Paulo Guedes

Vinicius Torres Freire: Reforma de impostos de Guedes é injusta, ineficiente e selvagem

Com CPMF, reforma do governo aumenta injustiça e ineficiência tributária no país

“Poucas ideias são tão ruins que não podem ser pioradas. Infelizmente, o sistema tributário brasileiro não é exceção à regra… Uma prova disso é a constante ameaça do retorno da famosa … CPMF”, escreveu Adolfo Sachsida em um livro de 2017. Sachsida é ora secretário de Política Econômica do Ministério da Economia de Paulo Guedes.

A esse respeito, muita gente está de acordo com o secretário, este jornalista inclusive. Guedes quer substituir um imposto ruim e decadente, a contribuição patronal para o INSS, por um ainda pior, a CPMF ou equivalente. Se conseguir, vai aumentar a confusão, as distorções e várias iniquidades da tributação no Brasil.

Um modo de acabar com o imposto sobre folha de salários é tributar mais a renda, de preferência a dos mais ricos (ou o consumo, alternativa pior). Tributar mais os rendimentos maiores é também um modo de pegar os lucros da “economia digital”, que têm escapado dos fiscos do mundo inteiro.

Guedes não quer bulir com o IR. Pretende comer a renda de modo insidioso, com uma CPMF, imposto menos visível e que trata ricos e pobres da mesma maneira.

A ideia do ministro é arrumar R$ 120 bilhões a fim de reduzir o que as empresas pagam para o INSS. Acabaria o imposto sobre remunerações de um salário mínimo ou menos; a contribuição sobre salários maiores diminuiria. Uma conta de guardanapo indica que, de fato, esse dinheiro seria bastante para reduzir a alíquota do INSS de 20% para uns 11% (para salários maiores que um mínimo), tudo mais constante.

Guedes acha que arrecadaria esses R$ 120 bilhões com uma alíquota de 0,4% para sua CPMF misteriosa. Quando a CPMF era de 0,38% (de 2002 a 2007), a receita era regularmente 1,35% do PIB, atualmente uns R$ 94 bilhões. Mas passemos, pois ninguém sabe o que é essa CPMF do ministro e a economia mudou em 13 anos.

Uma CPMF ou coisa que o valha vai pesar mais sobre indústria e agricultura, menos sobre serviços. Impostos sobre a folha de salários, como a contribuição patronal para o INSS, pesam mais, claro, sobre setores que gastam relativamente mais com mão de obra e menos com capital.

Mas ao fim e ao cabo, impostos sobre transações financeiras são selvagens, em nada relacionados a um critério econômico razoável. Uma cadeia de produção longa e movimentação financeira relativamente grande levarão uma empresa a “pagar” mais (na verdade, a recolher mais imposto, repassando a conta para o cliente).

A CPMF tende a aumentar a iniquidade social e econômica da tributação. Um grande princípio da reforma tributária seria justamente uniformizar o quanto possível os impostos que cada setor ou empresa têm de recolher. Outro motivo da reforma é acabar com a cumulatividade (o imposto em cascata, que fica mais pesado quanto mais “fases” a produção de um bem ou serviço envolver). A CPMF é cumulativa.

Além do mais, uma CPMF de 0,4% é uma enormidade em ambiente de taxas de juros baixas. Logo, vai criar tumulto e custo também no mercado financeiro.

A redução dos encargos sobre a folha vai ajudar a criar empregos? Não há evidências. Talvez facilite formalização e contratações quando e se a economia estiver crescendo. Impostos menores sobre o emprego podem ser um coadjuvante da melhoria do mercado de trabalho, mas não o motivo.

Deputados relevantes ainda dizem que a CPMF não passa ou que pode atrasar a reforma tributária. Que o país esteja discutindo tal coisa é outro sucesso da selvageria iníqua e ignara que move o governo de Jair Bolsonaro.


Adriana Fernandes: Xadrez econômico

Muitos senadores não querem nem saber de novo imposto, mesmo que seja repaginado com a desoneração da folha

A campanha do presidente Davi Alcolumbre pela sua reeleição na Presidência do Senado deve dar um nó no xadrez da pauta econômica do governo no Congresso. Melhor dizendo: na agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes.

O ambiente é de negociação intensa pela reeleição justamente na véspera da apresentação do parecer do senador Márcio Bittar (MDB-AC) da PEC do pacto federativo, que surgirá com muitas “maldades”, como são chamadas as medidas impopulares que mais tarde viram “bode na sala” para serem descartadas pelos parlamentares.

A divulgação do parecer, que aconteceria na última terça-feira, foi adiada para a próxima semana depois que o presidente Jair Bolsonaro deu aval a Bittar para seguir com as medidas mais duras e incluí-las no seu parecer, como quer a equipe de Guedes.

Bolsonaro foi convencido pelos seus aliados que as propostas polêmicas de corte de gastos podem ficar no parecer porque não terão o seu carimbo, mas o do relator.

Se passar, passou. Se não passar, a derrota não será dele. Ao Senado, caberá a tarefa de retirar do texto os pontos que já avisaram de antemão que não passa. Tudo combinado.

O problema é que o corte de despesas que resultará dessa desidratação muito provavelmente será insuficiente para garantir o Renda Brasil, o novo programa social do governo, dentro dos limites restritos do teto de gastos.

Como o caminho é de difícil aprovação de medidas mais impopulares, muito senadores nos bastidores já falam abertamente que, se for necessário, estão dispostos a abrir espaço para excluir o programa do teto. Com valores bem definidos. Se tudo for bem explicado ao mercado, que dá sinais de estresse com os riscos fiscais e tem cobrado mais prêmio para financiar o Tesouro Nacional.

Alcolumbre já conta com o apoio do PT para a sua reeleição e essa semana partiu para o contra-ataque público ao rebater uma avaliação da consultoria da Casa contra a possibilidade da sua reeleição no cargo, em fevereiro de 2021. Ele busca aval do Supremo Tribunal Federal para sua tentativa de reeleição e enfrenta oposição de caciques antigos da Casa.

Nesse ambiente em que todos pisam em ovos e compromissos vão sendo assumidos, um movimento importante precisa ser observado: a apresentação no mesmo dia pelo líder do PT, senador Rogério Carvalho (SE), de uma PEC com a defesa de novas regras para o teto de gastos. A proposta teve 31 signatários de vários partidos, inclusive aliados do presidente Bolsonaro e o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Para uma PEC tramitar no Senado, é preciso pelo menos 27 senadores.

