Paulo Guedes

Eliane Cantanhêde: Guedes, o mágico

Bolsonaro abre o cofre e está no seu melhor momento, mas tem muito o que explicar

Depois de calar a boca, mergulhar na campanha no Nordeste e subir nas pesquisas, o presidente-candidato Jair Bolsonaro dá aval ao ministro Paulo Guedes para assumir o governo e atuar em duas direções conflitantes: manter formalmente o teto de gastos, tão caro ao mercado, e jorrar dinheiro em alvos específicos, fundamentais para a reeleição em 2022.

Encontrar o ponto de equilíbrio entre economia e política passa por uma terceira área: a jurídica. É preciso desbravar as brechas da legislação para estourar o teto sem dar na cara e despejar recursos no Nordeste, nos desempregados, nas faixas de menos escolaridade e renda, nas pequenas e médias empresas. A atração de investimentos privados é uma das chaves nesse processo. O corte de gastos públicos é outra.

A inteligência disso tudo é ficar imune a críticas. Quem pode ir contra o auxílio a pessoas, empresas, empregos? A oposição não tem como atacar. Nem o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que é crítico de Bolsonaro, mas aliado da política liberal de Guedes. E não pode condenar investimentos justos e neste momento absolutamente essenciais.

Com isso, Guedes promete a mágica de manter o teto, mas soltando a grana, e ganha a guerra interna no governo. Lança um pacote de renda e obras nesta semana, com um anúncio de grande repercussão política na terça-feira: o Renda Brasil, confirmando que, também em política, nada se cria, tudo se transforma. Fernando Henrique lançou o Bolsa Escola, Lula atualizou para Bolsa Família e Bolsonaro rebatiza de Renda Brasil. Tem sido tiro e queda para reeleições.

Há uma avalanche de anúncios isolados que se somam: auxílio emergencial para informais e desempregados até dezembro, mais dois meses de redução de jornada e de renda para beneficiar empresas e trabalhadores da iniciativa privada, o pacote de R$ 60 bilhões para Estados e municípios durante a pandemia, o veto de Bolsonaro, devidamente mantido pela Câmara, ao aumento de salário do funcionalismo público em tempos de guerra contra o vírus. Tudo isso enquanto a vacina salvadora da Pátria não vem.

Jair Bolsonaro, portanto, está no seu melhor momento, pronto para colher manchetes positivas. Fechou a boca – em boca fechada não entra mosca –, já foi a cinco dos nove Estados do Nordeste e reabasteceu o Posto Ipiranga, mas dando gás à ala gastadora do governo. Na sexta-feira, foi ao Rio Grande do Norte com o gastador-mor, o potiguar Rogério Marinho.

O Nordeste é estratégico para Bolsonaro porque tem 27% do eleitorado do País e foi a única região onde perdeu em 2018. Todos os Estados são governados pelo PT, seus aliados e apêndices. Para combater o PT ali, as armas do próprio PT: distribuição de bolsas e vales na veia. Com excessiva dependência do Estado, a base nordestina sustentou a Arena e o PDS do regime militar, migrou para Sarney, Collor e FHC, um atrás do outro, e concentrou-se no PT. É a vez de Bolsonaro?

Se tudo parece ir tão bem, não custa lembrar que são mais de 114 mil mortos de covid, com desdém do presidente e sem coordenação federal; Amazônia, cerrado, Ibama, ICMBio e Ministério de Meio Ambiente estão em chamas; líderes e aldeias indígenas estão ameaçados; a Cultura é uma vergonha; a Educação não existe; o Centrão está com tudo e está prosa.

Mais: o Ministério da Justiça faz dossiê contra policiais e professores, as Forças Armadas atraem holofotes na hora errada, da forma errada, pelas causas erradas e a reeleição de Trump nos EUA balança. Logo, Bolsonaro melhorou sua posição, mas não está no paraíso. E tem aqueles probleminhas: fantasmas, rachadinhas, lojas de chocolate, milicianos, nuvens de dinheiro vivo. Não é só no Nordeste que Bolsonaro replica a “velha política”.


Folha de S. Paulo: Teto de gastos, a âncora da estagnação brasileira e da crise social

Profissionais que trabalham com economia assinam manifesto pela extinção da Emenda Constitucional nº95

A grande recessão brasileira iniciada no primeiro trimestre de 2015 deu ensejo à construção de uma narrativa equivocada a respeito dos problemas da economia brasileira, focada quase que exclusivamente no desequilíbrio fiscal do setor público. Segundo ela, desde o início da década de 1990, o Brasil teria um desequilíbrio fiscal estrutural, caracterizado pelo crescimento excessivo dos gastos primários do setor público a um ritmo superior ao do PIB (Produto Interno Bruto).

Esse crescimento excessivo dos gastos públicos teria ensejado um aumento contínuo da carga tributária para a manutenção, a partir de 1999, de um superávit primário adequado para garantir a sustentabilidade da dívida pública no longo prazo. Ainda segundo essa narrativa, o crescimento contínuo da despesa primária e da carga tributária seria insustentável no longo prazo, de maneira que, em algum momento, um ajuste fiscal estrutural seria necessário para interromper uma suposta “morte súbita” da economia.

Ao longo dos anos de 2015 e 2016 foi sendo construído um consenso entre os economistas do mercado financeiro, a grande mídia e a maioria dos membros do Congresso Nacional a respeito da necessidade de introdução de um teto de gastos na Constituição Federal.

Não ficaram de fora desse consenso representantes diretos e indiretos dos setores produtivos que sustentavam serem também as despesas primárias de cunho social as responsáveis pela inibição das ações dos governos no apoio e fomento dos investimentos nos projetos produtivos da economia. Esse mecanismo de controle fiscal, introduzido pela Emenda Constitucional nº95, prevê o congelamento do gasto primário real da União, por um período de 20 anos, a partir de sua promulgação em 2016.

A ideia subjacente ao teto de gastos consiste em realizar um ajuste fiscal duradouro por meio da redução da despesa primária como proporção do PIB, recuperando o superávit primário estrutural do setor público e reduzindo o seu endividamento, o qual havia aumentado quase 20 p.p do PIB no período 2014-2016.

O curioso, no mínimo, é que precisamente o biênio 2015-16 caracterizou-se não pela suposta “gastança” do governo, mas pelo mergulho da economia, das receitas e pelo aumento da conta de juros já em meio à austeridade.

De todo modo, ainda durante os debates sobre a Emenda Constitucional nº95, vários economistas já haviam alertado para a insustentabilidade do teto de gastos no médio prazo. Em primeiro lugar, o congelamento da despesa primária da União em termos reais implicaria uma redução do gasto primário per capita devido ao crescimento da população brasileira a um ritmo de 0,8% a.a.

Num país com notórias deficiências nas áreas de saúde, educação, saneamento, moradia e segurança, não é uma ideia sensata perseguir essa redução. Alguma dose de prudência e bom senso apontava para a necessidade de se permitir, ao menos, o crescimento da despesa primária no mesmo ritmo do crescimento da população brasileira.

Um segundo problema com o teto de gastos é que a maior parte das despesas primárias da União —gastos com previdência social e com os salários dos servidores públicos— afeta o conjunto dos cidadãos portadores de direitos sociais e∕ou laborais (inclusive os servidores estáveis concursados) e é imprescindível para a execução das próprias políticas públicas.

Com efeito, os gastos com a previdência social, com mais de 30 milhões de beneficiários, têm um crescimento médio de 3,5% a.a. em termos reais, refletindo o ritmo de crescimento da força de trabalho no período em que as pessoas que se aposentam a cada ano entraram no mercado de trabalho. A folha de salários dos servidores públicos da União, incluindo civis, militares e inativos, por seu lado, tem oscilado em torno de 4,3% do PIB nos últimos 20 anos, não é explosiva, não cresce automaticamente —pois não há data base no serviço público—, e tampouco pode ser reduzida abruptamente ao sabor do ciclo político sem ferir a Constituição e desorganizar a prestação de serviços à população.

Nesse contexto, até o momento, as variáveis de ajuste de curto prazo foram as políticas sociais de educação, saúde e assistência e os investimentos da União, notadamente os investimentos em infraestrutura, necessários para aumentar a produtividade média da economia brasileira e a competitividade das empresas brasileiras nos mercados doméstico e internacional.

Não por acaso, a introdução de uma restrição fiscal exógena e autoimposta, que não decorre da incapacidade de financiamento do governo, coincidiu, passada a crise de 2015-2016, com um ritmo de crescimento de apenas 1,2% a.a no período 2017-2019, valor 57% inferior ao observado entre 1980-2014.

