Paulo Guedes
Zeina Latif || Não alimente o Leviatã
O Brasil deveria criar um fundo para evitar o mau uso da receita do petróleo
O Brasil está diante de uma riqueza imensa de petróleo da camada do pré-sal a ser explorada nos próximos anos. O especialista Adriano Pires estima uma receita na casa de US$ 750 bilhões em 15 anos. O ministro Paulo Guedes apontou algo nessa mesma magnitude: entre US$500 bilhões e US$ 1 trilhão no mesmo período. A intenção do governo federal é garantir a repartição desses recursos com Estados e municípios.
É crucial evitar que os recursos sejam gastos com despesas correntes. Utilizar uma riqueza finita (um recurso não renovável que já vem sendo paulatinamente substituído por outras fontes de energia mais sustentáveis) com despesas que não geram crescimento econômico futuro é receita para o desastre.
O Estado do Rio de Janeiro é exemplo de fracasso nesse quesito: tem usado há anos os recursos dos royalties de petróleo para cobrir o rombo na Previdência estadual, em vez de fazer reformas.
Exemplos semelhantes não faltam entre municípios. Muitos tornaram-se mais dependentes desses recursos e não colheram avanços nos indicadores econômicos e sociais.
Segundo a imprensa, o Ministério da Economia pretende enviar uma proposta ao Congresso vedando o uso dos royalties para o pagamento da folha, devendo ser usados para investimentos e para pagar dívidas com a União e precatórios judiciais. A motivação é clara: a tentação para usar os royalties para pagar as despesas crescentes com a folha é elevada.
Na bonança, Estados e municípios elevaram bastante o número de funcionários públicos e promoveram aumento generoso de salários. Com o envelhecimento populacional, os gastos com inativos crescem rapidamente, pressionando os orçamentos públicos. Segundo o Tesouro Nacional, o déficit previdenciário dos Estados atingiu R$ 101,3 bilhões em 2018.
O Brasil deveria seguir a experiência mundial e criar um fundo de estabilização soberano para evitar o mau uso da receita do petróleo. Países vizinhos já o fizeram: o Chile em 1985 e a Colômbia em 2011.
A ideia é poupar a receita da exploração (riqueza explorada que ganha liquidez) e gastar apenas a renda decorrente (rendimento do fundo). Na década passada, houve proposta de criar um fundo soberano com recursos do pré-sal aplicados no exterior, que é o que fazem os demais países. Infelizmente a ideia não prosperou.
São várias as motivações para um fundo soberano:
Primeiro, por uma questão de justiça intergeracional. Não é justo as gerações atuais se beneficiarem de uma riqueza natural que deveria ser de todos.
Segundo, para evitar que os gastos públicos tenham caráter pro-cíclico, conforme a oscilação de preços do recurso natural, com repercussões sobre o equilíbrio fiscal e a oferta de serviços públicos nas fases de baixa na receita. Na mesma linha, para afastar o risco de elevada dependência do orçamento público no recurso não renovável.
Terceiro, para preservar um ambiente macroeconômico estável, afastando o risco de excessos e bolhas nos mercados. Vale pontuar que a economia brasileira já é bastante sensível ao ciclo de preços de commodities. A desaceleração mundial em curso e seu impacto no Brasil servem de alerta.
Quarto, para afastar a chamada doença holandesa, que traz dificuldades para os demais setores, particularmente os mais sensíveis à concorrência externa. O termo se refere ao efeito da descoberta de gás natural na Holanda na década de 1960 e da escalada posterior de seu preço sobre o influxo de recursos externos e a cotação do florim, cujo fortalecimento contribuiu para a desindustrialização daquele país.
Finalmente, seria desejável reduzir a dívida pública para níveis mais próximos dos registrados em países parecidos, visando à reconquista do grau de investimento.
Em tempos de grave crise fiscal e da constante tentação para a busca de atalhos e artifícios que aliviem as contas públicas, como agora na discussão do “Pacto Federativo”, convém evitar promessas de recursos sem estabelecer contrapartidas ou regras para os gastos. O Leviatã é perigoso.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Marcelo Leite: Bolsonaro lidera República da Ignorância
Ministro Guedes quer negociar oxigênio da Amazônia, mas não é o único na Esplanada a pontificar sobre o que desconhece
Há ministros que dizem besteiras sobre ciência e desenvolvimento por oportunismo ou má-fé, como Ricardo Salles (Meio Ambiente). Outros, por conveniência e farisaísmo, como Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). Outros ainda, por pura ignorância, como Paulo Guedes (Economia).
Começando pelo último, o mais recente. Guedes, seguindo a liderança do presidente Jair Bolsonaro (PSL) sentado a seu lado, deitou falação sobre a Amazônia num evento da Suframa. Deu um show de desconhecimento sobre a floresta.
Para bajular o capitão, pôs-se a discorrer sobre as riquezas materiais e biológicas da Amazônia, “que nenhum outro país tem”: minérios, gás e, principalmente, biodiversidade. E, claro, oxigênio.
Oxigênio?!
O superministro não prima pela clareza. Sua referência ao elemento químico imprescindível à vida se deu no contexto de um argumento sobre negociações comerciais com os Estados Unidos. O proverbial toma-lá-dá-cá: vocês deixam entrar o etanol, nós deixamos entrar o milho etc.
Aí ele disse que questionaria os negociadores americanos: “Vocês reconheceriam nosso direito de propriedade sobre o oxigênio?” —largou Guedes. “Nós produzimos oxigênio para o mundo.” Sugeriu que Manaus se tornasse a capital mundial de transações com oxigênio e carbono.
Não, ministro, não é nada disso. O senhor caiu no conto do “pulmão verde do mundo”, um equívoco pedestre. O erro indica que a pessoa faltou nas aulas ginasianas de botânica.
Árvores produzem oxigênio durante o dia. Empregam energia solar para fazer fotossíntese, ou seja, utilizam gás carbônico (CO2) do ar para sintetizar carboidratos, num processo que tem oxigênio (O2) como subproduto.
Durante o dia, note bem. À noite, as plantas respiram como nós: consomem oxigênio e expelem gás carbônico. Num sistema em equilíbrio, não há superávit de O2 para vender. Pulmão verde uma ova.
