a questão já tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de forma provisória (liminar). Enquanto isso, o presidente, como de costume, aumenta a temperatura nas falas diárias, e nas redes sociais os parlamentares bolsonaristas tentam conter qualquer dano.
Creomar de Souza, consutor da Dharma, afirma que, do ponto de vista da estratégia de contenção de danos na CPI, os senadores governistas têm encontrado muita dificuldade de encontrar um tom de fala. As estratégias de tumultuar os trabalhos ou de defender a cloroquina foram insuficientes. “Isso não tem gerado um resultado efetivo. Você cria um burburinho, mas a CPI tem avançado nas oitivas”, diz o analista político.
“Vagabundo”
Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Marco Antônio Carvalho Teixeira também ressalta ações diversionistas, como as lives do presidente e as manifestações marcadas para este fim de semana, em apoio a Bolsonaro. E ressalta para a participação do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que xingou o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), de “vagabundo”. O ato foi visto como desespero, mas também como estratégia. “O governo tem essa estratégia de tensionar pra tentar desviar o foco. Mas a tensão não desviou o foco, e, sim, aumentou. É um tiro no pé”, avalia, dizendo que atos assim aumentam os holofotes sobre a CPI.
Para o sócio da Hold Assessoria Legislativa, o cientista político André César, o xingamento de Flávio Bolsonaro a Calheiros, por exemplo, é uma estratégia calculada, para repercutir nas redes na bolha bolsonarista, ao mesmo tempo em que tenta mobilizar os “três mosqueteiros” (os senadores governistas que integram a CPI): Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE). “Toda sessão começa com questões de ordem, tentando tumultuar, postergar, e sempre começa com climão. É parte da estratégia do governo, para cansar os presentes, porque sabem que não são maioria”, diz. O analista político afirma, no entanto, que os resultados são pífios.
Professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart ressalta que o entorno do presidente gera ‘factóides’ para desviar a atenção. “É estratégia deliberada do governo para tirar o foco da CPI e acalentar a base apoiadora, o seu núcleo original”, diz.
Fonte:
Correio Braziliense
Vinicius Torres Freire: O que os EUA sem máscara dizem sobre vacina e epidemia no Brasil
Pessoas que tomaram as duas doses de vacina contra a Covid podem tirar as máscaras e esquecer o distanciamento social em praticamente todas as situações da vida, anunciou a direção dos Centros de Controle e Prevenção da Doença dos EUA (CDC), autoridade em assuntos científicos de saúde.
Isso quer dizer que, para os CDC, as vacinas da Pfizer-BioNTech e da Moderna mais do que protegem de doença e morte. Novidade maior: parece implícito nos dados mais recentes que, mesmo infectada, uma pessoa não transmite a doença (ou o faz em níveis irrelevantes), o que permite vislumbrar o fim da epidemia por lá, caso não apareça variante preocupante do vírus.
As pesquisas que basearam o anúncio dos CDC não fazem observação diretamente orientada ou arranjada para detectar a transmissão, mas os cientistas chegaram a tal conclusão com base no progresso observado no estudo de profissionais de saúde. Em 2 de abril, um estudo dizia que as vacinas Pfizer-BioNTech e Moderna eram efetivas a ponto de evitar a doença em 90% dos casos de pessoas que tomaram as duas doses; no estudo divulgado pelos CDC em 14 de maio, o sucesso foi para 94%.
Das doses injetadas no Brasil até agora, cerca de 70% são de Coronavac. Pouco se sabe cientificamente de sua efetividade, seu efeito no mundo real. No Chile, uma pesquisa divulgada em abril mostrou que a vacina evita doença sintomática em 67% dos casos, internações, em 85%, e mortes, em 80%. Na Indonésia, estudo com pessoal de saúde, divulgado com pouquíssimos detalhes, indica que a vacina evitaria mortes em 98% dos casos, doenças, em 94%, e internações, em 96%. Um trabalho bem preliminar com vacinados no Hospital das Clínicas da USP indica que a Coronavac tem capacidade de prevenção de doença de 74%.
Em São Paulo, o número de mortes diminuiu proporcionalmente muito mais entre pessoas de grupos de idade mais vacinados (ou subiu menos, a depender da data de comparação). Em São Paulo, pessoas idosas começaram a ser vacinadas na semana encerrada no dia 12 fevereiro (no caso, as de 90 anos ou mais). O número de mortes de pessoas com 70 anos ou mais na semana passada cresceu 22% em relação àquela semana de fevereiro. Entre pessoas de 60 a 69 anos (vacinadas mais recentemente), aumentou 158%. Entre pessoas de 20 a 69, 214%.
