Paulo Guedes

Vinicius Torres Freire: Entenda a recaída do Brasil e por que os EUA afetam dólar e juros por aqui

Bolsonaro e seu desgoverno são o ruído de fundo do desastre, mas convém olhar para os EUA e na reação dos donos do dinheiro à inflação no Brasil

Em um país distante do Norte da Terra, que baniu o Ogro Laranja e vai distribuir poções medicinais para seu povo inteiro até maio, há um negócio em que os mercadores de dinheiro do mundo prestam a maior atenção. É a taxa de juros dos títulos de 10 anos do governo dos Estados Unidos.

Grosso modo, é o custo de o governo americano tomar empréstimos por dez anos. Define o custo do crédito para outros negócios, desde comprar casa no Texas a emprestar para o governo do Brasil. Pelo menos desde 25 de fevereiro, a alta dos juros de longo prazo americanos tumultua a finança mundial, em particular nos países “emergentes”.

O Brasil, um país submergente nas profundas dos infernos, padece em especial do remelexo americano. A gente precisa prestar atenção nisso. “Estruturalmente, a questão americana é a mais relevante, é central”, como diz em termos sóbrios Armando Castelar, pesquisador do IBRE/FGV, professor de economia da UFRJ.

A alta da taxa de juros nos EUA é motivo da alta do dólar pelo mundo. A economia americana se recupera com rapidez. Vai receber US$ 1,9 trilhão de impulso de gasto do governo (35% mais que o PIB brasileiro anual). Conta ainda com o estímulo do Banco Central deles, o Fed, que continua comprando mais de US$ 100 bilhões por mês em títulos públicos e privados. Para resumir uma conversa enrolada, na prática isso significa que o Fed reduz as taxas de juros pagas por governo, empresas e mesmo indivíduos: o Fed subsidia, banca, parte da conta dos juros. Até maio, a população americana deve estar vacinada. Parte da dinheirama do mundo corre, pois, para os EUA.

Considerada ainda a volta a alguma normalidade sanitária no segundo semestre, a economia americana tende a acelerar. Haveria perspectiva de volta da inflação e, assim, de alta das taxas de juros de curto prazo, se diz.

Jerome Powell, o presidente do Fed, disse nesta quinta-feira que não, sem convencer “o mercado”. Não seria neste ano que estariam satisfeitas condições para alta de juros: mercado de trabalho recuperado, inflação a 2% e expectativas de inflação que fiquem por aí, ou algo mais, por alguns anos.

O efeito mais imediato dos EUA por aqui é a alta do dólar e dos juros brasileiros de prazo mais longo. Mas dólar mais caro por mais tempo sedimenta expectativas de inflação mais alta. Além do mais, houve aumento grande do preço de commodities (petróleo, grãos) e pressão em preços de bens de consumo por causa dos auxílios emergenciais. O IPCA deve ficar na casa dos 6% entre abril e setembro. A renda do trabalho está sendo carcomida.

A fim de deter essa inflação, o BC brasileiro deve elevar a taxa de juros básica (Selic), ora em 2%, a partir de 17 de março, embora ainda exista controvérsia sobre a persistência dessa carestia. Para Castelar, a Selic tem de ir a 5,5% no final do ano. Para os economistas do Itaú, a 5%. Pela opinião visível no custo do dinheiro na praça financeira brasileira, para algo entre 5,5% e 6%.

Seria uma paulada. Um aperto na atividade econômica. Um aumento no custo de financiamento da dívida pública já enorme, custo extra que ficará notável em 2022. Vai para o vinagre a ideia de que poderíamos ficar com juros reais perto de zero até bem entrado o ano que vem.

morticínio crescente e o semiparadão também não estavam nas contas econômicas. As restrições oficiais e voluntárias a movimento e comércios não serão tão grandes como no início de 2020. Mas devem ter efeito por pelo menos até abril. É menos crescimento, se algum, até meados do ano. O PIB paulista caiu em janeiro, primeira baixa ante mês anterior desde abril de 2020 (no indicador PIB+30 do Seade). O indicador Cielo de vendas no varejo se recuperou bem até outubro, quando estava em queda de 7,7% ante igual mês do ano anterior. Em janeiro, estava em baixa de 12,6%.

O mundo de novembro de 2020, que deu um alento ao PIB do final do ano, se esfumaçou. Fevereiro foi fraco, março será pior. Sim, Jair Bolsonaro e seu desgoverno são o ruído de fundo do desastre. Mas convém prestar atenção nos EUA e na reação dos donos do dinheiro à inflação no Brasil.


Benito Salomão: A armadilha do baixo crescimento - Uma Avaliação entre 1998 e 2020

A economia brasileira conheceu o seu Produto Interno Bruto (PIB) referente ao quarto trimestre e o acumulado do ano de 2020. O resultado mostra uma visível recuperação no 4° tri que seria animadora se não fosse o turbilhão de problemas que o Brasil se encontra enfrentando nos primeiros meses de 2021 e que parecem deixar claro que a recuperação ficará para o 2° semestre ou para 2022. Mas não é o curto prazo que pretendo dissertar hoje, é preciso ler o resultado das contas nacionais de 2020 à luz de uma perspectiva mais longa e tentar extrair algumas lições e soluções para o futuro.

Em 2020 a queda acumulada da atividade foi de 4,1%, se não a maior, talvez uma das maiores da série histórica que tem início em 1901. Recortando o período histórico recente da economia brasileira entre 1998 e 2020, período que compreende os governos FHC II, Lula I e II, Dilma I e II, Temer e Bolsonaro, a variação trimestral do PIB[1] neste período teve média igual a 1,97%. Quando se repete o mesmo exercício, no entanto, para a década 2011 – 2020, a média do PIB cai para 0,29% ao trimestre (e ao ano). Tem-se, portanto, uma primeira evidência de que a economia brasileira se encontra em uma armadilha do baixo crescimento. Se a população cresceu em termos anuais a uma taxa média de 0,83% nesta década, o leitor já deve ter se convencido que o PIB per capita brasileiro diminuiu nesta década.