Ocorre que a floresta amazônica não se encontra em equilíbrio. Ela já perdeu uns 800 mil km2, 20% da área original, mais da metade disso só nas últimas três décadas.
Multiplicado esse número pelas 30 ou 40 mil toneladas de biomassa em cada quilômetro quadrado de mata, tem-se uma ideia de quanto CO2 o desmatamento lançou na atmosfera com a queima e a decomposição de toda essa matéria vegetal. O CO2 é um gás do efeito estufa, que agrava o aquecimento global e nos projetou na crise climática que o planeta enfrenta.
Não se trata, portanto, de produzir oxigênio para o mundo, mas de parar de poluir a atmosfera e de azucrinar o clima da Terra. Com todo o respeito, ministro Guedes, o senhor está mal informado.
Marcos Pontes, por seu turno, não teve pudor de lançar hidrogênio na fogueira da reputação do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) iniciada por Bolsonaro. Depois das ofensas do presidente contra o instituto, em lugar de defendê-lo, disse que vai convocar o diretor do Inpe para dar explicações sobre possíveis falhas na metodologia do monitoramento florestal.
Para um ex-astronauta, cujo feito não foi mais que uma viagem de turismo espacial, mais ainda um beneficiário do complexo espacial erguido sob as asas da Aeronáutica em São José dos Campos (CTA, ITA, Inpe, Embraer), é um acinte. Vale tudo para se manter no cargo.
De Ricardo Salles, Damares Alves, Abraham Weintraub e Osmar Terra é melhor nem falar. Com Pontes e Guedes, formam o primeiro escalão zureta da República da Ignorância que Bolsonaro instaurou e lidera em Brasília, secundado por Huguinho, Zezinho e Luizinho.
*Marcelo Leite é jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.
Rogério Furquim Werneck: Só a Previdência não basta
Guedes pretende avançar em duas novas frentes: reforma tributária e a instauração de novo pacto federativo
Paulo Guedes sabe perfeitamente que uma reforma previdenciária com potência fiscal de R$ 1 trilhão, em dez anos, está longe de ser suficiente para repor as contas públicas em trajetória sustentável. E que, comemorada a aprovação da reforma no Congresso, o país terá de continuar a encarar a pesada agenda de reconstrução fiscal que tem pela frente.
O ministro tem se empenhado em já deixar claro quais deverão ser as próximas etapas do programa de reformas que vem contemplando. Está disponível na internet uma exposição bem elucidativa sobre isso, proferida por Guedes, na semana passada, em evento organizado pela XP Investimentos, em São Paulo.
No vídeo, o ministro discorre, ao longo de mais de uma hora, sobre o diagnóstico que vem inspirando a sua atuação, o que pôde fazer ao longo do primeiro semestre e as mudanças que ainda pretende implementar. Trata-se de um depoimento valioso para quem quer que esteja empenhado em vislumbrar as possibilidades e limitações da política econômica em curso.
Guedes pretende avançar em duas novas frentes. Além de levar adiante um projeto de reforma tributária, contempla a instauração de novo pacto federativo, fundado em descentralização fiscal em favor de estados e municípios e ampla e radical flexibilização dos orçamentos das três esferas de governo, estimulada por farta distribuição de recursos do pré-sal aos governos subnacionais.
Não são reformas fáceis. Muito pelo contrário. Seria pouco sábio condicionar a recuperação da economia à consecução das duas reformas. Ainda mais agora, quando o ministro já não tem como se iludir sobre a real disposição do Planalto de mobilizar uma maioria governista que possa facilitar o avanço de reformas tão complexas no Congresso.
Tampouco deve o ministro, com base no excepcional desempenho de Rodrigo Maia na tramitação da reforma da Previdência, ficar tentado a acreditar que o Congresso deixou de ser patrimonialista e fiscalmente irresponsável e, por um passe de mágica, se tornou escandinavo. Sem o apoio decisivo de uma maioria comandada pelo Planalto, o mais provável é que a aprovação de reformas dessa complexidade não se mostre viável.
A reforma tributária é questão sabidamente intrincada. Não há dúvida de que é preciso racionalizar a forma primitiva com que os três níveis de governo vêm extraindo da economia um terço do PIB em tributos. Mas é preciso evitar simplismos e soluções mágicas. Em meio à crise fiscal que vive o país, não há como reduzir a carga tributária. Reduções de taxação em determinados segmentos terão de ser forçosamente compensadas por tributação mais pesada de outros.
O projeto de reforma tributária que Paulo Guedes tem em mente é um tanto peculiar. Advém de sua convicção, quase axiomática, de que a eliminação dos encargos trabalhistas sobre a folha teria um impacto espetacular sobre o emprego.
Para fazer face à perda de receita que decorreria da eliminação dos encargos, o que se contempla é nada menos que a cobrança de um novo imposto cumulativo sobre pagamentos, com alíquota ainda mais alta que a da extinta CPMF, uma velha ideia fixa do atual secretário especial da Receita Federal.
Não chega a ser surpreendente que, tanto na Câmara como no Senado, já haja sinais claros de resistência a uma reforma tributária nessa linha e nítida preferência por projetos que já tramitam no Congresso.
Quanto à instauração de um novo pacto federativo, o que se receia é que —sem que o governo disponha de uma base parlamentar sólida, que possa evitar um desfecho desastroso, caso a reforma desande — a abertura da caixa de Pandora da descentralização fiscal seja um movimento temerário.
Ao desfraldar a bandeira do “mais Brasil e menos Brasília” e já prometer 70% dos recursos advindos do pré-sal a estados e municípios, o governo federal arrisca-se a perder controle do processo decisório no Congresso. E a se ver, ao fim e ao cabo, sem os recursos do pré-sal, sem que tenha havido qualquer redução da rigidez orçamentária dos governos subnacionais. Todo cuidado é pouco.