Ela fez com que a economia brasileira apresentasse a mais lenta recuperação cíclica já registrada e a taxa de desocupação sempre acima de 11%, extremamente elevada mesmo antes da recente crise sanitária. No final de 2019, o PIB brasileiro ainda se encontrava 5,5% abaixo do valor observado em 2014, mesmo com o avanço de várias reformas econômicas, como as trabalhista e previdenciária, que segundo a cartilha liberal resultariam em maior crescimento da economia.

A eclosão da pandemia do coronavírus em 2020 exigiu a adoção do mais amplo programa de transferência de renda da história do país a fim de evitar o colapso econômico e social. Em função desse dispêndio absolutamente necessário, a União deverá apresentar déficit primário inédito e um aumento expressivo da relação dívida pública/PIB, a qual deverá ultrapassar os 90% ainda neste ano.

O aumento da dívida pública como proporção do PIB tem levado os arautos do austericídio fiscal a propor o regresso do governo à trajetória de cortes de gasto já em 2021, defendendo a PEC 186 (Emergencial) —que aciona o gatilho de redução de até 25% das horas trabalhadas dos servidores federais com correspondente redução nos vencimentos—, a desvinculação de recursos da saúde e educação, ou mesmo nova rodada de reforma previdenciária.

Dessa forma, o ultraliberalismo brasileiro ignora o debate sobre política fiscal nos países desenvolvidos, onde a tônica tem sido a necessidade de continuar com estímulos fiscais para manter a atividade econômica, por intermédio do investimento público na descarbonização da economia, para atender a dupla necessidade de criar emprego e renda, e contribuir para o enfrentamento do grave problema ambiental e humano do aquecimento global.
O argumento de que o controle da dívida pública a fórceps levará a uma percepção favorável dos investidores externos é falacioso, e mesmo impatriótico, pois não se sustenta em qualquer base teórica e muito menos comprovação histórica.

Esquecem-se os defensores dessa suposta alternativa que o mundo inteiro estará, nos próximos anos, às voltas com a recuperação das economias nacionais. O fator primordial que sustenta expectativas favoráveis e ânimo para investimentos privados em um país alicerça-se em políticas públicas eficazes que respeitam compromissos ambientais assumidos e que buscam construir uma ambiência institucional estável e social mais justa.

O retorno da austeridade fiscal em 2021, propugnado sem constrangimentos pelo mercado financeiro, significará a maior contração fiscal da história do Brasil, pois promoverá uma redução no gasto primário como proporção do PIB de 27% para 19% num período de 12 meses. Tal contração fiscal, no contexto de uma economia com enormes níveis de ociosidade, com um PIB ao final deste ano pelo menos 10% inferior ao registrado em 2013, levará a um novo mergulho recessivo com aumento da desigualdade na distribuição de renda, com consequências sociais —e econômicas— imprevisíveis. A proposta de “furar o piso”, com redução da carga horária dos servidores, ademais, comprometerá ainda mais a prestação de serviços públicos de saúde, educação, etc. para a parcela da população brasileira mais atingida pelos efeitos da pandemia.

Deve-se deixar claro que o aumento do endividamento público é um fenômeno global, não apenas restrito ao Brasil, e que não existe evidência na literatura econômica nem na experiência internacional sobre a existência de um limite máximo para a relação dívida pública/PIB. Com efeito, países como a Itália e a Espanha, que não possuem dívida pública denominada na sua própria moeda, deverão ultrapassar, respectivamente, a marca de 150% e 120% do PIB para o endividamento público em 2020.

O Brasil possui uma grande vantagem com respeito a esses países, pois quase 100% da dívida pública brasileira é denominada em moeda nacional e é retida principalmente por residentes no Brasil. Um cenário de fuga de capital, por medo de uma eventual crise de confiança na sustentabilidade da dívida pública, é altamente improvável em nosso país, senão impossível. E mesmo que ocorresse, o Banco Central do Brasil possui os instrumentos necessários para lidar com essa eventualidade.

Isso posto, os economistas e profissionais que trabalham com economia abaixo assinados vem por meio desta se manifestar publicamente pela extinção da Emenda Constitucional nº95, dada a necessidade de se retirar as restrições autoimpostas aos gastos de investimento e demais despesas obrigatórias da União pelo teto de gastos.

A pandemia reforçou a necessidade de um pacto social mais harmônico. No Brasil, além de uma urgente reforma tributária progressiva, é imprescindível substituir o conjunto de regras fiscais atrasadas, sobrepostas e anacrônicas. Precisamos de novos instrumentos fiscais que permitam uma estabilização do ciclo econômico, viabilizem o aumento dos investimentos públicos e garantam as políticas de transferência de renda e a prestação de serviços públicos de qualidade.

Esses são elementos centrais à reorganização econômica e social do Estado, para que este possa atuar em benefício da grande maioria da população brasileira. Para fazer frente aos desafios do Século 21, é preciso repensar a atuação do Estado, o que necessariamente passa por uma revisão daquilo que sabemos que já não funciona.