Em termos de crescimento econômico o Brasil está em seu pior momento dos últimos 120 anos. No período mais recente, o país foi acometido por três graves crises econômicas conforme é possível ver no Gráfico 1. A primeira crise importada do colapso financeiro americano após o subprime teve início no 3° tri de 2008, vale no 1° tri de 2009 de forma que no 1° tri de 2010 a economia brasileira já havia superado o período crítico e apresentava um crescimento de 9,2% naquele trimestre. Isto é o que os economistas chamam de recuperação é V.

A segunda crise não teve influência externa, erodiu no país no 1° trimestre de 2014, apresentou um longo período consecutivo de quedas até seu vale no 4° tri de 2015 de forma que a economia nunca mais voltou a apresentar taxas de crescimento semelhantes ao pré-crise, tendo o seu melhor momento a partir do 4° trimestre de 2017 quando o produto crescia a uma modesta taxa de 2,1% ao ano frente aos 3,4% verificados no trimestre imediatamente anterior desta crise. Finalmente, o terceiro ciclo recessivo da economia brasileira neste período é o do Coronavírus que teve início, segundo o Gráfico 1 no 4° trimestre de 2019, atingindo o seu vale no 2° tri de 2020 e, rodando a uma taxa de -1,9% no 4° tri de 2020, último período da amostra para o qual ainda se tem dados.

Em outras palavras, a análise dos ciclos econômicos mostra que a economia brasileira ainda não havia se recuperado da última crise, que havia sido demasiadamente longa e profunda, quando foi acometido pela nova crise. Isto traz impactos profundos sobre inúmeras variáveis como emprego, bem-estar social, desenvolvimento humano, desigualdades sociais, entre outros fatores. Para agravar a situação, as políticas tradicionais de controle de demanda de curto prazo estão praticamente esterilizadas. A política monetária pelo vetor da taxa de juros que atingiu o seu mínimo histórico no período recente, já a política fiscal segue sofrendo do crescimento compulsório do gasto e da dívida pública que inviabiliza qualquer intenção de construir uma nova política de investimentos.

Mas o elemento mais grave, está contemplado na linha vermelha do Gráfico 1, em que apliquei um Filtro de Hodrick Prescott para separar nos dados do PIB, o que é a sua variação trimestral e o que é a sua tendência de longo prazo. E o que se vê é uma redução da capacidade de crescer a longo prazo da economia brasileira que apresentava uma média de 4% no final da década de 2000 despencando para próximo de 0% no final da década de 2010. Isto significa que, na ausência de choques novos e positivos, o Brasil está condenado a uma trajetória medíocre de crescimento nesta década que se inicia em 2021.

PIB Brasil (Variação % Trimestral frente a igual período do ano anterior) e Tendência de Longo Prazo

Reverter uma tendência de longo prazo requer um esforço em termos de coordenação, planejamento e liderança. É preciso salientar que isto vai muito além da mera agenda de equilíbrio das contas públicas. No Longo prazo, a economia se comporta de acordo com sua capacidade de acumular, de forma agregada, capital físico e humano. A acumulação de capital físico depende de segurança jurídica, marco regulatório adequado, manutenção das taxas de juros em níveis civilizados e de bons projetos. A acumulação de capital humano depende de um esforço, em todos os níveis de governo e também da iniciativa privada de aumentarem a escolaridade média dos brasileiros e também sua qualidade. Isto, no entanto, não produz efeitos de curto prazo, quando a tendência de baixo crescimento da economia brasileira está condenada à mediocridade. Porém, se um esforço neste sentido tiver início já, é possível terminar a década que acaba de começar em condições muito melhores.

*Benito Salomão é doutorando em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia.


William Waack: Cada um por si

A pandemia acelerou a já existente perda de autoridade do governo

Já é lugar comum afirmar que o maior efeito da pandemia ao redor do mundo foi o de acelerar ou agravar problemas já existentes. No caso do Brasil, ela escancarou a falta de governo, além da desigualdade, miséria e ignorância, mazelas bem antigas. No Brasil, a pandemia não “inventou” a má gestão pública nem o desperdício de recursos. Ela ensinou que não há governo efetivo sem capacidade de liderança política – outro problema do qual padecemos há tempos. 

A extraordinária incapacidade de Jair Bolsonaro para liderar e coordenar criou com a pandemia um fenômeno novo na política brasileira. É o cada um por si dos entes da Federação, e a instituição da dupla de primeiros ministros nas figuras dos presidentes das casas legislativas. Em linguagem militar, talvez ainda familiar a alguns ocupantes do Planalto, o Estado Maior da crise não está como deveria estar na Casa Civil e no Ministério da Saúde (instâncias do Executivo sob o comando nominal de generais) mas, na prática, foi para o Congresso

É nas casas legislativas que se decide agora o essencial para se tentar minorar os devastadores efeitos da maior tragédia da nossa história recente. É para lá que correm prefeitos e governadores na linha de frente do combate ao vírus. É lá que se negocia a aprovação de um mínimo de ajuda que impeça pessoas de morrer de fome. É lá que existe pressa e urgência para flexibilizar e acelerar a aquisição de imunizantes por quem quer que seja, incluindo empresas privadas. O arcabouço jurídico foi criado pelo STF, que transformou um de seus integrantes em virtual ministro da Saúde. 

Um resultado evidente dessa situação cujo alcance Bolsonaro não parece ter percebido ainda é a profunda desmoralização política associada a um governo visto como incompetente. Presidentes anteriores já foram desmoralizados por eventos abrangentes em parte piorados por eles mesmos, como ocorreu com Sarney/Collor (hiperinflação) e Dilma (recessão). No caso de Bolsonaro, além do estelionato econômico eleitoral do qual Paulo Guedes está se tornando cúmplice, é a pandemia que acelera perigosa desmoralização. 