A proposta petista defende gastos emergenciais em 2021 e 2022 e, a partir de 2023, revogação do teto e metas de gastos diferenciados por áreas, de quatro em quatro anos. Alcolumbre também abriu o plenário do Senado nessa sexta-feira para o debate da proposta do PT, que considera que o Brasil está desalinhado em relação ao resto do mundo com o teto de gastos.

O que tem atraído os senadores é cobrança por mais recursos emergenciais para manter os 20 mil leitos abertos no SUS durante a pandemia e para o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), a linha de crédito com garantia do Tesouro para as empresas mais afetadas pela crise.

O movimento em si é mais importante do que a própria PEC da oposição, que dessa vez mudou de estratégia e já não fala da revogação do teto de gastos sem colocar nada do lugar. Outras propostas de mudanças no teto já tramitam, entre elas, a do senador e líder do MDB, Eduardo Braga (AM), que propõe a exclusão do programa social do limite de gastos.

A assinatura de tantos senadores não significa que a proposta pode avançar. É mais um sinal de que o Senado quer debater. À coluna, senadores, que não são da oposição e assinaram a PEC, dizem que querem discutir. A porta está aberta.

Muitos deles já avisaram ao governo que não querem nem saber também de novo imposto, mesmo que repaginado com a desoneração da folha de pagamentos. O xadrez está sendo jogado.


Fernando Abrucio: Se pudesse, Bolsonaro mandaria embora funcionários do Ibama e da Funai

A estabilidade serve para garantir a profissionalização do serviço público e não para tornar inimputáveis os ocupantes dos cargos

O Executivo federal apresentou um conjunto de propostas de reforma administrativa, algumas já presentes numa PEC enviada ao Congresso, outras que ficarão para legislação posterior. Em linhas gerais, um diagnóstico sintético desse conjunto de medidas revela uma mistura de várias coisas: ações norteadas pela experiência internacional de reformas, proteções a corporações fortes do funcionalismo, medidas concentradoras de poder nas mãos da Presidência da República e várias lacunas ou confusões de diagnóstico, em particular uma enorme incompreensão em relação ao funcionamento dos serviços públicos num país como o Brasil. Mais do que isso, falta visão sobre o que deve ser o Estado brasileiro.

Há avanços no projeto vinculados, primeiramente, aos benefícios pagos aos funcionários públicos, que se expandiram ao longo do tempo e se tornaram, no mais das vezes, desvinculados do desempenho efetivo da burocracia. O ministro Bresser Pereira já tinha começado a limpar esse terreno, mas ainda há grandes problemas neste quesito. Também deve se atacar o uso completamente equivocado da ideia de isonomia que se alastrou pela gestão de pessoas do setor público. Um exemplo nesta linha foi a multiplicação de carreiras e o crescimento do salário inicial no plano federal.

O Executivo federal pretende mudar esse padrão, embora suas propostas, na forma em que foram apresentadas, ainda precisem ser mais bem lapidadas. A ideia de vínculo de experiência é um exemplo de proposição mal formulada. Óbvio que é preciso modificar o estágio probatório, que no mundo todo serve para formar e avaliar o funcionário público e sua continuidade no Estado, enquanto no Brasil nenhuma dessas duas coisas é feita. Porém, o que foi apresentado não deixa claro nem a formação nem a avaliação que seriam feitas.

A leitura do projeto global de reformas dá a impressão de uma proposta “pela metade”, de um reformismo incompleto. Por exemplo, o Executivo federal evitou tocar nos direitos dos atuais servidores públicos, bem como deixou em aberto os efeitos da reforma para os outros Poderes e para os demais entes federativos. Alguns podem dizer que é uma estratégia política para poder aprovar outras medidas importantes, embora mais do que uma forma de garantir o apoio dos parlamentares, a razão desse cálculo seja principalmente evitar danos eleitorais ao presidente Bolsonaro ou o aumento de seus problemas com a Justiça.

A opção reformista precisa alcançar todos os entes federativos e Poderes, e evitar que a limitação das mudanças aos futuros burocratas não crie dois mundos dentro do funcionalismo, gerando um sentimento de privilégio que poderá atrapalhar o bom desempenho governamental, além de gerar uma visão negativa junto à opinião pública. Aqui, a lição da reforma da Previdência não foi aprendida: nem todos os Estados mudaram suas regras e se os que se omitiram quebrarem, a União terá de salvá-los para manter os serviços públicos aos cidadãos que mais necessitam deles. Efeitos semelhantes poderão acontecer na reforma administrativa se não for criada uma maior simetria entre instituições e entre membros do funcionalismo.

A proposta de dar maior liberdade ao Executivo federal em montar sua estrutura administrativa é uma forma perigosa de concentração de poderes. Trata-se do retorno ao modelo de administração pública que vigorava no regime militar. A lógica democrática exige um jogo de “checks and balances” entre os Poderes e o presidente Bolsonaro tem dificuldades com esse modelo. Claro que é necessário flexibilizar muitas das estruturas enrijecidas do Estado brasileiro, no entanto, isso deve ser feito sem acabar com os controles institucionais adequados, tanto do Legislativo como do Judiciário. Se isso não existisse hoje, parte dos órgãos ambientais, de defesa dos índios, da área cultural e até mesmo no campo educacional já teriam sido extintos pelo governo atual. Qualquer flexibilização tem de cumprir os objetivos inscritos na legislação maior do país, que define algumas políticas que são essenciais, e seu desmonte deve ser impedido pelas instituições e pela sociedade.

A definição dos papéis do Estado e de como ele deve ser organizado passa não só pelo modelo de administração pública, mas também pela forma como ela lida com a política. É fundamental garantir um espaço autônomo aos políticos eleitos, mas também se deve preservar funções estatais que não se confundam completamente com o governo de ocasião. Mais do que isso: os eleitos devem nomear pessoas para postos-chave seguindo regras prévias que garantam transparência, competição entre postulantes e conhecimento/experiência adequados para a função. Por isso, a proposta enviada é bastante tímida no que se refere à seleção dos altos quadros governamentais. Neste ponto, o Brasil ainda é muito pouco republicano e sabemos que a aliança com o Centrão não é um indício de que isso mudará.

Há um tema espinhoso no projeto, que deve ser enfrentado, mas que confunde conceitos e supõe uma solução simples para algo mais complexo: a questão da estabilidade do funcionalismo. Em primeiro lugar, nenhum país razoavelmente democrático e desenvolvido do mundo garantiu estabilidade à quase totalidade dos seus funcionários, como fez o Brasil. Há diferenças entre as nações sobre quais carreiras devem ter, e com certeza as funções-meio foram retiradas dessa regra. Se o Estado brasileiro tivesse adotado só essa máxima, a maior parte do funcionalismo teria contratos ao estilo CLT, que devem estabelecer condições dignas de trabalho como deveriam sempre existir do mesmo modo no mercado privado.