ASSINAM ESTE TEXTO:
Ademir Figueiredo
Adhemar S. Mineiro
Adilson Soares
Adriana Amado
Adriana Marques da Cunha
Adriano Vilela Sampaio
Adroaldo Quintela Santos
Agnaldo Quintela dos Santos
Alan Hercovici
Alex Palludeto
Alex Rabelo Machado
Alexandre Favaro Lucchesi
Alexandre R. Motta
Aline Souza Magalhães
Ana Carla Magni
Ana Carolina Wanderley Beltrão
Ana Cláudia Arruda
Ana Cristina Cerqueira
Ana Georgina da Silva Dias
Ana Lucia Carvalho Santos
Ana Lúcia de Miranda Costa
Ana Rosa Ribeiro de Mendonça
Anderson Henrique dos Santos Araújo
André Biancarelli
André Amaral de Araújo
André Calixtre
André de Queiroz Faria
André L. Scherer
André Luis Campedelli
André Luiz de Miranda Martins
André Nassif
André Paiva Ramos
André Roncaglia
Andréa Costa Magnavita
Andrea Rodrigues Ferro
Ângela Medrado Brasileiro
Antonio Carlos de Moraes
Antonio Carlos Filgueira Galvão
Antonio Corrêa de Lacerda
Antonio Jose Alves Junior
Antonio Lassance
Antonio Melki Jr.
Antônio Negromonte Júnior
Antônio Rosevaldo Ferreira da Silva
Áquilas Mendes
Aristides Monteiro Neto
Artur Ortiz de Araújo
Bárbara Cecilia M. F. De Souza
Bárbara Vallejos Vazquez
Bernardo Karam
Betty Nogueira Rocha
Bráulio Santiago Cerqueira
Bruno Andrade
Bruno de Araújo Andrade
Bruno Farias Stern
Bruno Leonardo Barth Sobral
Bruno Moretti
Bruno Setton
Camila Ugino
Camilo Bassi
Caren Freitas
Carlos Álvares da Silva Campos Neto
Carlos Cabral
Carlos Eduardo de Freitas
Carlos Eduardo Fernandez da Silveira
Carlos Pinkusfeld Bastos
Carmem Feijo
Carmen Garcia
Carmen Lúcia Castro Lima
Célia Vieira
César Roberto de Leite da Silva
Cezar Augusto Miranda Guedes
Christian Velloso Kuhn
Christiane Senhorinha Soares Campos
Cícero Péricles de Carvalho
Cid Olival Feitosa
Claudemir Galvani
Claudia Hamasaki
Claudia Beatriz Le Cocq D'Oliveira
Claudio Amitrano
Cláudio Antônio de Almeida
Cláudio da Costa Manso
Clovis Roberto Scherer
Cristiane Kerches da Silva Leite
Cristina Lemos
Daniel dos Santos
Daniel Negreiros Conceição
Daniel Negreiros Conceição
Daniela Freddo
Daniela Salomão Gorayeb
Danilo Severian
Danilo Spinola
David Deccache
Davyson Demmer Guimarães Barbosa
Débora Freire Cardoso
Denise Guichard Freire
Denise Lobato Gentil
Diego Farias de Oliveira
Dilson Renan de Souza
Dimas Alcides Gonçalves
Diogo Vieira Mazeron
Dione Conceição de Oliveira
Douglas Santos Nascimento
Édrio Donizetti
Edson Domingues
Edson Rodrigues
Eduardo Baumgratz Viotti
Eduardo Costa Pinto
Eduardo Fagnani
Eduardo Luiz de Mendonça
Eduardo Moreira Garcia
Eduardo Rodrigues da Silva
Eduardo Silva Ramos
Eliane Araújo
Elias Jabbour
Elisangela Luiza Araújo
Elmer Nascimento Matos
Emanuel Lucas de Barros
Emílio Chernavsky
Enildo Meira
Eron José Maranho
Esther Bemerguy
Esther Dweck
Eurílio Pereira Santos Filho
Euriques Fernandes Carneiro
Eustáquio José Reis
Evilásio Salvador
Fabiano Abranches Silva Dalto
Fabiano Camargo da Silva
Fábio Di Natale Guimarães
Fábio Eduardo Iaderozza
Fábio Guedes Gomes
Fábio Terra
Fabrício Missio
Fátima de Lourdes Aragão de Carvalho
Fernanda Cardoso
Fernanda Esperidião
Fernanda Feil
Fernanda Serralha
Fernando Ferrari Filho
Fernando Moutinho Ramalho Bittencourt
Fernando Pacheco Dias
Fernando Pedrão
Fernando Sarti
Flávia Vinhaes
Flávio Cruvinel Brandão
Flávio José Domingos
Flávio mesquita Saraiva
Flávio Tavares de Lyra
Francisco Carneiro De Filippo
Francisco José Couceiro de Oliveira
Francisco Wagner Alves Rodrigues
Francyelle do Nascimento Santos
Frederico Gonzaga Jayme junior
Frednan Bezerra dos Santos
Gabriel Squeff
Gelton Pinto Coelho Filho
Gilberto Líbanio
Gina G. Paladino
Glaucia Campregher
Glaudionor Gomes Barbosa
Guilherme Carneiro Leão de Albuquerque Lopes
Guilherme da Costa Delgado
Guilherme Magacho
Guilherme Maia Rebouças
Guilherme Narciso de Lacerda
Guilherme Santos Mello
Gustavo Falcão
Gustavo Machado Cavarzan
Gustavo Souza Noronha
Helena Lastres
Helena Maria Martins Lastres
Hélio Mairata
Hugo Carcanholo Iasco Pereira
Hugo da Gama Cerqueira
Inês Patrício
Ingo Luger
Ismeralda Barreto
Jaderson Goulart Junior
Jales Costa
Jamile Souzza
Janice Câmara
Janúzia Souza Mendes
Jarpa Aramis Ventura de Andrade
Jason Tadeu Borba
Jennifer Hermann
João Carlos Nery de Brito
João Hallak Neto
João Ildebrando Bocchi
João Machado Borges Neto
João Santiago
Joaquim Andrade
Jorge Abrahão de Castro
Jorge Alano S Garagorry
Jorge Felix
José Antônio Lutterbach Soares
José Augusto Costa Lopes
José Carlos Peliano
José Celso Cardoso Jr.
José de Ribamar Sá Silva
José Eduardo Roselino
Jose Farias Gomes Filho
José Gabriel Porcile Meirelles
José Geraldo França Diniz
José Luis Oreiro
José Luiz Fevereiro
José Márcio Rego
José Mauro Gomes
José Moraes Neto
José Raimundo Barreto Trindade
José Rubens Damas Garlipp
José Sérgio Gabrielli de Azevedo
José Tavares Bezerra Júnior
José Valdecy Guimarães Júnior
Juan Pablo Painceira
Juarez V. Pont
Julia Braga
Júlia Marinho Rodrigues
Juliana de Paula Filleti
Juliana Pinto de Moura Cajueiro
Júlio Batista
Júlio Fernando Costa Santos
Julio Manuel Pires
Jurandir Santos de Novaes
Kalinka Martins
Ladislau Dowbor
Lafaiete Neves
Laudeny Fábio Barbosa Leão
Lauro Mattei
Lavínia Maria de Moura Ferreira
Lena Lavinas
Liana Carleial
Lícia Maria França Cardoso
Licio da Costa Raimundo
Lourival Batista de Oliveira Júnior
Luciano Dias de Carvalho
Luciano Manarin Dagostini
Luciano Pereira da Silva
Luís Carlos Garcia de Magalhães
Luis Gustavo Martins
Luís Otávio Reiff
Luiz Antônio Elias
Luiz Fenelon Pimentel Barbosa
Luiz Fernando de Paula
Luiz Filgueiras
Luiz Gonzaga Belluzzo
Luiz Gustavo de Oliveira da Silva
Luiz Martins de Melo
Magda Barros Biavaschi
Manuel Ramon Souza Luz
Marcel Guedes Leite
Marcelo Álvares de Lima Depieri
Marcelo Manzano
Marcelo Miterhof
Marcelo Pereira Fernandes
Marcelo W Proni
Márcia Flaire Pedroza
Marcio Pochmann
Marco Crocco
Marco Flávio Resende
Marcus Maia Antunes
Maria Angélica Borges Bocchi
Maria Aparecida de Paula Rago
Maria Carolina Capistrano
Maria Christina Cunha de Carvalho
Maria Cristina de Araújo
Maria Cristina Mascarenhas
Maria das Graças B. de Carvalho
Maria de Lourdes Rollemberg Mollo
Maria Fernanda Cardoso de Melo
Maria Luiza Falcão Silva
Maria Luiza Levi
Maria Luiza M. S. Marques Dias
Mariano Matos Macedo
Mariel Liberato Schwartz
Mário Jackson Siqueira Bayma Filho
Mário Rodoarte
Mário Theodoro
Marta Castilho
Marta Skinner
Martha Cassiolato
Maurício Borges Lemos
Maurilio Procópio Gomes
Mauro Osório
Mauro Patrão
Max Leno de Almeida
Miguel Huertas Neto
Mirian Beatriz Schneider
Mônica Beraldo Fabrício
Monica Landi
Nathalie Beghin
Nelma Souza Tavares
Nelson de Chueri Karam
Nelson Nei Granato Neto
Nelson Victor Le Cocq
Nicia Moreira da Silva Santos
Norma Cristina Brasil Casseb
Odilon Guedes
Orlando Ramos Moreira
Pablo SergIo Mereles Ruiz Diaz
Patrícia Cunha
Paulo César Machado Feitosa
Paulo Dantas
Paulo Gil Holck Introini
Paulo Kliass
Paulo Ricardo S Oliveira
Paulo Roberto Bretas
Paulo Sérgio Fracalanza
Pedro Garrido
Pedro Miranda
Pedro Noblat
Pedro Paulo Branco
Pedro Paulo Pettersen
Pedro Paulo Zahluth Bastos
Rafael Quevedo do Amaral
Rafael Ribeiro
Ramón García Fernández
Ranieri Muricy Barreto
Raphael Bicudo
Raul Ristow Krauser
Regina Maria d'Aquino Fonseca Gadelha
Reginaldo Muniz Barreto
Reinaldo Campos
Renata Lins
Ricardo Carlos Gaspar
Ricardo Carneiro
Ricardo de Melo Tamashiro
Ricardo Karam
Ricardo Lacerda
Ricardo Lobato Torres
Roberto Boccacio Piscitelli
Roberto Conceição dos Santos
Roberto Resende Simiqueli
Rodolfo Guimarães Regueira da Silva
Rodolfo Viana
Rodrigo Romeiro
Rodrigo Vilela Rodrigues
Rômulo Batista Sales
Ronaldo Coutinho Garcia
Rosa Maria Vieira
Rosa Maria Marques
Rosana do Carmo Ñ Guiducci
Rosângela Ballini
Roseli Faria
Rubens Sawaya
Samy Kopit
Sandro Silva
Sarah Regina Nascimento Pessoa
Sérgio Fornazier
Sérgio Guimarães Hardy
Sérgio Mendonça
Sidneia Reis Cardoso
Sílvio Humberto Cunha
Simone Deos
Sólon Venâncio de Carvalho
Tania Bacelar
Tânia Cristina Teixeira
Tereza Pozzeti
Thiago de Moraes Moreira
Thiago Rabelo Pereira
Thiago Varanda Barbosa
Thiago Xavier
Tiago Couto Porto
Tiago Oliveira
Ubajara Berocan Leite
Valcir Santos
Valdeci Monteiro
Valéria Moraes
Valéria Rezende de Oliveira
Vanessa Petrelli Corrêa
Vânia Souza
Verlane Aragão Santos
Victor Emmanuel Feitosa Hortencio
Victor Leonardo Figueiredo Carvalho de Araujo
Virgínia Oliveira
Vitor Hugo Tonin
Vítor Lopes de Souza Alves
Viviane Freitas Santos
Volnandy de Aragão Brito
Walbert Ribeiro Moreira Júnior
Weslley Cantelmo.
Wilnês Henrique


Míriam Leitão: Festival de sandices que exaure o Brasil

Este governo é uma fábrica de ideias péssimas. Algumas delas parecem, no primeiro momento, mentira. Taxar desempregado para financiar um programa de emprego e ainda batizá-lo de verde e amarelo. Adiar de 65 para 70 anos a idade na qual o idoso da extrema-pobreza terá direito a receber integralmente o Benefício de Prestação Continuada. Pegar dinheiro do Bolsa Família para financiar propaganda do Planalto. Todas essas ideias já foram derrotadas, felizmente. Mas o que elas têm em comum? Uma insensibilidade social que chega a ser caricata.