A confluência de crise econômica, tragédia de saúde pública e incapacidade de liderança política (com seus graves riscos de populismo fiscal) compõe a “tempestade perfeita” mencionada por agências de classificação de risco ao publicarem no começo da semana cenários a curto prazo para o Brasil. O agravamento da crise de saúde pública faria as demandas sociais crescerem em ritmo mais rápido do que o “tempo político” necessário para a aprovação de medidas de contrapartida à continuidade da ajuda emergencial, trazendo ainda mais insegurança aos agentes na economia. 

Bolsonaro está no modo de sempre, dedicado a buscar culpados e livrar-se de responsabilidades. A aparente tranquilidade com que enfrenta um quadro que se agrava nitidamente vem de dois fatores proporcionados por sua estreita visão da realidade. O primeiro é a percepção de garantia política dada pela dupla de primeiros ministros – que, na verdade, mal controlam as próprias casas, como ficou demonstrado no episódio da PEC da imunidade ou impunidade dos parlamentares. 

O segundo é o aparente conforto trazido pelo aparelhamento das instâncias superiores do Judiciário – nomeações “casadas” para o STJ e STF, em estreito entendimento com os movimentos políticos evangélicos. Percalços jurídicos policiais de curto prazo em relação à família do presidente estão afastados, ao mesmo tempo em que não existe nada remotamente parecido à presença de uma Lava Jato para criar dificuldades políticas agudas para o atual governo (como aconteceu com Dilma). 

Desmoralização é um fenômeno político forte e de difícil reversão, que costuma nascer e se propagar primeiro nos vários componentes de elites (administração pública, setores empresariais e financeiros, profissionais liberais, elites culturais em sentido amplo). A perda de autoridade de Bolsonaro já se fazia sentir antes da pandemia, fato demonstrado pela maneira como o Legislativo e o STF encurtaram seu poder. A pandemia, como se diz, acelerou o que já existia. 


Merval Pereira: O futuro não chega

A aposta parecia factível em 2003. Se o Brasil crescesse em média 3,6% ao ano, chegaria em 2050 a ser a quinta economia do mundo, ultrapassando a Itália em 2025, a França em 2031, Inglaterra e Alemanha em 2036. Ela constava de estudo da Goldman Sachs que lançou ao mundo a sigla Brics, países que eram vistos como o futuro da economia mundial: Brasil, Índia, Rússia e China.

Mas a projeção não levou em conta peculiaridades brasileiras, como o maior escândalo de corrupção já desvendado no país, quiçá no mundo, uma crise econômica provocada por uma presidente que acabou impedida pelo Congresso de continuar governando, a chegada ao governo de um capitão tresloucado, uma pandemia que mata mais de 1.800 pessoas por dia. Resultado: a economia brasileira teve um crescimento na última década de pífio 0,3% ao ano, com o resultado de 4,1% negativos anunciado ontem pelo IBGE.

Após crescer 4,7%, em média, durante o período de 2004 a 2007 e de se expandir em 5,2% em 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em 2009, caiu 0,3%. De 1990 a 2003, o crescimento médio foi de 1,8%; de 80 a 2003, 2%. Essa média cresceu um pouco com o resultado dos 8 anos do governo Lula, que teve um crescimento médio de 4% ao ano, mas voltou ao nível de 2% no governo Dilma.

O país já teve também períodos de crescimento sustentado de níveis asiáticos: de 1950 a 1980, média de 7,15%; de 1960 a 1969, média de 6,12%; de 1970 a 1979, de 8,78%. O problema é que já tivemos crescimento médio de 5,3% durante 50 anos, mas ele caiu nos últimos 40 anos, crescendo menos que o PIB mundial. Entre 1981 e 1990, o PIB brasileiro cresceu a mísero 1,55% ao ano. Daí até 2000, o crescimento médio foi de 2,65% ao ano, até 2010 chegou a 3,7%, retomando a performance prevista pela Goldman Sachs.

De um país que era visto como o futuro da economia mundial, junto com Rússia, Índia e China (Brics), o Brasil perdeu quase metade de sua participação no PIB do mundo nos últimos anos. Em 1980, representava 4,3% e, nesta década, passará a menos de 2,5%. O estudo da Goldman Sachs, coordenado pelo economista Jim O’Neill, lançado em 2003, mas com a medição a partir de 2000, mostra que o Brasil manteve-se no trilho da projeção até 2014, quando a crise do segundo governo Dilma jogou o número para baixo.

O economista Robinson Moraes, coordenador de pesquisa econômica do jornal “Valor”, fez uma projeção para o crescimento do Brasil nas duas últimas décadas, comparando com o previsto pelo estudo americano: deveríamos ter crescido 101,7% nos últimos 20 anos e crescemos apenas 43,6%. O Brasil, que no começo da década era a sétima economia do mundo, passou a cair de posição a partir de 2014, chegou a oitava economia em 2017, a nona até 2019 e hoje encontra-se na 12ª posição entre as maiores economias, ultrapassado por Canadá, Coreia do Sul e Rússia.

O ministro Paulo Guedes, numa espécie de recado metafórico, disse que, se o país tomar o rumo errado, dentro em pouco seremos uma Argentina, ou talvez até Venezuela. Isso na semana em que se debatia a intervenção do presidente Bolsonaro na Petrobras, para controlar o reajuste de preços da gasolina (“o cidadão tem que encher o tanque do carro”, disse o futuro presidente da Petrobras, general Joaquim Luna e Silva) e do diesel, por causa dos caminhoneiros.

A desmoralização que vem sofrendo com as seguidas intervenções do presidente na área econômica — também o Banco do Brasil vai trocar seu presidente, que pediu para sair depois que Bolsonaro estranhou o fechamento de agências — parece ter colocado Guedes em posição de aguardo. Está tentando a última cartada, apostando no compromisso do presidente da Câmara, Arthur Lira, de levar adiante as reformas.