Uma segunda coisa é que se desenhou um modelo que separa estabilidade de avaliação de desempenho. Na verdade, o que a proposta governamental está dizendo, de forma sutil e envergonhada, é que as chamadas carreiras típicas de Estado não poderão ser efetivamente avaliadas para fins de demissão ou correção por insuficiência de desempenho. Isso é uma falácia, pois juízes e militares deveriam ser avaliados tanto quanto professores e médicos. Todos eles são essenciais para o Estado brasileiro, de maneira que precisam ser bem selecionados, ter bons programas de capacitação e motivação, bem como têm de ser avaliados e responsabilizados - e se necessário, demitidos. O país não consegue enxergar o que é óbvio em muitas democracias: a estabilidade serve para proteger e garantir a profissionalização do serviço público nas suas funções mais importantes, mas não para tornar inimputáveis os ocupantes dos cargos.

Claro que há a desconfiança em relação aos mecanismos de avaliação, dada a enorme tradição de politização do Estado brasileiro. Isso deve ser levado em conta, como também o fato que a avaliação deve ser múltipla, gerar formas de capacitação ou correção de atos e, ademais, ser feita da maneira mais independente possível. Alguns países criaram instituições específicas para realizar essa e outras tarefas mais estruturais da gestão de pessoas no setor público, buscando evitar a perseguição administrativa ou política. O Brasil pode aprender com esses modelos, contanto que queira efetivamente instalar um processo avaliativo que, de um modo ou de outro, vai diferenciar os funcionários e/ou equipes, dando-lhes benefícios ou responsabilizações diferentes ao longo do tempo. Isso deve valer ao professor e ao juiz, ao médico e ao militar. Só assim criaremos uma burocracia que serve ao público, e não a si mesma.

Excetuadas as funções-meio, a pergunta de quem deve ganhar a estabilidade é mais complexa. A resposta deveria começar pela listagem de quais são as funções-finalísticas que constituem as tarefas mais relevantes para o país no século 21. É inegável que militares, juízes e auditores fiscais são centrais para o funcionamento do Estado. Todavia, se o Brasil quiser se desenvolver segundo o que foi colocado na Constituição de 1988 e, principalmente, pensando no que garantirá um futuro melhor aos nossos filhos e netos, médicos, professores, forças de segurança, assistentes sociais, profissionais da área ambiental e da garantia dos direitos humanos básicos são imprescindíveis.

Alguém tem dúvida de que, se pudesse, Bolsonaro mandaria embora amanhã mesmo a grande maioria dos funcionários de ponta do Ibama e da Funai, que colocam suas vidas em risco diariamente? Olhando para os integrantes do Centrão e tomando-os como espelho dos governantes de grande parte dos municípios brasileiros, é bem provável que eles barganhassem politicamente a contratação de professores, médicos e assistentes sociais, como já fazem com o enorme contingente de cargos comissionados sob sua guarida. No fundo, a pergunta é a seguinte: como evitar que o Estado social brasileiro, com funções mais próximas do século XXI e não do XIX, não seja desmanchado pelo patrimonialismo que ainda corre nas veias de nossas elites?

A resposta para perguntas como essa vai exigir uma maior sofisticação legislativa, que vai além da lógica dicotômica. A solução aqui passa pela construção de uma visão sistêmica do Estado brasileiro, que combine os componentes republicano-democrático e o do desempenho governamental. Tal combinação, infelizmente, não está na base das propostas de reforma administrativa atuais.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas


Claudia Safatle: Sem saída

Se Bolsonaro não aceitar os “remédios amargos”, não haverá um novo programa de renda mínima mais amplo

Face às restrições impostas pelo presidente Jair Bolsonaro, o Orçamento da União para 2021, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Pacto Federativo e a criação do programa de renda mínima, o Renda Brasil, entraram em um beco sem saída. Uma situação que alimenta soluções extravagantes como a de estender o decreto de calamidade pública, cuja vigência é até dezembro, por mais um ano.

Essa é uma ideia que está na cabeça de algumas autoridades, fomentada pela segunda onda da pandemia da covid-19 na Europa e pela dificuldade de a doença entrar em uma curva descendente aqui. Mas ela não consta do radar do ministro da Economia, Paulo Guedes.

A equipe técnica da área econômica e lideranças políticas, particularmente o relator do Orçamento e da PEC 188, senador Marcio Bittar (MDB-AC), estão enredados em meio aos vetos de Bolsonaro. O presidente afirmou que não vai “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”, quando foi apresentado à proposta de fusão de vários programas sociais para financiar o Renda Brasil; e que pretende dar “cartão vermelho” a quem sugerir desindexar parte do Orçamento - o que significa não garantir reajustes automáticos às despesas hoje corrigidas por índices de preços ou pela variação do salário mínimo.
A proposta dos economistas oficiais era de desindexar os benefícios previdenciários, deixando-os sem reajustes, congelados, por dois anos.

Uma semana depois da histriônica reação do presidente, não há soluções alternativas muito diferentes das que foram apresentadas. Todas são remédios “amargos” de difícil digestão política, mas necessários dado o quadro de deterioração das contas públicas neste ano, com a pandemia.

Ou Bolsonaro recua do veto imposto aos três D da PEC 188 - desindexação, desvinculação e desobrigação - ou não haverá um novo programa de renda mínima, mais amplo e de maior valor do que o Bolsa Família, para contemplar, também, parte dos “invisíveis” que surgiram na busca pelo auxílio emergencial, salientam técnicos. Dados da Caixa Econômica Federal indicam que 66,2 milhões de brasileiros estão recebendo o auxílio emergencial, que se encerra em dezembro.

Aliás, o recuo deveria ir mais longe e pegar a proposta original do Renda Brasil, que seria financiado pela fusão dos vários programas sociais dispersos, claramente mal focados e pela desindexação de despesas orçamentárias. Aí se incluiriam o abono salarial, seguro-desemprego, salário-família, tal como sugeriu o economista Ricardo Paes de Barros, um dos criadores do bem-sucedido Bolsa Família e que está ajudando o governo na montagem do programa de renda mínima.

Tal fusão envolveria também o Bolsa Família - que já foi resultado da junção de outros programas sociais - e renderia uma soma considerável de recursos, em torno de R$ 100 bilhões, segundo estimou. Somente o Bolsa Família tem orçamento para o ano que vem de R$ 34,9 bilhões.