Pouca gente recebeu duas doses no Brasil, 9% da população total, ante 36% nos EUA. Hoje, há doses disponíveis, já entregues, para vacinar totalmente 20% da população total e 27% daqueles com 18 anos ou mais. Na previsão esperançosa realista, até o final de junho haveria doses disponíveis para vacinar totalmente 48% da população total e 36% dos adultos.
O cronograma “esperançoso realista” deve se confirmar em maio. Para junho, há grande risco de apagão. O Butantan ora não tem perspectiva de receber matéria-prima da China. A Fiocruz tem material para entregar doses até a primeira semana de junho. É a Fiocruz que deve garantir o grosso das entregas de maio e junho (62% do total).
Como não temos governo, o que resta do Congresso tem de perguntar os motivos e riscos de atraso na entrega de matéria-prima da China, para que se tome alguma providência (Jair Bolsonaro continua a sabotar o processo).
Na melhor das hipóteses, apenas daqui a três meses chegaremos à taxa de vacinação dos EUA. Não há estudos precisos sobre efetividade, transmissão ou capacidade dos imunizantes de conter cepas novas e, dada a ainda enorme circulação do vírus, podemos criar ou disseminar bichos ruins. Ainda não há perspectiva de nos desmascararmos.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Eliane Catanhede: Quem obedece não precisa se incriminar, mas tem de contar tudo sobre quem manda
Quando o general da ativa Eduardo Pazuello sentar como testemunha na CPI da Covid, nesta quarta-feira, quem estará no foco não será ele, mas quem mandava nele no Ministério da Saúde. “Um manda, o outro obedece.” Logo, Pazuello é insignificante, o que importa são as ordens, ações e maquinações do presidente Jair Bolsonaro para manter e piorar a pandemia.
Foi isso que a decisão do ministro Ricardo Lewandowski preservou. Com linguagem simples, mas sofisticada engenharia jurídica, que ele não construiu sozinho, o ministro do STF deu um habeas corpus que diz o seguinte: Pazuello pode ficar mudo quando a questão for sobre ele, mas continua obrigado a falar quando for sobre Bolsonaro.
É o suficiente para a CPI, porque ninguém quer saber de Pazuello e todo mundo quer saber de Bolsonaro. O ex-ministro, homem errado na hora errada, tem o direito de não se incriminar e não produzir provas contra si mesmo, mas tem de responder e contar como, quando e onde aquele “que manda” agiu contra isolamento, máscaras e vacinas e a favor da cloroquina.
Lewandowski deve ter acalentado a ideia de simplesmente negar o habeas corpus da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinar que Pazuello falasse tudo, sobre todos, sob risco de prisão. Ele, porém, não seria tão voluntarista após as inúmeras vezes em que o Supremo concedeu o direito ao silêncio a depoentes de CPIs, tanto investigados quanto testemunhas. A solução foi o meio termo, mas até a previsão de prisão é dúbia.
O Planalto comemorou a “vitória” da AGU e o senadores Omar Aziz, Randolfe Rodrigues e Renan Calheiros cumpriram sua parte, “lamentando” o despacho do STF e repetindo docilmente que “decisão da Justiça se cumpre, goste-se ou não”. Tudo teatro. Na vida real, a cúpula da CPI festejou e o governo reclamou.
Cada dia sua agonia. Pazuello dá sinais de pânico e alegou contato com dois infectados pela covid para desertar, ops!, adiar o depoimento. E não é à toa que o presidente aciona AGU, o ministro Onyx Lorenzoni, mundos e fundos. É para tentar se salvar de Pazuello.
E o Exército? Já foi duro engolir Bolsonaro usando um general intendente da ativa para fazer papel de bobo na Saúde, enquanto o “Gabinete das trevas” decidia no Planalto e o presidente espancava a realidade, a ciência e o bom senso. Mais duro ainda foi assistir às patetadas de Pazuello e às humilhações que o presidente lhe impunha – quanto a vacinas, por exemplo. Imaginem a exposição na CPI!
Justificativa do Ministério da Economia ao Congresso por não ter previsões orçamentárias para o combate à covid em 2021, optando por créditos suplementares: ninguém sabia que viria a segunda onda. Por que não? Porque Bolsonaro trocou médicos e epidemiologistas da Saúde por militares que nem conheciam SUS e curva epidemiológica e, portanto, eram incapazes de alertar o Planalto, o governo e o País para os cenários possíveis. Paulo Guedes e seus economistas foram imprevidentes, mas a obrigação de detectar uma nova onda não era deles, era da Saúde. E Bolsonaro nunca quis um real Ministério da Saúde.
