Paulo Guedes
Míriam Leitão: Os muitos ruídos na Previdência
A capitalização só atrapalha o debate da reforma da Previdência. O projeto ainda não foi feito, só tem linhas gerais, mas não há apresentação do ministro Paulo Guedes em que ele não gaste a maior parte do tempo falando dela. É uma intenção, por enquanto. E como não há resposta para a questão-chave “quanto custa a transição”, a discussão fica ociosa. Sempre que ela é feita, a resposta vem em forma de generalidades, como a de que temos que tirar os jovens do avião que está caindo.
Desta vez, a pergunta do custo da transição foi feita pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). E o número não veio, até porque não existe. Como a parlamentar havia criticado o desemprego, entre outros pontos da crise, houve a primeira das alterações do ministro, atacando “quem ficou no poder por 16 anos”. A propósito, a conta só dá 16 anos se não se separar o governo Dilma do de Temer. Mas evidentemente ninguém tira do ministro da Economia a razão: este desemprego não é do atual governo, que acabou de chegar. Quem conhece economia sabe o que houve.
A equipe econômica tem que se concentrar em explicar os parâmetros do atual sistema, porque é nisso que se resume a PEC. O ministro também precisa segurar seus nervos. Para a oposição, é trabalho fácil tirá-lo do sério. O deputado Marcelo Ramos (PR-AM), presidente da Comissão Especial, teve que chamar a atenção de Guedes pelo menos duas vezes. Numa delas, Paulo Guedes afirmou que o “padrão da casa” era a baixaria depois das 18h. Sair do foco da reforma, e ir para a briga política, é inútil, dado que o país não está em período eleitoral.
A reunião de ontem na Comissão Especial foi mais bem preparada, com a alternância de falas a favor e contra, com a melhor ocupação geográfica do espaço. E as mudanças propostas foram mais bem explicadas, até porque houve uma apresentação estruturada do secretário Rogério Marinho. Mas há um número voando que não está em lugar algum. Quando eles apresentam a tabela do déficit de cada segmento da sociedade, invariavelmente o dado do rombo do sistema de aposentadorias e pensões dos militares aparece subestimado. Ontem, na tabela de Rogério Marinho, caiu mais um pouco. O ministro falou em R$ 20 bilhões, e a tabela mostrou R$ 18 bilhões, quando o número correto é R$ 43 bi. Eles sabem disso. Mas o governo só inclui na conta o que se paga às pensionistas, excluindo-se o gasto com quem está na reserva.
Na oposição, o discurso é o mesmo de sempre, de críticas à reforma, principalmente nos pontos mais vulneráveis, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) ou a aposentadoria rural. Mas houve avanços pequenos. Jandira Feghali já admite que há déficit, só que ela diz que é de R$ 54 bilhões. E o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ) aceita que é preciso adaptar o sistema às mudanças da demografia e aprova a ideia das alíquotas progressivas. Mas não vai muito além disso.
Uma questão que a oposição sempre pergunta é para onde vai o R$ 1 trilhão que será poupado caso a reforma seja aprovada. O que falta o governo explicar com clareza é que não terá lucro com a reforma, nem mesmo o sistema ficará equilibrado. A reforma conseguirá reduzir o ritmo de alta do déficit e em algum momento estabilizá-lo. Paulo Guedes tem dito que se for aprovada a reforma de R$ 1 tri será apresentada a capitalização, e isso gera mais confusão.
— Vamos permitir que os jovens façam essa escolha. Se a poupança for de R$ 1 trilhão, vamos simular com os jovens entrando. Se for menor do que isso, a resposta é zero. Por isso o senhor não recebeu resposta exata, porque pode não haver a capitalização. Se for de R$ 700 bilhões, não vai haver. E se for R$ 1 trilhão? Aí vamos simular. Porque já está simulado que o rombo sumiu por 10 anos. Temos tempo agora para fazer as simulações e submeter aos senhores. Estamos pedindo licença para criar um regime alternativo de capitalização. E ele vai ser avaliado aqui de novo — disse Guedes.
O rombo não vai sumir com esta reforma. Este ano será de quase R$ 290 bilhões a soma do déficit do INSS, com o dos servidores federais e o dos militares. A economia de R$ 1 trilhão é em 10 anos. A antecipação da discussão de um projeto polêmico, que ainda nem se sabe se será enviado, é no mínimo contraprodutiva. Afinal, a batalha da hora é pela atual reforma da Previdência. E é fácil concluir que se houver menos contribuintes no sistema de repartição o rombo tende a crescer.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
Míriam Leitão: Os ruídos da reforma tributária
Uma reforma como a tributária não pode ser divulgada antes que o governo tenha o projeto pronto e saiba explicar e todos os detalhes
O secretário da Receita, Marcos Cintra, disse em várias ocasiões que o governo iria criar um novo imposto, mas só ontem o presidente Jair Bolsonaro ouviu. Talvez pelo fato de Cintra ter citado o exemplo dos dízimos nas igrejas. O secretário já havia citado a economia informal, e até o escambo, para deixar claro que nada escaparia do novo tributo. Dar detalhes de uma reforma ainda embrionária, que não foi amadurecida internamente, sempre gera ruídos. Quando ela se propõe a mudar a estrutura dos impostos, a confusão é ainda maior.
O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, tem citado essa reforma, adiantando alguns pontos. Numa entrevista que fiz com o secretário da Receita, Marcos Cintra, há menos de duas semanas, perguntei como o imposto conseguiria pegar a economia informal, dado que todos os seus pagamentos são sem registro, e como seria a fiscalização:
—A beleza do imposto sobre pagamentos é que ele não precisa de fiscalização. Toda atividade econômica gera um pagamento pela sua própria natureza. Se isso vai pegar todos as transações vai pegar também a economia informal. Mesmo o que for pago em dinheiro, como um carro, em algum momento vai ser registrado e precisa ter o Darf. Até mesmo negócios no exterior. Tendo registro no Brasil, não terá validade jurídica se não tiver passado pelo sistema financeiro brasileiro.