Míriam Leitão: Etapas do choque da energia barata
Em 30 dias serão divulgadas ações para o ‘choque de energia barata’, que respeitará as leis de mercado com a articulação entre governos e setor privado
O ministro Paulo Guedes tem prometido em vários discursos dar um choque de energia barata no país, sem explicar como será possível isso. O que se diz dentro do governo é que muitas medidas serão anunciadas em no máximo 30 dias para transformar essa promessa em realidade. Há uma articulação que liga órgãos do governo, empresas privadas, e instâncias da federação para que possa haver mais competição no setor de gás. O objetivo é, em um ano e meio a dois, reduzir o preço do gás natural de US$ 12,5 por milhão de BTU para algo como US$ 7 ou menos.
As conversas estão ocorrendo entre o Ministério das Minas e Energia, ANP, Petrobras, Ministério da Economia, TCU e Cade. O primeiro movimento deve ser o Cade decidir sobre um processo anti-concorrencial da Petrobras, e notificar a estatal de que deve vender ativos e permitir maior competição no setor. A venda da TAG já faz parte desse plano. O problema é que mesmo vendendo a rede de gasoduto ela tem, por contrato, direito de preferência no transporte do gás.
O Ministério das Minas e Energia e a Petrobras anunciarão que a empresa vai parar de queimar o gás em alto mar, e trabalhar para que ele seja canalizado para o continente. A Vale, por sua vez, estaria interessada em fazer um contrato de compra de longo prazo — talvez 20 anos — desse gás, desde que seja a um preço mais baixo. A possibilidade de construção da ligação por gasoduto entre as plataformas e o continente será aberta à iniciativa privada, e empresas consultadas já estão se mostrando interessadas.
O chamado choque de energia barata não terá efeito imediato, nem será baixado por decreto, como já foi feito no passado. Na verdade é uma articulação e uma série de medidas que vão levar a mais competição no setor.
— Há um duplo monopólio. O de extração da Petrobras, que acabou na lei, mas não na prática. E o de distribuição, com a propriedade das distribuidoras nas mãos dos estados. Desta forma o Brasil construiu o absurdo de ter gás natural a esse preço, enquanto na Europa e no Japão, que não têm suprimento, o gás custa US$ 7 o BTU — explica uma fonte que faz parte da negociação do plano.
A Petrobras, de fato, tem queimado o gás natural que faz falta no fornecimento de energia do país. Isso é irracional do ponto de vista econômico e prejudicial do ponto de vista ambiental. Seria muito mais lógico trazer e abastecer o país. O que sempre se disse na empresa é que o custo é alto demais. O que o governo diz neste momento é que se a construção dessa ligação for aberta à iniciativa privada haverá interessados. Principalmente se houver um comprador garantido. E a Vale teria se mostrado interessada.
—Pode haver inclusive o interesse de usar a energia mais barata para a transformação de parte do minério hoje exportado a US$ 17 a tonelada em HBI, um produto processado, cotado ao preço de US$ 170 a tonelada —diz essa fonte.
Além disso, a informação dentro do governo é que serão abertas negociações com a Bolívia por um gás mais barato, e com a Argentina para construir uma ligação entre a sua reserva de Vaca Muerta, de shale gás, com a nossa rede de distribuição de gás. Para tudo dar certo é preciso que haja mais concorrência na distribuição de gás. Isso pode significar vender empresas estaduais. Alguns governadores estão sendo contatados, como os do Rio, São Paulo e Espírito Santo, segundo informação do governo federal. As conversas com o governador do Rio estariam mais adiantadas.
Há quatro meses tem havido conversas dentro do governo na preparação desse plano. Muita coisa tem que dar certo para que haja uma redução do custo do gás. Se acontecer, aumenta a competitividade da economia brasileira. O setor de energia é de uma complexidade enorme. A última tentativa de reduzir o custo da energia no Brasil foi feita no governo Dilma, de maneira intervencionista, pela MP 579, que espalhou uma crise por todos os segmentos do setor. O custo foi altíssimo e pago pelo consumidor.
Pelo que se conta no governo, desta vez será respeitando as leis de mercado. Se der certo, contudo, não será uma solução mágica, mas será bem-vinda a redução do custo do gás natural, que sempre foi visto como combustível de transição para uma energia de baixa emissão.
Bruno Boghossian: Lobby ruralista fica protegido da ira de Guedes na Previdência
Ministro acerta ao atacar pressão de servidores, mas deixa passar bancada do boi
Quem ouviu a explosão de Paulo Guedes contra as mudanças na reforma da Previdência deve ter pensado que o ministro usaria um trator para derrotar qualquer grupo de interesse. Sem medir palavras, o chefe da economia acusou o Congresso de ceder ao “lobby dos servidores” e de enfraquecer o projeto para favorecer “os privilegiados”.
As letras miúdas do texto em discussão na Câmara mostram que havia uma certa ira seletiva na reação do ministro. Guedes tinha razão quando atacou a campanha do funcionalismo para preservar benefícios, mas deixou passar as pressões do consórcio ruralista, que caminha para manter suas benesses.
O projeto original do governo proibia o perdão de dívidas de produtores rurais com o INSS —coisa de R$ 17 bilhões, nas contas de economistas. O agronegócio acionou seus articuladores no Congresso e conseguiu reverter esse veto. O relator do projeto mudou a proposta de Guedes e abriu novamente a porteira.
O lobby foi escancarado. Reportagem publicada na Folha na última semana revelou que um deputado da bancada do boi apresentou uma emenda para fazer essa alteração na reforma. O texto, na verdade, havia sido redigido pelo diretor de uma associação ruralista.
Trata-se de um caso típico de manutenção de privilégios. A aprovação da mudança quebraria o espírito da reforma de Guedes, que se propõe a barrar vantagens individuais.
Os deputados do agronegócio dizem que a mudança foi negociada com o relator, Samuel Moreira (PSDB), embora o tucano negue que a alteração beneficie o setor. Os ruralistas também afirmam o governo foi alertado, mas não houve censura pública a esse movimento até agora.
A bancada do boi é a mais organizada do Congresso e costuma servir de tropa de choque para presidentes que atendem a seus desejos. Foi assim com Temer, que abriu os cofres do governo em troca de blindagem na crise da JBS. Bolsonaro e Guedes também parecem interessados em colher esse apoio político.