A nova péssima ideia, que no primeiro momento pareceu fake news, é a de adiar o Censo para 2022 e usar os recursos para reforçar o orçamento do Ministério da Defesa. O país simplesmente não pode mais atrasar o registro do seu retrato demográfico, de todas as múltiplas informações que só se consegue com o Censo. Ele fica mais urgente porque já foi adiado por um ano, por causa da pandemia, e porque em 2015 não foi feita a contagem da população.

O vice-presidente Hamilton Mourão admitiu que isso está em análise. O IBGE nada tem a dizer oficialmente sobre o assunto. O temor cresce porque, apesar do excelente quadro técnico do IBGE, a atual direção do órgão sofre de excessiva submissão ao Ministério da Economia, como ficou demonstrado no episódio dos cortes no orçamento do Censo. Mourão argumentou que os projetos do Ministério da Defesa estão atrasados. Se a construção de uma fragata for adiada o país não vai naufragar. Mas sem dados para orientar as políticas públicas ficará à deriva.

Algumas ideias mostram um governo sem rumo, que atira a esmo. Aliás, como gosta de atirar. Ele decidiu vetar máscaras em comércio, escolas, igrejas. Felizmente o Congresso derrubou. Tentou tirar a obrigatoriedade de cadeirinha de segurança para criança e aumentar a quantidade aceitável de infrações do trânsito. O Ministério da Economia quis adiar a vigência do Fundeb para 2022, o que criaria um caos no ano que vem. O presidente mandou o Exército produzir milhões de comprimidos de cloroquina e o presidente chegou a correr atrás de uma ema para persuadi-la a ingerir a medicação. O Ministério da Justiça fez um dossiê contra policiais que se declaram antifascistas, ato que serve como autodeclaração da tendência política desta administração. Falou-se em reduzir de 8% para 6% o recolhimento do FGTS, tirando do trabalhador para ajudar o patrão. Cada uma que parece duas.

Há ideias que são fixas. A melhor representante dessa categoria persistente é a CPMF. Não há uma proposta que saia do Ministério da Economia que não seja condicionada à criação do imposto de nome não dito, mas de feição fácil de reconhecer.

Quando as sandices são empilhadas e analisadas percebe-se que não há um centro gerador das más ideias. Há método na coisa. O governo segue as modernas técnicas de gestão descentralizada. De cada ponto pode sair maluquice. Essa de trocar o Censo por armamento, por exemplo, não se sabe de onde surgiu. É tão ruim que seu autor não teve a coragem de defendê-la publicamente. Mourão falou porque foi perguntado e deu uma esperança: dependerá do Congresso.

O ex-presidente do IBGE Roberto Olinto definiu a proposta como “escândalo inaceitável” e explicou algo que não ocorreu aos nossos governantes. “Ter o Censo é também fazer a defesa do país”, porque, como explicou à repórter Adriana Fernandes do “Estadão”, “é muito mais estratégico ter o conhecimento do país”. O Brasil muda muito, é complexo, tem enormes desigualdades e carências, e sairá ainda mais desigual desta pandemia. Que cabeça pode conceber a proposta que, como disse Olinto, “rompe qualquer protocolo de produção de estatística mundial de qualidade”?

Muitas das ideias ruins são derrotadas depois de batalhas no Congresso, na Justiça ou no debate público. Mas elas todas juntas mostram que, se vivo fosse, o genial Sérgio Porto, Stanislaw Ponte Preta, poderia reinaugurar o que ele batizou de “festival de besteiras que assola o país”. Hoje, o termo “sandice” define mais precisamente certas ideias governamentais. E em vez de assola, talvez a palavra “exaure” seja mais exata. O país está esgotado de tanto brigar pelo que é óbvio, pelo que deveria estar claro, pelo que já estava garantido. Agora será necessário lutar para que o IBGE faça o Censo. Que insensatez.


Reinaldo Azevedo: O Congresso é bom; o governo, horrível

Bolsonaro e Guedes falam asneiras, e depois cabe ao Parlamento corrigir os desatinos

Pois é… Jair Bolsonaro e Paulo Guedes fazem e falam asneiras —iguais ou desiguais, elas sempre se combinam—, e cabe ao Congresso, particularmente a Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, corrigir os desatinos. É o caso do reajuste de algumas categorias profissionais dos servidores. Às vezes, dá certo, como nesta quinta. O veto presidencial foi mantido por 316 votos a 165.

Mas Guedes não sossega. Ele já está cavando uma nova crise com a sua proposta da “PEC-Combo”, que pretende juntar tudo ao mesmo tempo agora: PEC emergencial, pacto federativo e, de aperitivo, a nova CPMF bombadona. Quem não sabe aonde vai escolhe qualquer caminho. E o Congresso que se vire.

Voltemos ao veto. Não se chega a bom lugar com dados falsos. Era mentira que “o dinheiro da Saúde seria usado para pagar servidores”. Isso é facilitação estúpida. O auxílio emergencial repõe parte do ICMS e do ISS e não sai com carimbo.

Mais: se todas as categorias excepcionadas na proposta aprovada pelo Congresso tivessem o reajuste, em todas as esferas, a conta chegaria a R$ 98 bilhões, não a R$ 130 bilhões. Mas quem disse que seria assim? É um chute. União, governadores e prefeitos agiriam como ordem unida? Aplicando o mesmo índice? Ora…

Os tais R$ 130 bilhões eram tão verdadeiros como os supostos R$ 280 bilhões que a União teria de desembolsar caso tivesse vingado o texto aprovado na Câmara no dia 13 de abril, que previa reposição a estados e municípios por seis meses, tendo como referência o arrecadado em 2019.

O Planalto não gostou e foi bater às portas do Senado. E lá se fechou a proposta que acabou aprovada: o governo impôs o congelamento como condição para a reposição —e olhem que o Congresso, na prática, não precisava de aval nenhum— e concordou em excluir as categorias profissionais que lidam diretamente com a Covid-19.

E aí Guedes estrilou a passou a pregar o veto àquilo que o próprio governo havia negociado. Na malfadada reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro, com aquele seu jeito desassombrado de quem não sabe o que fazer, mas tem sempre uma metáfora explosiva, definiu o congelamento: “Nós já botamos a granada no bolso do inimigo; dois anos sem aumento de salário”.

O radicalismo de Guedes não é coragem. Costuma se voltar contra quem pode menos. É falsa a informação de que o congelamento alcança todos os servidores. O governo garantiu, por MP, o reajuste a policiais militares, civis e bombeiros do DF e a parte dos PMs de Amapá, Roraima e Rondônia.

Atenção! A MP foi enviada um dia antes de o presidente sancionar o texto com os vetos pedidos por Guedes. Às enfermeiras que enfrentam a Covid-19, granada; aos policiais do DF, grana. Bolsonaro sabe ser essa a PM mais bem paga do Brasil, porque os recursos saem da União. A concessão do reajuste cria demanda por aumento nas PMs dos demais estados, e os governadores que se virem com o congelamento.

Noto adicionalmente que os Catões da moralidade pública e da severidade com o cofre assistem impassíveis à esbórnia com o orçamento da Defesa. E ninguém diz que se tira verba da Saúde para investir em canhão, não é mesmo, Guedes?

Então ficamos assim: o governo trapaceou, desde sempre, no congelamento dos salários. E, quando algo dá errado, apela-se a Rodrigo Maia, sempre ele!, para tentar resolver o problema. Até porque Guedes já saiu chutando os países baixos dos senadores.

Sim, há lá no Congresso notáveis nulidades e muita gente mixuruca que foi eleita porque tornada celebridade nas redes. Na média, no entanto, essa legislatura tem sido notavelmente eficaz. Em vez de ofender os parlamentares, Guedes deveria lhes ser grato pela reforma da Previdência, pela PEC do Orçamento Paralelo e pela aprovação do auxílio emergencial.

Memória rápida: perplexo, o ministro não sabia o que fazer. No auge da alienação, propôs mandar para casa, sem salário, trabalhadores formais e pagar três mensalidades de R$ 200 aos informais. Bolsonaro já teria sido pendurado pelos pés em praça pública.

O Congresso os salvou. E o fez de novo nesta quinta.


Ribamar Oliveira: Remanejar verbas para garantir investimentos

Saúde e educação sofrerão cortes neste ano

O ministro da Economia, Paulo Guedes, encontrou uma forma de atender ao desejo das alas militar e política do governo por mais investimentos em infraestrutura neste ano, sem furar o teto de gastos. A equipe econômica está finalizando um projeto de lei, que deverá ser enviado ao Congresso Nacional nos próximos dias, remanejando verbas orçamentárias no valor de até R$ 5 bilhões. A estratégia é reduzir as dotações de alguns setores, que não ainda não foram empenhadas, como as da saúde e da educação, e aumentar os investimentos.