Em outra entrevista anterior, ao “Estado de S. Paulo”, ele disse que até escambo, negociação sem moeda, seria tributado por esse onipresente imposto. O difícil no caso da reforma que está sendo pensada no Ministério da Economia é entender como vai funcionar. A proposta é acabar com um imposto e substituir por outro. Esse tributo sobre pagamentos, que na entrevista à “Folha de S. Paulo” ele chamou de Contribuição Previdenciária (CP), substituiria tudo o que hoje é recolhido pelas empresas para o INSS. Permaneceria apenas a contribuição do trabalhador. Se algo der errado nesse tributo, aumentará o déficit da Previdência.
O imposto está sendo visto como uma grande CPMF, já que o que se pretende é ampliar ainda mais o conceito daquele tributo. Em vez incidir sobre as movimentações bancárias, seria sobre pagamentos:
— Qualquer débito e crédito bancário vai ter pagamento. Qualquer saque e depósito de numerário no sistema bancário será tributado em dobro. Se eu vou ao caixa do banco, eu saco dinheiro para depois fazer pagamentos, sem recolher esse imposto, porque é em espécie, eu já paguei quando saquei, previamente. É um tributo mais amplo, mais universal. É o único tributo que abrange a totalidade dos agentes econômicos.
Segundo ele, mesmo quando sonega a empresa acabará pagando porque a sonegação não torna desnecessária a retribuição ao serviço prestado. Em algum momento, essa transação será captada pelo sistema de pagamentos.
Haveria, segundo Cintra, nessa reforma que vai aparecendo aos poucos na entrevista, a unificação de alguns tributos federais. Ele fala em PIS/Cofins com IPI, uma parte do IOF e talvez CSLL. Eu cheguei a perguntar ao ministro Paulo Guedes como seria possível unificar impostos de bases tão diferentes. O IOF é sobre operações financeiras, a CSLL é sobre lucro das empresas, o IPI, sobre produção industrial. Ele disse que isso não seria problema. Cintra chegou a falar na entrevista que me concedeu que poderia haver uma “integração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica com o da Pessoa Física”. Segundo ele, isso poderia reduzir a alíquota sobre as empresas, e combateria a pejotização. “Para acabarmos de se travestir uma atividade individual como pessoa jurídica, isso é um desvio que nós vamos corrigir”.
O grande problema é que a reforma está sendo anunciada antes de ser feita e no meio de uma discussão de mudança previdenciária que já é complicação suficiente. A agenda de mudanças estruturais brasileiras tem várias etapas, sem dúvida. Uma delas é simplificar o sistema tributário, que passa também por unificar impostos. Porém, nada é fácil, e antes de entrar em aventuras fiscais é preciso entender como funcionaria. Cintra partiu da ideia do imposto único, que sempre defendeu sem sucesso, para esse tributo sobre pagamentos. A área econômica tem de tomar o cuidado de parar de atropelar a si mesmo no seu projeto de reformas.
Merval Pereira: O tom social
Paulo Guedes deseja que a classe política entenda que está em marcha uma transformação em favor dela
O governo ainda não encontrou um caminho para organizar sua base parlamentar, mas já resolveu um problema de comunicação que atrapalhou muito a aprovação da reforma da Previdência no governo Temer. Está colando nela a imagem de que é um instrumento para acabar injustiças sociais do sistema atual e promover uma melhor distribuição de renda.
Além da crise institucional gerada pela revelação da conversa do então presidente com o empresário Joesley Batista, seu governo tinha uma base mais homogênea, o que falta a Bolsonaro, mas não tinha argumentos críveis para aprová-la.
Temer teria aprovado uma reforma meia bomba, mesmo assim devido a compromissos fisiológicos de uma meia dúzia de partidos acostumados a esse tipo de relacionamento com ele e seu grupo.
Ninguém é presidente da Câmara por três vezes, e presidente do MDB por quase 20 anos, à toa. Bolsonaro, que não morre de amores pela reforma da Previdência, permitiu que o ministro da Economia, Paulo Guedes, reunisse em torno de si uma equipe que tem experiência de governo, que falta a ele e ao próprio presidente. Além da excelência técnica. A equipe econômica, que tem secretários reconhecidos como ministros de suas áreas, encontrou o tom correto para vender a importância social da reforma, não apenas a econômica.
O próprio Paulo Guedes, com seu jeito enfático de defender pontos de vista, sempre afirma que o atual regime previdenciário é “uma fábrica de desigualdades”. Essa ênfase no aspecto social de uma nova Previdência tem dado argumentos para se contraporem à oposição, que mantém uma posição radicalmente contrária à reforma, alegando que ela ataca os mais pobres.
Não é à toa que o ministro Paulo Guedes está encantado com a atuação do Partido Novo. Seu líder na Câmara, deputado Marcel Van Hatten, fez uma defesa impactante da proposta na Comissão de Constituição e Justiça, com a utilização de copos de diversos tamanhos para mostrar que o maior deles, que representaria os privilégios concedidos a corporações, onde incluiu os deputados e senadores, recebe cerca de 40% da arrecadação da Previdência nacional, e os mais pobres apenas 3%. Do Orçamento da União, 50% vão para a Previdência, ficando apenas 15% para Saúde e Educação, restando 31% para os demais gastos, em setores que afetam o dia a dia da população — como infraestrutura, mobilidade urbana, segurança .
O ministro Paulo Guedes sintetiza a situação em uma frase de efeito: “O Brasil não envelheceu, e já quebrou a Previdência”. Ele tem uma visão dura sobre a situação: “O excesso de gastos corrompeu a democracia”. O secretário da Previdência, ex-deputado Rogério Marinho, tem outra imagem forte. Compara o sistema atual de repartição a uma pirâmide financeira, dessas que levaram o financista americano Madoff para a cadeia, mesmo sistema que já fraudou investidores em diversas partes do mundo.
A situação teria chegado a um tal ponto que está prestes o momento de ter mais gente retirando dinheiro do sistema do que contribuindo para mantê-lo de pé. Já o secretário da Receita Federal, também ex-deputado Marcos Cintra, está colocando de pé uma reforma tributária, fundamental para a transformação da economia brasileira planejada por Guedes, que considera que o do trabalho é “o mais perverso tributo de todos”, gerador de injustiça social.
