Paulo Guedes

Míriam Leitão: O exagero que derruba a tese

Paulo Guedes tem sólida formação intelectual, mas recorre a exageros para defender suas teses e aceita ideias que não caem bem a um liberal

O ministro Paulo Guedes seria mais convincente se não exagerasse nos números, cálculos e versões para confirmar seu ponto. Ele tem argumentos fortes que independem de distorção superlativa. Quando for à Câmara falar da reforma, seria bom que ele evitasse o que fez na sua eloquente e fluente fala nos Estados Unidos. Guedes disse em Washington que o Brasil foi governado 30 anos pela esquerda. Foram 13, na verdade. Os 30 anos incluiriam até José Sarney, Collor e Temer. Ele diz que nenhum presidente teve coragem de enfrentar a crise fiscal, mas o país teve 16 anos de superávit primário e tem a Lei de Responsabilidade Fiscal.

O fato de o Brasil estar desde 2014 com déficit primário é grave. Torçamos para que ele nos leve de volta ao superávit. Se ele quiser dizer que o presidente Bolsonaro terá a coragem de enfrentar o déficit, seria ótimo se o fizesse em bom português. Não precisa usar uma linguagem chula que transforma coragem em sinônimo de parte da anatomia sexual masculina. Isso não pegou bem nos Estados Unidos, uma sociedade aberta, na qual as mulheres têm cada vez mais poder, inclusive no mundo corporativo. Isso não pega bem no Brasil.

O ministro Paulo Guedes está correto em dizer que durante as últimas décadas o total do gasto público como percentual do PIB cresceu ano após ano. A democracia atendeu às demandas sociais represadas, mas também errou ao distribuir benesses a grupos corporativistas. A dívida aumentou no governo de Fernando Henrique porque ele colocou na contabilidade explícita o que durante a ditadura estava fora das estatísticas. Eram os chamados esqueletos. Os números têm história.

Todos os governos fizeram mudanças na Previdência. A reforma do ex-presidente Lula reduziu alguns privilégios no setor público, como o fim da paridade e integralidade para servidor civil. Agora será a vez de Jair Bolsonaro. Ele não é o primeiro e, ao contrário do que o ministro Guedes disse nos Estados Unidos, a reforma não acabará com privilégios. Vai de novo apenas reduzi-los em alguns pontos, e até elevar, no caso dos militares.

A insistência em agradar o chefe e afinar o discurso com a ala mais radical levou o ministro no discurso da Câmara Americana de Comércio a fazer seguidas críticas à mídia. Colocou-a como exemplo dos perdedores que, segundo ele, divulgam uma imagem falsa do presidente. E disse que a mídia “se encantou com o establishment”. Equívoco. Quem cobriu sistemática e intensamente os casos de corrupção no Brasil foram os grandes órgãos de imprensa. E o fizeram sem poupar qualquer lado envolvido. O processo virtuoso de enfrentamento da corrupção não é obra do presidente Bolsonaro, mas sim do Ministério Público, Polícia Federal e Justiça, e a eles a mídia brasileira, forte e independente, deu total cobertura ampliando o alcance das informações.

Ao tecer loas aos Estados Unidos, Paulo Guedes elogiou a abertura do comércio americano. Os Estados Unidos são um país de economia aberta, um pouco menos agora com o presidente Trump. Da perspectiva do Brasil, essa abertura tem falhas. Trump impôs sobretaxa e cotas às exportações brasileiras de produtos siderúrgicos. Depois, criou a possibilidade de contornar o bloqueio, mas houve aumento na burocracia. Eles subsidiam produtos agrícolas fortemente, como a soja, e isso restringe a entrada do Brasil em terceiros mercados.

Exemplo de exagero nefasto foi proclamar Olavo de Carvalho o “líder da revolução”. Não há uma revolução em curso. Não é bom para o próprio ministro perfilar-se no grupo dos aduladores de Olavo. Não é justo com ele mesmo, Guedes, que tem autonomia intelectual. Não faz bem entrar numa briga intestina, da qual deveria guardar distância. Se é para ter um lado, é o do grupo mais racional.

Na cena política reescrita por Paulo Guedes, está havendo no Brasil uma união perfeita de liberais e conservadores para derrotar os tais “30 anos” de esquerda no Brasil. Um liberal como ele é, de convicções firmes e antiga coerência, não pode estar confortável com um discurso tão iliberal quanto o que impera em certas áreas do governo, com o tom de caça aos hereges em diversas áreas, a repressão a professores, as teses retrógradas sobre mulheres e até a censura à educação sexual infantil. Um liberal de boa cepa não convive com tanto obscurantismo e isso ele pode conferir se revisitar os clássicos que formaram seu pensamento.


Míriam Leitão: Viagem e reformas, agendas cruzadas

Paulo Guedes falou a língua do mercado, mas falta muito para entregar o que promete. No encontro dos presidentes, risco é o deslumbramento

O ministro Paulo Guedes falou a língua do mercado e agradou a uma plateia que estava querendo ouvir promessas de corte de gastos, reformas, privatização e abertura do mercado, mas muito do seu discurso precisa conversar com a realidade. O presidente Jair Bolsonaro fez uma crítica aos Estados Unidos, “onde a esquerda está crescendo”. Ele se referia ao Partido Democrata, que pode em 2020 governar o país. O inteligente em diplomacia é não se comprometer com forças políticas passageiras.

Na seu fluente discurso, Paulo Guedes impressionou, porque demonstrou conhecimento e rumo. O problema está nos detalhes. Quando ele diz que o Brasil privatizou aeroportos, pulou a parte de que tudo foi preparado pelo governo anterior. Quando diz que vai abrir a economia, é apenas intenção. Até agora em tarifa externa houve apenas a elevação da sobretaxa ao leite. Paulo Guedes disse que as informações que chegam aos EUA estão distorcidas, “porque vocês falam com os perdedores no Brasil”, e citou como exemplo de perdedores a “mídia estabelecida”. Na versão do ministro da Economia, as críticas que o governo recebe são porque está dizendo que vai privatizar ou porque o presidente está avisando que não pode mais roubar. A realidade é que o combate à corrupção foi feito pelas instituições e que o governo atual está devendo explicações sobre os casos que já surgiram. Outra negociação em curso, sobre a qual Guedes falou, foi a da entrada do Brasil na OCDE. A retirada do veto americano estava sendo negociado para ocorrer nesta viagem.

É importante falar de mudanças em curso, inspirar confiança e atrair investimentos. Esse é o papel do ministro da Economia. Este é um bom momento, e ontem a bolsa bateu em 100 mil pontos durante o pregão. Os investidores locais e estrangeiros estão ainda dando crédito de confiança ao governo, na expectativa de que ele cumpra pelo menos parte da sua agenda de liberalização da economia, redução do rombo fiscal, eliminação de entraves ao crescimento econômico e todas aquelas promessas resumidas no discurso de ontem de Guedes.

Mas se a bolsa sobe, as projeções do PIB estão derretendo. Ontem, o Focus trouxe uma queda da previsão do crescimento este ano de 2,28% para 2,01%. Há um mês era 2,48%. Há uma ano era 3%. O otimismo para 2019 está encolhendo. O IBC-Br teve um tombo de 0,41% em janeiro.

De concreto existe apenas a reforma da Previdência enviada ao Congresso, mas que não andará enquanto não for apresentado o projeto dos militares, que está sendo tratado diretamente entre o ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, e o presidente, Jair Bolsonaro. A equipe econômica torce para que fique pronta até quarta-feira, mas pode não ficar, por causa da viagem aos EUA. Bolsonaro terá hoje a reunião direta com Donald Trump, na qual qualquer erro custará caro. Os acordos foram negociados antecipadamente, como o usual, mas um compromisso ou uma palavra além do que for do nosso estrito interesse será prejudicial.

O pior risco é que a viagem acontece no momento em que o presidente e seus principais assessores na área externa estão ainda prisioneiros do deslumbramento com o trumpismo. Essa captura mental pode produzir confusões. Bolsonaro ainda não demonstrou nestes primeiros 70 dias ter adquirido o equilíbrio que o cargo exige.

A reforma da Previdência dos militares está sendo preparada para atender à velha reivindicação das Forças Armadas de correção de diferenças de níveis salariais entre eles e outros setores do funcionalismo. O risco é que a reforma aumente custos, em vez de diminui-los, e enfraqueça o argumento fiscal que tem sido usado.