Vinicius Torres Freire: Planos de Guedes caem da reforma
Emendas na Previdência preservam economia, mas podam planos liberais do ministro
A reforma da Previdência recauchutada pela Câmara atropela ambições de Paulo Guedes, dificulta a mudança frequente da lei previdenciária e obriga os governadores a pedir votos aos deputados, caso queiram abater os gastos estaduais com aposentadorias. Tem lá também uma esquisitice que quebra as pernas do BNDES.
Caso o relatório emendado pelos deputados seja aprovado no plenário como está, deve resultar em contenção de despesa maior do que a prevista pela reforma Michel Temer, embora a conta de poupar R$ 915 bilhões seja, por ora, chute. Se vier pelo menos o dinheiro, já é lucro. No mais, o espírito da reforma Guedes foi para o vinagre.
É um resumo breve dos efeitos das mudanças na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) de Jair Bolsonaro e Guedes, consolidadas pela comissão especial da Câmara. A reforma é enorme, e certas mudanças, em particular no caso de servidores públicos, ainda serão mastigadas.
De mais notável, a princípio, temos:
Um: está congelado sem dia previsto de degelo o projeto de Guedes criar um regime de capitalização (trabalhadores que entrarão no mercado teriam de poupar para a Previdência em conta individual). A capitalização seria criada por lei complementar, pós-reforma, mas mesmo essa janela foi fechada pelo Câmara, na prática.
Dois: além de reinventar a Previdência, a capitalização seria um meio de acabar com a contribuição patronal para o sistema (sugeria o governo. Ainda não havia projeto de lei oficial). Trabalhadores que optassem por esse regime custariam menos para as empresas, com o que haveria mais empregos, imaginava Guedes. Era, na prática, um modo de embutir o desmanche das leis trabalhistas na reforma da Previdência e, segundo o ministro, mudar o padrão de poupança no país. Não vai passar.
Três: tirar do texto da Constituição o grosso das normas da Previdência ("desconstitucionalização") facilitaria futuras reformas (por exigir menos votos no Congresso). Não vai adiante.
Quatro: no caso da reforma do Regime Geral da Previdência Social (para trabalhadores do "setor privado", grosso modo), não há muita diferença em relação à reforma Temer, em particular na contenção de despesas. O dinheiro adicional da reforma Guedes-Bolsonaro vinha da poupança com o pagamento do abono do PIS/Pasep, que nem bem é assunto previdenciário. De qualquer modo, o talho no pagamento do abono, pago a quem ganha até dois salários, será bem menor do que o previsto, se algum. No mais, a reforma do RGPS não foi pouco emendada.
Cinco: a reforma pode criar tanto problemas quanto soluções para os governadores, por causa de aposentadorias especiais (policiais, bombeiros, professores), embora o aumento da cobrança de contribuição dos servidores tenha ficado na reforma. Só haverá reforma estadual obrigatória se os governadores convencerem o Congresso a recolocar esses dispositivos na PEC, derrubados na comissão especial, atendendo a pedido majoritário na Câmara, que não quer fazer o trabalho pesado sozinha, enquanto os governadores posam de bonzinhos, em especial os do Nordeste, quase todos de esquerda.
Seis: na PEC de Guedes-Bolsonaro, o BNDES perdia parte do dinheiro que recebe do PIS/Pasep (abrigado no FAT), uns R$ 6 bilhões por ano. Agora, vai perder tudo (R$ 18 bilhões), pois o relator quer usar esse dinheiro na Previdência. É mais de um terço da fonte de recursos do BNDES. O banco vai acabar ou virar tamborete?
Claudia Safatle: A estratégia e o plano econômico de Guedes
Divulgação só vai ocorrer depois de aprovada a reforma
Na economia, o governo tem vários projetos e uma estratégia. Segundo fontes qualificadas, o plano do ministro Paulo Guedes comporta uma série de propostas que somente serão conhecidas depois de aprovada a reforma da Previdência.
A precaução tem lá os seus motivos. Trata-se de um plano com um amplo leque de projetos de mudanças que vão ferir interesses de grupos específicos com representação no Congresso Nacional. Ao conhecê-lo de antemão, parlamentares com interesses contrariados poderão se voltar contra a aprovação da reforma da Previdência, que é crucial para dar um horizonte de sustentabilidade para as contas públicas e garantia de solvência do Estado.
Só nas duas últimas semanas foram criadas três novas frentes no Congresso, em oposição a algumas das ideias consideradas pela equipe econômica. São elas: a Frente Parlamentar Contra a Privatização dos Correios; a Frente Parlamentar Contra a Privatização de Bancos Públicos Federais; e, ainda, a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Petrobras.
A estratégia, portanto, é a de ser bastante comedido nas informações sobre o programa econômico do governo, porque haverá medidas "capazes de produzir terremotos na escala Richter de 7,5", ou seja, com grande capacidade de desagradar grupos específicos, explicou uma graduada fonte oficial; e outras com impactos menores, mas também não desprezíveis, sobretudo para uma complicada base de sustentação política, completou.
O que orienta a comunicação oficial, nesse caso, é a necessidade de escolher quais as batalhas a se enfrentar primeiro e não tumultuar o ambiente já bastante volátil.
Vez por outra o governo lança uma ideia para testar quais são as forças políticas contrárias. Foi assim, por exemplo, com a notícia recente, confirmada pelo ministro da Economia, sobre a intenção de liberar cerca de R$ 22 bilhões de contas inativas e ativas do FGTS e do PIS após o avanço da reforma da Previdência.
A reação contrária surgiu da bancada de apoio do programa Minha Casa, Minha Vida, que não quer perder o acesso a essa poupança forçada e mal remunerada do trabalhador para financiar a construção de moradias populares. O governo considerou a manifestação e o poder de fogo dessa bancada como algo administrável.
Outras medidas estão em discussão para serem anunciadas após aprovação da nova Previdência. Não está claro se a aprovação da reforma na comissão especial é suficiente para o governo começar a abrir o jogo ou se ele aguardará a votação no plenário da Câmara.