Barateando a contratação de empregados pelas empresas, Guedes pretende estimular o mercado de trabalho, que hoje tem 13 milhões de desempregados, fora os com ocupações informais ou precárias, devido à crise econômica, uns 50 milhões de pessoas na sua avaliação. O imposto sobre todos os pagamentos, que está sendo montado, tributaria igualmente todos, mesmo na economia informal, sendo mais justo socialmente que a antiga CPMF. Outro desdobramento das reformas estruturais planejadas pelo ministro da Economia é a do pacto federativo, que objetiva fazer com que Estados e Municípios tenham mais relevância no orçamento da União.
Essa é uma reforma que tem um cunho político relevante, alterando a relação de poder entre os componentes da Federação. Assim como prometeu antecipar recursos do pré-sal a estados e municípios em troca da aprovação da reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes anseia que a classe política entenda que está em marcha uma transformação do Estado brasileiro em favor dela.
Míriam Leitão: Planos ousados de Paulo Guedes
Paulo Guedes tem feito promessas ousadas ao país, mas parte do seu projeto ainda está em estudo ou são ideias embrionárias
O ministro Paulo Guedes faz promessas ousadas. Fala em acabar com a contribuição patronal à Previdência e mudar radicalmente os impostos no país. Diz que isso pode criar 10 milhões de empregos. Acha que pode superar o déficit fiscal que seu próprio ministério previu no projeto de Orçamento para 2020, porque conseguirá uma “enxurrada de dinheiro”. Promete também “um choque de energia barata”.
Em uma hora e meia de entrevista, ele desfilou para uma equipe de jornalistas da Globonews seus projetos, suas ideias, algumas ainda embrionárias, e novas reformas. Mas avisou que tudo depende de vencer — e bem — esta etapa da reforma da Previdência. Se a reforma for fraca, resolve-se apenas o problema do atual governo. Se ela for forte, pode-se passar para o que ele realmente deseja, que é a capitalização. Ele admite que a reforma enfrenta problemas na CCJ e dá um sinal de que alguns pontos podem ser mudados, como o dispositivo que trata da idade de aposentadoria compulsória de ministros do Supremo. O artigo manda essa alteração para lei complementar. E isso está sendo visto como um movimento para que o presidente Bolsonaro nomeie mais ministros. Ele nega que esse seja o objetivo, mas admitiu que há “jabutis” no texto.
Uma das declarações já estava ontem causando problemas. Foi a que ele se referiu à Zona Franca de Manaus. Perguntei sobre a reforma tributária que ele tem dito que fará, a começar do IVA federal, que uniria o IPI, Pis/Cofins, uma parte do IOF e talvez até a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL). Uma dificuldade é como unir impostos com bases de incidência tão diferentes, a CSLL incide sobre lucros, o IPI, sobre produção industrial. Ele disse que tudo isso tem sido estudado. Outro ponto é o futuro da Zona Franca de Manaus. Hoje ela existe com base nas isenções e reduções de impostos que ele pensa em extinguir ou fundir. Na prática, isso acabaria com as vantagens:
— Quer dizer que o Brasil agora não pode ficar mais eficiente porque tem que manter a Zona Franca? Ela vai ficar do jeito que ela é, ninguém nunca vai mexer com ela. Agora, quer dizer que não vou simplificar impostos no Brasil? Eu tenho que deixar o Brasil bem ferrado, porque senão não tem vantagem para Manaus?
A declaração do ministro já provocou forte reação dos políticos do Amazonas. O que ele quer dizer é que o projeto de simplificação de impostos não pode ter como objetivo manter uma vantagem tributária de uma região. Minha pergunta foi apenas para mostrar um ponto da enorme complexidade que cada mudança no Brasil provoca.
Ele quer também acabar com as contribuições patronais para a Previdência e substituí-las por um novo imposto sobre pagamentos. O ministro usou palavras fortes para criticar a carga que recai sobre a empresa em cada emprego que cria. Disse que tributar o trabalho é “o mais perverso de todos os impostos, um absurdo, um contrassenso, uma injustiça social, ineficiência, um negócio completamente detestável”. Na hora que derrubar esse imposto, o país estará com capacidade de criar 10 milhões de empregos em três anos, ele disse. Esse caminho de tirar os impostos sobre o trabalho é desejável, sem dúvida, o difícil é saber como fazer. Recentemente o país tentou apenas reduzir e teve enormes problemas.
Diante da pergunta sobre como pretende zerar o déficit público como prometeu, Paulo Guedes falou que há muitas fontes. Disse que a cessão onerosa já trará R$ 73 bilhões para a União, o BNDES devolverá R$ 126 bilhões, as privatizações serão R$ 80 bilhões. Falou também do retorno de outras operações feitas no governo Dilma com os bancos oficiais, os instrumentos híbridos de crédito.
— Eles pedalaram não só o BNDES, pedalaram a Caixa, Banco do Brasil. Estou botando todo mundo para pagar isso, vem uma enormidade de dinheiro — disse o ministro.
Anunciou também mudanças na burocracia. O ministro falou em criar uma nova fiscalização sobre os fundos de pensão:
— Vamos fazer uma agência forte, que vai rever a governança dos fundos, hoje tem a Susep e a Previc, que visivelmente falhou. Se fosse apenas um fundo (com problema), mas não. Teve Postalis, Petros, todos tiveram destruição de recursos.
Sobre o improviso do governo ao tratar do reajuste do diesel pela Petrobras, tema que é discutido desde a campanha eleitoral, Guedes deixou no ar uma possível privatização da empresa. Disse que Bolsonaro “levantou a sobrancelha” quando tocou no assuno. Planos não faltam ao ministro da Economia. O diabo, como sempre, estará nos detalhes da execução.
Luiz Carlos Azedo: Reforma se desidrata
“As raposas do Centrão já se deram conta de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um animal ferido na floresta. Não tem apoio suficiente na própria base do governo para aprovar a reforma que deseja”
Para um plenário vazio, mas que registrava no painel de votação a presença de 420 dos 513 deputados, por volta das cinco da tarde de ontem, o jovem líder do Novo, Marcel Van Hatten (RS), se esgoelava na tribuna da Câmara, em defesa da reforma da Previdência tal qual fora apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Era um protesto solitário contra a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Casa de adiar para a próxima semana a votação do relatório de admissibilidade do projeto de reforma apresentado pelo governo. No comando da sessão, a deputada Érika Kokay (PT-DF) ouvia atentamente o discurso do colega. Em seguida, a petista foi à tribuna para descer o malho na reforma e enaltecer a decisão da CCJ, à qual chegou às 4h30 da madrugada para reservar seu lugar na primeira fila do plenário, uma das táticas da oposição para obstruir as votações.