Brasil e Estados Unidos estão anunciando os acordos previamente negociados nas áreas de comércio, investimentos e cooperação militar e do uso da base de Alcântara. Nada de incomum, mas o tom triunfalista usado lembra o da época do “nunca antes” do lulismo. A verdade é que as relações foram boas nos períodos das duplas Lula-Bush e Lula-Obama, FHC-Clinton. Os dois países têm interesses em comum, mas cabe ao Brasil não comprar a agenda alheia.

Não nos interessa brigar com a China, e tomar partido na guerra do 5G da telefonia celular, porque isso pode custar caro ao agronegócio brasileiro. Não nos interessa ser usados como bucha de canhão na ofensiva do governo americano contra Venezuela, Nicarágua e Cuba. A queda do governo Maduro é desejável por inúmeros motivos, mas o Brasil precisa se mover nesse xadrez da política internacional com sabedoria.


Míriam Leitão: Muito barulho para pouco fato

Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo com o excesso de anúncio de ideias

Na economia, o governo é de muito barulho e pouco fato. Ele mal começou, é verdade, mas já produziu um volume de anúncios impressionante. De concreto, tem uma reforma da Previdência que ainda não deu um passo no Congresso e na sexta-feira houve um bem-sucedido leilão que vendeu 12 aeroportos. O detalhe é que os modelos do leilão e da concessão foram preparados pelo governo Temer. O mérito do atual foi realizar o planejado.

Há muita coisa para mudar na economia de um país que não consegue retomar o crescimento, tem um rombo fiscal persistente e 12 milhões de desempregados. Como o governo acaba de chegar, é saudável que apresente suas soluções. O risco é atropelar a si mesmo nessa mistura de anúncios de medidas futuras.

Apesar de ter dito que a chamada PEC do Pacto Federativo esperaria pela aprovação da reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes continua falando dela como se o projeto fosse iminente. A reforma orçamentária é extremamente importante. Há dificuldades concretas na vida dos administradores públicos com o excesso de rigidez no uso dos recursos.

A questão é que mesmo Hércules fez uma tarefa por vez. Essa é de espantosa complexidade e mesmo se for aprovada um dia não eliminará os gastos incontornáveis. Além disso, pode provocar uma dispersão da base de apoio ao governo, base aliás que nem foi ainda consolidada pela incapacidade da articulação política. A boa notícia da sexta-feira foi o fato de que 12 aeroportos passaram para as mãos de operadores privados e com o pagamento de um grande ágio. Mais importante do que os R$ 2,3 bilhões que o governo vai arrecadar, são os investimentos futuros na melhoria da logística aeroviária do país.

O sucesso do leilão foi muito bem recebido pelos empresários. Para o diretor-superintendente do grupo Astra, Manoel Flores, que fabrica revestimentos e materiais de construção, a notícia confirma a avaliação de que o pior da crise econômica ficou para trás. Ele fala olhando para os próprios números. Acaba de participar de uma feira no setor que teve uma alta no volume de negócios fechados e tem projeção na sua empresa de faturamento 10% maior, com um aumento de 5% no número de funcionários.

No mercado financeiro também o leilão foi lido como um sinal positivo, principalmente pela presença do capital estrangeiro. Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, disse que o resultado foi muito melhor do que o esperado, e que a presença de operadores internacionais disputando os aeroportos brasileiros prova que, de fato, os investidores estão acreditando no Brasil.

É possível ouvir palavras de ânimo tanto na economia real quanto na área financeira, mas a conversa termina sempre com o mesmo alerta: é preciso aprovar a reforma da Previdência para que se confirme o cenário de melhora nas contas públicas brasileiras. Portanto, é nesse ponto que tem que estar o foco da área econômica.

O grande desafio para a reforma neste momento será o envio nos próximos dias do projeto que muda as pensões e aposentadorias dos militares. Ele virá com mudanças na carreira que elevarão ganhos, manterão vantagens como paridade e integralidade, e pode ter inclusive a garantia de aumento anual dos soldos. Ficará difícil explicar isso num contexto de escassez.

O Ministério da Economia falou em esfaquear o Sistema S, e a ameaça contundente acabou contornada. Falou em fazer uma abertura da economia para tirar os empresários das suas trincheiras da Primeira Guerra e já elevou tarifas de importação. Prometeu dar aos estados a maior fatia do dinheiro do grande leilão das áreas excedentes do pré-sal, mas ainda não conseguiu concluir as negociações da Petrobras com a União, que, a propósito, estavam bem adiantadas no governo anterior.

Na sexta-feira, o ministro Paulo Guedes prometeu digitalizar o governo, reduzindo à metade o número de funcionários públicos através da não realização de concursos para substituir os que se aposentarem.

Há boas ideias nas propostas feitas pelo ministro, mas nada do que ele anuncia é tão fácil quanto ele diz. O mais difícil, contudo, é fazer tudo ao mesmo tempo. A ordem de prioridades precisa ficar mais bem definida para elevar a confiança na economia, permitindo o aumento da atividade, ainda excessivamente fraca.


Julianna Sofia: Biruta de aeroporto

Guedes é neófito nas agruras de Brasília e dispersa energia ao propor desvinculação orçamentária

Exercício de redundância dizer que o governo Bolsonaro tem enfiado os pés pelas mãos, em tranches diárias, nos seus 75 dias de gestão. Até para um calouro no Palácio do Planalto, há excesso nos desacertos, recuos, gafes, omissões e demissões. Torna-se ameaçador, no entanto, quando a bússola desnorteada também serve à área econômica.

Antes do primeiro mês de aniversário da reforma da Previdência, a ser completado na próxima quarta-feira (20),o ministro Paulo Guedes(Economia) apontou para outra direção. O que no seu discurso de posse fora tratado como plano B, no caso de insucesso nas mudanças das regras para aposentadorias, ganhou imediatismo. O economista passou a defender a tramitação simultânea da PEC previdenciária e de uma outra para desvincular o Orçamento.

A estratégia de Guedes mostrou-se equivocada. O "Posto Ipiranga" de Jair Bolsonaro ouviu críticas de governadores, parlamentares e especialistas em contas públicas. Foi obrigado a recuar em seus planos e tentou jogar para as mãos dos políticos a decisão sobre o timing da medida. O secretário especial de Previdência, Rogério Marinho, se antecipou ao ministro (a quem é subordinado) e declarou que a proposta de mexer no Orçamento não seria mais enviada ao Legislativo no curto prazo.

O ministro é neófito nas agruras de Brasília. Jogou a cenoura da PEC da desvinculação na tentativa de criar uma agenda positiva para políticos em meio à aridez da reforma da Previdência. Ruído desnecessário.

Diante do fracasso nesse front, o governo agora ensaia um plano C. De forma prematura, pretende abrir as discussões com o Congresso sobre a reformulação do sistema tributário, usando como ponto de partida o redesenho do PIS e da Cofins. A dispersão de energia não ajuda a aprovar a nova Previdência, demonstra falta de foco e desespero em acertar.

Guedes usa a metáfora da queda de um avião para descrever o futuro do sistema de aposentadorias, sem a reforma. Biruta de aeroporto é termo que cai melhor à atual situação.


Marcus Pestana: Por uma previdência sem privilégios

O sistema previdenciário tem um papel fundamental para assegurar dignidade à vida do trabalhador que já esgotou sua capacidade laborativa. A previdência não era um problema tão grande no mundo inteiro porque a expectativa de vida era pequena e havia muito mais jovens do que idosos. Isto mudou radicalmente. Não é uma questão ideológica. É uma questão atuarial e econômica. Prova disto é que o todo poderoso líder de direita da Rússia, Vladmir Putin, o centrista recém-eleito na França, Emmanuel Macron, e o líder de esquerda da Nicarágua, Daniel Ortega, propuseram reformas em seus respectivos sistemas previdenciários. Todos encontraram enormes resistências.

No Brasil, além das características universais, acumulamos distorções enormes que tornam o sistema absurdamente injusto e claramente insustentável.

Foi por entender a gravidade da situação que o PSDB e o Instituto Teotônio Villela promoveram, na última quarta-feira, um excepcional debate sobre a reforma da previdência com três grandes especialistas: o ex-ministro e ex-deputado Roberto Brant e os economistas Paulo Tafner, da FIPE, e Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal.