O governo tem focado muito no corte de gastos e falado pouco de medidas destinadas a aumentar a receita tributária diante de uma taxação mais justa da renda dos verdadeiramente ricos. Nesse aspecto, há desde a instituição de uma alíquota de 35% para tributar rendas mais elevadas - inclusive as originárias de lucros e dividendos - até cortes de deduções do Imposto de Renda que beneficiam a classe média, tais como despesas médicas e gastos com educação.

Renda Brasil e Carteira Verde Amarela se complementam.

A ideia é garantir a renda do trabalhador em até um salário mínimo. Assim, se no mercado de trabalho com a Carteira Verde Amarela o empregado consegue receber no máximo R$ 800 por mês, o Renda Brasil entraria complementando o salário até o valor de um mínimo, atualmente de R$ 1.045.

O projeto de criação dessa nova carteira de trabalho, livre de impostos e contribuições, terá que ser reenviado ao Congresso Nacional, já que a proposta anterior caducou sem ser votada.

Tomando como um dilema já resolvido que o governo respeitará a lei do teto de gastos e que a PEC 188 estabelecerá os gatilhos para o corte de despesas quando o gasto chegar a um determinado patamar, falta agora Bolsonaro decidir quem vai pagar o programa de renda mínima. Ele pretende criar o Renda Brasil mais amplo, em substituição ao Bolsa Família para, com ele, embalar seu projeto de reeleição.

Cabe ao chefe de governo arbitrar esse conflito distributivo e o tempo para isto está ficando curto. A indecisão revela uma falta de apetite para dirimir conflitos e isso chega aos mercados como uma insegurança total a respeito dos rumos da política fiscal do governo.

Os sinais ruins estão à vista: as taxas de juros longas estão subindo dia a dia e o prazo da dívida pública mobiliária se encurta, em um claro temor de que não haverá rigor fiscal. Daí para queimar o ministro da Economia é um pulo. Os sinais são um alerta de que o governo tem que mostrar o que vai fazer para trazer as contas públicas de volta a patamares aceitáveis de financiamento.

Tática presidencial

Começa a se firmar entre os principais assessores da área econômica a percepção de que há uma tática na reação do presidente a medidas politicamente sensíveis. Ele as descarta sem dó, deixando os seus proponentes perdidos, soltos no ar. Mas, tal como está acontecendo com a criação da nova CPMF -o imposto sobre transações digitais, que Bolsonaro condenou totalmente e agora, diante dos fatos, começa a aceitar -, avalia-se que o processo de aceitação será construído também com as medidas de financiamento do Renda Brasil.

No caso do imposto sobre transações, o governo quer vendê-lo como uma “substituição tributária”, no lugar da desoneração parcial da folha de salários das empresas. Com uma alíquota de 0,2% nos débitos e crédito, o novo tributo financiaria a desoneração horizontal da folha. Esta seria integral até um salário mínimo e, a partir daí, deverá haver um corte na alíquota de contribuição previdenciária de 20% para 15% ou 10%.


Vinicius Torres Freire: Faca amolada no imposto e nó cego na economia de Guedes

Depois de semanas de reviravoltas, não há dinheiro para Bolsa Família gordo

A última de Paulo Guedes é aumentar o imposto das empresas que pagam tributos pelo Simples, noticia esta Folha. É o último ou o mais recente plano infalível do ministro para bancar um Bolsa Família encorpado. É bobagem ou é prenúncio de gambiarra fiscal que vai acabar na Justiça ou em coisa pior.

Não importa qual seja o aumento de imposto, seja lá como for feito ou que nome tenha, tal como “reoneração”, a arrecadação extra não pode ser gasta em despesa nova que ultrapasse o teto de gastos.

Mas, francamente, a esta altura da birutice, discutir essas coisas talvez seja perda de tempo ingênua. Ainda assim, a maluquice tem um custo, difícil de perceber no dia a dia.

Para começar, a doideira transforma a discussão da reforma tributária em uma mixórdia. Guedes quer criar uma CPMF ou um pacote de “tributos alternativos” que inclua um imposto sobre transações. Quer agora cobrar mais das empresas do Simples. Em tese, não haveria aumento de carga tributária total porque haveria compensações, como a redução dos impostos sobre folha de pagamento das empresas e, um dinheiro bem menor, das contribuições para o Sistema S.

Mas tudo isso é especulativo, pois não há projeto e menos ainda números na ponta do lápis. Nem para o projeto de criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) o governo apresentou números que justificassem a alíquota que propôs (a CBS substituiria o PIS/Cofins).

Ou seja, o governo põe mais lenha em uma discussão que vai pegar fogo, se houver discussão de fato sobre reforma tributária, se não for tudo para o vinagre, dada a baderna criada pelo governo.

Em segundo lugar, ninguém com um mínimo de conhecimento sobre o assunto entende de onde vai sair o dinheiro para esse programa de renda básica, renda cidadã, Bolsa Família Verde Amarelo ou coisa que o valha. Jair Bolsonaro até agora vetou todas as fontes possíveis de financiamento, em tese levando em conta que existe um teto de gastos. Assim, gente de “o mercado” e especialistas em contas públicas especulam que pode vir uma gambiarra qualquer.

O que seria? Uma autorização para gastar além do teto, específica para o Bolsa Família encorpado. Talvez uma prorrogação limitada do estado de calamidade, que permitiu gastos de centenas de bilhões de reais além do teto, neste ano de 2020. Sim, é mera especulação, mas tem consequências práticas. Por causa disso, os donos do dinheiro grosso estão cobrando mais caro para emprestar ao governo deficitário, o que, por tabela, eleva as taxas de juros para a economia inteira.

O público em geral não liga para essas coisas ou nem nota. Talvez preste atenção quando vier a “facada” de Guedes. Mais gente seria afetada individualmente por aumento de impostos do que pela redução deles. A ideia de que a o alívio tributário sobre folha de salários possa, por si, criar empregos é também especulativa. Por falar nisso, o ritmo de criação de empregos foi fraquinho de julho para agosto, mostra a pesquisa do IBGE.

Em resumo: 1) a gente não sabe o que vai ser o Orçamento do ano que vem; 2) não conhece em que bases se vai discutir uma reforma tributária; 3) desconhece o que será feito do contingente aumentado de miseráveis depois do fim do auxílio emergencial; 4) ignora como o governo vai fechar as contas a partir de 2021 (porque a despesa vai bater no teto); 5) se angustia com o risco de a economia despencar no ano que vem, caso o corte de mais de meio trilhão de reais de despesa federal não seja compensado por uma retomada forte de investimento e consumo.

Quem liga?