Hatten e Kokay não falavam para os poucos seguranças que guarneciam as portas do plenário e os dois taquígrafos que anotavam tudo, discursavam para a Voz do Brasil e as câmeras da TV Câmara, ou seja, para os eleitores que acompanham pelo rádio e pela televisão o que acontece no Congresso. É muito comum esse tipo de prática nas sessões de segunda e quinta-feira, mas raramente isso acontece numa quarta-feira, mesmo em véspera de semana santa, quando a tribuna é disputadíssima. Em circunstâncias normais, a sessão estaria lotada, porque esse é o dia de grandes votações. Não foi o que aconteceu ontem. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deliberadamente, havia esvaziado a pauta do plenário, como quem joga água fria na fervura do embate entre o Palácio do Planalto e os partidos do Centrão. No fim da tarde, a maioria dos deputados já estava voando mais cedo para seus estados.
O movimento na Câmara fora intenso durante a manhã e começo da tarde, por causa da Comissão de Constituição e Justiça, cujo presidente, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), depois de tentar votar a admissibilidade da reforma, reconheceu que a aprovação foi adiada para a semana que vem por falta de acordo. Explicou que o deputado Marcelo Freitas (PSL-MG) havia pedido o adiamento para analisar as mudanças pleiteadas por líderes partidários. A reunião da CCJ havia sido convocada na noite de terça-feira, depois que uma manobra regimental encerrou a discussão na sessão que ameaçava entrar pela madrugada. No fundo, o que houve foi falta de acordo na própria base do governo. DEM, PR, PP, PRB e SD, os partidos do Centrão, que na véspera se aliaram ao PT e demais partidos de oposição, agora negociam mudanças com o governo.
Mudanças
A reforma da Previdência, cujo projeto deveria ser aprovado integralmente na CCJ, já está desidratada, embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, tente minimizar o que está acontecendo, ao afirmar que o adiamento foi provocado por “pequenos desajustes” e pela “relativa inexperiência” de novos deputados. Segundo o líder do PP, Arthur Lira, o governo aceitou discutir alterações sobre a proposta para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outros pontos da reforma.
A proposta do governo retira a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS do trabalhador que já for aposentado, e do pagamento da multa de 40% na rescisão contratual em caso de demissão desses trabalhadores. A oposição quer retirar esses itens do projeto. Também serão retirados a concentração de ações judiciais sobre a reforma da Previdência em Brasília; a exclusividade de o Poder Executivo propor alterações na reforma da Previdência; e a possibilidade de mudanças na aposentadoria compulsória serem feitas por lei complementar.
O secretário da Previdência, Rogério Marinho, que negocia com os parlamentares, se queixa de que as mudanças representam quase 15% do valor total da Previdência, cuja economia estava prevista em R$ 1 trilhão em 10 anos. O governo ainda tenta salvar a “desconstitucionalização” de temas previdenciários, mas será muito difícil que isso ocorra. As raposas do Centrão já se deram conta de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um animal ferido na floresta. Não tem apoio suficiente na própria base do governo para aprovar a reforma que deseja.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-reforma-se-desidratax/
Elio Gaspari: E se Guedes pegar fogo?
Se o 'Posto Ipiranga' fechar, a conta irá para todo o Brasil
Todos os adultos que ouviam Jair Bolsonaro dizer que não entendia de economia, mas tinha à mão o seu "Posto Ipiranga", sabiam que isso era apenas uma frase engraçadinha. Alguns endinheirados, julgando-se mais espertos que os outros, viam nela uma promessa de abdicação. O capitão seria eleito, mas Paulo Guedes comandaria a economia. Fariam melhor se acreditassem em Papai Noel.
Nos últimos 60 anos o Brasil teve 12 presidentes e esse comando só foi delegado por três deles: Itamar Franco com FHC, Emílio Médici com Delfim Netto, e Castello Branco com a dupla Octavio Bulhões-Roberto Campos. Bolsonaro não tem a astúcia de Itamar, a disciplina de Médici nem o rigor de Castello. Para preservar o "Posto Ipiranga", precisará de astúcia, disciplina e rigor.
Quando o presidente meteu o sabre na política de preços da Petrobras, mostrou que precisa entender de administração. O estrago estava feito e o caminhoneiro "chorão" prevaleceu, ainda que momentaneamente. Prenuncia-se encrenca muito, muito maior: o incêndio do "Posto Ipiranga".
Cem dias de governo mostraram que a habilidade política de Paulo Guedes é mínima e, ainda assim, ele é obrigado a carregar as encrencas geradas pelo Planalto. Tudo isso com 13 milhões de desempregados e a economia andando de lado.
Se o "Posto Ipiranga" pegar fogo, por acidente ou autocombustão, a conta irá para todo o Brasil, para pessoas como as que procuram trabalho na fila do vale do Anhangabaú. Guedes atravessará a lombada do preço do diesel, mas o seu cristal trincou. Desde a campanha eleitoral, ele vinha repetindo uma palestra sobre macroeconomia. Desde o desastroso episódio da semana passada, o problema passará a ser de microgestão para prevenir o incêndio.
Guedes, ou qualquer outro ministro, não poderá carregar sozinho o piano da reforma da Previdência. Desde que ele atirou nas contas do Sistema S tem a má vontade do corporativismo empresarial. Isso para não mencionar os pleitos desatendidos na Fazenda que correm para outros ministérios ou mesmo para o palácio.
A preservação de Paulo Guedes não poderá depender só dele. Com a quantidade de poderes que lhe foram atribuídos por Bolsonaro, competirá ao presidente impedir que apareçam novas lombadas. É isso ou é melhor que se comece a pensar num substituto. Armínio Fraga? Falta combinar com ele.