Roberto Brant, do alto de sua experiência e qualidade intelectual, realçou a centralidade da reforma da previdência não só para inevitável ajuste fiscal, mas principalmente para que se abra espaço para a retomada do crescimento e dos investimentos, assim como para a recuperação de outras políticas públicas essenciais como as de educação, saúde e segurança, hoje estranguladas. Colocou enfaticamente que é preciso construir uma narrativa sólida e convincente, esclarecer a população, dialogar com a sociedade e com o Congresso Nacional e agir com coragem. Realçou ainda sua convicção que se o Presidente Jair Bolsonaro não chamar para si a liderança do processo, usufruindo do cacife político conquistado nas urnas, as chances de aprovação são mínimas ou teremos uma reforma tão desidratada, que nem vale a pena fazer. Num caso ou outro, as perspectivas para o país, para o próprio governo federal e para estados e municípios serão sombrias.

Paulo Tafner, um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, e Felipe Salto desfilaram números, comparações, evidências, que demonstraram sobejamente que o sistema previdenciário brasileiro é injusto e insustentável. Falarei disso no próximo sábado.

Com base na rica discussão e por entender que essa reforma não é do governo, de um partido, mas sim uma necessidade nacional, o PSDB decidiu formar um grupo de trabalho para no prazo de 15 dias, explicitar quatro ou cinco pontos dos quais não abre mão e as mudanças que vai sugerir, principalmente em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural.

O mote central será “uma previdência sem privilégios”. O PSDB, embora não seja da base do governo, quer apoiar uma reforma robusta, mas corrigindo as distorções da proposta enviada ao Congresso. O PSDB quer agir com convicção e coragem política em favor das mudanças necessárias e inadiáveis.

Isso, por saber que fora da reforma repetiremos experiências como as da Grécia e de Portugal e decretaremos o sequestro do horizonte de nossos filhos e netos, com o empobrecimento do Brasil, baixo investimento, crescimento medíocre, desemprego alto e governos falidos.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


O Estado de S. Paulo: Guedes diz que metade dos servidores vai se aposentar e descarta concursos 

‘Me ajuda a fazer a reforma da Previdência que o dinheiro cai naturalmente’ afirma ministro sobre governadores

Stephanie Tondo, de O Estado de S. Paulo

RIO - O ministro da Economia, Paulo Guedes afirmou na manhã desta sexta-feira, durante evento na Fundação Getulio Vargas, que o governo conta com o apoio dos entes federativos (estados e muncípios) para aprovar a reforma da Previdência . Guedes disse ainda que o governo não pretende realizar concursos públicos nos próximos anos, apesar da previsão de que muitos servidores vão se aposentar.

— Cerca de 40% a 50% do funcionalismo federal irá se aposentar nos próximos anos, e a ideia é não contratar pessoas para repor. Vamos investir na digitalização.

De acordo com Guedes, a recuperação econômica do país depende da aprovação de medidas efetivas, como a reforma da Previdência, e a revisão do pacto federativo com estados e municípios. Sobre a dificuldade financeira enfrentada por governadores e prefeitos, o ministro afirmou que, sem aprovação da reforma, não haverá possibilidade de ajuda da União:

— Me ajuda a fazer a Reforma, que o dinheiro cai naturalmente — disse.

Guedes destacou ainda a importância de desvincular os orçamentos dos limites mínimos constitucionais e dar mais autonomia para que estados e municípios, em conjunto com o Legislativo, organizem o orçamento de acordo com suas necessidades específicas.— Nosso diagnostico é que o descontrole sobre gastos públicos corrompeu a política e estagnou a economia. A culpa da degeneração política é da economia — declarou o ministro, acrescentando que acredita que esta mesma classe política está amadurecendo:

— Assumam o orçamento, senhores. É preciso reabilitar a classe política brasileira.

Sobre a reforma da Previdência, Guedes afirmou que o regime de repartição, atualmente utilizado no Brasil e pelo qual os trabalhadores da ativa contribuem para financiar os benefícios de quem está aposentado, é um sistema insustentável.

‘O regime de repartição já quebrou’
Ele defendeu a migração para o modelo de capitalização, no qual cada trabalhador contribui para seu próprio fundo de aposentadoria. Pelos planos do governo, este novo modelo só será criado para novos trabalhadores, que não entraram ainda no mercado de trabalho.

Por isso, Guedes voltou a afirmar que a reforma da Previdência precisa economizar pelo menos R$ 1 trilhão, para ser viável criar o novo regime de capitalização.
— O regime de repartição já quebrou antes mesmo de a população envelhecer. Mas preciso de pelo menos R$ 1 trilhão para sangrar o sistema antigo, até que todo o sistema chegue na capitalização.

De acordo com Guedes, é preciso "coragem" de implementar a capitalização, pensando nas gerações futuras.

— Se não temos coragem, vamos expor nossos filhos e netos à mesma armadilha do sistema previdenciário que vai cair.

Sobre as críticas ao modelo chileno de capitalização, Paulo Guedes alegou que o pais hoje cresce cerca de 6% ao ano graças à adoção do novo regime previdenciário.


Claudia Safatle: Encontro do mercado com os bancos federais

Quando anunciar os novos presidentes dos conselhos de administração dos três maiores bancos federais - Banco do Brasil, Caixa e BNDES -, o ministro da Economia, Paulo Guedes, estará dando um passo importante e singular na blindagem dessas instituições. Os conselhos serão presididos por nomes do mercado. São eles: Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e sócio da Mauá Capital, ocupará a presidência do conselho do Banco do Brasil; Hélio Magalhães, ex presidente do Citi Brasil, comandará o conselho da Caixa; e Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e sócio da Rio Bravo Investimentos, presidirá o conselho de administração do BNDES.

Os bancos públicos têm sido, historicamente, objeto de ataque das forças políticas perpetrado para a tomada de cargos por indicações partidárias. Mas tão danosa quanto a ocupação política de cargos importantes - em geral com o intuito de angariar fundos para o financiamento das campanhas eleitorais - é a ofensiva do próprio acionista controlador, o Tesouro Nacional. Este arrancou excessivos dividendos dos bancos federais e criou políticas públicas sem a devida análise de risco e de custos.

Foi assim que a Caixa acumulou cerca de R$ 40 bilhões em instrumentos híbridos de capital e dívida. Agora, com a administração de Pedro Guimarães, a Caixa diz que vai devolver esses bilhões à União nos próximos quatro anos. Para isso, ele quer acelerar a venda de ativos.

A Caixa, talvez por ser uma empresa fechada sob total controle da União, sempre teve mais dificuldades para se defender de investidas político-partidárias com objetivos pouco transparentes.

O processo de melhoria da governança dos bancos públicos federais começou em meados dos anos de 1990. Em 1996, o governo de FHC capitalizou o Banco do Brasil em R$ 8 bilhões. Logo em seguida, o BB começou a introduzir melhores práticas de avaliação de risco assim como diversos outros mecanismos de melhoria da gestão.

Para a presidência dos conselhos, desde então, foram nomeados altos funcionários do Poder Executivo que tinham compromisso com a blindagem das instituições. Foram notáveis os trabalhos de Amaury Bier, então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, na presidência do conselho do BB no governo tucano, assim como o de Ana Paula Vescovi, que também ocupou o mesmo cargo no Ministério da Fazenda no governo de Michel Temer, no comando do conselho de administração da Caixa.

Mesmos com os instrumentos de governança então em vigor, o que se viu nos anos seguintes, já na década de 2000, foi uma avalanche de indicações políticas para cargos de direção.

A substituição de Lima Neto por Aldemir Bendine na presidência do Banco do Brasil, no pós-crise financeira internacional de 2008/2009, marcou a mudança no BB. Ali ficou claro que o trabalho feito anteriormente não foi suficiente para proteger o banco da pressão política para expandir o crédito a qualquer custo e baixar, na marra, o spread bancário.

Soma-se a isso o fato de o governo usar, com certa frequência, os cargos de conselheiros nas empresas públicas para fazer complementação salarial dos altos funcionários, como uma forma de contornar a lei do teto salarial.

Os novos conselheiros, que devem ser anunciados em breve pelo ministro da Economia, têm um caráter inusitado de independência do governo federal. Diferentemente da prática do passado recente, eles não ocupam postos-chaves na área econômica do Executivo.

O mandato dos três também não se esgota na tentativa de proteger os bancos federais contra políticas públicas custosas, cujo ônus terá que ser pago por toda a sociedade. Sobretudo Figueiredo, no BB, e Magalhães, na Caixa, terão que ser atuantes na reinvenção dessas casas bancárias.