Zeina Latif: Provocando os contribuintes

As lideranças do funcionalismo precisam buscar o diálogo honesto para proteger aqueles que elas representam

A construção da cidadania iniciou-se tardiamente no Brasil. Em uma sociedade escravocrata e com domínio da oligarquia rural na estrutura econômica e social do País até 1930, não havia espaço para liberdades individuais e participação social ampla na esfera pública.

Além de tardia, a cidadania teve evolução muito lenta, por conta dos ciclos autoritários que marcaram nossa história, quando as liberdades de expressão e de mobilização eram suprimidas.

Da mesma forma que o ambiente era pouco propício à cidadania, o era também para a educação de massas. A ausência de educação básica universal até a década de 1990 é, ao mesmo tempo, reflexo e agravante da cidadania incipiente.

Esse quadro não impediu as várias revoltas populares em nossa história, que eram reprimidas com violência, sendo que o longo período militar deixou marcas. A repressão pode ter contribuído para uma sociedade pouco inclinada à reivindicação.

O resultado é que prevalecem os interesses de grupos organizados na agenda política, enquanto preserva-se muitas vezes o equilíbrio social com populismo e paternalismo. Uma combinação que impede o maior crescimento econômico.

As novas gerações, beneficiadas pela conectividade digital, têm desafiado a “velha ordem” e anseiam por maior participação política – ainda que por vezes as reivindicações sejam injustas. Essa foi a lição dos protestos de 2013.

A crise atual cria um ambiente mais propenso a reivindicações. O distanciamento social e a volta da economia contribuem para a população dar o benefício da dúvida aos governos. Talvez não por muito tempo. A crise ceifa oportunidades de trabalho e de desenvolvimento, gerando insatisfação.

Temas que antes eram pouco presentes no debate público têm ganhado evidências e geram indignação. É o caso das regras que regem o serviço público, com benefícios não disponíveis ao trabalhador do setor privado. A pesquisa Exame-Ideia mostra que 34% dos entrevistados são contra a estabilidade do funcionalismo. Predominam os que são a favor (52%), mas 34% não é pouco, posto que é um debate recente. Além disso, 53% são a favor de a reforma administrativa proposta pelo governo valer também para os atuais servidores, e não apenas para futuros concursados.

Enquanto isso, organizações que representam os servidores públicos mostram-se indiferentes ao sofrimento da população. Falta espírito público a um grupo que deveria servir à sociedade e que conta com estabilidade de emprego e renda.

Os sindicatos de professores recusam o retorno das aulas presenciais, deixando de lado os estudantes e os responsáveis que voltam ao trabalho e sofrem por não ter como cuidar dos filhos. Para a Apeoesp, que representa os professores da rede pública de São Paulo, “voltar às escolas é genocídio” e “o não retorno às aulas presenciais é inegociável”. Deveriam estar discutindo como retomar as aulas presenciais com segurança.

Muitos médicos peritos do INSS relutam em voltar ao trabalho. A associação que os representa, ANMP, obteve uma vitória na Justiça Federal, que suspendeu o retorno presencial, o que impede o governo de cortar o ponto dos faltosos.

Dezenas de sindicatos de servidores se unem contra a reforma administrativa governo. Muitos se acreditam especiais, enquanto o governo falha em sua comunicação.

A elite do funcionalismo, principalmente do sistema judiciário, tem conseguido preservar e até criar novos privilégios. O Ministério Público Federal obteve aprovação para contornar a regra do teto e garantir recursos para o auxílio-moradia. E juízes poderão receber mais 1/3 do salário ao assumir estoque de processos que aguardam julgamento.

Não seria justo generalizar. Não faltam servidores zelosos de suas responsabilidades, sendo que há grande desigualdade de renda dentro do serviço público. As lideranças do funcionalismo, no entanto, precisam buscar o diálogo honesto e resgatar o espírito do serviço público. Na intransigência, não estão protegendo a quem representam. Estão, sim, provocando a ira dos contribuintes.

*CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP


Bruno Boghossian: Guedes se associa ao centrão para ganhar poder de barganha

Ministro cede a parlamentares e abre portas de estatais para indicações políticas

Paulo Guedes não era fã de deputados e senadores quando chegou a Brasília. Apesar de ter chancelado a campanha de um candidato que havia passado três décadas no Congresso, o ministro usava a expressão "criaturas do pântano político" para se referir a grupos que "se associaram contra o povo brasileiro".

Por quase dois anos, ele se queixou desses monstrengos. Sugeriu dar uma "prensa" nos parlamentares, disse que eles não se importavam com as criancinhas e ainda rompeu com o presidente da Câmara.

Agora, algo mudou —e não foram os políticos. O ministro afirmou a aliados que vai abrir portas de estatais e outros órgãos para o centrão. Segundo uma reportagem da Folha, Guedes avisou que vai discutir com o Planalto nomes indicados pelos partidos que apoiam o governo.

Mais que uma jogada pragmática, trata-se de uma capitulação. Além de demolir de vez o discurso de Jair Bolsonaro contra o loteamento de cargos, a decisão fragiliza ainda mais a agenda de privatizações de Guedes. Ocupar empresas com políticos é a maneira mais eficaz de garantir que eles continuem por lá.

O ministro reconheceu que o centrão dá as cartas na política e na economia. Até aqui, o Congresso fez o que quis: impediu reduções de benefícios sugeridas por Guedes, aumentou o auxílio emergencial proposto pelo governo e aprovou o perdão de dívidas das igrejas com a Receita.

Ele percebeu também que não pode contar com o próprio chefe para salvá-lo desses dribles. Guedes protestou e conseguiu que Bolsonaro barrasse a anistia para os líderes religiosos. Na mesma hora, o presidente incentivou uma traição ao ministro com a derrubada do veto.

Fragilizado, Guedes decidiu se associar aos parlamentares do centrão no momento em que sua plataforma se torna alvo de questionamentos até de investidores. A manobra dá ao ministro algum poder de barganha em Brasília, mas o histórico da relação sugere que as "criaturas do pântano político" continuarão no comando dessa agenda.


Merval Pereira: O teto é o limite

O cobertor curto orçamentário está causando apreensão entre os políticos (alérgicos a novos impostos), ao governo, que já tem tudo para lançar um novo programa social (menos dinheiro), e nos órgãos fiscalizadores, como o Tribunal de Contas da União (TCU), que ontem alertou que o quadro fiscal do país é “gravíssimo”, na definição do ministro Bruno Dantas.

O ministro Paulo Guedes está em busca de "tributos alternativos" para desonerar a folha de pagamentos das empresas e também encontrar “uma aterrissagem suave” do auxílio emergencial. É a maneira politicamente correta que Guedes encontrou para tentar a aprovação do imposto sobre transações digitais.