Em 1979, o economista Mário Henrique Simonsen aceitou o que supunha ser o comando da economia. Aguentou seis meses num ministério onde estavam as poderosas figuras de Delfim Netto (Agricultura) e Mário Andreazza (Interior). Simonsen foi professor e amigo de Guedes e ensinou-lhe desprezar a pompa do poder. Ele sabia que aceitou uma aposta e posteriormente arrependeu-se de tê-la feito. Durante seu ocaso, o presidente tinha a bala de Delfim Netto na agulha, pronto para assumir a economia. O professor largou o piano, chamou o caminhão da mudança e foi para a praia do Leblon.
Guedes e Bolsonaro têm sobre suas cabeças a nuvem de uma cena ocorrida no gabinete onde hoje trabalha o capitão. O presidente João Figueiredo recebeu o professor sabendo que a conversa seria uma despedida. Era um general direto, desbocado.
--Mário, você acha que meu governo está uma merda, não?
--Presidente, eu estou indo embora, respondeu Simonsen.
O aspecto pitoresco desse diálogo tornou-se um irrelevante asterisco diante do tamanho da crise que já havia começado e caminhava para um catastrófico agravamento. Vieram o segundo choque do preço do petróleo e o colapso da dívida externa brasileira. Quem perdeu foi o Brasil
Míriam Leitão: Inúmeras ideias sem números
Governo apresenta várias ideias para a reforma tributária, mas não mostra detalhes e números que comprovem a sua viabilidade
Para acabar com a contribuição previdenciária das empresas, o governo teria que saber onde conseguir em torno de R$ 250 bilhões. A reforma tributária que a equipe econômica está formulando tem boas ideias, algumas não são novas, mas ela contém o que o presidente Jair Bolsonaro negou durante toda a campanha, e até na transição, uma nova CPMF. A novidade estratégica é separar em fases a unificação dos impostos. Primeiro, unir alguns tributos federais. E só depois mexer com os impostos estaduais e municipais. A proposta que o governo defende de tirar a tributação sobre o trabalho é ótima, desde que seja exequível.
O ministro Paulo Guedes, em palestra em Nova York, e o secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, em entrevista ao “Estado de S. Paulo”, entraram em alguns detalhes da proposta que ainda não foi apresentada ao Congresso. Segundo Cintra, seriam unificados PIS, Cofins, IPI, uma parte do IOF e talvez a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Em NY, Guedes disse que são todos a mesma coisa. Falta ainda mostrar os números.
Guedes tem falado, sem entrar em detalhes, em algo que foi repetido por Marcos Cintra: a retirada da tributação sobre a folha de salários. Segundo o ministro, essa contribuição é arma de destruição em massa de emprego. Cintra falou que a folha seria desonerada de forma permanente e para todos os setores. Isso é música para os ouvidos dos empresários. O problema é que será necessário outro imposto que arrecade bastante para financiar a Previdência. No ano passado o governo recolheu R$ 390 bilhões dos empregados e empregadores. Só a parte patronal deve ser pelo menos R$ 250 bilhões. No governo Dilma, houve uma desoneração de alguns setores, que deixaram de pagar contribuição previdenciária sobre a folha e passaram a recolher um percentual sobre o faturamento. Isso deu errado, elevou o rombo das contas públicas e, como se sabe, o governo Temer teve que iniciar o processo de reoneração.
O ministro Paulo Guedes tem razão quando critica a tributação que recai sobre a empresa quando ela cria empregos. Num país com 13 milhões de desempregados, mais cinco milhões em desalento, e com 37 milhões de trabalhadores informais, é óbvio que essa forma de financiar a Previdência está errada. Além disso, o mundo do emprego está mudando rapidamente, com relações de trabalho completamente diferentes das que se via no passado, quando foi montada essa forma de custear as aposentadorias e pensões. Mas o nosso grande problema é o rombo da Previdência e por isso é preciso saber o que pôr no lugar. O governo está dizendo que pretende substituir por um tributo que incida sobre todos os meios de pagamento, ou seja, uma grande CPMF. Exatamente o que Jair Bolsonaro tanto negou quando candidato e depois de eleito.
Quando anuncia reformas ainda não formuladas, o Ministério da Economia pode acabar tirando o foco do que tem que aprovar agora, que é a reforma da Previdência. Mas a estratégia que eles querem seguir é essa mesma. Informar que no futuro breve haverá pautas mais interessantes e palatáveis do que a Previdência, como uma forma de estimular a aprovação mais rápida. É por isso que Guedes sempre pergunta, quando fala aos políticos ou sobre eles, quanto tempo eles querem ficar discutindo uma pauta difícil como a da Previdência.
Uma ideia interessante é deixar para depois aquilo que travou todas as propostas de unificação de impostos, apresentadas até agora, para a criação do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Nos projetos derrotados, eram incluídos no mesmo bolo o ICMS e o ISS. Desta vez, o governo diz que um novo imposto será criado sobre bens e serviços, como resultado da unificação desses tributos. Mas os estados e municípios é que terão que decidir quando e de que maneira fazer. A unificação de alguns tributos federais está ao alcance do governo propor, mas a junção de fontes de receitas de outros entes da federação só pode ser feita com a concordância de todos eles.
O governo está querendo fazer tudo isso e ainda reduzir a carga tributária em quase quatro pontos percentuais do PIB e aumentar as transferências para estados e municípios. Antes, é preciso apresentar muitas contas para ver se as propostas ficam de pé
Merval Pereira: Choque de acomodação
Guedes está convencido de que se forma no país uma compreensão da urgência de mudança da Previdência
O ministro Paulo Guedes considera que as desavenças entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente Bolsonaro são consequências de um “choque de acomodação” resultante da nova composição de forças políticas vitoriosas nas eleições de outubro, com a centro-direita tomando o lugar da centro-esquerda que governou o país nos últimos 30 anos.
O que se viu ontem, no debate promovido pelo GLOBO e “Valor Econômico” dentro do projeto “E agora, Brasil?”, foi um ministro da Economia utilizando-se de uma veia política que ele nega existir, e um presidente da Câmara mostrando-se preocupado com a viabilização de aspectos econômicos dos projetos do governo.