Não é segredo que o sistema financeiro mundial passa por uma revolução. No mundo das plataformas digitais, o que hoje vale um bilhão amanhã não valerá um tostão. Ou os bancos públicos se remodelam e se transformam em um supermercado de bons produtos ou serão riscados do mapa.

As expectativas do lado do governo são, também, bastante positivas. Espera-se que os conselheiros possam, com a experiência que têm no mercado financeiro privado, trazer novas práticas para oxigenar as instituições federais. A começar por impor metas mais ousadas nos planos de negócios desses bancos, sobre as quais serão feitas a distribuição de lucros e dividendos. Ter foco no resultado e na cobrança deste e, também, no controle de gastos e no combate ao corporativismo, dentre várias outras questões.

Nos três maiores bancos públicos há a determinação para abertura de capital de empresas subsidiárias e venda de ativos.

Nesse quesito, a carteira de participações acionárias do BNDES é, de longe, a mais expressiva, de mais de R$ 100 bilhões. Só na Petrobras, a participação do BNDES é de cerca de R$ 44,92 bilhões (valor de mercado), que corresponde à 15,24% do capital da companhia e a 38,4% da carteira do banco. A Vale vem em seguida, com valor de mercado de R$ 23,2 bilhões e 19,82% da carteira de participações do banco de fomento. Além das companhias abertas, o BNDES tem ainda participações de mais de R$ 4,2 bilhões em empresas fechadas (não listadas em bolsa de valores).

Por serem bancos públicos, erros de avaliação nas políticas de crédito ou indicações de pessoas erradas para postos relevantes, acabam sendo pagos pelo acionista controlador.

O Estado não produz dinheiro. Ele apenas recolhe a título de impostos, taxas e contribuições recursos de toda a sociedade e os redistribui. É desse bolo de recursos que saem os valores destinados a cobrir eventuais "rombos" deixados por má administração dos bancos estatais.

A política de empréstimos fortemente subsidiados do BNDES, durante a gestão do PT, com recursos tomados do Tesouro Nacional, é um triste retrato do desperdício de dinheiro público sem o devido retorno esperado na expansão da atividade econômica e na geração de emprego.


César Felício: O mercado aposta em Maia e estuda Mourão

Aprovação de alguma reforma é dada como certa

Nada parece mover o inabalável otimismo no mercado financeiro em relação à aprovação de uma reforma da Previdência: nenhum vídeo obsceno postado pelo próprio presidente, nenhuma intriga alimentada por Olavo de Carvalho, nenhum tuíte inexplicável do vereador Carlos Bolsonaro, ou trapalhada do ministro da Educação. Acredita-se que há duas esferas no poder em Brasília: uma é a movida a estrondo e fúria, navegando no mundo da instantaneidade e do espetáculo e tem o próprio presidente como protagonista.

A outra é bifronte e eficaz: são protagonistas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), visto como o mais credenciado negociador da reforma da Previdência; e o vice-presidente Hamilton Mourão.
A banca não tem absoluta certeza, mas acredita que Mourão vocaliza e opera em nome de todo o grupo militar, visto como mais preparado e dotado de maior estratégia política do que Bolsonaro, sua família e seus aliados mais próximos, em um pacote que inclui o próprio ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni.

O grupo militar seria a verdadeira espada e escudo de interesses que convergem para o mercado, frente ao qual o restante seria espuma. A contenção dos desvarios bolsonaristas em relação a Venezuela e transferência da embaixada para Israel seriam sinais eloquentes neste sentido.

O ministro da Economia, Paulo Guedes, está fora da equação, e não por ser desimportante, ao contrário. Guedes não é visto ainda como um homem do mundo de Brasília, um dos beligerantes na conflagração por poder. Ele é um universo à parte, que montou uma reforma da Previdência sólida do ponto de vista fiscal, com muita gordura para negociar. Não deve, contudo, ser o condutor do processo de barganha.

A ansiedade do ministro em propor a emenda da desvinculação simultaneamente à reforma da Previdência, depois de a ter apresentado como "plano B", é vista mais como um sinal de sua inexperiência do que de sua visão tática.

Do ponto de vista do curto prazo para o mercado, Rodrigo Maia é a figura-chave. É descrito como o primeiro-ministro do governo, o operador para se garantir a aprovação de algo entre 50% e 80% da meta de Guedes em relação à reforma.
No pacote a ser tocado por Maia no Congresso ainda estão a nova política em relação ao salário mínimo, com evidente impacto fiscal, e o represamento de aumentos para o funcionalismo dos três Poderes.

Quem busca estudar Mourão no mercado está preocupado com o longo prazo. Ele é visto, no mínimo, como um possível presidenciável em 2022, ao lado de outros nomes como o de Bolsonaro, Moro, Doria e do próprio Rodrigo Maia. Em um cenário extremo, como uma alternativa ao atual presidente antes do fim do mandato. Os exemplos da década deixaram o sistema financeiro atento em relação a eventuais pontes para o futuro.

Um dos pontos que chamaram a atenção no vice é a sua transformação, como se Mourão buscasse estabelecer alguma espécie de contraste em relação ao titular do cargo. Durante a campanha eleitoral, sobretudo no período que precedeu a facada de Juiz de Fora, não foi o que se viu: Mourão fez declarações de caráter antidemocrático e que denotavam preconceito racial. Atrapalharam e muito a campanha de Bolsonaro. A questão que cabe no momento é qual o motivo para existir agora um vice que é a voz do bom senso, um comentarista permanente de todos os fatos que tenham relação direta ou remotíssima com o governo.

Supremo
Há um autoritarismo de baixo para cima, um clima de revolução cultural maoísta alimentado pelas redes sociais no Brasil, mas com o sinal trocado. Na China dos anos 60 eram colados em muros pela Guarda Vermelha, os 'dazibaos', onde a elite intelectual e administrativa do País era acusada de traição ao grande timoneiro. A instabilidade era permanente, dado o macartismo às avessas em que qualquer um acusava quem quer que fosse de qualquer coisa, sem blindagem possível.

Em baixa sempre estão a tolerância, o respeito às instituições como mecanismo de solução de controvérsias, a mediação política, a veiculação da informação com responsabilidade.

Por mais mesquinhas que sejam suas motivações, não é possível dissociar deste quadro a iniciativa do presidente do STF, Dias Toffoli de instaurar uma investigação de ofício sobre 'fake news' contra os ministros do Supremo.

À parte tudo isso, é preciso ponderar sobre a gravidade da decisão de ontem da Corte, que tornou crimes comuns passíveis de serem julgados pela Justiça Eleitoral. É claro que abriu-se uma porta para se afrouxar o combate à relação espúria que se estabeleceu entre políticos e o empresariado.

Talvez seja precipitado cravar que a decisão signifique o fim de uma era, como festejam petistas e deploram os protagonistas da Operação, mas o sentido da decisão é incontroverso.

Não há dúvida sobre a colocação de um limite crucial no poder do Ministério Público, a três dias do quinto aniversário do começo da Operação. Travou-se ontem uma disputa de poder, como mencionou Gilmar Mendes.

A indignação das redes sociais contra um STF que poda a Lava-Jato torna-se um catalisador para reações em cadeia. No âmbito do Congresso, a movimentação começou pelo Senado. Conforme registrou Cristiane Agostine e Carolina Freitas no Valor Pro, o líder do PSL na Casa, Major Olímpio, apresentou um projeto de lei para retirar da Justiça Eleitoral o julgamento de crime comum. Outro senador, Alessandro Vieira (PPS-SE), articula uma CPI "Lava Toga". Um terceiro, Lasier Martins (PSD-RS), emprestou o gabinete ontem para o advogado Modesto Carvalhosa protocolar mais um pedido de impeachment contra o ministro Gilmar Mendes.

O Judiciário terá que resistir a uma ofensiva muito mais consistente do que qualquer quartelada que envolva um cabo e um soldado.


Míriam Leitão: Os limites da desvinculação

Discutir a desvinculação do Orçamento do governo é crucial, mas a promessa do ministro Paulo Guedes de liberar R$ 1,5 trilhão é inviável

O projeto de desengessar o Orçamento é crucial para a União, estados e municípios. O país está ficando ingovernável pelo volume de destinação obrigatória. Mas prometer que os políticos terão controle sobre R$ 1,5 trilhão, como fez o ministro Paulo Guedes, é vender uma ilusão. Há despesas que permanecerão sendo obrigatórias, mesmo se for aprovado o fim das vinculações. Desse total do Orçamento, R$ 637 bilhões são pagamentos ao INSS e R$ 350 bilhões são despesas de pessoal. Além disso, há R$ 60 bilhões de Benefício de Prestação Continuada, e mais R$ 44 bilhões de custeio da máquina pública, que já sofreu muitos cortes nos últimos três anos de crise. Não será trivial mexer nessas despesas.