Dentre as medidas do plano de Paulo Guedes, constam o cronograma e a extensão das privatizações, que precisam ser submetidos ao Conselho do Programa de Parceria de Investimentos (PPI), e o destino das empresas estatais federais dependentes do Tesouro Nacional.
Essas são 18 companhias que geram um gasto de R$ 21,6 bilhões, conforme orçamento deste ano já adicionado de créditos suplementares. Elas empregam mais de 73 mil funcionários e não sobrevivem sem a dotação de verbas da União para bancar as suas despesas.
Na lista das estatais dependentes está a Embrapa, considerada estratégica para o desenvolvimento de pesquisas genéticas na agricultura e na pecuária, cujo gasto anual da União é de R$ 3,67 bilhões. Mas são os serviços de saúde os que mais demandam recursos dos contribuintes. A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) dispõe de um orçamento para 2019 de R$ 5,11 bilhões Outro R$ 1,26 bilhão é destinado ao Hospital das Clínicas de Porto Alegre e mais R$ 1,51 bilhão para o Hospital Nossa Senhora da Conceição.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) tem um orçamento para este ano de R$ 2,69 bilhões. Outras três empresas com gastos superiores a R$ 1 bilhão são a CBTU, de transportes urbanos, a Codevasf, de desenvolvimento do Vale do São Francisco, e a INB, de indústrias nucleares.
Essas empresas estão sob um detalhado escrutínio da área econômica do governo, sobretudo da Secretaria de Desestatização e de Desinvestimentos. Algumas deixarão de ser empresas e devem se transformar em autarquias, em que os salários são menores, obedecem a uma política de reajuste e não há a existência de conselhos de administração ou fiscal.
Outras permanecerão como empresas, mas estão passando por um trabalho de ganho de eficiência e de emagrecimento. Para reduzir o prejuízo anual com a sustentação dessas companhias, o governo quer vender parte dos ativos que elas têm, como fazendas e imóveis urbanos.
Há toda uma concepção que levou a área econômica a definir a estratégia de comunicação do programa econômico. No Brasil, segundo a ótica do governo, há muitos grupos com forte poder de articulação e influência política. São empresários, sindicalistas e funcionários públicos, dentre outros, capazes de criar muito barulho e contaminar o ambiente para a aprovação da reforma da Previdência.
Acredita-se que, depois de aprovada a reforma, haverá um novo ambiente, "de céu azul após a tempestade". Fontes oficiais argumentam que a nova Previdência será um divisor de águas e um momento importante para o presidente Jair Bolsonaro. "E no 'day after' teremos um pipeline de planos", salientam, ao elencar da reforma tributária às privatizações, da abertura da economia a um novo pacto federativo, da conversibilidade da moeda e permissão para a abertura de contas em dólar no país a uma série de outras medidas que vão amplificar o impacto da nova Previdência. "A reforma é, portanto, o início de um processo de mudanças que vamos fazer", assegurou uma categorizada fonte da área econômica.
É esse conjunto ainda desconhecido de medidas que poderá sustentar uma recuperação mais dinâmica da atividade econômica. Essa é, pelo menos, a aposta do núcleo da equipe que assessora Guedes.
Zeina Latif: Distorções para todo lado
A integralidade da aposentadoria não é justa e o custo tornou-se insuportável
O debate econômico amadurece e hoje há amplo entendimento que a aposentadoria dos servidores pesa muito nas contas públicas, apesar de beneficiar a poucos. Este reconhecimento não é pouca coisa. Com maior pressão social, temos uma oportunidade inédita de mudar as regras da Previdência dos servidores de forma contundente, ainda que não seja possível eliminar completamente as diferenças entre o regime geral do setor privado (RGPS) e o regime próprio dos servidores (RPPS).
Temos assistido às reações de corporações do funcionalismo, como a inclusão de 104 emendas ao projeto de reforma da Previdência, de um total de 277, segundo o Valor Econômico. Essa cifra dá uma dimensão da hiper representatividade dos servidores no Congresso.
Chamando ou não de privilégio, o fato é que as regras para aposentadoria dos servidores são generosas e injustas, não apenas pelo tratamento desigual entre empregados do setor privado e servidores públicos, mas também pela desigualdade dentro do próprio RPPS, com diferentes regras dependendo do ano de ingresso do indivíduo no setor público.
Os que ingressaram antes de 2003 contam com regras de integralidade (aposentadorias equivalentes ao último salário) - e paridade (reajustes em linha com os concedidos aos servidores na ativa) dos benefícios. Se for antes de 1998, há ainda a possibilidade de aposentar antes da idade mínima de 60/55 anos para homens/mulheres. Para 2003 em diante, não há mais as regras acima, mas ainda assim os servidores se beneficiam da regra de cálculo das aposentadorias, que é a média dos 80% maiores salários. Vale lembrar que o funcionário público atinge, via de regra, o topo da carreira rapidamente, inflando o valor das aposentadorias. Já os servidores que ingressaram na União após 2013 (quando foi criado o fundo de Previdência complementar, o Funpresp) estão sujeitos à regra de idade mínima e ao teto da remuneração do RGPS (R$5.646).* Para Estados e municípios, a data de corte depende do ano que se implementou a Previdência complementar, sendo que em muitos casos isso não ocorreu. Além disso, há os regimes especiais para professores e policiais, que representam 56% da folha dos estados.
Há, portanto, grande disparidade de tratamento dos servidores, que, na verdade, já vem dos rendimentos no período ativo, como apontado por Daniel da Silva Barros. Com base em dados da PNAD de 2013, o pesquisador calcula que a desigualdade no setor público é muito superior à do setor privado (índice de Gini de 0,744 e 0,439, respectivamente). Isso se reproduz nas aposentadorias e pensões. Esse quadro provavelmente piorou após a reforma de 2003 O sistema é também muito generoso. Segundo a OCDE, a taxa de reposição (razão entre o valor da aposentadoria e a média dos salários na ativa) está em 110% no Brasil, mesmo com a alíquota de contribuição previdenciária de 11% para inativos (exceto para os que ingressaram antes de 1993), algo pouco observado na experiência mundial. Na Coreia do Sul, Austrália e México, as taxas de reposição oscilam em torno de 64%.