Para Maia, uma visão do conjunto das reformas deve ser a prioridade na análise dos parlamentares, que poderão ser beneficiados com os avanços da economia, mas o governo tem que focar também na discussão do pacto federativo, uma consequência natural da aprovação da Nova Previdência.
A campanha pela Nova Previdência, apresentada como combate aos privilégios, “com o guarda da esquina ganhando tanto quanto um general na aposentadoria”, parece estar dando certo, pois o nome do ministro Guedes foi aclamado em passeata neste fim de semana em São Paulo por grupos de apoiadores de Bolsonaro.
Paulo Guedes está convencido de que se forma no país uma compreensão da urgência de mudança do sistema, e ele não acredita que o Congresso vá decidir contrariamente à posição majoritária da população.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, rejeita a ideia de que muitos deputados, mesmo convencidos de que a reforma da Previdência é necessária, não darão tudo o que o governo pede apenas para não fortalecer politicamente o presidente Jair Bolsonaro, que se tornaria um candidato imbatível à reeleição se a economia deslanchar.
Seria um contrassenso, argumentou, já que se a reforma trouxer o crescimento econômico, os que a apoiaram tirarão benefícios disso juntamente com o presidente Bolsonaro. Já Paulo Guedes ressaltou em mais de uma ocasião que o Legislativo sairá ganhando com as reformas, que darão ao Congresso o controle do Orçamento.
Ele disse que a aprovação de uma reforma parcial, aquém da redução de despesas de 1 trilhão de reais em dez anos que considera necessária para o equilíbrio do sistema, terá como consequência natural a necessidade de uma nova reforma mais adiante. E o abandono do projeto de capitalização, que considera a grande chance de as novas gerações prepararem um futuro por conta própria.
Os que não tiverem condições de, ao final do tempo mínimo exigido para a aposentadoria, obter uma renda igual ao salário mínimo, terão a garantia do governo de complementação. Fazer uma reforma desidratada a esta altura pode dar um fôlego para o governo, mas aumenta a médio prazo a crise fiscal e o risco de uma crise institucional grave, ressaltou.
Guedes admitiu que está sendo difícil para o presidente Bolsonaro abraçar a reforma da Previdência, pois ele sempre votou contra quando era deputado. Mas garante que ele tem uma visão muito clara de que agora, presidente do país, precisa olhar para o conjunto do povo brasileiro, e não a defesa de corporações, como fazia quando as representava como deputado.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, admitiu que as diversas corporações pressionam os deputados e senadores em defesa de seus interesses, mesmo quando eles vão de encontro às necessidades do país. Mas acredita que já existe uma compreensão maior da importância da reforma.
Rodrigo disse que, no entanto, desistiu de ajudar na coordenação política para angariar os votos necessários para a aprovação da emenda constitucional depois que o presidente Bolsonaro decidiu que seu governo não seria um presidencialismo de coalizão, em que o governo atuava em conjunto com o Parlamento.
Ele reafirmou que é favorável à reforma, mas não tem mais a responsabilidade de ajudar a formar a maioria. Apesar de dizer que aceita e compreende a escolha do presidente, Maia revelou descontentamento com o que chamou de mal-entendido provocado pela discussão que teve com Bolsonaro recentemente, o que provocou uma reação dos bolsonaristas pelas redes sociais. “Não tenho vocação para mulher de malandro”, afirmou.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, uma obra malparada
Construção civil volta a cair, e governo corta investimento, também um risco político
O investimento do governo em obras deve voltar a cair neste 2019, a não ser que aconteça um milagre a partir de meados do ano. Isto é, que a arrecadação federal passe a crescer muito, o que depende de uma reação improvável de forte da economia.
Além de ser mais um preguinho no caixão da recuperação econômica, menos obras são também um problema político adicional.
O governo acaba de anunciar um corte em tese provisório no Orçamento (“contingenciamento”). O talho maior é em investimento, em obras, o que frustra ou irrita parlamentares, governadores, prefeitos, empresários e, claro, o povo.
O governo está se enrolando até com pagamentos mínimos do Minha Casa, Minha Vida. Os empresários estrilam.
Trocando em miúdos, corte em investimento tem significado menos obras de habitação popular, estradas e educação. Menos obras podem levar a construção civil de volta à recessão.
O investimento no setor pelo menos deixara de cair entre setembro e novembro do ano passado, em termos anuais, fechando 2018 com uma ligeira baixa. Agora, despenca 2,9% (no acumulado de 12 meses até fevereiro, soube-se nesta quinta-feira, 4, pelo Ipea) e 1%, no ano.
No auge recente dos investimentos, em meados de 2012, o governo federal destinava para obras já parcos 7,8% de seu gasto total, o equivalente a R$ 91,8 bilhões por ano (em termos reais. Não se está levando em conta aqui o pico de gastos de 2014, uma demência insustentável).
Agora, o governo gasta míseros R$ 53,7 bilhões ao ano, menos de 4% do total da despesa federal.
Desse talho de R$ 38 bilhões, a maior parte saiu do Minha Casa, Minha Vida (R$ 16 bilhões). No segundo lugar do pódio da degola, vêm as despesas de investimento do Ministério da Educação, menos R$ 8,2 bilhões.
Do que dá para depreender da barafunda das rubricas de despesas, o grosso saiu de obras de infraestrutura de escolas para crianças e jovens, de expansão de universidades e até de de material de transporte escolar (nesse caso, o gasto necessário pode ter sido todo realizado).
A seguir, o ministério que mais perdeu dinheiro foi o dos Transportes (R$ 5,1 bilhões). Basicamente, foram suspensas obras de construção, conserto e ampliação de estradas e grandes vias expressas metropolitanas.
Curiosamente, aumentou um tico o investimento do Ministério da Saúde. Sintomaticamente, o Orçamento de investimento do Ministério da Defesa, atualmente o maior, permaneceu com seus valores quase intocados. É gasto em equipamento de guerra, em controle aéreo e de fronteiras e em estatal militar.
A situação poderia ser remediada com investimento privado, por meio de concessões de infraestrutura.