A população captou isso. No Datafolha, a atuação do ministério na pandemia despencou de 76% com Luiz Henrique Mandetta para 28% com Pazuello. E, hoje, 51% reprovam e apenas 21% aprovam ação do presidente na pandemia, o que ajuda a entender por que a sua popularidade derrete.
O depoimento de Pazuello não vai reverter isso, pelo contrário, e Bolsonaro faz duas jogadas de risco: tenta usar os contratos mega-atrasados com a Pfizer para apagar tudo o que fez contra as vacinas e ataca grosseiramente a China para sabotar os insumos da “vacina chinesa do Doria”. Ao retaliar o líder errado, a China prejudica a população brasileira. Alguém aí pode dar um toque no Xi Jinping?
Fonte:
O Estado de S. Paulo
Bruno Boghossian: Para onde vão os bolsonaristas de 2018?
Na última campanha, Jair Bolsonaro convenceu muita gente de que era um político liberal na economia, que defendia a causa lavajatista e rejeitava negociações com partidos tradicionais. Em pouco tempo, ele abandonou essas fantasias, sem fazer muita cerimônia. Resta saber quantos daqueles que se renderam ao estelionato de 2018 estão dispostos a repetir a dose em 2022.
Nem metade dos eleitores que declaram ter votado em Bolsonaro no segundo turno da última corrida presidencial admitem apoiá-lo no primeiro turno do ano que vem, mostra o Datafolha. Nesse grupo, ele teria 49% dos votos, enquanto os demais se dividiriam entre Lula (17%), Sergio Moro (9%) e outros candidatos.
Para comparação, eleitores de Fernando Haddad no segundo turno de 2018 escolheriam majoritariamente Lula no primeiro turno: 72%. Ciro Gomes receberia 8% e outros nomes teriam menos de 5% cada um.
Esse é o retrato de uma parcela específica do eleitorado, uma vez que muitos entrevistados esquecem, confundem ou escondem seus votos do passado. Na pesquisa, 36% dos entrevistados afirmaram ter votado em Bolsonaro em 2018, 30% citaram Haddad, 7% declararam voto em branco, e 27% não responderam. O recorte leva em conta os 36% que admitem ter votado no presidente.
Os números do Datafolha sugerem que, até agora, o antipetismo não foi suficiente para empurrar parte desses eleitores para o campo de Bolsonaro novamente. Numa das simulações de segundo turno, 65% dos entrevistados desse grupo repetiriam a opção pelo presidente, mas 24% escolheriam Lula, e 9% votariam em branco ou nulo. Outros 2% disseram não saber o que fariam.
Como esperado, os bolsonaristas confessos rejeitam Lula consideravelmente: 62% deles dizem que não votariam no petista de jeito nenhum. Apesar disso, 24% deles também responderam que se recusam a apoiar a reeleição do atual presidente. A rejeição de Bolsonaro nesse grupo é semelhante à de Moro (20% deles não votariam no ex-juiz).
Fonte:
Folha de S. Paulo
Vera Magalhães: Tudo errado para Bolsonaro, tudo certo para Lula, e o centro tá como? Pondo fogo no parquinho
Na última quarta-feira entrevistei o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Às vésperas de completar 90 anos, ele não demonstra muita fé na possibilidade de seu partido, o PSDB, ou mesmo de outras forças de centro se contraporem à disputa entre Jair Bolsonaro e Lula em 2022. E, sem tergiversar, declara voto no petista em caso de segundo turno com o presidente (em 2018, diz ter anulado o voto na disputa entre Bolsonaro e Fernando Haddad).
A entrevista foi publicada no GLOBO desta sexta, e a declaração de voto em Lula foi o que mais repercutiu. FH só lembrou do PSDB quando foi questionado, e tratou logo de ir dizendo que, no seu entender, o candidato alternativo a Lula e Bolsonaro não precisa ser tucano.
A sinceridade reflete o momento avacalhado pelo qual passa o PSDB. Aliás, não é um momento: a fase avacalhada vem, pelo menos, desde 2017, quando foi revelado o diálogo de Aécio Neves, então o principal líder tucano, com Joesley Batista. Desde então tem sido ladeira abaixo, com os partidos que sempre foram satélites do PSDB mais ou menos a reboque.
Tucanos, democratas e adjacências colheram alguns bons resultados estaduais em 18 e municipais em 20, mas até aqui não conseguem vocalizar um projeto alternativo para o país que, como diz FC, dialogue com o povo, tenha um “sentido da História”, entenda o que está em jogo no Brasil depois da nuvem de gafanhotos do bolsonarismo.
Pelo contrário: as lideranças do PSDB, do DEM e de outros partidos hoje apenas médios parecem ter resolvido praticar autofagia.