Mas, se ficar aguardando essa boa vontade dos parlamentares e o engajamento de Bolsonaro, pode ficar sem tempo de reagir. A partir do segundo semestre, não haverá mais espaço para discussão de reformas, ainda mais as impopulares, como a administrativa, e as difíceis, como a tributária. Guedes também alertou que, se quisermos ser igual à França ou à Alemanha, teremos que fazer um esforço para o outro lado, durante bons 20 a 30 anos. Em 2050, onde estaremos?


Alessandro Vieira: Auxílio emergencial - A guerra de narrativas que mata

O Congresso constrói soluções urgentes para o país, como o restabelecimento do auxílio emergencial - essa obra do parlamento em parceria com o Executivo que, em plena pandemia, reduziu a taxa de pobreza do nosso país a níveis históricos. Como é de conhecimento público, fui diagnosticado com covid-19, o que não permitirá, por alguns dias, que eu participe presencialmente das negociações em curso no Senado Federal. Claro que nada disso me impedirá, com a ajuda de minha equipe, de ser parte dessa solução tão importante para o país.

Mesmo à distância, estou defendendo os interesses de quem mais precisa, sem abrir mão da responsabilidade e do rigor técnico.

De cara, reconheço e elogio o esforço do colega senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) Emergencial e do líder do Governo, senador Fernando Bezerra (MDB-PE). Porém, mesmo avançando muito, ainda temos problemas relevantes, o que é natural dada a complexidade do tema. Para piorar, vozes externas não têm contribuído com o debate.Leia mais

O ministro Paulo Guedes, por exemplo, nos convida a dar “sinais” para o mercado de respeito à responsabilidade fiscal. Está correto na tese. Não percebe o ministro, porém, que ele mesmo manda “sinais” trocados ao incentivar uma visão catastrófica sobre os impactos da retomada do auxílio emergencial. Da mesma forma, ao insistir em vincular a retomada do auxílio à PEC Emergencial, coisas absolutamente distintas.

Como já demonstraram técnicos relevantes, a exemplo de Felipe Salto, do IFI, da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, não cabe essa vinculação. Se o objetivo desta mistura é pressionar o Congresso, com todo respeito, a tática é tola e com efeitos limitados às já conhecidas guerras de narrativa.

Precisamos urgentemente do auxílio, como precisamos das vacinas, hoje entregues a conta gotas enquanto os hospitais superlotam. E não existe nenhuma divergência sobre essas necessidades.
Já os demais pontos da PEC são medidas de ajuste fiscal que precisam tramitar com celeridade, assim como as reformas estruturantes, mas sem o caráter de calamidade.

Por isso persisto no pedido de “fatiamento”, na linha de emendas minhas e do senador José Serra. Assim teremos a aprovação imediata das cláusulas de calamidade para retomada do auxílio e faremos a remessa das cláusulas de protocolo fiscal para calendário especial na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o que será regrado pelo presidente Pacheco. Registre-se que sugeri duas semanas para essa tramitação especial.

Essa decisão, desde que bem comunicada e com lealdade por parte dos negociadores, será recebida sem sobressaltos. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, pode firmar calendário estreito, com compromisso de todos pelo não uso de estratégias protelatórias, como aliás fizemos na PEC da Previdência.

O sinal de que o Brasil precisa é o de respeito às vítimas e suas famílias, não de eterno cortejo a especuladores ou a adeptos da narrativa fratricida do nós contra eles.

Já passou da hora do Congresso Nacional demonstrar o alinhamento com as pautas populares e se debruçar no que milhões de brasileiros realmente precisam: o retorno do auxílio e uma vacinação rápida e para todas. Separando as matérias conseguiremos, sem mais atrasos, devolver aos brasileiros a esperança de dias melhores e o mínimo de dignidade que eles merecem.

Cada dia que passa é mais um dia de fome na casa de milhões de brasileiros. E, quem tem fome, tem pressa. Para isso, peço a ajuda e o apoio de cada cidadão brasileiro, esteja onde estiver.

*Alessandro Vieira (SE) é líder do Cidadania.


Zeina Latif: Credibilidade que se esvai

Não deveria ser surpresa a dificuldade do governo Bolsonaro com políticas econômicas de cunho liberal. Além do histórico antirreformas como parlamentar, já na campanha eleitoral seu discurso conflitava com o de Paulo Guedes, que tinha lá suas inconsistências. Como esquecer a inexequível promessa de receita de trilhões com a venda de ativos estatais?

O “piloto automático” no Brasil é o intervencionismo estatal e a expansão de gastos públicos. Romper esse padrão demanda um mínimo de convicção do presidente e, certamente, muita capacidade política.

Depois dos avanços no breve governo Temer, seria importante Bolsonaro ao menos preservar o compromisso com a disciplina fiscal. E não só pelas consequências de curto prazo — já temos assistido aos efeitos do descontrole fiscal no mercado financeiro e no ambiente econômico. É preciso uma sequência de governos responsáveis para consolidar valores da sociedade e boas práticas na gestão pública, de modo afastar desvios perigosos de rota, como o do governo Dilma. Além disso, o compromisso depende de reformas estruturais para conter despesas obrigatórias, o que abriria caminho para melhorar a qualidade do gasto público e, em um futuro ainda distante, reduzir a carga tributária, muito mais elevada do que de outros emergentes.

As despesas obrigatórias comprometem quase a totalidade do orçamento da União e crescem automaticamente — por conta de indexações (como a correção de benefícios previdenciários ao salário mínimo), vinculações e gastos mínimos (como na educação), regras do funcionalismo (ajustes de salários e progressões na carreira) e o próprio envelhecimento da população.

A pandemia agravou o problema fiscal e a falta de perspectivas de superação da crise de saúde alimenta a pressão por aumento de gastos. Para que as novas gerações não sejam prejudicadas ainda mais — crianças e jovens mais pobres já são muito penalizados com a falta de educação e empregos —, é crucial conter o aumento da dívida pública.