Quanto à desoneração da folha, a troca é bem-vinda e poderá ser a chave para um acordo no Congresso, pois barateará o custo das contratações, ajudando a reduzir a taxa de desempregados. "Queremos desonerar, queremos ajudar a buscar emprego, facilitar a criação de empregos, então vamos fazer um programa de substituição tributária", disse Guedes.

Mas, quanto ao substituto do auxílio emergencial, que o governo quer transformar em um programa de renda mínima de R$ 300, maior que o Bolsa-Família no valor e no alcance social, a conta não fecha. O teto de gastos não admite que novas receitas possam aumentar as limitações orçamentárias.

Só cortando custo, gastos a mais só com a definição de onde sairá o dinheiro novo para compensá-los. O ministro Bruno Dantas ontem foi claro: “O teto é fixo”. Ao analisar ontem uma prestação de contas da execução orçamentária e financeira do primeiro trimestre deste ano, os ministros ficaram impressionados com a previsão de que o déficit fiscal este ano deve ser da ordem de R$ 861 bilhões, maior do que a previsão oficial em julho.

Segundo o ministro Bruno Dantas, existe a sensação “em vários momentos” de que o Brasil está “à deriva”, e foi apoiado por todos quando afirmou que o governo precisa fazer um plano de saída da crise para “o curto e médio prazo”.

Com todas essas dificuldades, no decorrer das negociações sobre o pacto federativo, que é onde está embutido o Renda Cidadã, é possível que o debate sobre a possibilidade de mudança dos critérios do teto de gastos seja destravado. Há quem imagine que é possível fixar-se um novo teto, englobando o resultado de um novo imposto.

A proposta do relator do pacto federativo, senador Marcio Bittar, é acabar com as despesas obrigatórias para saúde e educação, permitindo que o orçamento seja mais flexível. É uma questão polêmica, que certamente causará debates polarizados, pois será preciso que, nessa conformação, o apoio político da saúde e da educação seja forte o suficiente para que não percam verbas orçamentárias. Como a visão é de que esse governo não tem apreço pelas duas áreas, vai ser difícil chegar a um acordo.

Para cortar gastos que sejam relevantes, só há uma saída: ou mexer na parte superior da pirâmide, que é onde estão os altos salários dos servidores públicos, ou cortar na base, atingindo a maioria, formada pelos que se procura atender com o novo programa social. A segunda opção já foi descartada pelo presidente Bolsonaro, que alega não querer tirar dos pobres para dar para os paupérrimos.

O que ele quer mesmo é manter um programa social que dará o dobro do que hoje dá o Bolsa Família, e a mais gente, incluindo os cerca de dez milhões de “invisíveis” que foram descobertos agora na pandemia. É um projeto político que esbarra na dificuldade por que passa o país, mas que interessa também ao centrão, que assumiu o apoio ao Renda Cidadã. Como estamos em época eleitoral, o novo programa social não deve ser de efeito imediato, pois até dezembro está em vigor o auxílio emergencial de R$ 300.


RPD || Paulo Baía: A instabilidade e a imprevisibilidade como norma política

Enquanto a oposição busca nacionalizar os debates durante as eleições municipais, Bolsonaro busca garantir suas alianças ao distanciar-se o máximo possível do pleito no primeiro turno, para evitar conflitos com os partidos do Centrão

A situação política e econômica do país é de desânimo neste mês de setembro. Estamos mergulhados num mar de dúvidas e incertezas sem imaginar como será o fim da grave crise provocada pela Covid-19. A economia paralisou. E com isso temos hoje situação mais difícil do que há um ano, com milhões de pessoas desempregadas. Segundo o IBGE, no segundo trimestre houve retração de 9,7% do PIB e a economia mantém-se em recessão, que nos acompanha desde o segundo governo Dilma Rousseff. O Brasil não consegue sair da crise e o debate não muda, entre uma política de ajuste fiscal austera e a ideia de investir em infraestrutura, gastando para sair da crise. O confinamento só aumenta o desgaste e o estresse social, com a ideia de ter que viver sob um conceito de "novo normal" que não demarca exatamente a realidade em questão. Como se os brasileiros estivessem presos às suas máscaras e ao álcool gel sem saber ao certo quando tudo irá passar definitivamente, acentuando a angústia e doenças mentais, como depressão e fobias.

As eleições municipais tiveram que ser adiadas para o dia 15 de novembro e, no entanto, nos aproximamos do pleito sob o signo da tristeza, sem esperança de mudanças. A sociedade, impactada pela crise sanitária da Covid-19, divide-se em responsabilizar a própria população e o presidente Jair Bolsonaro pela ampla tragédia social e econômica, na qual já morreram quase 130.000 brasileiros. E sabemos que há uma subnotificação dos casos pela ausência de testes e com um ministro da Saúde improvisado. O Ibope, em pesquisa via internet divulgada no dia 6/9, cartografa essas tendências, com uma margem de erro de 2%: 38% responsabilizando a população e 33%, o presidente da República. Para 71% dos entrevistados, os estragos da pandemia do coronavírus foram muito maiores do que o esperado.

Aliado a estas questões, temos o Governo Federal vivendo gangorra interna, com Paulo Guedes apoiado por Rodrigo Maia, de um lado, e Henrique Marinho, por militares e prefeitos, de outro. Isto é, são dois projetos político-econômicos, para tentar retomar as medidas reformistas e o crescimento econômico atraindo investimentos. As oposições partidárias a Jair Bolsonaro acabam por se aproximar, pragmaticamente, das propostas de Henrique Marinho através do aumento de investimentos. Temos a instabilidade como regra política no cenário federal, no momento, no mesmo diapasão da instabilidade sanitária, ainda não contida no país.

O Brasil vive de dois em dois anos em torno das eleições e este ano teremos as municipais, que possuem grande relevância por mostrarem a situação e o humor dos eleitores em suas respectivas cidades. Dessa forma, o PR pretende manter-se distante das disputas em função das alianças feitas com o Blocão no Congresso desde o inquérito das Fake News, quando houve "contenção" provisória dos arroubos autoritários de Jair Bolsonaro. Por isso, ele precisa garantir suas alianças e a ideia é distanciar-se o máximo possível do pleito no primeiro turno, para evitar conflitos com partidos como o DEM e o MDB, por exemplo. Os candidatos às prefeituras não desejam nacionalizar o debate; ao contrário, preferem manter-se presos às questões de interesse do eleitor em suas cidades, debatendo as mazelas locais. O equilíbrio de Jair Bolsonaro no Congresso também depende de atender às demandas dos deputados em seus colégios eleitorais. Para tanto, a máquina bolsonarista já atua para satisfazer os desejos dos aliados, além da importância dos fundos partidários nesta disputa eleitoral; dessa forma, não há como negar apoios. A oposição busca nacionalizar o debate, mas não é desejo da maioria dos candidatos a prefeito pelo não interesse do eleitor – veja Márcio França em São Paulo.