João Doria Jr. tenta colocar em pé seu projeto presidencial, com enormes dificuldades partidárias e eleitorais. O lance mais recente dessa estratégia se deu nesta sexta-feira, com a filiação do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, ao PSDB.
Por quê? Porque Doria não confia que terá o DEM em seu palanque, e precisa honrar o compromisso de fazer de Garcia o candidato à sua sucessão. O risco é que ele tampouco tem a garantia de que conseguirá ser candidato a presidente pelo PSDB, abrindo espaço para Garcia disputar o Palácio dos Bandeirantes.
Aécio Neves é hoje o verdadeiro dono do PSDB. É combinado com o deputado que age o presidente da sigla, Bruno Araújo, que Doria um dia achou que seria seu aliado. Aécio prefere que o PSDB não lance candidato à Presidência. Quer se tornar um Gilberto Kassab tucano, fazendo do PSDB um partido de deputados, e, portanto, de lauto fundo partidário. Mais: não quer que o partido gaste com candidato a presidente o fundo que tem hoje, para que sobre mais para os candidatos ao Legislativo.
Coisa de partido provinciano, não de uma sigla que já levou a Presidência duas vezes em primeiro turno. Coisa de político que se contentou em ser eminência parda depois de queimar o filme da própria trajetória política.
Doria não conseguiu convencer as demais seções tucanas da viabilidade de sua candidatura. Prova disso é o surgimento de nomes como o do governador Eduardo Leite e o do senador Tasso Jereissati para prévias que hoje são apenas conversa mole para boi dormir e para enrolar o próprio Doria.
No plano paulista, a chegada de Garcia pode levar à saída da legenda de Geraldo Alckmin, que mesmo depois da derrota acachapante em 2018 quer voltar ao jogo político, disputando de novo o governo paulista. Se não conseguir que haja prévias, ele pode migrar para outro partido — na lista de opções estão o PSD de seu ex-inimigo Gilberto Kassab e o Podemos.
E o DEM? Depois de uma campanha brilhante em 2020, ACM Neto achou por bem agir como um coronel e empenhar o futuro do partido no altar do bolsonarismo, traindo Rodrigo Maia e o empurrando porta afora do partido. Agora, vendo que a debandada será maior e que não só Bolsonaro derrete nas pesquisas como a volta de Lula leva vatapá para o acarajé do PT na sua Bahia, se desespera e fica bravinho com a saída de Rodrigo Garcia. Foi ele quem plantou essa lambança.
É vexaminoso ver uma geleia geral de siglas que não têm nada de relevante para dizer a uma população vitimada pelo vírus, pela fome, pela economia em frangalhos, pelo esgarçamento dos valores e das instituições, pela barbárie na segurança pública, pelas ameaças autoritárias diárias do presidente, pela falta de perspectiva.
Lideranças políticas que passam os dias com brigas patéticas em que se xingam de baixinho ou de gordo ou de feio, bobo e chato enquanto deixam se consolidar a polarização entre Bolsonaro e Lula.
De nada adianta lançar mão de clichês sem substância como a procura do “Biden brasileiro” quando o que se tem são nomes que não conseguem sequer reunir uma tropa mínima e dizer a que vieram, quanto mais operar uma estratégia como a do Partido Democrata para unir suas alas e vencer o trumpismo.
Fonte:
O Globo
João Gabriel de Lima: O rio turvo dos crimes de lesa-democracia
Existem pelo menos duas coisas em comum entre a propina paga por empresas de ônibus no caso Celso Daniel, o acerto de R$ 2 milhões entre Joesley Batista e Aécio Neves e as verbas que Jair Bolsonaro usou para comprar parlamentares do Centrão, no caso revelado em furo de reportagem do Estadão.
A primeira é que nos três episódios – que diferem no tipo de enquadramento em categorias jurídicas – representantes escolhidos pelo povo agiram às escondidas. A democracia, por definição, é o império da transparência. Ela se alimenta da confiança entre eleitores e eleitos. Sem isso, se deteriora. Um político que age por baixo do pano comete um crime de lesa-democracia.
Para repassar verbas aos parlamentares dispostos a vender apoio, o governo federal usou a “emenda do relator”. Trata-se de uma figura jurídica que havia sido abolida em 1993, por estar na raiz do escândalo dos “anões do Orçamento”, e que foi recriada no ano passado. Em entrevista ao Estadão, o economista Gil Castello Branco, especialista em contas públicas, explicou por que tal dispositivo é nocivo à democracia. Ele possibilita, segundo Castello Branco, que emendas parlamentares sejam colocadas numa espécie de caixa-preta, dificultando seu acompanhamento e rastreamento.