A disciplina fiscal não significa fechar os olhos aos vulneráveis. Afinal, os mais pobres não podem arcar com as consequências da temerária gestão saúde agravada pelas atitudes do presidente estimulando o descuido de cidadãos. Tampouco se trata de forçar um ajuste rápido das contas públicas — nem seria possível com regras que regem o orçamento público. A ideia é buscar medidas compensatórias ao socorro aos vulneráveis, mesmo que com efeitos apenas no médio-longo prazo. O importante é mudar o cenário atual de crescimento a perder de vista da dívida pública.

Flexibilizar a regra do teto para retomar o auxílio emergencial sem contrapartidas sólidas será um grande equívoco e é um risco concreto que a PEC Emergencial oferece. Há ameaças de todos os lados. O próprio líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, admitiu, em entrevista à Folha, o risco de outras medidas criadas na crise pegarem carona no projeto.

Enquanto isso as contrapartidas encolhem. A crise atual deveria elevar a barra de exigências, mas o que ocorre é o contrário. O projeto atual preserva, em boa medida, o funcionalismo, diferentemente da proposta original do Executivo, de dezembro de 2019.

A PEC Emergencial apresenta regras demais e instrumentos de menos para o efetivo corte de despesas. A ideia de estabelecer uma trajetória para o endividamento público, por lei complementar, poderá reduzir a força da regra do teto, que, de tantos furos, poderá ter o mesmo fim da “regra de ouro” — descumprida seguidamente, sem maiores consequências.

Além disso, poderá atrapalhar a condução da política monetária pelo Banco Central. Os gatilhos para medidas de ajuste quando as despesas sujeitas ao teto atingirem 95% da despesa total poderão se mostrar inócuos na prática.

O cenário mais provável é que a atual gestão contribua quase nada para o ajuste fiscal, deixando a batata quente para o próximo governo. Além disso, pela proposta, nada impediria novos decretos de calamidade pública adiante, inclusive em 2022, abrindo espaço para mais gastos.

Muitos parlamentares defendem aprovar a liberação de recursos agora e deixar a votação das contrapartidas para depois. A depender do conteúdo final, de tão tímidas as contrapartidas, o fatiamento da PEC não faria grande diferença.

A reação negativa dos mercados poderá constranger Executivo e Congresso. O fato é que os anúncios do governo perdem credibilidade a olhos nus.


Correio Braziliense: Governo prepara MP para permitir redução de salários e suspensão de contratos

Ministério da Economia avalia reedição de medidas para permitir diminuição temporária de salários e suspensão de contratos de trabalho. Objetivo é dar alívio financeiro às empresas para enfrentar o recrudescimento da pandemia de covid-19

Vera Batista, Correio Braziliense

Uma nova rodada de suspensão de contrato de trabalho e redução de jornada por quatro meses fará parte, em breve, de um pacote do governo para aliviar o caixa das empresas, diante da nova onda de contaminação pelo coronavírus. A proposta é semelhante à do ano passado, com a Medida Provisória (MP 936). O Ministério da Economia confirmou que está em estudo um novo programa de manutenção de emprego e renda. “No entanto, como está em estudo, ainda não há definição sobre seus moldes”, destacou o órgão.

Na prática, o governo terá de reconstruir todo os instrumentos de enfrentamento à Covid-19 lançados no ano passado, na análise do economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas. Dentre elas, a concessão de financiamento para o pagamento da folha salarial e o benefício emergencial de manutenção do emprego e da renda. “As medidas são urgentes e ainda mais necessárias neste ano do que em 2020”, observou o economista.

Ele entende que empresários e trabalhadores, sobretudo de alguns ramos do comércio, já sofreram intensamente em 2020 e não têm reservas para suportar novo lockdown sem o apoio do governo. “Com a experiência do ano passado, o governo poderá, inclusive, focar melhor o conjunto de benefícios. Em 2020, de R$ 604,7 bilhões autorizados, foram efetivamente pagos R$ 524,0 bilhões”, afirmou Castello Branco.

Se forem seguidos os parâmetros de 2020, a redução salarial será de 25%, 50% ou 70% por meio de acordos individuais, além de suspensão do contrato por prazo de até nove meses, considerando as prorrogações. Os empresários também poderão negociar acordos para antecipar férias individuais, férias coletivas, banco de horas e home office, conforme ficou permitido durante a vigência da MP nº 927, de março de 2020. Como no passado, a previsão é de que a União entre com contrapartida para complementar a renda dos que tiverem redução de jornada e salários ou contratos de trabalho suspensos.

R$ 15 bilhões

Em 2020, 9,8 milhões de trabalhadores foram afetados pela suspensão de contrato ou corte de jornada. Eles tiveram direito a uma estabilidade provisória no emprego. Em caso de demissão, a empresa precisa pagar uma indenização maior. Para os que tiveram redução de jornada e salário foi dada uma compensação na proporção do valor do seguro-desemprego. A compensação foi de 25%, 50% ou 70% do seguro-desemprego, que varia de R$ 1.045 a R$ 1.813,03

Desta vez, empresários calculam que o gasto ficará em torno de R$ 15 bilhões. Ainda não está definida qual será a fonte de recursos, se o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou por meio de crédito extraordinário, com a aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC) Emergencial, em tramitação no Congresso.

Desde dezembro, o secretário especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Bianco, anunciou que o prolongamento do programa para 2021 estava em estudo. Na época, Bianco reconheceu que havia uma restrição orçamentária.


George Gurgel de Oliveira: Brasil - Os Desafios da Sustentabilidade. Qual PETROBRAS?

A PETROBRAS volta à cena política nacional. Na verdade, sempre esteve. É uma das joias da Coroa, devemos cuidá-la e preservá-la, mesmo se for transformada em uma Empresa de Energia, como sugerido no presente texto. Ela faz parte da nossa identidade nacional, desde a fundação em 1953, quando colocou o Brasil no seleto grupo de países com indústria de petróleo. Desde então, ela foi sempre discutida, defendida e atacada no Brasil e no exterior. Portanto deve ser avaliada permanentemente por toda a Sociedade, além do Estado e do Mercado, considerando as transformações que estão acontecendo na área de energia, particularmente na indústria de petróleo mundial.