É preciso entender a importância da tarefa, mas não se vender terreno na lua. Primeiro: é fundamental enfrentar o problema do excesso de rigidez orçamentária. Vários economistas de candidaturas de pontos opostos do campo político defenderam isso nas últimas eleições. Segundo: não é verdade que os políticos poderão decidir sobre R$ 1,5 trilhão porque mesmo desvinculando eles não poderão, por exemplo, decidir não pagar aposentadorias e salários, entre outras diversas despesas.

O projeto, se for bem-sucedido, evitará que o Brasil bata contra um muro. E o país está indo velozmente na direção desse muro. No Orçamento de 2019, 90,4% são despesas obrigatórias. E vem crescendo ano a ano, reduzindo o espaço do executivo e do legislativo. Já há estados em que a soma dos gastos obrigatórios é maior do que a receita. Há muitas perguntas que precisam de respostas: em quais despesas é possível mexer? Como ampliar o espaço de decisão para os representantes eleitos? A desvinculação reduzirá as receitas destinadas para as áreas essenciais como saúde e educação?

Paulo Guedes não está sozinho. Outros economistas vêm alertando para isso há muito tempo. A diferença é que ele diz que vai propor, e agora, em abril. Em tese, o ministro está correto. Mas não pode parecer que num passe de mágica, com uma PEC de nome bonito, PEC do pacto federativo, tudo se resolverá. “Os deputados vão entender que, em vez de discutir R$ 1,5 milhão ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão do Orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados”, disse ele na entrevista ao jornal “Estado de S. Paulo”.

Os parlamentos foram criados exatamente para que representantes do povo pudessem decidir sobre a destinação dos recursos públicos. Na escassez, cada setor quis garantir a sua parcela. Mas quando a soma das parcelas fica maior que o todo, o caminho é aumentar o endividamento ou elevar os impostos. Municípios e estados estão mal, e isso parece música para os ouvidos, mas eles também sabem que terão que continuar cumprindo inúmeras obrigatoriedades de destinação, mesmo se a PEC foi aprovada.

Embutido nesse projeto há um novo programa de ajuda aos estados, o Plano de Equilíbrio Financeiro (PEF), que será enviado via Projeto de Lei. O Regime de Recuperação Fiscal tinha exigências para a entrada que tornavam muito difícil a execução. O novo fará também exigências de contrapartidas, mas pode ajudar mais estados. É o que Guedes chamou de “balão de oxigênio” na sua entrevista de domingo.

Inicialmente, o ministro se referiu a esse projeto para desamarrar, desindexar e desvincular o Orçamento como o Plano B. “O bonito é que se der errado pode dar certo. Se der errado a aprovação da reforma da Previdência, é bastante provável que a classe política dê um passo à frente e assuma o comando do Orçamento”, disse em janeiro.

Foram dois erros numa declaração só. A reforma da Previdência precisa dar certo e esse projeto não pode ser a compensação caso a reforma não seja aprovada. São igualmente importantes para construir um novo marco fiscal do país. A PEC que proporá a mudança no Orçamento precisará de muita negociação, porque será natural que as bancadas de defesa da educação e da saúde, entre outras, briguem contra a mudança. Pela reação que provocará, pelo tempo de convencimento que exigirá, o risco é desviar o foco da reforma da Previdência, que é a tarefa da vez. Nada aconteceu desde que o projeto da Previdência de Bolsonaro chegou ao Congresso. Hoje se instala a CCJ. Será muito difícil para o governo travar duas batalhas econômicas ao mesmo tempo.


Eliane Cantanhêde: Toma lá, dá cá

Proposta dos militares tira na Previdência e põe nos soldos. Guedes quer “conta zero”

A proposta das Forças Armadas para a previdência dos militares é, na verdade, um pacote que tira de um lado (o da previdência) e põe no outro (nos soldos). A intenção é cobrar cota de sacrifício até de pensionistas, mas criando gratificações para os da ativa que fizerem cursos, como compensação para perdas acumuladas há décadas.

“Sempre perguntam se nós não vamos contribuir com a reforma. Mas nunca deixamos de contribuir”, diz o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Para ele, os militares são sempre os primeiros a sofrer cortes, “para o bem do País”, e acabaram com soldos muito defasados em relação à inflação e às carreiras de Estado. “Em relação ao Judiciário e ao Legislativo, nem se fala.”

O ministro entrega nesta semana a proposta dos militares à equipe econômica e à área jurídica do governo e estima levá-la ao Congresso até início de abril. Esse é um passo importante para esvaziar as desconfianças dos parlamentares, inclusive da base aliada, que resistem a privilégios para militares.

Azevedo e Silva foi pessoalmente à residência oficial do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na quinta-feira passada, não só para antecipar a ideia geral da proposta para os militares como para falar das compensações: “Vamos subir a receita, mas também equilibrar melhor as despesas”, resumiu.

Maia pensa como o ministro Paulo Guedes e o secretário Rogério Marinho: os militares não podem aproveitar a reforma para compensar defasagens antigas. No mínimo, a conta tem de zerar. Pelo projeto, só vai zerar no quinto ano. Até lá, eles ficam no lucro.

Além de aumentar o tempo de contribuição dos militares, de 30 para 35 anos, a proposta prevê aumento da alíquota para todos, de 11% para 14%, com um detalhe: viúvas, cadetes e recrutas, hoje isentos, também passarão a contribuir com o mesmo porcentual.

Do outro lado, está a recuperação de uma das vantagens perdidas com a MP 2215, do final do governo FHC, mexendo nas gratificações pelos vários cursos que, sargentos ou oficiais, eles têm de fazer ao longo da carreira. Gratificação não tem impacto na previdência, aumento de salário teria. Está descartada a volta de auxílio-moradia, pensão para as filhas, ida para a reserva com um posto acima e licença especial.

Uma facilidade para aprovação do pacote militar, conforme enfatizou o próprio presidente Jair Bolsonaro, é que não precisa emenda constitucional, só projetos de lei. É fato, mas não exagera! Uma semana na Câmara e outra no Senado, só em sonho.

O grande esforço não só das Forças Armadas, mas da própria cúpula do governo – até porque as coisas se confundem – é martelar que os militares não estão incluídos no regime de previdência. Têm regime próprio e, aliás, estão fora das normas trabalhistas: não têm hora extra, adicional noturno, adicional de periculosidade.

Se elas tivessem esses benefícios, um tenente atuando na fronteira com a Venezuela ou nas enchentes na BR 163 (Cuiabá-Santarém) mais do que dobraria seu salário – que é mais baixo do que seus correspondentes civis no serviço público.

Uma terceira frente, além dos soldos e da previdência diferenciada, é o orçamento para as atividades-fim e os projetos estratégicos do Exército, Marinha e Aeronáutica que, como diz o ministro, “precisam de condições para sustentar a paz”.

Ter Bolsonaro, oito militares no topo do Executivo e mais de cem no segundo escalão é faca de dois gumes: é bem mais fácil para as três Forças defenderem seus pleitos no governo, mas gera desconfianças e confrontos fora dele. Principalmente quando se vende o militar como santo e o político como demônio. É melhor para o governo e para o presidente calibrar melhor o tom. A reforma passa e o Brasil ganha.


Luiz Carlos Azedo: O modelo dos militares

“A equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, defende um amplo programa de privatizações, porém, os militares são nacional-desenvolvimentistas”

Comparar as biografias do ex-senador Amaral Peixoto e do ex-presidente Ernesto Geisel ajuda a entender como os projetos liberal-democrático e nacional-desenvolvimentista se digladiaram, à sombra do populismo, durante a maior parte do período republicano. Genro de Getúlio Vargas, Amaral teve papel decisivo nas articulações com os Estados Unidos para o Brasil entrar na guerra contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) e na construção das alianças do governo Juscelino Kubitschek; Geisel presidiu a Petrobras e sucedeu o general Garrastazu Médici na Presidência, sendo responsável pelo desalinhamento da política externa brasileira em relação aos Estados Unidos, com o acordo nuclear com a Alemanha, o reatamento de relações com a China e o reconhecimento da independência de Angola. Foram adversários políticos por toda a vida.