Uma outra forma de apresentar este ponto é pelo cálculo do subsídio implícito da Previdência, que mede a expectativa de ganho dos inativos vis-à-vis a contribuição (incluindo a patronal) na fase ativa. Segundo o Ministério da Economia, o subsídio do setor público é muito superior à do setor privado, e os subsídios são mais elevados para os contribuintes de maior renda, em ambos os setores. Com a reforma, pretende-se reduzir essas distorções.
A integralidade de aposentadorias não é justa e o custo para sociedade tornou-se insuportável tendo em vista o quanto se compromete as demais políticas públicas. Cabe ao governo divulgar as informações à sociedade e fazer o devido enfrentamento das corporações. Isso é essencialmente papel do Executivo, e não do Congresso. Será que Bolsonaro é “bom de briga”?
(*)Informações obtidas no livro “Reforma da Previdência: por que o Brasil não pode esperar”, de Pedro Fernando Nery e Paulo Tafner.
*Economista-chefe da XP Investimentos
Míriam Leitão: Entendendo o cenário Guedes
Há grandes riscos no cenário de não aprovação da reforma da Previdência, mas é melhor entendê-los sem os exageros do ministro Paulo Guedes
O ministro Paulo Guedes tingiu com cores fortes o futuro sem a reforma da Previdência. Disse na entrevista à “Veja” que o mercado fugiria, e o país seria “engolfado”. Num primeiro momento, viraria a Argentina, que tem hoje uma inflação de 40%, depois viraria a Venezuela, cuja economia está em colapso. Há riscos adiante de nós, de fato, mas é melhor entendê-los sem exageros nem soluções mágicas.
O que o ministro tentou explicar é que a reação natural do mercado financeiro é se antecipar aos riscos. Mas os bancos, corretoras e fundos não estão desligados da população em geral, que tem aplicações financeiras. Quando Paulo Guedes diz que “o mercado foge”, ele está falando que investidores vão procurar outros tipos de ativos, reduzindo o dinheiro disponível para os títulos da dívida pública. Os grandes investidores no Brasil são os fundos, de pensão ou formados pelos bancos para seus clientes. Essa fuga não será de meia dúzia de banqueiros. Ela só ocorrerá se os investidores brasileiros, pequenos, médios ou grandes, começarem a ter dúvidas sobre a capacidade de o Tesouro pagar a dívida.
A reforma da Previdência não é nem a solução milagrosa se for aprovada, nem o estopim da bomba atômica caso não seja aprovada. Mas o Brasil está diante de um cenário realmente perigoso. A dívida pública bruta subiu muito nesta década. Estava em 52%, em 2011, está agora em 78%, e terminará o ano que vem em 79%, se a reforma for aprovada. A dívida é cara, a dinâmica do seu crescimento é acelerada, os papéis têm prazos curtos, os déficits anuais alimentam a alta do endividamento público.
A reforma da Previdência diminui o ritmo de aumento das despesas com aposentadorias e pensões, permitindo que a dívida suba mais devagar. Se outros passos forem dados, a economia retomará o crescimento. Portanto, é fato que uma reforma que enfrente o déficit da Previdência melhorará o quadro econômico. Mas existem outros obstáculos a serem superados. E, mais importante, o cenário de fim do mundo traçado por Paulo Guedes não se concretizará porque o país vai agir antes.
Quando a inflação chegou a 10%, o governo Dilma caiu. O Brasil não toleraria conviver com inflação crescente como a Argentina tem feito. Os índices subiram no período Kirchner, caíram um pouco no governo Maurício Macri e voltaram a subir. Desde 2011, a inflação por lá está em dois dígitos. No Brasil, dois meses foram suficientes para derrubar a popularidade da então presidente. Se voltar a ocorrer, o governante da vez terá queda forte de popularidade e, provavelmente, perderá o mandato.
O cenário Venezuela é ainda mais longínquo. O ministro está ameaçando com um fantasma que, felizmente, não ronda o Brasil. Uma crise tão profunda quanto a que atinge o nosso vizinho demora a ser construída. Foram anos de erros sequenciais na condução da política econômica, do uso da fonte do petróleo para comprar uma base de apoio entre os pobres e corromper as Forças Armadas, de truques seriais para minar as instituições democráticas. O Brasil não toleraria tal dissolução do tecido social. O governo Bolsonaro sempre fala da Venezuela quando quer assustar os brasileiros e dizer que o vizinho está assim porque o chavismo é de esquerda, e ele, Bolsonaro, nos salvará deste destino. Primeiro, o chavismo se diz de esquerda, mas é apenas um governo incompetente e autoritário. O erro da esquerda brasileira é cair na armadilha de defender o indefensável governo de Caracas. Segundo, se o Brasil precisar de uma única pessoa para nos salvar do destino venezuelano já estaremos no destino venezuelano. O que fez aquela tragédia foi o salvacionismo populista.
A reforma da Previdência é fundamental, mas não é o fim da crise. Nas próximas décadas teremos que voltar a esse tema. A que foi proposta por Paulo Guedes reduz algumas desigualdades, mas não é verdade que o governo está “propondo fechar a fábrica de privilégios”. Muitos deles vão permanecer. O principal recado que o ministro quis passar foi o de que ele pode deixar o cargo, caso não seja aprovada a reforma que ele quer. “Pego avião e vou morar lá fora.” O que falta no raciocínio dele é a compreensão de que o governo terá que trabalhar melhor se quiser a reforma aprovada.
El País: Com ruídos na base, Bolsonaro jura “casamento” com Guedes por Previdência
Em visita ao Nordeste, presidente afirma que, sem mudanças, Brasil entrará em "caos econômico" e não precisará mais de ministro da Economia
O presidente Jair Bolsonaro (PSL) aproveitou sua primeira visita do mandato ao Nordeste para redobrar suas apostas —e seus apelos— pela reforma da Previdência. Foi contundente ao condicionar o sucesso dos investimentos anunciados para a região à aprovação das mudanças nas aposentadorias, que tramita num Congresso onde o Governo está longe de ter uma base de apoio estável. A mensagem chegou no mesmo dia em que políticos e agentes do mercado financeiro debatiam as intenções de Paulo Guedes, seu ministro da Economia, ao dizer à revista Veja que renunciaria ao cargo se a reforma pretendida pelo Governo se transformar em uma "reforminha" ou "se sentir que o presidente não quer a reforma". "Pego um avião e vou morar lá fora. Já tenho idade para me aposentar", disse o ministro. "Se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo. Vai ser o caos no setor público, tanto no Governo federal como nos Estados e municípios".