As minhas primeiras lembranças sobre a PETROBRAS são familiares: meu pai e seus companheiros do PCB na Bahia, como milhares da geração dele, participaram da campanha o Petróleo é Nosso – o povo nas ruas venceu, com apoio de Getulio e dos militares - não foi pouca coisa.

Ainda, e por isso tudo, a minha escolha profissional quando fui estudar na URSS foi na área de petróleo e gás, de novo a PETROBRAS em minha vida: lembro do entusiasmo que escrevi à sua direção, quando estava iniciando a minha dissertação de mestrado, no início de 1980, em Moscou: queria fazer meu trabalho em uma área que houvesse algum interesse da própria PETROBRAS – a minha frustração foi enorme, nunca obtive resposta do meu bem intencionado gesto.

A vida seguiu e o meu interesse pela Indústria de Petróleo, pela Energia nas suas diversas formas, e a questão ambiental persistem até hoje.

Como avaliar a PETROBRAS? A partir da sua própria história, realidade atual e o que ela e a sociedade brasileira almejam hoje e no futuro próximo – analisando a situação da própria PETROBRAS, da Indústria Mundial de Petróleo e de outras formas de energia: qual a matriz energética que temos e a que queremos ter nos próximos anos, no horizonte de 5, 10, 15, 20 anos?

São questões relevantes a serem enfrentadas para uma melhor compreensão do papel atual e do futuro da maior empresa brasileira e dos sistemas energéticos brasileiros.
A questão energética, particularmente a que envolve a Indústria de Petróleo, caso explícito da PETROBRAS, reflete interesses variados de caráter público e privado, tanto nos países capitalistas industrializados, grupo seleto no qual está concentrado o consumo energético mundial, quanto nos países não industrializados, nos quais vive a maioria absoluta da humanidade, com baixos níveis de consumo de energia.

A maneira como o petróleo e o gás são apropriados da natureza, produzidos, distribuídos e consumidos ainda determina os níveis de bem-estar de uma determinada sociedade e suas inter-relações com a própria natureza. Assim, a escolha nos tempos atuais de um modelo empresarial na área de petróleo e gás é reflexo das distintas realidades nacionais, a partir das potencialidades energéticas de cada sociedade.

No Brasil, a discussão em relação à PETROBRAS deve ser feita com e além da própria empresa, avaliando as demandas existentes da Sociedade em relação à indústria de petróleo e o lugar desta indústria na matriz energética, na economia e na indústria brasileira em geral.

O Sistema PETROBRAS, como o Sistema ELETROBRAS, de BIOMASSA, Solar, Eólico e Nuclear no Brasil foram e são opções construídas a partir de decisões e múltiplos interesses políticos, econômicos e sociais estabelecidos na Sociedade brasileira.

Nessa perspectiva, a PETROBRAS é parte do problema e da solução. A partir dos anos 90, o processo de privatização do Sistema Elétrico e do Sistema Petrolífero e a criação das respectivas agências reguladoras e da própria Agencia Nacional de Petróleo, a ANP, nos anos 90, mudam o funcionamento do Sistema Energético brasileiro.

Desde então, os diversos Sistemas Energéticos, o modelo da Agência Nacional de Petróleo, como também da Agência Nacional de Energia Elétrica, de Biomassa, Solar e Eólica são os responsáveis pela regulação da Política Energética brasileira. Em relação ao funcionamento das Agências reguladoras, constata-se desde a criação, uma forte influência do Executivo federal na definição dos dirigentes e da prevalência dos interesses de conjuntura no funcionamento destas Agências, retirando a necessária autonomia para o cumprimento das suas funções institucionais, de pensar a questão energética com uma visão sistêmica, para atender as demandas energéticas atuais e futuras da Sociedade brasileira.

Institucionalmente, a área energética deveria reestruturar-se buscando a integração dos diversos sistemas (elétrico, petrolífero e gás natural, álcool e bagaço de cana, carvão mineral, lenha e carvão vegetal, solar e eólica), buscando criar mecanismos, construindo novas relações entre o Estado, o Mercado e a Sociedade, que proporcionem uma participação social mais ampla na discussão, formulação e implementação dessa nova Política Energética desejada para o Brasil.

Hoje, quando mais uma vez a PETROBRAS está na berlinda, quais as questões a serem discutidas sobre a empresa? As mudanças a serem realizadas nela devem estar vinculadas a um projeto maior de reforma do Estado brasileiro, a uma política industrial e tecnológica, enfim a um projeto sustentável para o Brasil. Urge a volta de políticas públicas nacionais de longo prazo, particularmente em relação à questão energética e à própria indústria de petróleo.

A PETROBRAS para sobreviver e ser contemporânea do futuro deve se tornar uma empresa de energia, não apenas de petróleo e gás. Discute-se muito e pouco se fez e se faz nesta direção. Aqui as parcerias são fundamentais, algumas estratégicas: a partir de iniciativas da própria empresa, em diálogo com a comunidade cientifica, com outras empresas da área de energia, com as agências reguladoras, com a indústria brasileira e com toda a Sociedade, buscando definir um novo formato dela para atender as demandas atuais e futuras de energia da Sociedade brasileira.

Nesse processo de mudança, no caminho de uma economia de baixo carbono, a PETROBRAS – por tudo que ela representa, pode e deve ter um papel relevante. Em parceria com outras empresas que trabalham com a questão energética no Brasil e no mundo, ela pode desencadear um processo virtuoso na economia brasileira, com reflexos positivos na área social, de educação, científica e tecnológica, possibilitando ao nosso país aproveitar as suas potencialidades e riquezas naturais, nos levando a construção de uma economia de baixo carbono, aproveitando a energia solar, eólica e de biomassa, cada vez mais, na matriz energética brasileira.