Democracia não é só cumprir regimentos. Para o filósofo Renato Janine Ribeiro, ela vai muito além. Implica, como se disse acima, transparência obsessiva. É preciso também que as verbas governamentais sejam destinadas a obras que cumpram função pública. Janine foi ministro da Educação, é professor de Ética e autor do livro A Boa Política, lançado pela Companhia das Letras. Ele fala sobre democracia no minipodcast da semana.
A segunda coisa em comum entre os malfeitos petista, tucano e bolsonarista é que, mesmo agindo no escurinho da má política, seus protagonistas deixaram rastros – e foram apanhados.
Parte da propina paga à prefeitura de Santo André foi depositada no extinto Banespa, num caso curioso de corrupção com extrato bancário. Joesley gravou sua conversa com Aécio, e entregou depois o áudio às autoridades. Já os “anões” do “bolsolão”, nome com o qual o episódio se popularizou nas redes sociais, solicitaram o dinheiro por ofício.
Nos textos, pouco se fala sobre a natureza das obras, sua função pública ou justificativas técnicas. Em vez disso, leem-se expressões que revelam a combinação por baixo do pano: “minha cota”, “fui contemplado”, “recursos a mim destinados”.
A série de reportagens, de autoria de Breno Pires, mostrou que alguns parlamentares se negaram a apresentar os ofícios solicitados pela Lei da Transparência. Houve quem alegasse “razões de segurança de Estado”. Como se pretendessem defender o Brasil de uma suposta invasão externa usando um exército Brancaleone de tratores superfaturados.
As reportagens mostraram também que um dos maiores beneficiários das verbas destinadas via Codevasf, a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, foi o Amapá do senador Davi Alcolumbre. O Amapá é famoso pelo rio Oiapoque, um dos marcos do norte geográfico brasileiro. O rio São Francisco, no entanto, não passa por lá.
Exaltado por Cartola e Carlos Cachaça num samba-enredo antológico, o São Francisco cumpre funções essenciais de transporte e fornecimento de energia. Já o rio dos crimes de lesa-democracia, como um esgoto, é sempre subterrâneo. A missão do jornalismo é trazer luz às suas águas turvas.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-rio-turvo-dos-crimes-de-lesa-democracia,70003715728
Ricardo Noblat: Lewandowski ajuda a montar a arapuca para pegar Pazuello na CPI
Está cada vez mais difícil para o gabinete do ódio comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro criar narrativas a favor de qualquer coisa que beneficie seu pai, o governo dele e aliados.
É o caso, por exemplo, do pedido de habeas corpus da Advocacia Geral da União para que o general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, permanecesse calado ao depor na CPI da Covid-19.
O depoimento está marcado para a próxima quarta-feira. O ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, atendeu ao pedido de habeas corpus, mas só parcialmente.
Pazuello ganhou o direito de não responder perguntas que possam incriminá-lo, mas será obrigado a dizer a verdade em questões sobre fatos e condutas de outras pessoas.
André Mendonça, chefe da Advocacia-Geral da União, achou que não lhe cabia entrar com o pedido no Supremo. Pazuello então contratou um advogado particular para fazê-lo.
A parada foi decidida pelo presidente Jair Bolsonaro que mandou Mendonça seguir em frente com medo de que Pazuello se sentisse abandonado e à vontade para contar o que deveria esconder.
Como, sem dizer a verdade, Carlos e seus comparsas do gabinete do ódio poderão convencer os devotos do seu pai de que ele fez o melhor ao patrocinar a causa de um general em fuga?
Em 2014, durante a CPI da Petrobras na Câmara, Onyx Lorenzoni, atual ministro da Secretaria-Geral da Presidência e à época deputado, escreveu em uma rede social:
– Toda vez que bandido veio à CPI quis ficar calado.
No ano seguinte, durante outra sessão da CPI, Onyx criticou o silêncio do ex-diretor internacional da Petrobras, Nestor Cerveró, envolvido no escândalo do Petrolão. Disse:
– Nunca vi gente decente, com a verdade do seu lado, se valer desse direito [ao silêncio]. Sempre que se usa esse direito, na verdade, é porque tem algo a esconder.
Meses depois, voltou a usar uma rede social para criticar Renato Duque, ex-diretor de Serviços da Petrobras, que estava preso quando prestou depoimento à CPI:
– Questionei Duque sobre o fato de ele preferir se calar. Todos os bandidos que usaram o direito ao silêncio na CPI já foram ou estão presos.
Em 2016, o deputado Eduardo Bolsonaro, também criticou um depoente que ficou calado durante a CPI da Funai e Incra:
– Eu sei que tem o habeas corpus preventivo para não poder falar. Perde esta excelente oportunidade. É uma pessoa covarde, que não tem um pingo de vergonha na cara.