Tempos de eleição sempre foram momentos de alegria e celebração da democracia com desejo por mudanças trazendo esperanças. Uma ideia de renovação que anda ausente das perspectivas dos eleitores pelo não atendimento de suas demandas, causando frustrações, e pelos inúmeros casos de corrupção. A sensação é de que nadamos, revolvemos o fundo do mar, expondo a fratura do sistema político e até agora nada foi modificado além do atendimento emergencial e imediatista das necessidades do cidadão. Daí o desânimo e a tristeza, além das perdas de diversos brasileiros pela doença. Não há muito que celebrar! Mas a democracia espera que continuemos a festejá-la apesar das dificuldades.

*Paulo Baía é sociólogo e cientista político


RPD || Arlindo Fernandes de Oliveira: Contrarreforma da administração - Para enganar quem quer ser enganado

Na visão de Arlindo Oliveira, proposta apresentada pelo governo Bolsonaro não traz melhorias para o serviço público de educação, saúde seguirá cativa dos grupos financeiros, com o Executivo tentando minar a independência do Poder Judiciário e as competências e prerrogativas do Poder Legislativo  

A proposta de emenda à Constituição que, supostamente, deveria cuidar da chamada reforma administrativa, na verdade faz o exato oposto. Beneficia-se, é verdade, do interesse de um mal assessorado “mercado” pela reforma e da receptividade circunstancial pelo dito Centrão.

Ninguém desconhece que a administração pública e o regime jurídico de servidores e de empregados públicos carecem de reforma, para que o Estado possa prover, com o máximo de eficiência e o mínimo de custos, os serviços públicos essenciais – educação, saúde e segurança pública –, bem como realizar suas atividades-fim: recolher impostos e fazer os gastos pertinentes, administrar a justiça, fazer leis e assegurar as liberdades individuais e públicas.

Mas nada disso comparece à Proposta de Emenda à Constituição sobre reforma do Estado alegadamente elaborada pelo Sr. Paulo Guedes: não se cogita melhorar o serviço publico de educação, seja prestado pelos governos, seja pelas empresas do setor; a saúde seguirá cativa dos interesses de grandes grupos financeiros, contando com o SUS como boia salva-vidas; e o Executivo seguirá tentando obstar a independência do Poder Judiciário, e as competências e prerrogativas do Poder Legislativo. Reforma alguma aqui é promovida. Para que, então, é encaminhada a proposta?

O regime jurídico do servidor contemplará algumas mudanças, dizem. Seriam aquelas feitas a partir do errado diagnóstico de que os servidores públicos atuais são indemissíveis. Não são. Passarão a ser, uma parte deles, e a outra parte ficará como são os atuais servidores. Fingem desconhecer que há projeto de lei que disciplina avaliação de desempenho e possibilita demitir por ineficiência e incúria. O que importa é mandar a mensagem da sucumbência do Governo Federal aos interesses pontuais do que imagina ser o mercado.

Sabe-se muito bem que o mercado, a economia, o desenvolvimento, os interesses nacionais e os da sociedade brasileira ganhariam com uma administração pública eficiente e viável, especialmente se pensada com visão estratégica, isto é, no médio e longo prazos. Mas não se pensa nisso, apenas em negócios de circunstância.

Há, supostamente, novas regras, mais restritivas, mas que somente se aplicariam aos futuros servidores, aqueles que ingressarão no serviço público após a promulgação da Emenda Constitucional. Ora, uma norma dessa natureza, além de flagrantemente inconstitucional, por afrontar os direitos dos futuros servidores, violando o princípio da isonomia, terá o efeito perverso de instituir duas categorias de servidores: uns dotados de plenos direitos e garantias, e os subsequentes, pressionados a se submeter aos interesses políticos e pessoais da malta que venceu a eleição. Não é só inconstitucionalidade: tampouco há hipótese de que possa funcionar um ente ou qualquer órgão público dividido em servidores com distintas categorias de direitos. É um absurdo jurídico-constitucional que destrói a eficiência da administração.

Um dos objetivos anunciados da reforma seria a redução de gastos públicos: nesse plano, nada é feito, nem em curto nem em médio prazo. A redução dos gastos fica para as calendas gregas. Agora e amanhã, é zero, nada.

Agentes públicos são todos os que ocupam cargo ou função no aparato do Estado, sejam servidores, empregados ou os agentes políticos. A proposta, entretanto, de modo inconstitucional – e incompetente – exclui os agentes políticos e os membros do Judiciário e do Ministério Público, além dos militares. Aqui, de novo, a injuridicidade soma-se à má qualidade técnica da proposta.

A proposta, louve-se, não legaliza as rachadinhas. Mas nada faz para combatê-las. Como evitar o desvio de recursos públicos destinados a remunerar os trabalhadores para os bolsos dos patrões picaretas e vigaristas? Nada é encaminhado a esse respeito, que bem merece uma emenda.

O mesmo quanto à famigerada porta giratória, mecanismo de que se vale o sistema financeiro para, de quando em quando, situar seus futuros empregados e dirigentes na Administração Pública, especialmente na equipe econômica e no Banco Central, apenas para ali recolher, da forma mais promíscua, as informações que amanhã servirão aos bancos, contra o Estado e a sociedade. Aqui, também, como se esperava, nem uma palavra.

*Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor do Senado, advogado e especialista em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público


Luiz Carlos Mendonça de Barros: Choque liberal. Um sonho?

O ministro se dispôs a abandonar a natureza radical de seu programa e adaptá-lo ao que é possível realizar

O analista que acompanhou o início do mandato do presidente Bolsonaro sempre teve dúvidas sobre a viabilidade política do choque liberal na economia prometido pelo ministro Paulo Guedes. Afinal, o histórico parlamentar do novo Presidente da República - inclusive sua origem militar - apontava em outra direção. Mas, a composição da equipe econômica feita com total autonomia parecia contradizer os mais pessimistas em relação a esta questão.

Eu me incluía neste grupo, principalmente por experiências vividas na minha carreira profissional por mais de cinquenta anos. Afinal, foi no ambiente de um verdadeiro choque liberal que iniciei a caminhada no mercado financeiro brasileiro em 1967. Mais ainda, meu primeiro patrão foi Roberto Campos, avô do atual presidente do Banco Central e considerado até hoje como uma referência de modelo liberal de gestão da economia.