Em Pernambuco, questionado sobre a ameaça de seu ministro, Bolsonaro afirmou que ir embora "é um direito dele". E reforçou a tese de Guedes, durante entrevista coletiva em Petrolina, no interior do Estado. "Ele tem razão. Se tiver uma reforminha e não tiver a reforma, a gente não precisa mais de ministro da Economia, porque o Brasil pode entrar em um caos econômico. Ele vai ter que ir para a praia. Vai fazer o que em Brasília?", disse o presidente, que voltou a ser racista ao dizer que uma mudança de pequeno porte seria "de japonês". Depois, o mandatário ainda usaria o Twitter para reforçar a aliança com seu ministro da Economia, seu fiador das reformas liberais durante a campanha eleitoral: "Peço desculpas por frustrar a tentativa de parte da mídia de criar um virtual atrito entre eu (sic) e Paulo Guedes. Nosso casamento segue mais forte que nunca kkkkk. No mais, caso não aprovemos a Previdência, creio que deva trocar o Ministério da Economia pelo da Alquimia, só assim resolve."
O intercâmbio de declarações foi acompanhado de perto pelo mercado financeiro, onde o presidente Bolsonaro é tratado com reticência, apesar de ainda haver fé de que a gestão possa passar a reforma das aposentadorias. A ameaça de Guedes de deixar o cargo e a espécie de ultimato ao Congresso reforçado pelo presidente não foi bem recebido por algumas lideranças parlamentares. Chegam num momento delicado da relação do Planalto com o Parlamento e quando há no horizonte a possibilidade de aprovação de uma reforma bastante diferente da proposta pela atual gestão. Na semana passada, um grupo de deputados, incluindo o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), chegou a cogitar apresentar um novo projeto, abandonando o texto enviado em fevereiro pelo Executivo. A proposta alternativa não andou, mas o Governo já trabalha com a possibilidade de alterações no texto da proposta original e teme que as mudanças prejudiquem o objetivo de economizar 1 trilhão de reais em dez anos. A "reforminha" mencionada por Guedes seria um projeto muito diferente do proposto por ele.
O Congresso e Rodrigo Maia também não estão nada confortáveis com o movimento do Planalto de, no próximo domingo, endossar uma manifestação em apoio a Bolsonaro convocada em mais de 300 cidades, segundo seus organizadores. A mobilização oficialmente é pela reforma da Previdência e o pacote de leis contra a violência, mas as redes bolsonaristas estão inundadas de mensagens depreciativas contra Maia e outras lideranças políticas, acusadas de "achacar" o Planalto. Não faltam também mensagens sugerindo até o fechamento do Legislativo. Bolsonaro, que em um primeiro momento afirmou que iria ao ato a favor dele mesmo, depois recuou. "Não estou participando das manifestações", afirmou em Petrolina. "Pelo que estou vendo é uma manifestação que tem uma pauta, uma pauta de alavancar o Brasil para o futuro”, disse, rejeitando as propostas mais radicais. A adesão nas ruas neste domingo, e a reação do Planalto, vão ser um fator importante para definir a relação com o Parlamento adiante.
Só se a reforma sair
Durante sua primeira visita ao Nordeste, Bolsonaro acenou para a região, anunciando um aumento de 4 bilhões de reais no Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). Mas, de olho em seu maior objetivo, condicionou os investimentos à aprovação da Previdência. "Sem a reforma, não poderemos colocar talvez parte do que estamos acertando em fazer aqui", afirmou o presidente no Recife.
Peço desculpas por frustrar a tentativa de parte da mídia de criar um virtual atrito entre eu e Paulo Guedes. Nosso casamento segue mais forte que nunca kkkkk. No mais, caso não aprovemos a Previdência, creio que deva trocar o Min. da Economia pelo da Alquimia, só assim resolve.
Em uma região onde oito dos nove governadores são da oposição, Bolsonaro buscou apoio e pregou união, mirando obter êxito no Congresso. Deu um "abraço hétero" no governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB), para mostrar que não há animosidade, e seguiu, do Recife a Petrolina, batendo na mesma tecla: "Precisamos aprovar a Previdência porque daí temos investimentos interno e externo para essas obras", disse, em entrevista coletiva em Petrolina.
Na cidade a 700 quilômetros da capital, o presidente foi recebido por algumas dezenas de apoiadores, aos gritos de “mito”. Petrolina é governada por Miguel Coelho (sem partido), filho do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), líder do governo no Senado, e articulador da visita do presidente à região. Enquanto acompanhava o presidente, o senador tinha mais de 250 milhões de reais bloqueados pela Operação Lava Jato, por ordem do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), em ação por improbidade contra o MDB e o PSB e os políticos desses partidos. A ação investiga desvios em negócios relacionados ao esquema de corrupção na Petrobras. Segundo a Lava Jato, o PSB, Fernando Bezerra, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos e o empresário Aldo Guedes, entre outros, teriam recebido propinas desviadas da obra da construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco.
Antes de encerrar sua visita à única região que não o elegeu e onde tem a pior aprovação no país, Bolsonaro afirmou "já estar com saudade". No sertão, anunciou a entrega de empreendimentos do programa Minha Casa Minha Vida, uma dos principais programa sociais do do PT. Foram as primeiras casas do programa entregues pelo presidente. O Governo estuda mudar o programa, apresentando uma proposta de aluguel invés de posse das casas para os mais pobres. Na proposta, que deve ser anunciada em julho, os beneficiários na faixa de renda menor teriam de alugar seus imóveis por um valor simbólico em vez de pleitearem um financiamento para aquisição da casa própria. Um dos maiores problemas, segundo o Governo, é a comercialização irregular das casas.