A depender do que disser, Pazuello acabará abandonado pelo governo ao qual serviu com tanto desvelo e obediência.
Covas travou com bravura e perdeu a última batalha de sua vida
Prefeito de São Paulo eleito em outubro último, Bruno Covas deixa exemplo de coragem e de transparência no tratamento de sua doença
O fim da vida para o prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB), 41 anos, poderia ter sido de menos sofrimento e maior satisfação para ele, família e amigos se não tivesse sido candidato à reeleição.
Seu estado de saúde, à época, inspirava cuidados e ele sabia disso. Os médicos jamais o enganaram a respeito. A medicina é cada vez mais capaz de antecipar o que virá, e mais ou menos quando.
Foi ele que decidiu mesmo assim arriscar-se em uma eleição que costuma cobrar muito dos candidatos mais competitivos e com maiores chances de vencer. Política é uma droga viciante.
De resto, quem teria coragem de tentar convencê-lo do contrário sob a alegação de que poderia ter pouca vida pela frente? Era o que os diagnósticos médicos indicavam com razoável clareza.
Covas foi em frente, viu, venceu e agora… Seguia internado no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, até o início desta manhã. Seu quadro clínico era considerado irreversível.
Travou e perdeu uma dura e sangrenta batalha contra um tumor na cárdia, região de transição entre o esôfago e o estômago, detectado em 2019. O câncer espalhou-se por todo o seu corpo.
A doença e a disposição de desafiá-la com bravura e total transparência fez Covas crescer aos olhos dos paulistanos, e isso foi decisivo para que derrotasse Guilherme Boulos (PSOL).
Seu vice, Ricardo Nunes (MDB), é pau mandado de Milton Leite (DEM), presidente da Câmara Municipal pela sexta vez, um político controverso que aprecia extrair vantagens em tudo.
Nunes tem 53 anos, é advogado e empresário. Foi vereador em São Paulo por duas vezes. Durante a campanha de Covas, acusações de violência doméstica o atingiram em cheio.
Antes disso, Nunes ganhara notoriedade na mídia por ser ativamente contra a inclusão de temas de sexualidade e gênero no Plano de Educação da capital paulista.
Fonte:
Metrópoles
Bruno Boghossian: Chefe da Anvisa escancara na CPI conduta destrutiva de Bolsonaro
Antônio Barra Torres se diz amigo de Jair Bolsonaro. Nos primeiros meses da pandemia, o presidente da Anvisa frequentava o Palácio da Alvorada e aconselhava um presidente que já fazia questão de minimizar os riscos daquela crise. Agora, com o país mergulhado na tragédia, ele reconheceu que o governo levou o país pelo caminho errado.
O depoimento de Barra Torres à CPI da Covid escancara a conduta destrutiva de Bolsonaro. A comissão já esperava colher depoimentos incômodos para o presidente entre seus desafetos, como o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, mas nem mesmo um amigo foi capaz de acobertar o estrago feito até aqui.
Indicado por Bolsonaro para o comando da Anvisa, o contra-almirante disse que as declarações feitas pelo presidente sobre a vacinação vão “contra tudo” o que a agência defende. “Discordar de vacina, falar contra vacina não guarda uma razoabilidade histórica”, afirmou. “Eu penso que a população não deva se orientar por condutas dessa maneira.”
Barra Torres tem mandato na Anvisa até 2024. A estabilidade no cargo deve ter garantido tranquilidade para que ele entregasse os delitos do presidente. No depoimento, o contra-almirante disse, sem meias palavras, que a cloroquina não funciona contra a Covid-19 e confirmou que o Palácio do Planalto sediou uma reunião para tentar adequar a bula do remédio aos delírios de Bolsonaro.
Embora tenha participado de uma manifestação ao lado do presidente quando o coronavírus já circulava no país, Barra Torres criticou o incentivo a aglomerações. “[Apesar] da amizade que tenho, a conduta do presidente difere da minha nesse sentido”, declarou. “Não tem nenhum sentido do ponto de vista sanitário.”
O depoimento do amigo de Bolsonaro mostrou que o governo vai ter dificuldades para controlar os estragos que podem ser produzidos pela CPI. O futuro do presidente depende cada vez mais de puxa-sacos como Eduardo Pazuello e de uma tropa de choque bem alimentada formada por políticos do centrão.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Rosângela Bittar: Fraulein, o regresso
Assim como não existe legalmente, o Centrão não tem preços fixos. De um lado do balcão, o presidente da República. Do outro lado, as legendas, da Câmara sobretudo. Com suas condições no atacado e no varejo. Em postos bem posicionados, com domínio de comissões decisivas para a linha de montagem dos produtos, representantes fanáticas do presidente Jair Bolsonaro.