Uma ou outra coisa até sai do papel, mas ainda em ritmo e volume insignificantes. Desde 2016 o governo de Michel Temer prometia um pacotão de obras privadas. Não rolou. Não há, por ora, sinal de que a coisa vá deslanchar sob Jair Bolsonaro, pelo menos neste primeiro ano.
Sem investimento em obras pública, feitas pelo governo ou por empresas privadas, a recuperação econômica, se ainda houver uma, continuará esta lerdeza revoltante.
Sabemos que do governo não haverá dinheiro direito em obras. Não há outro impulso relevante e imediato à mão, como taxas de juros, aumento de salário, mais emprego ou, menos ainda, comércio exterior.
Outros investimentos privados dependem da redução da incerteza política e econômica, de reforma da Previdência, mas não apenas.
Difícil.
Míriam Leitão: Risco de enterrar mais uma reforma
Paulo Guedes enfrentou dois problemas: o temperamento e a fraqueza da base. A oposição repetiu as demagogias de sempre
Eram cinco da tarde quando o ministro Paulo Guedes recebeu perguntas de deputados do PSL. Até então ele havia enfrentado apenas os 50 tons —e decibéis —de crítica ao projeto da Previdência. Isso é apenas uma amostra da falta de organização da base. O centrão, que já defendeu outros governos, e outras reformas, não jogou a favor. Guedes cometeu erros ao falar ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O principal foi cair em tantas provocações, o que acabou levando ao encerramento antecipado da sessão após bate-boca com um deputado. Mas Guedes está absolutamente certo no seu diagnóstico: o sistema de repartição está falido, a Previdência precisa mudar por ser deficitária e criadora de desigualdades.
A oposição não tem uma ideia nova, uma proposta. Não consegue explicar as próprias contradições. O PT fez também uma reforma da Previdência e se o fez é porque havia déficit. Agora nega o rombo, apesar de tê-lo aprofundado com suas desonerações. Mas é um equívoco o ministro achar que se um deputado grita ele deve gritar de volta. Esse estilo faz parte do show deles, mas nunca de um ministro da economia. Quem garante a palavra ao convidado é o presidente da Comissão e não a sua repetição de “eu tenho o direito de falar, pessoal?” A sorte de Paulo Guedes é Jair Bolsonaro não ser mais deputado. Ele era bem mais histriônico e agressivo do que os deputados que enfrentou ontem.
Um erro estratégico do ministro Guedes foi falar tanto em capitalização. Ele está convencido de que esta é a melhor proposta para o futuro. O problema é que a reforma da Previdência muda os parâmetros do atual sistema. O projeto de capitalização ficou para ser detalhado depois. O próprio Paulo Guedes afirmou que, dependendo “da potência fiscal” do que for aprovado, a capitalização nem será proposta.
Então esta é a hora de lutar pelo atual projeto e nele o ministro deveria ter se concentrado. Cairia em menos armadilhas. O ministro teve explosões bem típicas de seu temperamento, mas nada convenientes para o seu objetivo. Às oito da noite houve desentendimento em torno de ele ter dito que era preciso internar quem nega a necessidade da reforma. Ele costuma dizer que não é do meio político. Mas é fácil saber algumas regras. Ao responder, não dizia o nome do parlamentar, e sim “o primeiro a falar”, “o segundo”. O deputado Eduardo Bismarck (PDT-CE) avisou que ali eram todos iguais. “De primeiro escalão para primeiro escalão”. Ele então acatou a sugestão de anotar o nome.
Apesar de a CCJ não ser uma comissão de discussão de mérito, e sim de verificação da constitucionalidade, os deputados não respeitaram isso. E esse foi outro erro de estratégia. Paulo Guedes poderia ter levado sim uma apresentação mais estruturada com algumas ideias básicas e números. Isso evitaria a crítica de que ele fora genérico e não havia explicado a própria proposta. Aqueles minutos iniciais, com a imprensa transmitindo, seria uma boa oportunidade para explicar aos deputados e a quem acompanhasse os pontos centrais da reforma. Números importantes foram falados de forma vaga e sem informação visual.
As críticas que Paulo Guedes ouviu são conhecidas. Os que não querem fazer a reforma sempre explicarão a sua posição alegando que o projeto afeta os mais pobres. A realidade é que os mais pobres se aposentam mais tarde e recebendo menos. São 71% dos beneficiados. No caso da mulher, a média das que se aposentam hoje por idade já é 61,5 anos. Quem se aposenta com 54 anos está nos 29% do sistema do tempo de contribuição.
O governo deu um presente a quem quer argumentos demagógicos para se opor à reforma, quando propôs mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC). É fácil para um político dizer que está ali defendendo os mais pobres. Difícil é assumir que defende as aposentadorias dos que ganham mais no sistema. Qualquer consulta aos dados mostra que os servidores públicos, dos três poderes, se aposentam mais cedo e ganhando muito mais, têm inúmeras vantagens que são negadas ao resto da população.
A reforma dos militares ter ido junto com uma alta nos soldos torna mais difícil a vida do governo. Mas, como disse Paulo Guedes, “você são os senhores desse destino”. O Congresso, com os erros do governo e a demagogia da oposição, tem o poder de enterrar mais uma reforma. Se o fizer, tornará o colapso mais iminente.
Ricardo Noblat: A solidão de Paulo Guedes
Reforma meia boca
Esqueceram de avisar a Paulo Guedes que a ida de um ministro à Câmara para debater matérias de interesse do governo é antes de tudo um espetáculo, e não necessariamente uma oportunidade de convencer os deputados sobre qualquer coisa.
Como tal, todo cuidado é pouco com as provocações dos mais enfezados e com as pegadinhas dos mais espertos. Cabe ao expositor defender suas ideias, mas sem estridência. Não cair na tentação de ser irônico. E ser afável até com os mais duros oponentes.
Essa seria tarefa para uma Madre Teresa de Calcutá? Nem tanto. De resto, na intimidade, Teresa de Calcutá era impaciente. Mas Antonio Palocci, quando ministro da Fazenda do governo Lula, saiu-se bem em quase todas as batalhas que travou na Câmara e no Senado.
Falta a Guedes experiência no trato com políticos. Sobra inteligência que o torna arrogante. De resto, deve estar se sentindo cada vez mais só na luta para que o Congresso aprove a reforma da Previdência. Daí o que ocorreu na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.