Tudo será feito, segundo fonte credenciada ouvida pelo Valor, respeitando os gastos mínimos previstos na emenda constitucional 95/2016 para a saúde e a educação. O projeto de lei (PLN) em elaboração será submetido ao Congresso, que dará a última palavra. Está descartada, portanto, a edição de medida provisória abrindo crédito extraordinário para fugir do teto de gastos, como inicialmente foi pensado pelo ministro chefe da Casa Civil, Braga Netto, e pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho.

As Secretarias de Orçamento Federal e do Tesouro Nacional estão fazendo levantamentos para identificar as áreas do governo que estão com “excesso” de verbas e que podem ser remanejadas para outros ministérios, particularmente o da Infraestrutura e o do Desenvolvimento Regional. As alas militar e política querem concluir investimentos em rodovias e em obras de combate à seca no Nordeste. Apenas as dotações que ainda não foram empenhadas poderão ser remanejadas. Ou seja, só aquelas para as quais o governo ainda não autorizou o gasto, que é a primeira fase da execução orçamentária.

A área de educação deverá perder recursos, pois a dotação para este setor está bem acima do mínimo constitucional, como informou a fonte do governo. A área da saúde também está bem acima, pois o governo destinou uma grande quantidade de recursos para o setor no combate aos efeitos da pandemia da covid-19, por meio de créditos extraordinários.

Outros setores do governo também poderão perder recursos. Em defesa de sua estratégia, o governo alega que, se as verbas não forem remanejadas, haverá um “empoçamento”, ou seja, mesmo que o gasto seja autorizado, o Ministério ou órgão não conseguirá gastar os recursos neste ano e o dinheiro ficará no caixa, sem uso. Até junho, o “empoçamento” já atingia R$ 31,1 bilhões. Desse total, o Ministério da Cidadania tinha R$ 8,1 bilhões, o Ministério da Saúde, 6,1 bilhões e o Ministério da Educação, R$ 3,9 bilhões.

Com a estratégia, a equipe econômica espera diminuir as pressões de ministros e aliados políticos contra o teto de gastos. Mas, certamente, enfrentará resistências da oposição ao governo no Congresso, pois deputados e senadores terão dificuldade, especialmente em ano eleitoral, em cortar verbas para a saúde e a educação, mesmo que seja para aumentar investimentos em áreas estratégicas.

Agora, o problema da área econômica é encontrar espaço dentro do Orçamento de 2021 para os investimentos. A proposta orçamentária ficou muito difícil de fechar, pois o teto de gastos foi reajustado em apenas 2,13%. As despesas discricionárias (investimento e custeio da máquina administrativa, exceto gasto com pessoal) ficarão abaixo de R$ 100 bilhões, de acordo com fontes do governo, ante um valor de R$ 120 bilhões previsto para este ano.

O governo só conseguirá fechar a proposta sem cortar ainda mais os investimentos se o Congresso adiar a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro à desoneração da folha de salários de 17 setores da economia e se conseguir adiar algumas despesas para 2022, como é o caso do Censo Demográfico, feito pelo IBGE, previsto para o próximo ano.

No caso do veto à desoneração, os aliados do governo estão tentando adiar a decisão do Congresso para setembro, após o envio da proposta orçamentária no dia 31 de agosto, pois, nesse caso, caberá aos parlamentares dizer onde cortarão outras despesas para compensar esse gasto. A desoneração representa uma despesa para o Tesouro, submetida ao teto. Ele é obrigado, por lei, a compensar a Previdência Social pela perda de receita com a desoneração.

Inadimplência histórica
Neste mês, poderá ocorrer uma das maiores inadimplências de tributos federais da história, pois as empresas terão que pagar duas parcelas do PIS/Cofins (referentes a março e julho) e duas parcelas da contribuição patronal de 20% sobre a folha de salários ao INSS (referentes a março e julho).

Como todos se recordam, uma das medidas de combate aos efeitos da recessão econômica provocada pela pandemia foi o adiamento do pagamento de alguns tributos, o que é conhecido na área técnica como diferimento. O PIS/Cofins referente a março, que seria pago em abril, foi adiado para agosto, o mesmo acontecendo com a contribuição patronal ao INSS devida em março.

A medida representou um alívio naquele momento para as empresas, mas agora chegou o momento de pagar a conta. O Valor perguntou à Receita Federal se não teme um elevado grau de inadimplência em agosto, devido ao fato de que as empresas ainda estão em fase de recuperação e muitas delas não terão condições de pagar duas parcelas das três contribuições no mesmo mês.

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Receita disse que “diversos indicadores já apontam em direção a uma recuperação da economia”. Segundo ela, as vendas no Brasil no mês de junho mostraram o maior patamar do ano de 2020, pois tiveram um resultado 15,6% maior que o de maio deste ano e de 10,3% superior ao de junho de 2019. Além disso, observou, em junho, todas as regiões brasileiras mostraram recuperação no ritmo de vendas, tanto em valor como em quantidades de notas emitidas.

De qualquer forma, é uma aposta, cujo resultado saberemos mais adiante. O ideal talvez fosse encarar o problema e propor o pagamento parcelado dos atrasados.


Cristiano Romero: A reforma esquecida

Reformar Estado não é demonizar servidor público

No país das reformas que nunca são concluídas, a administrativa é inadiável. Na verdade, deveria ter sido feita antes mesmo da reforma previdenciária e, agora, deveria ser apreciada antes da reforma tributária, que atolou e cujo destino é o fracasso, uma vez que trata de interesses inconciliáveis da União com os demais entes da Federação, dos Estados mais ricos com os menos afortunados e do governo central (leia-se, o Fisco) com as empresas.

Sem que se reforme o Estado brasileiro, o gasto público continuará sendo alto e pouco efetivo. A carga tributária (em torno de 33% do PIB), uma das maiores dos países em desenvolvimento, terá que ser sempre elevada para bancar despesas crescentes - mesmo nesse patamar, a arrecadação não cobre desde 2014 nem sequer a despesa primária (conceito que não inclui o gasto com juros).

Sem reforma, os serviços públicos prestados à população, principalmente a mais pobre, serão sempre de baixa qualidade. A competitividade das empresas brasileiras face aos concorrentes internacionais estará sempre comprometida, o que é ruim para todos, porque isso gera menos riqueza, portanto, menos empregos, menos renda etc.

O Brasil tem um Estado caro e um serviço público de baixa qualidade. Isso torna irrefutável a necessidade de reforma. Tem algo errado e, sem demonização do funcionalismo público, a sociedade precisa acordar para o problema. Tome-se o caso da educação: apesar dos avanços ocorridos desde a promulgação da Constituição, em 1988, especialmente no que diz respeito à universalização do ensino básico, o gasto chegou a 6% do PIB, mas a qualidade não acompanhou.

O senador Antonio Anastasia (PSD-MG) criou, com a ajuda da colega Kátia Abreu (PP-TO) e do deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa (FPMRA). Sem alarde, o grupo está dialogando com todas as partes envolvidas no tema, para formular um conjunto de projetos de lei, além de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), destinados a reformar profundamente a forma como o Estado brasileiro funciona.

A frente, presidida pelo deputado Mitraud, apresentrará as propostas em setembro. A estratégia de separar os projetos por assunto, em vez de colocar todos num só, é realista. É possível que alguns aspectos das mudanças tenham amplo apoio dos parlamentares e outros, menos. Para evitar tumulto e corrida por pedidos de aposentadoria, fato recorrente na tramitação de propostas que alteram direitos individuais e coletivos, Anastasia, que é funcionário público licenciado (professor de direito da UFMG), informa que a reforma não mexerá nos direitos adquiridos de quem já está no serviço público.

Pretende dialogar com o ministro Paulo Guedes.
Por incrível que pareça, o país andou para trás na área administrativa. Anastasia lembra que, entre 1938 e 1985, o governo federal teve um órgão central - o Dasp - para gerir todas as carreiras do serviço público. Era uma espécie de RH do serviço público. No início da Nova República, o Dasp foi extinto e a Constituição de 1988 acabou submetendo todas as carreiras debaixo o Regime Jurídico Único. Criou-se uma anomalia, cujo maior prejudicado, claro, é o usuário de serviços públicos.

Esse regime instituiu uma aberração - a isonomia salarial entre as diferentes carreiras do serviço público. O objetivo era evitar que os salários de determinadas carreiras se tornassem muito mais altos que o de outras. Ora, além de não fazer sentido, a regra criou em Brasília uma espécie de corrida ao ouro. Como não havia mais o Dasp, os funcionários dos diferentes órgãos fortaleceram seus sindicatos e foram à luta, ano a ano, em busca de vencimentos mais e de outras vantagens.