Essas transações produzem um escândalo atrás do outro. Quem se importa ou se envergonha?
A Câmara dos Deputados descobriu que o preço do presidente Jair Bolsonaro está abaixo da expectativa do Centrão, uma vez que os critérios da barganha parlamentar só consideram de milhões para cima. Para a sociedade tudo isso é incompreensível e doloroso. Como compatibilizar a votação de uma mudança de costumes com as obras físicas inúteis e superfaturadas? Como pesar o engavetamento do impeachment tendo no outro prato da balança a anulação das minorias parlamentares com uma simples mudança do regimento?
As concessões de Bolsonaro são em moeda corrente. Já o capital do Centrão inclui principalmente bens intangíveis. O preço da involução dos costumes, por exemplo, está ficando insuportavelmente alto. As imposições do presidente são, na verdade, um conjunto de ideias fixas, resultantes de seu voluntarismo.
A abertura da Câmara para o voto impresso, por exemplo, é inexplicável em qualquer idioma, um risco não tabelado.
O presidente da Câmara, que conduz as negociações, não atua propriamente como líder, mas como um intermediário que costura composições onerosas.
Quem presta atenção no fato de que puxam o Brasil para trás, exatamente no quesito com que causam admiração ao mundo?
Absurdo que este retrocesso, com a revogação do sistema eletrônico de votação, parta de uma pessoa que não respira a não ser pelos aparelhos do Instagram, do WhatsApp, do Facebook, do Telegram, etc. Nem sabe ainda o que fazer da montanha de papéis inúteis que produzirá.
Colocada à mesa de negociações diante de outra insensatez, que é a demolição do sistema educacional brasileiro e seus avanços seculares, a Câmara se entregou. Achou uma pechincha a imposição da velha escola, a domiciliar. Que tal uma enquete com os pais de estudantes que estão vivendo esta longa temporada de pandemia com os filhos submetidos a aulas remotas ou a aula nenhuma? Como se fosse possível suprimir o papel dos professores e a socialização das crianças e adolescentes, ou eliminar as novas técnicas pedagógicas e sua integração com a ciência e a vida.
A volta a este passado invoca um dos personagens marcantes da literatura brasileira que está no livro Amar, Verbo Intransitivo, de Mário de Andrade, publicado em 1927. A inesquecível fraulein Elza, mais que professora, mestra em tudo. É esta a proposta? O ensino doméstico acabou na primeira Lei de Diretrizes e Bases.
Quem poderá pagar por isso? Quem controlará os planos, métodos e conteúdos? A quem se prestará contas? Quem fará a atualização de conhecimento? Não vale a pena sequer especular.
Produtos caríssimos, que o Centrão paga sem pedir desconto.
Nesse escambo, vale quanto pesa a regressão nas reformas constitucionais. Ou fatiar a reforma tributária não é o mesmo que dela desistir?
Para ter os votos da maioria que transformam o país nesta colcha de retalhos, o presidente vai criando novas moedas, e o Centrão se farta. A mais recente está expressa em um orçamento paralelo e secreto, revelado por Breno Pires em reportagem publicada pelo Estadão. Invenção que vale ouro nesta contabilidade. O resultado pode ser um trator trombando com uma retroescavadeira, um hospital ao lado de outro, uma rodoviária em cima da outra. Obras eleitorais explodirão neste governo como resultado da cooptação da Câmara.
E o vírus da pandemia sob dezenas de novas cepas.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,fraulein-o-regresso,70003712017
Fernando Exman: Centro entra na briga pelo “agro-eleitor”
Fevereiro de 2015. Cerca de nove meses antes do início do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, estavam mais do que dados os sinais da polarização em gestação e que há anos trava o jogo político. Aquele evento no Rio de Janeiro, agendado para ser um ato em defesa da administração petista e a gestão do partido à frente da Petrobras, seria lembrado até hoje por produtores rurais que justificam a decisão de aderir ao projeto político do presidente Jair Bolsonaro e já entraram no radar das siglas de centro.
Havia tensão no ar. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegara ao local depois que militantes petistas e oposicionistas já haviam trocado sopapos. A polícia precisou ser acionada.
“Em vez de ficarmos chorando, vamos defender o que é nosso. Defender a Petrobras é defender a democracia e defender a democracia é defender a continuidade do desenvolvimento social neste país”, discursou Lula, convocando os aliados a saírem pelas ruas. Aplausos na plateia.