Amaral lançou a candidatura de Juscelino (PSD) à Presidência da República na eleição de 1955, com um discurso desenvolvimentista cujo slogan era “50 anos em 5”, tendo como companheiro de chapa João Goulart (PTB). Com 35,6% dos votos, contra 30,2% de Juarez Távora (UDN), Juscelino somente tomou posse porque o general Henrique Lott, legalista, desencadeou um movimento militar que a garantiu. Responsável pela construção de Brasília, atraiu investimentos estrangeiros, promoveu a industrialização, o desenvolvimento do interior e a integração do país, num ambiente de estabilidade política e liberdade. Entretanto, deixou como herança dívidas interna e externa elevadas, aumento da inflação e concentração de renda, que alimentaram a crise política dos anos 1960 e desaguaram no golpe militar de 1964.

Geisel herdou a crise do “milagre econômico” do general Médici, idealizado pelos ministros João Paulo dos Reis Velloso e Mário Henrique Simonsen, com o objetivo de preparar a infraestrutura necessária ao desenvolvimento: transportes e telecomunicações, ciência e tecnologia, indústrias naval, siderúrgica e petroquímica. Grandes obras de infraestrutura foram executadas: a hidrelétrica de Itaipu, a Ponte Rio-Niterói e a rodovia Transamazônica. Houve crescimento médio de 11,2% ao ano, com uma inflação inercial de 19%. A crise do petróleo de 1974, porém, interrompeu o ciclo e forçou uma mudança de rumo na economia.

O II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), lançado por Geisel, porém, fracassou. Fora idealizado por Reis Velloso, Simonsen e Severo Gomes para enfrentar a crise internacional provocada pelo “choque do petróleo “ (os países produtores formaram um cartel e passaram a ditar os preços). Geisel fez a maior intervenção estatal na economia da história do país, com medidas de regulação (taxa de câmbio, taxa básica de juros, regras para exportação e importação, tributação, etc.) e um ajuste estrutural na economia, com redução da dependência do petróleo árabe, por meio do investimento em pesquisa, prospecção, exploração e refino de petróleo dentro do Brasil, além de investimento em fontes alternativas de energia, como o álcool e a energia nuclear.

Privatizações
No governo Geisel, graças ao fechamento da economia e subsídios generalizados, o Brasil conseguiu dominar todo o ciclo industrial, porém a dívida externa e a inflação explodiram. O modelo de capitalismo de Estado dos militares naufragou na moratória de 1982, no governo Figueiredo, que sucedeu Geisel. A crise de financiamento do setor público colocou em xeque não só o modelo, mas o próprio regime militar. Após sucessivas derrotas eleitorais, em 1974, 1978, 1982, Tancredo Neves (PMDB), um político liberal-democrata, foi eleito em 1985, em pleito indireto, no embalo de greves de trabalhadores, protestos estudantis e uma campanha por eleições diretas para presidente da República que não vingou no Congresso. Mas a saída da crise só veio com o Plano Real, nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

Nos bastidores do governo Bolsonaro, há uma disputa surda entre dois modelos: a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, defende um amplo programa de privatizações, porém, os militares, que assumiram o comando das empresas estatais e querem o controle das agências reguladoras, são nacional-desenvolvimentistas e não estão muito dispostos a cumprir essa missão. Na semana passada, em Washington, nos Estados Unidos, o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, anunciou que a Eletrobras não será privatizada como estava previsto, mas capitalizada com base no mesmo modelo adotado em 1994 pela Embraer, que vendeu 55% das ações ordinárias da companhia, com direito a voto, em leilão na bolsa paulista.

O ministro também quer rediscutir a relação da Eletrobras com a Eletronuclear, a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) e a Itaipu Binacional. Bento Albuquerque disputa com Guedes o controle da Petrobras e foi um dos artífices do megaprograma de construção do submarino nuclear brasileiro, cujo estaleiro franco-brasileiro, em Itaguaí, corre o risco de ficar fora do programa de construção das novas corvetas da Marinha (estimado entre US$ 1,6 bilhão e US$ 2 bilhões) e virar um elefante branco.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-modelo-dos-militares/


O Estado de S. Paulo: 'Os políticos têm de controlar 100% do orçamento', diz Paulo Guedes

Segundo Paulo Guedes, governo articula a tramitação no Senado de proposta que acaba com os gastos obrigatórios

Por Adriana Fernandes, José Fucs e Renata Agostini, de O Estado de S.Paulo

Em plena guerra para aprovar a reforma da Previdência, o ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que o governo articula a tramitação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) no Senado para mudar o chamado pacto federativo, acabando com as despesas obrigatórias e as vinculações orçamentárias. Em entrevista ao Estado na sexta-feira, a primeira para um veículo de comunicação nacional desde que tomou posse no cargo, realizada na representação do Ministério da Fazenda no Rio, ele afirma que a proposta dará aos políticos 100% do controle sobre os orçamentos da União, Estados e municípios, e não deverá prejudicar a aprovação da reforma da Previdência.

Pronto há mais de seis meses, o projeto chegou a ser anunciado como Plano B de Guedes caso a reforma da Previdência não fosse aprovada, mas acabou ganhando vida própria, diante do rombo registrado nas finanças de prefeitos e governadores em todo o País. “Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista, que se estendeu por quase três horas:

O governo está completando 70 dias, a reforma da Previdência foi encaminhada ao Congresso e há muito o que falar sobre isso. Agora, nós vamos entrar também em alguns temas que não são ligados à economia, mas estão na ordem do dia e podem afetar a agenda econômica.
Vamos tentar fazer um negócio de um nível bacana, mexendo em tudo. Mas, antes de a gente começar, gostaria de falar uma coisa introdutória, que é um rastro do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Ao contrário da percepção que prosperou lá fora, de que o Brasil e a democracia corriam perigo, para mim o que estava acontecendo era isso: a dinâmica de uma grande sociedade aberta. Para mim, o fenômeno que estava ocorrendo no Brasil era algo virtuoso. Depois de 30 anos de hegemonia da social-democracia, finalmente estava aparecendo a outra perna. Você precisava de uma liberal democracia, como uma aliança de conservadores com liberais. Em Davos, um pouco do trabalho que tive foi mostrar o que estava acontecendo aqui, porque acho que a paixão que vigorou durante a campanha eleitoral projetou uma imagem inadequada do Brasil lá fora.

O sr. se surpreendeu com a imagem negativa do governo lá fora?
Não, eu sabia que teria duas etapas. A primeira etapa, aqui dentro, era “desalckmizar” o mercado. Não adiantava ficar indo lá fora, porque quem vota estava aqui dentro. Só tinha de mostrar que haveria um programa consequente, que havia mesmo uma aproximação da ordem com o progresso. Ideias liberais de um lado e uma agenda de costumes, de valores, de família, do outro. É uma democracia rica quando você tem essas possibilidades. Acho que seríamos uma democracia pobre se tivesse só o outro lado.

Qual a sua opinião sobre a fala do presidente Jair Bolsonaro de que a democracia no Brasil depende dos militares?
Quem deu a interpretação do que eu acho que ele pensa foi o (vice-presidente) Mourão. Ele falou o seguinte: os militares não querem democracia na Venezuela. Pronto, acabou, não tem. Os militares no Brasil querem a democracia. Acabou, tem. Foi isso que ele falou, que é uma obviedade.

Esse tipo de coisa não atrapalha seu projeto para a economia?
Acredito num processo virtuoso. Não posso deixar uma frase derrubar tudo. Tem uma democracia funcionando, com uma agenda de costumes de um lado. O presidente ganhou a eleição dizendo “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” e o Paulo Guedes dizendo que vai privatizar. Foi essa agenda que ganhou a eleição.

Essa é a questão. O sr. está focado na sua agenda econômica. Mas nesses pouco mais de dois meses a impressão é de que o presidente está focado em outra coisa.
Minha visão: nós vamos aprovar essa reforma da Previdência. Na quinta-feira, estava conversando com meu time e me correspondendo com parlamentares, com o Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), com todo mundo, e falando: “O presidente vai fazer a parte dele”. Tenho segurança disso, porque acredito na dinâmica de uma sociedade aberta.