A maluquice ensejou a seguinte situação: nas disputas judiciais, diante da ausência do Dasp, quem representa a União é um funcionário público do mesmo órgão cujos servidores estão em litígio por mais salário e benefícios. O incentivo não poderia ser pior, logo, é fácil entender por que o funcionalismo goza de vencimentos e vantagens incomparáveis aos da média dos trabalhadores do setor privado.

Reformas institucionais
Os livros de história nos contam que a sociedade brasileira demanda, desde sempre, a realização de reformas institucionais para modernizar o país e destravar o crescimento econômico. Nos momentos em que houve ruptura institucional - 1930, 1937, 1964 - ou transição pacífica de regime (1985), a necessidade de promover reformas foi o motivo condutor (o “leitmotiv”) das mudanças.

Em 1930, a República proclamada havia 41 anos era manca. A elite política de apenas dois Estados (São Paulo e Minas Gerais), amparada por oligarquias rurais dos segmentos de café e pecuária, comandava o país. A Ilha de Vera Cruz, tão rica em possibilidades, padecia de atraso injustificável.

Não tinha mesmo como ser diferente: a era republicana nasceu de um golpe militar, entre outras razões, porque os barões do café e proprietários rurais em geral não engoliram a decisão (tardia, muito tardia) do imperador Dom Pedro II, tomada um ano antes, de abolir a escravidão. Além de não aceitarem o fim da infâmia com a qual convivemos durante 400 anos - e que se tornou, por essa razão, uma das principais características de nossa sociedade -, os fazendeiros queriam ser indenizados por ter perdido “patrimônio” (os escravos).

Transcorridas quatro décadas, a política do café com leite viveu seu ocaso e Getulio Vargas assumiu o poder, em 1930, por meio de uma “revolução”. O terreno era minado porque São Paulo, o Estado mais rico e principal sustentáculo da República Velha, não se aquietaria com facilidade. Getulio chegou ao poder com a promessa de implantar uma série de reformas, mas sua preocupação era uma só: evitar a tomada do poder por São Paulo. Em 1932, os paulistas tentaram tomar o poder, não deu certo e, desde então, jamais um getulista conseguiu triunfar eleitoralmemte no Estado.

Em 1937, por meio de um golpe militar dentro do golpe, Getulio instaura a ditadura do Estado Novo. Em 1945, cai, mas, o general (Eurico Dutra) que lhe apoiou oito anos antes ganha a eleição presidencial. Getulio vence o pleito seguinte e, como em 1930, promete realizar reformas que modernizem o país. Acuado pela oposição e por setores das Forças Armadas, faz o oposto do que seria uma reforma modernizante - a institucionalização do monopólio estatal do petróleo e a criação da Petrobras; na mesma época, havia apenas 25% das crianças nas escolas, mas reforma para lidar com esse problema ninguém fez.


Fernando Exman: É necessário lembrar o óbvio sobre o teto

Disputa sobre o controle de gastos está longe de acabar

Viramos uma sociedade que não se espanta mais quando o presidente da República se vê compelido a convocar a imprensa para garantir, ao lado da cúpula do Legislativo, que respeitará a Constituição.

Na prática, esse é o substrato do que ocorreu na semana passada, quando o presidente Jair Bolsonaro chamou para uma reunião improvisada no Palácio da Alvorada o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ministros de Estado e líderes governistas no Congresso. A imprensa foi avisada que o presidente faria um pronunciamento após o encontro, organizado de última hora com o objetivo de acalmar o mercado e dissipar as dúvidas sobre a permanência no governo do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Bolsonaro disse respeitar o teto de gastos e perseguir a responsabilidade fiscal. Guedes ouviu o que queria. O mercado decidiu acompanhar as cenas dos próximos capítulos.

Quem acabou se dando bem foi o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Convidado, o ministro Dias Toffoli tinha um problema de saúde e escapou da cena em que Bolsonaro teria que repetir mais uma vez o que tantas vezes já jurou ao tomar posse como deputado federal e ao assumir a Presidência da República.

Em todas essas ocasiões, o juramento exigido pela legislação não deixa margem para interpretações heterodoxas. “Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil", afirmam em alto e bom som todas as autoridades recém-eleitas, antes de começarem a exercer seus respectivos mandatos.

Se o respeito à Constituição já é uma obrigação de qualquer cidadão, a inclusão dessas palavras nos termos de posse deveria servir para deixar ainda mais claro o compromisso e evitar maiores problemas.

Mas, nem sempre é assim. No caso de Bolsonaro, essa expectativa já havia sido frustrada quando ele participou de manifestações antidemocráticas em Brasília. O mesmo ocorreu quando declarou que "ordens absurdas" não deveriam ser cumpridas, após uma operação da Polícia Federal atingir seus aliados que estavam sendo investigados por suposto envolvimento na produção e no financiamento de “fake news”.

No caso do recente pronunciamento em frente ao Palácio da Alvorada, as discussões acabaram se concentrando no prestígio pessoal do ministro da Economia, que vem se esforçando para proteger as contas públicas do assédio da ala mais desenvolvimentista do governo. Ficou em segundo plano um ponto central do debate: o respeito ao teto de gastos é um mandamento constitucional que, até alcançar seu prazo de validade ou ser alterado por uma outra PEC, não deve depender da disposição pessoal das autoridades que estiverem à frente da máquina federal. Ele precisa ser devidamente observado ou o governo estará assumindo o risco de cometer uma irregularidade fiscal.

É bom ter isso no radar porque, apesar de uma aparente trégua entre as alas liberais e desenvolvimentistas do Executivo, esse debate não deve sair da pauta no curto prazo.

Existe, no Congresso, a percepção de que cedo ou tarde os ímpetos populistas do presidente novamente colocarão à prova a fé do ministro no liberalismo do governo. As apostas vão de potenciais pressões sobre a política de preços dos combustíveis a divergências mais profundas sobre a elaboração ou a execução do Orçamento.

Até o início da pandemia, as diferentes visões existentes dentro do governo não eram capazes de gerar maiores turbulências. A ala mais desenvolvimentista acreditava que o cenário pós-coronavírus poderia até gerar oportunidades para o Brasil.

A visão era que o país demonstrara comprometimento com sua solvência ao aprovar a reforma da Previdência. Com vários países colocando suas taxas de juros em patamares negativos, acrescentavam essas autoridades, a ampla carteira de obras de infraestrutura e as mudanças regulatórias empreendidas pela atual administração atrairiam investidores estrangeiros mesmo sem o país conseguir reconquistar o grau de investimento.

Havia um discurso praticamente unânime na defesa da redução de investimentos públicos e na aposta de um crescimento econômico lastreado no setor privado - uma retomada sustentável que garantisse a recuperação das finanças do Estado. Porém, o cenário mudou com o aprofundamento da crise e a proximidade do período eleitoral.

Está em curso uma reacomodação das forças internas do governo. A ala desenvolvimentista tenta convencer Bolsonaro de que a realização de obras públicas é a melhor e mais rápida solução para a geração de empregos.

Enquanto a equipe econômica tenta resistir, esse mesmo grupo tenta emplacar o discurso segundo o qual a ampliação de investimentos em obras de infraestrutura hídrica e habitação deve ser enquadrada como um esforço de combate à pandemia. Afinal, argumentam, esgoto, água encanada e moradia de qualidade são essenciais para melhorar as condições sanitárias de milhões de brasileiros. Será difícil convencer o Congresso e o Tribunal de Contas da União (TCU) de que essa tese não representa uma burla ao teto de gastos, mas ela começa a ter simpatia no Palácio do Planalto.

Há ainda outro movimento embrionário que demanda atenção. O presidente e alguns de seus auxiliares esboçam a acusação de que a reação do mercado às articulações para furar o teto é um movimento especulativo contra o Brasil. Bolsonaro chegou a pedir mais patriotismo do mercado, ignorando o fato de que parte considerável das operações da Bolsa de Valores é feita por investidores estrangeiros.

Ainda há tempo de evitar que se abandone de vez uma postura mais capaz de atrair investimentos privados. O Brasil dependerá deles para retomar o crescimento.


Míriam Leitão: O insustentável peso do auxílio

A Petrobras valia ontem a preço de mercado R$ 300 bilhões. O auxílio emergencial custa o dobro disso em um ano. Se fosse mantido por doze meses, seriam R$ 600 bilhões. Vinte vezes mais do que o Bolsa Família, que no mesmo período consome R$ 30 bilhões. O auxílio que tem tal peso nas contas é o que encanta o presidente Bolsonaro. O ministro Paulo Guedes oferece um prêmio de consolação: o Renda Brasil. Ele será insuficiente para manter a sensação dada a quem recebeu o auxílio nesta pandemia.