Assim, o Brasil e a PETROBRAS devem caminhar juntos no fortalecimento do Sistema dela, reconhecendo a sua importância como empresa e a necessidade de realizar mudanças, transformando-a em uma empresa de energia, contemporânea no presente com o futuro da Sociedade brasileira. A PETROBRAS e a Sociedade brasileira estão desafiadas de juntas colaborarem na construção de um Brasil moderno, afirmando e reafirmando os valores da Democracia, da Cultura, da Educação, da Ciência e da Tecnologia, apontando para um Brasil solidário, com mais inclusão social, respeitando a diversidade e preservando a natureza.

*George Gurgel de Oliveira, Cátedra da UNESCO-Sustentabilidade, da UFBA e do Conselho do Instituto Politécnico da Bahia


Merval Pereira: Os extremos se encontram

O conselheiro da Petrobras Marcelo Mesquita, em entrevista à GloboNews, fez um comentário lateral sobre a crise na estatal, com a tentativa do governo Bolsonaro de controlar os preços dos combustíveis, que se torna fundamental quando se olha o quadro de maneira mais abrangente. Disse ele que “se fosse o PT, nós sabemos que teríamos esse problema há dois anos”, referindo-se à política do governo Dilma Rousseff na mesma direção.

Não é à toa que o PT está defendendo a intervenção do governo, e até mesmo o ex-ministro Aloizio Mercadante elogiou o general Joaquim Silva e Luna como “um militar nacionalista”. Há muitos pontos de contato entre visões de mundo autoritárias. Lula deu uma entrevista recente apoiando Bolsonaro quando ele critica o jornalismo profissional. Os dois se sentem atingidos pelas críticas e denúncias.

Tanto Bolsonaro quanto o PT consideram que o indutor do crescimento nacional é o governo e usam as estatais com tal objetivo, mesmo que já tenha sido provado na prática que o resultado é nulo. Mesquita lembrou que a Petrobras teve que pagar US$ 3 bilhões para encerrar uma ação de investidores internacionais (class action), quando o governo Dilma segurou o preço dos combustíveis com o intuito de conter a inflação.

Noutros governos, como o de Fernando Henrique Cardoso, houve essa tentativa, frustrada, uma das vezes quando o ex-ministro José Serra era candidato à Presidência em 2002 e queria que o ministro da Fazenda, Pedro Malan, segurasse os aumentos de combustíveis durante a campanha.

Agora o presidente Bolsonaro anuncia que vai “colocar o dedo” na eletricidade, o que geralmente dá choque nos governantes que tentam. Também a ex-presidente Dilma controlou o preço da eletricidade na canetada, e o resultado foi que, mais adiante, o repasse teve que ser feito de maneira mais acentuada, e até hoje a Eletrobras ainda sofre com o rombo provocado naquele tempo.

Na medida provisória que permite ao BNDES estudar a privatização da estatal de energia — o que parece mais um gesto simbólico do que realidade —, há o sistema de capitalização com a intenção desfazer o rombo nas tarifas das usinas da Eletrobras da época de Dilma. Com isso, a empresa pode vir a recuperar sua capacidade de investimento. Mas técnicos admitem que um impacto para cima nas tarifas haverá, seja ela privatizada ou não.

As trapaças da sorte levaram a que tanto Bolsonaro quanto o PT tivessem inimigos comuns, como o ex-ministro Sergio Moro, e métodos semelhantes para tentar se livrar das acusações de corrupção que atingem Lula e Flávio Bolsonaro. O caminho da anulação de provas, ou de julgamentos, leva ao mesmo objetivo: conseguir nos tribunais superiores (STJ e STF) a alforria dos seus.

A razão pela qual a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça anulou as provas contra o hoje senador Flávio Bolsonaro, uma justificativa insuficiente do juiz de primeira instância para autorizar quebra de sigilo, é uma tecnicalidade semelhante à que levou à anulação do processo conhecido como Castelo de Areia, que envolvia empresários e políticos: a investigação se originou numa denúncia anônima.

Mas, quando se quer beneficiar alguém, aceitam-se até provas ilícitas, como no processo que julga uma denúncia de parcialidade contra o então juiz Sergio Moro. A decisão da 2ª Turma do Supremo, que deve ser contra ele, vai anular a condenação do ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá e poderá levar de roldão todos os demais julgamentos em que ele foi condenado. E até outras condenações de réus da Lava-Jato.

Assim como a anulação das provas pode levar a investigação contra Flávio Bolsonaro à estaca zero. É possível ampliar o entendimento da lei, como a Operação Lava-Jato fez durante cinco anos, com bons resultados. Mas também usar provas ilegais, como os diálogos entre os procuradores e o então juiz Moro, para absolver condenados. Mesmo que, sabendo da discutível utilização dessas provas, elas não apareçam nos votos dos ministros da 2ª Turma do STF, elas já foram divulgadas largamente para criar um clima contrário ao juiz. O mesmo que acusam os procuradores e o próprio Moro de ter feito. Desde que Bolsonaro partiu para a confrontação com Moro, surgiu um campo enorme de interesses comuns entre Lula e ele.


Mariliz Pereira Jorge: Instituições barram ímpetos golpistas do presidente, mas não de seus seguidores

Ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada

Depois do decreto que pretende flexibilizar o acesso às armas e que só tem o intuito de abastecer milícias bolsonaristas, temos mais um capítulo de “como as democracias morrem”. Um grupo criou uma tal Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil, que nada tem com a OAB, mas com o compromisso de intimidar críticos ao governo.

Por meio de um comunicado nas redes sociais, ameaça processar “todos” que ofenderem Bolsonaro, sua família e integrantes da administração: “vamos derrotar o mal”. O “mal”, como sabemos, é a liberdade de expressão garantida pela Constituição, que dá aos brasileiros o direito de fiscalizar, questionar, desaprovar e esculhambar até o ocupante do cargo mais importante do país.

Os ataques de Bolsonaro a seus opositores empoderaram essa muito gente cafona e, certamente, desocupada, que pretende promover uma cruzada contra políticos de oposição, artistas, professores e, claro, jornalistas, os que estão em primeiro plano na mira da seita criada pelo presidente.