Nesses dois meses, houve muito vai e vem do governo, recuo de nomeação, ministro envolvido em suspeita de operações ilegais na campanha, ministro demitido. As reformas não ficam em segundo plano?
É um governo que veio de fora do establishment. Não é uma transição suave. Esse barulho é natural. O governo está se comportando bem politicamente? É claro que uma agenda econômica é mais delineável que a agenda política, porque a velha política perdeu o eixo. O eixo era compra de voto mercenário no varejo e ele se esfacelou com a Lava Jato. Agora, são dois novos eixos. O primeiro é temático, que foi muito explorado na campanha: bons costumes, família, segurança. O lado de lá fala que o presidente está distribuindo vídeo pornográfico. O lado de cá diz que o presidente está dizendo à tribo dele que continua atento aos costumes e à turma que usa dinheiro público para expressar “arte”. É uma disputa temática válida. Ele está mobilizando os temas que aqueceram sua campanha.

Só que o outro lado parece que não mudou. O governo está recebendo pedidos de cargos, pedidos de emendas. Isso não é o velho toma lá dá cá?
Tive total liberdade para montar o meu time. Agora, o parlamentar eleito tem direito de pedir participação nos orçamentos. Mais até do que isso: estamos articulando a apresentação da PEC (proposta de emenda constitucional) do pacto federativo no Senado. Queremos devolver o protagonismo orçamentário da classe política. O que não é normal é o parlamentar falar “me dá um cargo aí porque quero pegar um dinheiro para mim”. Agora, pedir dinheiro para educação, para fazer saneamento, esgoto nas comunidades, é absolutamente normal.

O governo então não dará cargos ou emendas em troca de apoio?
Calma. Vocês estão notando que o eixo está mudando? Vai acabar tudo num dia só ou isso é um processo, no qual novos eixos são criados e os mais sérios vão aderindo? Pelas contas do ministro Onyx Lorenzoni, que é responsável pela coordenação política, temos 260 votos para a reforma da Previdência. Explicitamente a favor são 160 votos, e mais 100 que dizem que estão juntos do governo (nos bastidores). Isso sem nenhuma negociação espúria. Faltam 48 votos. Dizem aí que estão pedindo isso e aquilo. Claro que tem quem peça. Agora, há pedidos que são legítimos - e acho até que é pouco. Uma classe política que tem um orçamento da União de R$ 1,5 trilhão para alocar e supostamente está contente em sair com R$ 15 milhões para cada um, para favorecer suas bases eleitorais? Acho que esses caras estão fora da realidade. Se fosse um deputado na Alemanha, ele estava disputando R$ 1,5 trilhão, e não R$ 7,7 bilhões (R$ 15 milhões para cada um dos 513 deputados).

O sr. traça um quadro otimista para a reforma da Previdência, mas alguns parlamentares, incluindo o Rodrigo Maia, têm dito que não haveria condições de aprová-la hoje, porque a articulação está com problemas.
Isso é avaliação dele. O Rodrigo Maia é o especialista. Aparentemente, eu não entendo de política. É claro que a nova política terá de valorizar os partidos. Política é feita por partidos. Agora esses partidos não podem ser mercenários. Têm de ser temáticos e programáticos. É um choque do antigo com o novo e não adianta acusar o governo de não querer fazer política como antigamente. Claro que não! Fomos eleitos para não fazer. Aquele jeito de fazer política está na cadeia e está perdendo eleição. Qual o jeito novo? Não sabemos. Vamos aprender juntos. Vamos valorizar os partidos? Está certo o Rodrigo Maia ao dizer isso. Vamos negociar cargos? Não está certo se for isso. E dinheiro? Vocês deveriam ter todo o dinheiro do orçamento. Aliás, a principal função política é controlar os recursos públicos. É aí que entra a PEC do pacto federativo.

Que PEC é essa?
Os políticos vão entender que, em vez de discutir R$ 15 milhões ou R$ 5 milhões de emendas, vão discutir R$ 1,5 trilhão de orçamento da União, mais os orçamentos dos municípios e dos Estados. A classe política hoje está sob opinião pública desfavorável: muitos privilégios, aposentadoria, salários, estabilidade, assessoria, moradia, uma porção de coisas, e não tem atribuições nem obrigações. É inequívoco isso. A eleição do Bolsonaro foi uma crítica à velha política. Essa classe política brasileira vai se reinventar, porque eles são capazes, são inteligentes. Estão percebendo que o caminho mudou. Pergunte à classe política se em algum lugar do mundo o sujeito é eleito para comandar 4% ou 100% do orçamento? Se a proposta é menos Brasília e mais Brasil, preciso do pacto federativo para fazer o dinheiro chegar lá. Todo mundo com quem a gente conversa está entendendo que o caminho é esse.

No ministério, a gente ouve que o senhor mandou dizer para não falar nada das outras medidas agora, por conta da reforma da Previdência.
Não, não. Nós vamos falar das outras medidas, sim. Por exemplo: vamos lançar o pacto federativo já. Os governadores e os prefeitos, que estão todos quebrados, dizem “pelo amor de Deus, pelo amor de Deus, faz alguma coisa”. Eles estão devendo para o funcionalismo, para fornecedores. Não estão pagando dívidas. Está caótico o quadro financeiro de Estados e municípios. Isso significa que o timing político é já. Então, nós vamos mandar o pacto federativo também para o Congresso agora, mas pelo Senado.

Quando?
Por mim, é sempre o mais rápido possível. Mas quem manda é o presidente, o Onyx e o Congresso.

Se o governo federal vai perder recursos (com o pacto federativo), como sobrará dinheiro para pagar as contas, que já estão no vermelho?
Aí é que está. Está tudo arrumadinho. Vocês vão entender. Durante toda a campanha fizemos uma porção de coisas. Agora, tem o timing político das coisas. Ao contrário do que parece, existe um relacionamento harmônico dos Poderes hoje. Vocês podem dizer que não. Mas eu estou vendo isso.

O que é, afinal, esse pacto federativo?
São os representantes do povo reassumindo o controle orçamentário. É a desvinculação, a desindexação, a desobrigação e a descentralização dos recursos das receitas e das despesas. Isso chegou até a ser veiculado como plano B, caso não fosse aprovada a reforma da Previdência, lá atrás, mas são dois projetos diferentes.

Isso não vai concorrer com a tramitação da Previdência, que é a prioridade?
São dois projetos grandes e importantes. Um entrando pelo Senado, outro pela Câmara. Eu até achava que a gente iria segurar um pouco para fazer uma coisa de cada vez. Só que a situação político-financeira de Estados e municípios está pedindo isso já.

O senhor quer acabar com todas as despesas obrigatórias?
Claro. A desvinculação eu quero total. Aí vamos ver quanto dá, mas vou tentar. Os políticos têm de assumir as suas responsabilidades, as suas atribuições e os seus recursos. Eles são gestores públicos e sabem o desafio que têm. Hoje o cara está sentado lá numa prefeitura, no governo do Estado, vendo subir isso, subir aquilo, sendo obrigado a fazer isso, fazer aquilo, e percebendo que ele não manda nada. Eles têm de mudar isso, assumir o protagonismo.

O pacto federativo vai dar dinheiro imediato a Estados e municípios?
Ele vai ter duas dimensões importantes. Uma é de curto prazo, sim. Tem de vir um balão de oxigênio, mas ele é condicionado às reformas em nível estadual e municipal. Estamos chamando de Plano Mansueto (em referência ao secretário do Tesouro, Mansueto Almeida), que é um especialista nisso. É uma antecipação de receitas para quem fizer o ajuste. Por isso é que preciso desamarrar, desindexar, desvincular os orçamentos. Se você devolver o poder de decisão para os prefeitos e governadores, eles vão poder fazer o que é mais urgente para cada um.

Como vão funcionar esses adiantamentos?
Vou dar um exemplo que já está sendo analisado. Um Estado está fazendo um programa de ajuste que parece que vai assegurar a ele R$ 4 bilhões. Então, em vez de ele ter os R$ 4 bilhões lá na frente só, ele poderá ter uma antecipação entre R$ 1 bilhão e R$ 2 bilhões, para sobreviver enquanto seu pacote não funciona.

O senhor já conversou sobre esse projeto com o presidente?
Claro. A campanha toda foi mais Brasil, menos Brasília. Esse é o pacto federativo. Eu espero total apoio do presidente. Até agora recebi apoio total para fazer as equipes e estou recebendo apoio para a reforma da Previdência. Todo mundo sabe que o presidente tem lá as suas preferências. Agora, ele está muito consciente das suas responsabilidades - e para ele não é fácil. Antes da reforma, ele falava que a idade mínima de aposentadoria para as mulheres deveria ser 60 anos. Não obstante, ele apoiou a reforma com 62.