Esse é o centro de um dos dilemas de Paulo Guedes. O auxílio reduziu o peso da recessão e aumentou a popularidade do presidente. Contudo, tem um custo impagável. O outro dilema são os investimentos pedidos pelos militares e as obras defendidas pelos ministros setoriais. Separadas podem ter boas justificativas, todas juntas serão a pá de cal no programa que o ministro vendeu ao mercado como aquele que seria aplicado durante o governo Bolsonaro. Resta pouca coisa do programa original. Não foi feita a privatização, a reforma administrativa mofa na gaveta presidencial, a capitalização foi derrubada pelo Congresso, a abertura comercial virou um acordo com a União Europeia de incerta homologação. Se descarrilhar o gasto, nada restará.

Agosto é mês em que todo ministro da economia fica sob pressão porque fecha-se o orçamento e cada área quer evitar cortes. Desta vez é pior porque a situação é muito mais complicada. A pandemia elevou espantosamente os desafios fiscais do país. Luta-se pelo gasto imediato e pela despesa do ano que vem.

Renda Brasil: Mais de 20 milhões de famílias com benefícios de R$ 300
Há uma velha lei da selva brasiliense. Toda vez que o presidente tem que dizer que alguém está prestigiado é porque este alguém está sob ataque. Quem está forte não precisa ser fortalecido. No caso de Paulo Guedes, ele sentiu necessidade de reforçar a si mesmo e disse que Bolsonaro tem confiança nele e ele tem confiança no presidente.

O maior ataque ao ministro vem do próprio presidente. Guedes pode vencer as quedas de braço parciais contra os ministros Rogério Marinho, Tarcísio de Freitas ou até o general Braga Netto. Mas não será possível vencer um presidente em campanha eleitoral, enamorado de si mesmo, e com ouvidos abertos aos que prometem que todo aquele eleitorado será dele se ele continuar gastando, dando auxílios e inaugurando obras, mesmo as que não foram feitas por ele.

Bolsonaro não sabe governar. Sua agenda se resume à defesa dos clubes de tiro, onde seus filhos gostam de brincar, ao desregramento do trânsito, às vantagens corporativas de militares e policiais. Presidentes assim em épocas difíceis costumam criar falsos adversários, mentir sobre a realidade e entrar em campanha. Bolsonaro usou as três técnicas e com elas tenta encobrir sua incapacidade administrativa.

Entre Bolsonaro e seu objetivo há o tempo e os limites dos cofres públicos. Mesmo que o ministro da Economia aceite ceder, ele sabe que não pode ser por muito tempo. O Renda Brasil não terá o mesmo valor, nem a mesma amplitude do auxílio. Vai decepcionar muita gente. Para ter recursos precisará acabar com benefícios que tem defensores. O abono salarial, recebido por trabalhadores que ganham até dois pisos salariais, o seguro defeso, dado a pescadores em época de desova dos peixes, e a farmácia popular, que reduz o preço dos remédios para determinada faixa da população. Para acabar com esses programas será preciso travar batalhas difíceis.

Paulo Guedes é um defensor dos cofres públicos incomum. Ele cede mais facilmente aos argumentos do presidente. Bolsonaro pode dizer a ele que em 2023, depois de se reeleger, ele então privatizará, diminuirá o tamanho do Estado, abrirá a economia, mas que agora não dá porque precisa lutar contra os inimigos da esquerda que atacam seu governo. O ministro é inteligente, mas cairá nesta conversa facilmente.

Entretanto, chegará o dia em que o mercado verá que o rei está nu. Bastará olhar os números. A despesa primária este ano está indo para R$ 1,98 trilhão, o que é 27,6% do PIB. No ano que vem, terá que ser reduzida para 19,6% do PIB, em 2022, para 19,2%. Isso acontecerá por força do teto de gastos. Parte do governo quer que essa queda seja mais lenta. Mas a dívida está indo para 98% do PIB. E os juros futuros já ligaram o pisca-alerta.


Bruno Boghossian: Guedes ganha sua sétima vida, mas se torna o ministro mais frágil do governo

Com garantias de permanência do auxiliar, Bolsonaro força recuos e mantém ruídos na relação

Ainda na eleição, Jair Bolsonaro tentou abafar os primeiros rumores de que Paulo Guedes deixaria sua equipe. O economista era alvo dentro do comitê de campanha por sugerir a criação de um imposto nos moldes da velha CPMF. “O Paulo segue firme”, afiançou o candidato.

Apesar do aval público, o presidente manteve o conselheiro sob risco permanente. Bolsonaro precisou defender o auxiliar outras seis vezes. Negou sua demissão e simulou apoio a sua agenda. Em quase todos os casos, porém, forçou o ministro a recuar e preservou os ruídos da relação.

Quando o fantasma do novo imposto incomodou a campanha de Bolsonaro, após o primeiro turno, o candidato quis proteger o economista. Disse que a ideia da CPMF era “um ato falho” e que não criaria novos tributos. Guedes ainda insiste, mas o chefe nunca abraçou o plano.

Na largada do mandato, os atritos da reforma administrativa levaram o presidente a repetir o script. Em outubro, Bolsonaro defendeu a pauta do ministro e disse que havia “100%” de confiança entre os dois.

Dois meses depois, disse estar “muito feliz com esse casamento hétero com o Paulo Guedes”, mas mandou abrandar a proposta que mudaria as regras do funcionalismo. “A equipe econômica entendeu”, comunicou. O texto foi para a gaveta.

No Carnaval seguinte, Guedes voltou a ser um problema. O ministro chamou servidores de parasitas e disse que, se o dólar estivesse mais barato, as empregadas domésticas iriam à Disney. “Ele vai ficar conosco até o último dia”, reagiu o presidente.

Bolsonaro refez o teatro em abril, na disputa entre o economista e os ministros que pediam mais dinheiro para obras. “O homem que decide a economia no Brasil é um só”, sentenciou. O presidente, logo depois, se juntou ao coro dos gastadores.

Sob pressão para abrir o cofre, Guedes ganhou sua sétima vida na segunda (17). Desta vez, Bolsonaro disse que a saída do auxiliar “nunca foi cogitada”. Com tantas garantias de permanência, ele se tornou o ministro mais frágil da Esplanada.


Ana Carla Abrão: Como furar o piso

Deveríamos estar discutindo como redefinir nossa trajetória de gasto

Se fôssemos um país normal, estaríamos hoje discutindo – como o Reino Unido fez em 2008, pós-crise financeira que ameaçou jogar a Inglaterra na insolvência – como redefinir nossa trajetória de gastos públicos. Como lá, o governo brasileiro estaria apresentando um amplo projeto de cortes de gastos e realocação de despesas de forma a garantir a normalidade da economia, o apoio aos mais pobres e a reversão da trajetória de colapso fiscal que a manutenção da tendência atual certamente nos destina.

Paralelamente, também como lá, estaríamos discutindo uma ampla reforma administrativa para modernizar a máquina pública, torná-la mais eficiente, menos cara e muito, muito mais voltada para o cidadão – e não para a sua autoperpetuação. Para quem acha que isso tudo é contraditório, basta lembrar que o programa de reequilíbrio fiscal inglês partia do princípio de que havia como cortar e realocar gastos de forma a preservar os mais pobres e melhorar os serviços públicos. E assim foi feito. A premissa (que se verificou verdadeira) era que havia desperdício, falta de foco, privilégios e gastos públicos (muitos!) com baixo ou nenhum impacto econômico e social. Não só soa familiar como é.

Na Inglaterra de Cameron, o programa de reequilíbrio fiscal foi definido, apresentado e implementado com objetividade e clareza. A conta foi feita de trás para frente, definindo-se o tamanho do ajuste de acordo com patamares de endividamento que eliminassem as desconfianças quanto à solvência da dívida inglesa.

Parte do sucesso na execução do ajuste inglês se deve ao estabelecimento de uma “star chamber”, um comitê em que os membros do governo eram obrigados a justificar seus orçamentos para um grupo ministerial e de servidores escolhidos a dedo. Ali, os gastos eram desafiados para que cada área do governo explicasse suas linhas de despesa e justificasse os valores. Além disso, cada um deveria avaliar como poderia fazer mais com menos – e melhor. Daí para uma ampla reforma administrativa que diminuiu em 25% o número de servidores foi um pulo. Era o único caminho para chegar a melhores serviços públicos gastando menos e valorizando o bom servidor.

Algumas lições emergem do programa inglês. A primeira delas se refere à irrefutabilidade dos dados. A Inglaterra chegou ao final da crise com um déficit de quase 10% do PIB e com trajetória de gastos crescente. Não havia outro caminho senão agir. As ações poderiam se traduzir em aumento de impostos ou corte de gastos. Optou-se pelo segundo, com transparência e comunicação claras. Não se desperdiçou a oportunidade da crise e entendeu-se que momentos de mudança estão aí para que mudanças profundas de curso sejam feitas.