Entre os presentes, pouco importava a proposital confusão entre a defesa de uma empresa estatal que sofrera um verdadeiro saque e o desagravo a um governo em derrocada. Sabia-se que Dilma não chegaria ao último dia de mandato. Mas, para Lula e seus aliados, era necessário, antes de tudo, manter a militância vigilante.
Ao concluir sua fala, o petista deu a senha para aqueles que precisavam de um motivo para radicalizar do outro lado: “Quero paz e democracia. Mas, se eles não querem, nós sabemos brigar também. Sobretudo quando o João Pedro Stédile colocar o exército dele do nosso lado”.
Era uma óbvia referência ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e à sua capacidade de mobilização no campo ou na cidade. O MST sempre esteve onde o PT ou outros movimentos sociais precisaram de uma forcinha para aumentar o número de participantes em manifestações.
Àquela altura, não estava claro até onde iria chegar o esgarçamento das relações partidárias, quem emergiria para vencer o pleito de 2018 e de que lado se posicionariam os atores políticos dali em diante. Ficou patente, contudo, que o agronegócio teria que procurar alternativas, embora Lula tenha colocado em seu próprio ministério Roberto Rodrigues, uma unanimidade no setor.
Decidiu-se, então, adubar a campanha do deputado Jair Bolsonaro. Os dois grupos passaram a caminhar lado a lado. Só deixarão de marchar juntos novamente em 2022, se uma força de centro conseguir atrair o setor agropecuário para fortalecer uma terceira via.
Depois de eleito, o presidente até achou que poderia governar se aproveitando dessa proximidade. Sua ideia era driblar os partidos e falar diretamente com as bancadas temáticas do Parlamento, entre as quais se destaca justamente a frente parlamentar do agronegócio. Não conseguiu, para a satisfação do Centrão, mas mesmo assim nunca deixou de patrocinar as pautas de interesse do segmento.
Neste mês, por exemplo, duas propostas defendidas pela bancada ruralista passaram a tramitar de forma mais rápida. A Câmara dos Deputados deve aprovar em breve um novo marco regulatório para o licenciamento ambiental. Outro projeto em discussão versa sobre regularização fundiária, bandeira comum entre produtores rurais e autoridades do governo que citam essa medida como panaceia para o combate ao desmatamento ilegal na Amazônia.
Além dos programas conduzidos pelo Ministério da Agricultura, com o Ministério da Infraestrutura Bolsonaro tem buscado dar um empurrão em diversas obras voltadas ao escoamento da produção. Ao Ministério do Desenvolvimento Regional, cabe acelerar a entrega dos empreendimentos relacionados à irrigação.
A Caixa Econômica Federal deve passar a atuar com mais intensidade no setor, onde o Banco do Brasil já é uma referência. Uma das apostas do governo é assegurar oferta de crédito para a construção de silos. Essa medida daria um conveniente apoio ao produtor de menor porte.
Também se tenta destravar os debates internos sobre o próximo Plano Safra, o qual tende a ter seu desenho concluído ainda neste mês. Restrições orçamentárias devem limitar o seu alcance.
A política de flexibilização do acesso a armas e munições também atende ao homem do campo, mas nada se compara ao que se observa em relação à atual debilidade do MST. A escassez de notícias de novas invasões realizadas pelo movimento se tornou um grande trunfo de Bolsonaro. O presidente já incorporou esse fato ao seu discurso. Isso inevitavelmente estará presente na campanha à reeleição.
A redução desse tipo de ocorrência e a alta do preço das commodities estreitam a cada dia a relação dos produtores rurais com o atual ocupante do Palácio do Planalto. Essa conjunção de fatores parece fazê-los esquecer que em praticamente toda semana algum representante do governo federal, se não o próprio presidente da República, protagoniza algum desaforo em direção à China, principal cliente do setor.
Um ato nacional está sendo preparado para o dia 15 e basta percorrer de carro o país para se ter outras evidências dessa parceria. São muitas as placas publicitárias instaladas às margens das estradas por associações rurais locais. Todas em apoio ao presidente.
Se o Ministério Público não tomar alguma atitude para retirar esses anúncios em razão da proximidade do período eleitoral, dificilmente alguma legenda formalizará pedido na Justiça para que a prática seja considerada campanha antecipada. Restaria aos partidos uma saída que buscasse criar conexões diretas com essa parcela da população, como a escolha de um vice originário do agronegócio para a composição de uma chapa alternativa às que serão encabeçadas por Lula e Bolsonaro. É isso o que lideranças políticas de Brasília pensam quando falam de um vice ideal para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, se o mineiro decidir mesmo deixar o DEM e filiar-se ao PSD para concorrer a Presidência da República
Fonte:
Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/centro-entra-na-briga-pelo-agro-eleitor.ghtml