O Estado de S. Paulo: Guedes diz que renuncia se reforma da Previdência virar 'reforminha'
'Pego um avião e vou morar lá fora', afirmou o ministro em entrevista à revista 'Veja'; segundo ele, sem a mudança nas regras da aposentadoria, o País quebra em 2020
O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que vai renunciar ao cargo se a reforma da Previdência pretendida pelo governo virar uma “reforminha” e disse que o Brasil pode quebrar já em 2020, de acordo com entrevista publicada no site da revista Veja nesta sexta-feira, 24.
“Pego um avião e vou morar lá fora. Já tenho idade para me aposentar”, disse ele, segundo a reportagem. “Se não fizermos a reforma, o Brasil pega fogo. Vai ser o caos no setor público, tanto no governo federal como nos Estados e municípios”, afirmou.
“Eu não sou irresponsável. Eu não sou inconsequente. Ah, não aprovou a reforma, vou embora no dia seguinte. Não existe isso. Agora, posso perfeitamente dizer assim: ‘Olha, já fiz o que tinha de ter sido feito. Não estou com vontade de ficar, vou dar uns meses, justamente para não criar problemas, mas não dá para permanecer no cargo’. Se só eu quero a reforma, vou embora para casa”, disse Guedes na entrevista.
De acordo com a Veja, Guedes afirmou que o presidente Jair Bolsonaro está totalmente empenhado em aprovar a reforma nos moldes em que o projeto foi enviado pelo governo ao Congresso, com expectativa de economia de até R$ 1,2 trilhão nos próximos dez anos.
Guedes reconhece que há uma margem de negociação, que pode no máximo ir a R$ 800 bilhões de economia e destacou ainda que a reforma da Previdência não está sendo apresentada apenas para equilibrar as contas públicas, mas que também se propõe a corrigir enormes desigualdades, de acordo com a revista.
O ministro reafirmou sua confiança nas convicções de Bolsonaro e acredita em uma união política em torno da agenda econômica do governo. “Eu confio na confiança que o presidente tem em mim.”
Fábio Zanini: Atos abrem fissura na aliança liberal-conservadora que elegeu Bolsonaro
Os protestos de domingo (26) são uma fissura no que o ministro da Economia, Paulo Guedes, chamava na campanha eleitoral de “junção da ordem com o progresso”.
Ou seja, a união de interesses entre os conservadores comportamentais (ordem) e os liberais econômicos (progresso) que ajudou a empurrar Jair Bolsonaro para a Presidência. A questão agora é saber se é apenas um estranhamento ou o início de um divórcio.
Os liberais decidiram se distanciar das manifestações, abraçadas com ânimo pelas mais diversas vertentes do conservadorismo: olavistas, ruralistas, armamentistas, evangélicos, saudosistas da ditadura e outros.
Referências liberais, que têm em Guedes uma idolatria quase comparável à dos filhos de Bolsonaro por Olavo de Carvalho, ficarão longe da avenida Paulista e de outros pontos de manifestação pelo país.
Estão nessa linha, por exemplo, o MBL, o grupo liberal Livres, o Partido Novo, o Instituto Mises Brasil e congêneres espalhados pelo país.
Alguns são abertamente hostis aos atos. “Somos contra qualquer tipo de manifestação que atente contra os poderes institucionalmente constituídos. É um risco para o país o acirramento e a intolerância. O governo deveria deixar as polêmicas e os moinhos de vento ideológicos de lado e se ocupar de governar”, afirma Paulo Gontijo, presidente do Livres.
Outros, como o Novo, têm atitude mais amena, aceitando que os protestos são legítimos, mas tomando distância regulamentar deles. “Em manifestações com pautas diversas e sem objetivo claro, o Novo entende que cabe ao cidadão decidir quanto ao apoio, e não ao partido como instituição”, disse em nota.
Os liberais não escondem que a paciência com Bolsonaro está perto do fim e que a única coisa que ainda os liga ao governo é a esperança na agenda econômica de Guedes de reformas e desregulamentação.
Como me disse Guilherme Moretzsohn, de um instituto liberal em Belo Horizonte: “Defender político diretamente não é muito parte de uma agenda liberal. Se for defender ideias, projetos etc, aí vai”, afirma.
Do outro lado, grupos de perfil mais conservador estão se organizando para dar uma demonstração de força no domingo.
Há diversos exemplos. Em Mato Grosso, no maior pólo produtor de soja do país, sindicatos rurais em cidades como Sinop e Sorriso estão organizando manifestações que devem reunir fazendeiros de toda a região.
“Aqui as pessoas apoiam este governo. Não queremos nunca mais a esquerda no poder, faremos tudo que estiver ao nosso alcance para que isso nunca mais aconteça”, afirma Ilson Redivo, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Sinop.
A pauta dos conservadores é a reforma da Previdência, a chamada CPI da Lava Toga, o pacote do ministro Sergio Moro (Justiça) e a votação da MP 870, que reorganiza a estrutura do governo e reduz o número de ministérios.
Em Pernambuco, há manifestações marcadas para Recife e Caruaru. “Nossa pauta é em prol do nosso capitão, que está sangrando lá, tentando mudar esse Brasil. Mas tem uns políticos corruptos, velhos, bandidos, que estão lá em Brasília, e aqueles deputados miseráveis”, afirma Abimael Santos, um dos principais líderes pró-Bolsonaro da região de Caruaru.
No Rio, o Clube Militar engrossará as manifestações, dizendo estar preocupado com as reformas e a governabilidade.
No interior de São Paulo, há atos planejados pelo Movimento Brasil Limpo na região Ribeirão Preto e pelo grupo Direita SP em todo estado. E muitos outros pelo Brasil.
Depois de cogitar a presença em um ato, o que foi defendido pelo núcleo ideológico do Planalto, Bolsonaro desistiu da ideia —e orientou ministros a não comparecerem também.
Num cenário benigno, as manifestações renovarão a energia política de Bolsonaro e darão novo impulso às reformas. Se, ao contrário, forem a porta de entrada de um cenário de radicalização do governo e enfrentamento do Congresso e do Judiciário, será difícil evitar o rompimento dos liberais com o presidente que ajudaram a eleger.