Mas no Brasil, em vez de fazermos essa ampla discussão, explicitando a alocação dos gastos públicos, desafiando o Orçamento que tende a ser sempre a repetição do número do ano passado acrescido de algum porcentual, e definindo prioridades com o objetivo de buscar o desenvolvimento econômico e a redução da desigualdade social, o que fazemos é pressionar pelo fim do teto de gastos. Como se aumento de gastos fosse diminuir – e não ampliar – a atual ineficiência.

E a pressão vem também de dentro do governo, num diapasão que conhecemos muito bem: fura-se o teto para gastar com investimento público em infraestrutura e para criar um programa de transferência de renda universal e, porque ninguém é de ferro, para manter a trajetória crescente de despesas de pessoal e os benefícios fiscais intactos por mais alguns anos. E, claro, para garantir também a reeleição do presidente daqui a dois anos e meio, certo? Errado, porque o Brasil vai quebrar e todos terão uma conta para pagar. Os pobres mais que os ricos.

Mais gasto, no meio de tanto desperdício, significa que tudo continuará como está. Ou seja, os canais de distribuição estão aí para garantir que os recursos adicionais chegarão ao mesmo destino de sempre: aos mesmos grupos que se apropriam do Orçamento há décadas e que resistem bravamente à discussão distributiva e à correção de injustiças que levariam, invariavelmente, à redução dos seus privilégios.

Voltando à Inglaterra dos anos 2008 e aproveitando a discussão orçamentária deste ano, o governo brasileiro deveria seguir o exemplo britânico. Poderia estabelecer uma meta de ajuste fiscal de longo prazo, criar uma “star chamber” que rediscuta a divisão do Orçamento e exigir que cada área do governo defenda a sua parcela de gastos e explique como esses vão gerar mais emprego, mais renda e menos desigualdade social no Brasil.

Numa discussão como essa seria difícil defender que a Defesa deve receber mais recursos que a Educação, ou que salários de servidores devam representar 13% do PIB. Mas é numa discussão como essa, feita de forma clara, que se criam as condições para que as medidas fura-piso ganhem o espaço que hoje está sendo ocupado pelos fura-teto.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN


Míriam Leitão: Os vários nós da crise Guedes

Há dinheiro sobrando no Orçamento. Essa é a ironia desta crise. Houve o chamado empoçamento. Até junho, o dinheiro não executado chegou a R$ 31 bilhões. Outro risco: em 2021, não há meta fiscal porque foi impossível estabelecer uma previsão quando foi feita a LDO. O ambiente parece perfeito para os gastadores. Só que existem dificuldades técnicas e uma trava para os gastos: o teto. Não é a primeira vez que o ministro Paulo Guedes entra em zona de turbulência, mas esta é a pior crise. No governo, dizem que ele não sai, mas a tensão está aumentando. O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em conversa com interlocutores internos, já avisou que concorda em 99% com o ministro Paulo Guedes. Não poderia ser o substituto na eventualidade da queda.

A solução, segundo eu soube no governo, será conseguir algum dinheiro este ano para atender aos ministros Rogério Marinho e Tarcísio de Freitas. E essa foi toda a discussão das últimas horas. Marinho, que queria R$ 30 bi, se contentaria com R$ 5 bilhões, mas nem isso Paulo Guedes achou técnica e fiscalmente viável. A turma do deixa disso está querendo convencer Guedes a ceder um pouco, e Marinho a concordar com menos. No final do dia, estava estabelecido que haveria uma MP de R$ 5 bi, e que R$ 1,8 bi seria para o Ministério do Desenvolvimento Regional. E Paulo Guedes bateu pé: só o que fosse possível ser executado até 31 de dezembro, porque no ano que vem não haverá a PEC da guerra, portanto, voltam a valer todos os limites de despesas.

Para entender o ambiente de ontem, de boatos sobre a queda do ministro Paulo Guedes, é preciso saber três coisas. Há uma rede de intrigas, há complexas questões fiscais envolvidas e existe o desgaste. Um observador da cena interna do governo lembra que já houve outras crises e a atual começou em abril, com o anúncio do Plano Pró-Brasil, quando se falou abertamente em abandonar o teto de gastos. A equipe econômica, na época, fez uma reunião e disse que estava com Guedes. Se o teto caísse, sairiam todos. De lá para cá, vários já saíram. Nas outras duas grandes crises, ele teve defensores dentro do governo. Agora, eles estão rareando.

A primeira crise foi entre o final da tramitação e a aprovação da reforma da Previdência. Guedes fez duras críticas às mudanças no Congresso. Ali, Guedes e Marinho ficaram mais distantes, e houve o embate com o deputado Rodrigo Maia. Na segunda crise, Guedes foi criticado por seu desempenho em Davos, pelo resultado baixo do PIB, pelas “não entregas”, e tropeçou mais uma vez nas palavras. Chamou os servidores de parasitas e criticou empregadas que teriam ido à Disney no câmbio baixo. Precisou ser defendido pelo presidente, que disse que ele teria cometido apenas “gafes” e ficaria até o final do mandato.

Com as chamadas “não entregas” do ideário liberal, o mercado financeiro perdeu a visão quase religiosa que tinha de Paulo Guedes. Agora, quando se fala com os economistas dos bancos, eles dizem que sabem que ele está isolado e que o programa se frustrou, porém, se sair, vai haver uma deterioração de preços de ativos, pelo entendimento de que a agenda liberal foi definitivamente abandonada.

No governo, o clima é o seguinte: Paulo Guedes se sente traído, porque acha que levou Marinho para o governo, quando o ex-deputado perdeu o mandato, e ele, depois de virar ministro, voltou-se contra Guedes. Outros ministros contam que Bolsonaro e Marinho se aproximaram muito e têm se encontrado toda semana. O presidente gosta do que ouve e quando vai falar com Guedes recebe a informação de que aquilo é impossível.

Na área técnica, o que se conta é que há duas armadilhas fiscais. Primeiro, o fato de que há dinheiro sobrando no orçamento. Recursos ordinários não foram gastos porque o governo parou. O segundo é que quando foi preparada a LDO era impossível fazer uma estimativa de receita para 2021. Então, pela primeira vez depois de décadas, o resultado primário será flexível. Não é simples realocar o dinheiro que está sobrando, muito menos usá-lo no ano que vem porque o teto de gastos voltará a valer. O que ouvi no governo e entre economistas do mercado: Paulo Guedes não sai agora, e é difícil substituí-lo. Roberto Campos Neto tem dito a quem o procura que concorda em quase tudo com Guedes. Um aviso de que não aceitaria ser o substituto.


Bruno Boghossian: Bolsonaro não mudou, mas aprendeu a ser um populista mais eficiente

Popularidade e aliança com centrão ajudam presidente a manter políticas originais

Jair Bolsonaro enfrentou dois choques de impopularidade depois que chegou ao Palácio do Planalto. O primeiro ocorreu no ano passado, quando ele decidiu brigar com meio mundo para esconder a devastação da Amazônia. O segundo refletiu a condução catastrófica do país na crise do coronavírus.

O vento mudou e a aprovação ao governo subiu, mas o presidente continua o mesmo. Na terça (11), Bolsonaro voltou a brigar com os números e disse que "essa história de que a Amazônia arde em fogo é uma mentira". A ideia é omitir o aumento de 28% nas queimadas na região e facilitar a derrubada da floresta.

A pandemia também segue sua marcha, diante do mesmo Bolsonaro que menosprezou a doença desde o primeiro dia. Em visita ao Pará na última semana, o presidente se manteve na função de garoto-propaganda da cloroquina e tentou, mais uma vez, se eximir da culpa pelas mortes provocadas pelo coronavírus.

Bolsonaro ainda cutuca as feridas que derrubaram seus índices de popularidade no passado, mas agora sua aprovação disparou ao maior nível desde o início do governo. A variação coincidiu com um tom diferente em algumas de suas declarações públicas, mas está claro que ele está longe de ser um moderado.

O presidente não mudou. Ele só aprendeu a ser um populista mais eficiente. Os números da última pesquisa Datafolha estimulam Bolsonaro a manter suas políticas originais, desde que segure a língua, cimente uma base social e busque blindagem no Congresso e nos tribunais.

O salto na aprovação ao presidente entre brasileiros de baixa renda indica que o auxílio emergencial e outras ações ajudam a protegê-lo dos maremotos provocados por ele mesmo —ainda que, para isso, tenha que empurrar Paulo Guedes para fora da Esplanada dos Ministérios.

A aliança com o centrão e o apoio de alguns amigos no Judiciário podem completar essa missão.

Enquanto tiver um punhado de boias de salvação à vista, Bolsonaro não precisa ter medo de pular.