Se o ministro da Justiça usa sua caneta para perseguir profissionais como está fazendo com meus colegas Ruy Castro e Hélio Schwartsman, por que um grupo de gente ressentida e ignorante, mas com diploma de advogado, não faria o mesmo? Sigamos o mestre, devem pensar.

Pode parecer meia dúzia de aloprados, mas é exatamente como têm sido tratados grupos envolvidos em manifestações pró-golpe militar e em disparos de fake news. As instituições, por enquanto, têm barrado os ímpetos golpistas do presidente, mas não podemos dizer o mesmo sobre seus seguidores. Somos testemunhas do como a democracia vem sendo corroída pelas bordas —e por gente aparentemente insignificante.

Sempre bom lembrar do vice-presidente Pedro Aleixo, em 1968, que foi a única voz discordante da atrocidade do AI-5. “O problema é o guarda da esquina.” Como sabemos, este governo está cercado cada vez mais de gente assim, em cada esquina do país.


Bruno Boghossian: Congresso pode afrouxar caixa dois, improbidade e investigações

Câmara faria um serviço ao país se modernizasse regras, mas ideia cria brecha para retrocessos

Poucas coisas movimentam tanto o Congresso quanto a força-tarefa que tenta mudar as leis que mexem com a vida política dos parlamentares. A ideia é reformar regras ultrapassadas e conter abusos, mas o esforço abre caminho para perdoar o caixa dois, blindar deputados e livrar prefeitos que fazem barbaridades com dinheiro público.

Logo nas primeiras semanas de atividade, os parlamentares lançaram um grupo de trabalho para reformar a legislação eleitoral. O Congresso faria um bem ao país se criasse regras modernas para a propaganda e o financiamento de campanhas. Os deputados, no entanto, também querem discutir retrocessos que interessam principalmente à sua sobrevivência política.

Voltaram ao debate monstrengos como o distritão, que enfraquece os partidos políticos e facilita a eleição de aventureiros para o Legislativo, e a flexibilização da cláusula de barreira, que impediria o enxugamento do número de siglas nanicas.

Segundo os deputados, também podem entrar na pauta mudanças para aliviar punições por caixa dois, um sonho antigo de muitos parlamentares. Além disso, eles estudam mexer na Lei da Ficha Limpa –que tem regras defeituosas, mas pode acabar desfigurada.

Os deputados elaboraram ainda a PEC da imunidade. De um lado, ela acaba com aberrações como a possibilidade de um tribunal de instância inferior afastar um parlamentar do mandato. De outro, dificulta prisões e impõe um excesso de restrições nas investigações contra políticos. Na prática, cria uma blindagem e abre caminho para imitadores do golpista Daniel Silveira.

Na Câmara, já se fala também em liberar o nepotismo e em afrouxar as punições contra políticos por improbidade administrativa. Esta mudança pode fazer a festa de prefeitos interessados em gastar dinheiro público sem prestar contas. A ideia tem o apoio de Jair Bolsonaro, que tenta fortalecer sua base eleitoral nos municípios. “Alguma coisa vai ser mudada, pode deixar”, avisou.


Maria Hermínia Tavares: Não é o que eles dizem: o piso de gastos em educação e saúde e seus críticos

Vinculação de receita é a forma possível de garantir prioridades

Na versão de seu relator, senador Marcio Bittar (MDB-AC), a proposta da emenda emergencial à Constituição, entre várias iniciativas para lidar com o presente aperto fiscal, extingue os pisos obrigatórios do gasto público com saúde e educação, assegurados na Carta de 1988.

A discussão sobre o tema não diz respeito ao reconhecimento das severíssimas limitações daquilo que o governo pode desembolsar sem comprometer sua capacidade política e administrativa ou travar de vez o já trôpego andar da economia. Só os nefelibatas —com ou sem diploma em ciências econômicas— podem imaginar que limites fiscais são perversas invenções do neoliberalismo.

Tampouco se trata de debate sobre liberdade de escolha, em que um imaginário prefeito governaria melhor se pudesse decidir, por conta própria, despender mais com a crescente população idosa do que com escolas de primeiro grau cuja clientela minguou. Só pode achar que esse é o dilema quem se imagina no país de Birgitte Nyborg, a simpática primeira-ministra dinamarquesa da série Borgen, da Netflix.

Não é demais lembrar a maneira pela qual instrumentos tão pesados —toscos, em português claro—, como as vinculações mandatórias, adentraram a Constituição. No texto original, saúde, Previdência e assistência social foram reunidas sob o mesmo princípio do direito universal à seguridade, garantido por um Orçamento único. No percurso da teoria à prática, descobriu-se porém que o cobertor era curto demais: para atender à Previdência, era comum deixar a saúde desassistida --em plena montagem do SUS. Por isso, não por uma perversa maquinação antiliberal, a EC (emenda constitucional) número 29 criou o piso de gasto.

Já a vinculação obrigatória de recursos à educação é anterior aos trabalhos da Constituinte: foi introduzida pelas chamadas emendas Passos Porto (EC 23/83) e João Calmon (EC 24/83), ambas visando assegurar recursos permanentes ao sistema público de ensino, nos três níveis da Federação. Incorporada à Carta, a vinculação foi aprimorada com a criação do Fundef em 1996 e sua transformação em Fundeb, dez anos depois. A meta sempre foi assegurar financiamento adequado e prover estímulos para reduzir o vergonhoso atraso educacional brasileiro.

Os pisos de gasto em saúde e educação destinaram-se a proteger as duas áreas da inevitável disputa por recursos quando as demandas são muitas; os interesses, divergentes; e o dinheiro, curto. Ou seja, uma forma de dizer que aquelas devem ser políticas de Estado, com estabilidade e permanência asseguradas, acima —e apesar— das intenções dos governantes de turno.

*Maria Hermínia Tavares, Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.