Mas na primeira semana falou do nada que podia baixar para 60, sem ninguém pedir.
Como cidadão, ele pode achar isso, mas como presidente mandou com 62. Por que ele não bateu na mesa conosco e mandou abaixar para 60? Bastava ele fazer isso. Ele não é político convencional que fala que quer 65, para depois o pessoal falar que quer 60 e no final fechar com 62. É transparente. Ele diz que a sua preferência é essa mas entendeu que a sua responsabilidade exige que a idade mínima seja 62 e deixa isso ser negociado.

E como vai passar 62 se o presidente diz que aceita 60?
É ele quem vota ou os 500 deputados?

No plano federal, como o governo vai equacionar suas contas?
Vou privatizar, reduzir dívida. Todo mundo bateu palma quando a Petrobrás vendeu ativos, reduziu a dívida e passou a valer dez vezes mais. Eu quero fazer isso com os ativos do Estado, inclusive os imóveis. Nós temos metas.

Quais são as metas de sua equipe?
O Joaquim Levy, no BNDES, por exemplo, tem de devolver R$ 126 bilhões para o Tesouro neste ano, sendo pelo menos a metade no primeiro semestre. Não sei se ele quer, mas vai ter de devolver. A mensagem para o BNDES é que ele tem de despedalar e ir para uma atuação qualitativa. Ele vai ajudar o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), refazendo a infraestrutura nacional com empréstimos internacionais e investimentos privados. O Levy vai ajudar também as privatizações e a reestruturar Estados e municípios com a venda de estatais.

No governo federal, qual vai ser a lista de prioridades da privatização?
De novo, eu gostaria de vender tudo e reduzir dívida. Agora, quem tem voto não sou eu, é o presidente. Aí ele diz: “Não vai vender a Petrobrás, não vai vender o Banco do Brasil...”

Correios, Eletrobrás...
Não sei, não.

O sr. ainda mantém a meta de zerar o déficit do governo neste ano?
A minha função é essa. Há dois tipos de mentalidade. Não vou dar nome aos bois. Uma é assim: se você acha que o buraco vai dar uns R$ 160 bilhões, coloca R$ 160 bilhões na meta. Aí qualquer coisa que conseguir a menos que isso vai deixar o mercado muito feliz e dizer que nós somos muito bons. A minha é a gente dizer que vai ser zero e, se disserem que é impossível, nós falamos que vamos tentar o impossível. Se der tudo errado e o déficit ficar em R$ 60 bilhões ou R$ 70 bilhões, é menos da metade do que os caras que diziam ter feito um belo trabalho.

Onde entra o crescimento econômico? O PIB fechou 2018 com crescimento de apenas 1,1%. O que o governo está fazendo para alavancar o crescimento?
O modelo acabou. Não existe alavanca. Você tem de fazer as reformas. Quer fazer o que a Dilma fez? Não tem mágica. Tem de fazer a coisa certa. Isso significa a classe política assumir suas responsabilidades orçamentárias. Não é ficar escondido atrás de um documento escrito há 30 anos e jogar a culpa nele. Como um político pode dizer que a culpa é da Constituição? Então, faça uma Proposta de Emenda Constitucional.

Tem muita gente que fala que o governo não está fazendo nada pelos pobres e a esquerda está deitando e rolando com isso.
A primeira coisa que estamos fazendo pelos pobres é assegurar todas as aposentadorias dos pobres, que iriam acabar com esse regime de privilégios. A segunda coisa que vamos fazer é dar um choque de emprego no País. Vamos reduzir e simplificar os impostos.

Quando?
Já. Nós estamos indo por ordem de timing político. Se a Previdência vai quebrar o Brasil, enfia a Previdência. Ah, os governadores e prefeitos estão desesperados. Enfia o pacto federativo. Aprovamos os dois? Aprovamos. Começa a simplificação dos impostos. Aliás, nós vamos começar a disparar tudo ao mesmo tempo. Vem uma pauta positiva aí: PEC do pacto federativo, simplificação e redução dos impostos, aceleração da privatização, desestatização do mercado de crédito, abertura da economia. Tem coisas que vocês não estão vendo. Vem aí o choque da energia barata em mercado. Isso vai permitir uma redução do custo de energia de quase 50%. É tanta coisa boa que tem que fico com pena do Brasil de ficar discutindo sexo dos anjos, ser tão pequenininho.

Como vai ser esse choque de energia?
É algo semelhante ao que foi o shale gas (gás de xisto) nos Estados Unidos. As conversas envolvem diversos órgãos do governo, alguns Estados, além da Petrobrás, e já estão avançadas. O grande problema é que hoje o gás que está sendo tirado dos campos todos não é aproveitado como deveria. Com o estímulo para a iniciativa privada investir no transporte por dutos e com o fim do monopólio de distribuição das estatais de gás, criando maior concorrência, o preço deverá cair, tanto para uso doméstico como industrial. Queremos um choque de reindustrialização com energia barata.

Quando o governo vai mandar ao Congresso o projeto com a reforma da Previdência dos militares?
Agora. Está tudo acertado. Vai dia 20. Todo mundo tem de estar dentro. Se os militares ficarem fora da conta, ninguém vai entender. Estamos indo para o sacrifício.

Até onde o governo admite negociar a reforma da Previdência?
A economia de R$ 1 trilhão é o piso. A reforma tem duas dimensões importantes. Quer reduzir a idade mínima das mulheres para 60 anos? A economia cai R$ 100 bilhões. Se cair a idade mínima das mulheres, não poderá mexer nas regras do rural, no BPC (Benefício de Prestação Continuada, pago a idosos de baixa renda). Se quer reduzir a idade da mulher, tira do militar. Se quer dar para o militar, tira do rural. No total, tem de dar R$ 1 trilhão.

Por quê?
Se não der uma economia de R$ 1 trilhão, estaremos assaltando as futuras gerações. Vamos deixar os pequenininhos pagando para a gente de novo. Vai estourar o regime e eu não consigo lançar a carteira verde amarela, para os jovens. Tem um custo de transição. Tem de ter potência fiscal.

O que acontecerá se o Congresso desidratar a reforma?
Derruba toda a pauta positiva. Eu terei muita dificuldade de lançar a capitalização (sistema de previdência em que cada um poupa para sua própria aposentadoria).

O senhor vai desistir da capitalização?
Não vou dizer que desisto. Mas é uma ameaça séria.

A proposta do fim da multa de 40% do FGTS para quem já está aposentado foi muito criticada.
Pareceu uma medida fraterna. O Rogério Marinho (secretário especial de Trabalho e Previdência) me disse que o cara depois que aposenta já atravessou o “corredor polonês”. Aí, ele quer arrumar um emprego e você ainda vai colocar um FGTS, uma multa. Esse cara já se aposentou. Deixa esse cara sossegado. É difícil para os velhinhos aumentarem a empregabilidade. Foi esse raciocínio que ele falou para mim. Parece razoável. Que ganho tem? Nenhum. O que ele vendeu para mim é isso e eu confio no bom senso dele.

E a mudança do BPC?
A mesma coisa. É ideia dele. Eu tinha as minhas exigências. Quero uma reforma com potência fiscal suficiente para eu poder bancar a transição para o regime de capitalização. Como eu resolvo isso? Só com os jovens - e tem de ter uma potência de R$ 1 trilhão para alavancar. A segunda exigência para viabilizar o sistema é acabar com os encargos trabalhistas. Essa reforma é só o começo. Vamos mexer mais. Já, Já. Mas primeiro eu preciso de uma potência fiscal para ter fôlego.

O BPC foi um bode na sala?
Não. Eu confio no Marinho. Cada medida tem uma razão. Se quem não contribuir ganhar a mesma coisa daquele que contribuiu, ninguém vai contribuir. O BPC tem de ser o seguinte: o cara não contribuiu, ganha um pouco menos do que quem contribuiu. Em compensação, o governo dá o benefício antes. Tem de ter uma diferença. Eu acho que, se em vez de fazer 60 anos (idade para começar a receber o benefício) e 70 anos (para ter o salário mínimo) colocar 62 anos e 68 anos, passa no Congresso. Além disso, se o valor de R$ 400 for para R$ 500 ou R$ 600, passa. O Marinho botou coisas porque só ele sabe o que é para negociar.

O senhor aceita subir o valor do BPC?
Sim. Tranquilo. Mas eu preciso é do R$ 1 trilhão.

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