Dizer, por exemplo, que Lula fez por merecer governar duas vezes pode ter sido um ato de justiça, mas não angariou um único voto para o que Guedes deseja, e irritou não só o presidente Jair Bolsonaro como seus devotos mais desvairados.
Sugerir ou desafiar os deputados a rejeitar o modelo proposto de reforma da Previdência para os militares soou mal entre os que vestem ou que vestiram farda, esses em número que não para de crescer na ocupação de cargos em todos os escalões do governo.
Reconhecer que caberá aos deputados e senadores aprovar ou não a reforma, além de redundante, deixa a impressão de que para ele, Guedes, não fará grande diferença, porque hoje ele é ministro, mas amanhã poderá não ser, e só quem perderá de verdade será o país.
Um dos garotos do capitão, Flávio Bolsonaro, viajou com o pai a Israel. O outro, Carlos, é vereador no Rio, e por lá estava ontem. O deputado federal Eduardo Bolsonaro poderia ter comparecido à sessão da Comissão para dar uma força a Guedes. Não o fez.
De que adianta o PSL de Bolsonaro ser dono da segunda maior bancada da Câmara (a primeira é do PT) se não é capaz de dar cobertura ao principal ministro do governo na hora em que ele mais precisa? Mas não deu. Largou-o às feras.
De Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil e um dos articuladores políticos do governo, Guedes ganhou um abraço à chegada, e foi só. O outro articulador, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria do Governo, não é de frequentar o Congresso.
Se não mudar de ideia, se não preferir ir ao cinema com a mulher, ou à reza com amigos, Bolsonaro deverá a partir de hoje reunir-se com líderes de partidos para conversar sobre a reforma. Os líderes irão ao seu encontro para ouvir o que ele tem a dizer.
Não lhe darão a chance de se queixar mais tarde de que ouviu pedidos de empregos ou de outras sinecuras. Não lhe prometerão os votos dos seus partidos para aprovar a reforma. Não confiam nele, nem em sua eventual disposição para compartilhar o poder.
Se Bolsonaro, que carece de votos para aprovar a reforma, hoje procede tão mal com os partidos, por que procederá melhor mais tarde quando já não mais precisar deles? A reforma da Previdência possível de ser aprovada ficará muito aquém do que a imaginada.
Deverá ser suficiente para que o país atravesse sem maiores convulsões os próximos trepidantes anos do governo do capitão, e só. Tudo recomeçará depois da eleição de 2022.
Ladeira a baixo
Bolsonaro não liga
Os primeiros números de pesquisas que ainda não foram fechadas chegaram ao conhecimento de algumas cabeças coroadas da República, e eles não são nada bons para o capitão e o governo.
Bolsonaro já foi informado a respeito, mas não deu bola. Disse que não confia em pesquisas e, que se confiasse, não teria sido eleito. Confia no seu taco – e na resposta das redes sociais.
Vera Magalhães: Guedes se preserva
Em meio à guerra que virou a (des)articulação política do governo, Paulo Guedes mostrou ter mais noção dos riscos políticos que aqueles que se dedicam à atividade há mais tempo e disputam eleições.
O ministro da Economia sabia que poderia ser entregue aos leões e virar presa fácil de uma Comissão de Constituição e Justiça que é presidida pelo PSL, mas sobre a qual o partido do governo não tem nenhum controle. Tanto é que nem relator da reforma da Previdência existe ainda.
Conhecedor do próprio gênio forte e pouco afeito a levar desaforo para a casa, Guedes preferiu se preservar como interlocutor ainda imune à desconfiança generalizada que tomou conta das relações entre Executivo e Legislativo – como forma, justamente, de ser o fiador da retomada da tramitação da reforma. Agiu como estrategista quando todos agem com o fígado.
Guedes tem mantido as pontes com Rodrigo Maia (DEM-RJ), a quem avisou previamente que não iria à CCJ. Tem sido uma voz no governo a tentar convencer Bolsonaro da importância de ter o presidente da Câmara como aliado, e do risco de tê-lo como inimigo.
Mas prega no deserto: mesmo depois de assegurar ao núcleo de ministros mais próximos que desarmaria a difamação a Maia nas redes, o próprio Bolsonaro postou vídeo com ataques ao deputado no Twitter. Ainda ontem esses petardos continuavam a ser lançados, alguns direto da Virgínia, por meio de posts chulos do “guru” Olavo de Carvalho. Dado o nível do embate, Guedes fez a única coisa sensata: se recolher.
EM SP
Michelle Bolsonaro será a estrela de evento beneficente
A primeira-dama Michelle Bolsonaro será a principal estrela de um encontro com 200 casais da alta sociedade paulistana que acontece nesta quarta-feira na casa de Elie Horn, fundador da incorporadora Cyrela e um dos empresários mais próximos de Jair Bolsonaro. O encontro será para angariar fundos para a União Brasileiro Israelita do Bem-Estar Social (Unibes). Aliados ainda tentam assegurar a presença do próprio Bolsonaro, mas a agenda presidencial prevê a ida à Universidade Mackenzie para conhecer pesquisas sobre o grafeno – visita que preocupa a área de segurança do governo pela previsão de protestos.
COMUNICAÇÃO
Mudança de estratégia visa conter desgaste de Bolsonaro
A mudança na comunicação do governo, com a provável entrada do empresário Fábio Wajngarten na Secom, tem como objetivo principal conter algo que os apoiadores do presidente negam em público, mas já detectaram em pesquisas: a queda abrupta de sua aprovação nos grandes centros urbanos, sobretudo em São Paulo. A ideia é que Wajngarten, que atuou na campanha construindo pontes com grupos de comunicação, amplie essa aproximação.
O diagnóstico no governo é de que é preciso separar a imagem institucional do presidente daquela da campanha. Wajngarten deve vitaminar também a publicidade oficial. A avaliação é de que a propaganda da Previdência, por exemplo, passou batida do grande público e precisa ser intensificada para vender a mensagem de que se quer combater privilégios. Isso ajudaria no trabalho de convencimento político, pois deputados e senadores se sentiriam mais confortáveis para explicar ao eleitor o apoio ao projeto.