Recém-formado pela Escola Politécnica da USP e novato em questões econômicas fui educado, nos primeiros anos de minha carreira, pelo professor Roberto Campos, como era chamado por nós funcionários do Investbanco. À época já era possível sentir em algumas de suas palavras - amargas - um forte ressentimento em relação às mudanças que ocorriam no modelo econômico criado por ele no mandato tampão do general Castelo Branco. Sob o comando de outra geração de presidentes militares e nas mãos de um economista de outra escola de pensamento - Delfim Netto - o choque liberal sonhado inicialmente se transformava, segundo ele, em algo pastoso e sem forma.

O general Costa e Silva - novo Presidente da República - e posteriormente seu sucessor Garrastazu Médici, vinham de outro grupo de oficiais do exército, formados fora da Escola Superior de Guerra - que se chamava então de Sorbonne - e à qual pertencia Castelo Branco. Formação profissional diversa, marcada pelas experiências de comando de tropa, mas principalmente com valores econômicos que se antagonizavam com os de Roberto Campos.

Ao longo de meus quatro anos no Investbanco, nos momentos em que tive a felicidade de ouvir o professor Campos comentar sobre economia e política, pude acompanhar de perto sua frustração com a desmontagem do sonho liberal construído com competência entre 1965 e 1967. A economia brasileira respondia com vigor às reformas realizadas e crescia a taxas de quase 10% ao ano, mas agora sob o comando inteligente - mas pragmático - do novo czar da economia, Delfim Neto.

Em 1973, na transição para um novo general presidente, a economia brasileira estava exausta e com problemas graves associados ao fim de um ciclo econômico que tinha se expandido acima de seu potencial. Sob o peso de um choque externo, representado pelo aumento brutal dos preços do petróleo, a inflação saía de controle e nossas contas externas estavam próximas do colapso.

Nesta transição para a presidência do general Geisel, um outro grande nome dos economistas liberais do Brasil - Mario Henrique Simonsen - foi chamado para comandar a economia com a missão de colocá-la novamente nos trilhos da estabilidade macroeconômica. Mas Geisel não era Castelo Branco e Simonsen não chegava perto de Roberto Campos como estadista. Colocado diante de um plano econômico ortodoxo de ajustes nos desequilíbrios cíclicos que vivíamos, Geisel negou-se a aceitar uma recessão como caminho a ser trilhado. Conta a história que teria dito a seu Ministro da Fazenda: “ Por que no meu mandato? “

Simonsen cometeu então um erro gravíssimo ao aceitar as limitações estabelecidas por Geisel e o Brasil mergulhou em quase dez anos de crise inflacionária e que levaria ao fim do regime militar em 1984 com a eleição de Tancredo Neves para a Presidência da República.

Mas Tancredo Neves, político conservador e cauteloso, escolheu para assumir o Ministério da Fazenda seu sobrinho Francisco Dornelles. Dornelles tinha uma formação econômica liberal e muito ligado ao pensamento da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, de onde também tinha origem Mario Henrique Simonsen. E em uma destas armadilhas que a história prega a todos nós, a cartilha de Roberto Campos e Bulhões voltava a ser o norte da política econômica no governo civil de Tancredo Neves.

Mas a morte do presidente eleito e sua substituição por José Sarney criaram uma armadilha fatal para o segundo choque liberal da nossa história republicana. O velho político do Maranhão, guindado por acaso à presidência da República, seria a última pessoa a bancar o torniquete fiscal e monetário criado por Dornelles e sua turma de jovens economistas, todos com a faca entre os dentes para resgatar o nome de Mario Henrique Simonsen.

Uma pequena e interessante nota histórica é que Paulo Guedes foi convidado a fazer parte desta equipe, mas desistiu para iniciar um caminho solo no mercado financeiro.

Este novo choque liberal na economia durou apenas seis meses e abriu o caminho para o nascimento de outra escola de pensamento econômico, sem o radicalismo da anterior, e que se consolidaria como hegemônica por mais de 8 anos com o sucesso do Plano Real e a eleição de Fernando Henrique Cardoso.

Vivemos agora um ajuste entre o choque liberal radical, prometido por Paulo Guedes e sua equipe, e a dura e complexa realidade do funcionamento das instituições políticas de nosso país. Parece, visto de hoje, que o ministro entendeu a natureza deste conflito e se dispôs a abandonar a natureza radical de seu programa e adaptá-lo ao que é possível realizar.

Aliás, opção que várias gerações de economistas brasileiros foram obrigadas a fazer em seu tempo de comando da economia para deixar um legado positivo na busca de uma economia mais eficiente em nosso país. Como aconteceu entre 1964 e os dias de hoje.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.


Hélio Schwartsman: De Posto Ipiranga a Manjubinha

Economistas nem sempre estudam filosofia como deveriam

Paulo Guedes passou da condição de ministro que resolveria tudo na economia para a de petisco frito por imersão ("deep fried"). Até aí, não é tão surpreendente. Esse é um destino relativamente comum para ministros, sob governos de todas as ideologias.

Mais difícil de entender é como alguém que se proclama liberal tenha se envolvido com um dirigente autoritário como Jair Bolsonaro. Guedes se gaba de ter lido Keynes "três vezes e no original", mas me pergunto se leu Hayek, autor que, para ele, na condição de egresso da Escola de Chicago, deveria ter maior precedência.

E Hayek, melhor do que qualquer outro liberal moderno, compreendeu que não é possível desmembrar a economia das outras dimensões da vida. "Fins puramente econômicos não podem ser separados dos outros fins da vida", escreveu em "O Caminho da Servidão". Isso ocorre porque a economia é, no fundo, uma forma de ordenar nossas prioridades, algo que depende do valor que atribuímos individual e coletivamente às diferentes atividades e às coisas.

A crítica de Hayek ao socialismo é que este, ao contrário do livre mercado, exige a instalação de um planejador central para a economia, o que necessariamente diminui nossa liberdade existencial. E ampliar a liberdade existencial é, não só para Hayek como para Marx (não confundam o autor com o que fizeram em seu nome), o objetivo último.

Daí decorre que não faz sentido, para um liberal (o caso do marxista é um pouco diferente), trabalhar com um governante com tendências liberticidas. Guedes, reconheça-se, não foi o único a cair na armadilha. Milton Friedman e vários de seus associados flertaram com Pinochet, para recordar um único caso.

O problema, arrisco diagnosticar, é que economistas nem sempre estudam filosofia como deveriam, o que os faz perder a visão do todo. Desse pecado, Hayek, educado na Viena dos anos 20, não sofria. Já o Manjubinha…