Paulo Guedes
El País: Sem rumo na economia, Bolsonaro costura arranjos frágeis e mantém rota de colisão com Guedes
Gestão sofre crises periódicas com embates do ministro, que perdeu a confiança plena do Planalto, com Marinho e Maia. Jantar sela tentativa de trégua com o presidente da Câmara
A falta de rumo do presidente Jair Bolsonaro na condução da política econômica de seu Governo tem produzido crises periódicas, a conta-gotas. A emergência sanitária do coronavírus aprofundou os titubeios de Bolsonaro em relação à política de seu ministro Paulo Guedes num momento em que o presidente começa a ouvir outros conselheiros econômicos, mas não parece, ainda, decidido a rifar o economista que o ajudou a chegar ao poder. Auxiliares do mandatário dizem que, ainda nesta semana, ele deverá fazer declarações públicas para demonstrar que há unidade de pensamento entre o Planalto e a Economia. Ainda que o faça, será como usar um esparadrapo para conter uma hemorragia.
O motivo é que os impasses de fundo permanecem. Em jogo está a manutenção do teto de gastos públicos, uma promessa de Guedes que parece cada vez mais sob ameaça se não houver novos impostos ―algo a que Bolsonaro e boa parte de seus aliados se opõem. Está em jogo também, e principalmente, o financiamento do Renda Cidadã, um novo programa que pretende substituir o Bolsa Família como uma marca que Bolsonaro quer deixar na área social. O Governo não chega a um acordo sobre de onde viriam os recursos para bancá-lo. Todas as tentativas lançadas como possíveis anteriormente ―como o uso de verbas de precatórios, dos recursos do Fundo da Educação Básica ou a extinção de outros programas sociais― foram prontamente rechaçadas pelo Congresso e por atores do mercado financeiro.
É neste panorama já pantanoso que o ministro da Economia fez inimizades na Esplanada, de seu colega de gabinete, Rogério Marinho (Desenvolvimento), ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Na noite desta segunda-feira, Guedes e Maia reuniram-se para selar um armistício, depois de ambos se atacarem em discursos públicos. Guedes havia se queixado que o parlamentar não tinha comprometimento com a agenda econômica, teria se aliado à esquerda e interditado a agenda de privatizações. Maia, por sua vez, respondeu, chamando o ministro de “desequilibrado”.
Após um jantar na casa do ministro do TCU (Tribunal de Contas da União), Bruno Dantas, no entanto, ambos fizeram promessas de uma nova relação. Maia pediu desculpas a Guedes, reconhecendo ter sido “grosseiro” com o ministro ao longo das últimas semanas - “a única pessoa do governo que me apoiou” na eleição para o comando da Câmara, segundo ele. Já o ministro disse que os embates não foram “ofensas pessoais”, mas sim “trocas de opinião”. Mas ressaltou que "eu, caso eu tenha ofendido o presidente Rodrigo Maia ou qualquer político que eu possa ter ofendido inadvertidamente, peço desculpas também”, disse Guedes.
Esta foi a segunda vez que ambos tiveram de reatar o relacionamento. A primeira foi em março do ano passado, por conta da condução da reforma da Previdência, que acabou aprovada mais por dedicação do Legislativo do que do Executivo.
Maia já deixou claro que prefere tratar das negociações com o Executivo diretamente com o ministro-general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Para o parlamentar o que também está em jogo é a sua sucessão na presidência da Câmara. Ele quer fazer seu sucessor, enquanto que o Centrão, grupo de partidos de centro-direita que é a sustentação de Bolsonaro na Câmara, quer ter seu próprio candidato.
Maia, assim como o ministro, apoia o teto de gastos, o mecanismo orçamentário que impede uma despesa maior que a do ano anterior. Dificilmente o presidente da Câmara ou um sucessor apoiado por ele patrocinariam uma flexibilização do teto para votação na Câmara. Já um nome do Centrão poderia fazê-lo, conforme a temperatura do Legislativo ou a sinalização de Bolsonaro, que sabe que em 2021 terá, sim, de investir mais recursos públicos, sob o risco de manter o país em recessão por causa da pandemia de coronavírus e de olho na campanha de reeleição.
O pragmatismo que o presidente teve para se contrapor à sua base de apoio para se aproximar dos deputados do Centrão ou para garantir certa tranquilidade no Judiciário, com a nomeação de Kássio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal, não tem se traduzido, até o momento na agenda econômica. “Para além de disputas individuais, uma parcela da razão desses conflitos é a falta de liderança do presidente em encaminhar a agenda econômica”, analisou o cientista político e sócio da Tendências Consultoria, Rafael Cortez. “Falta coesão entre os grandes tomadores de decisão. A busca pelo meio termo é cada vez mais difícil. É nessa hora que o presidente deve exercer o seu papel”, segue ele.
Se não bastassem as críticas vindas do Congresso a Guedes, ainda há o “fogo amigo” disparado pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Ex-secretário especial da Previdência subordinado a Guedes, ele falou para um grupo de economistas e investidores que seu antigo chefe era um “grande vendedor” e que estaria surpreendendo negativamente autoridades de Brasília. Apesar de discursar em outro sentido, Bolsonaro a confiança de Bolsonaro em Guedes está desabando.
“Os discursos do ministro Guedes não têm mais a mesma credibilidade do início do Governo. E, depois de acabar com o pilar do combate à corrupção com a saída de Sergio Moro da Justiça, agora, Bolsonaro está acabando com o seu pilar econômico”, disse o deputado Paulo Ganime, líder do Novo, partido que tem votado essencialmente com o Executivo no Congresso.
Antes considerado superministro, Guedes tem visto seu poder diminuir a cada dia. Em um ano e nove meses de Governo, ele perdeu a metade de sua equipe de assessores e não entregou quase nada do que planejava. Entre as promessas, estão as reformas tributárias e administrativas, além do pacote de privatizações. Na Esplanada dos Ministérios e no Congresso Nacional circula que ele não foi demitido ainda por duas razões: falta um nome de consenso para substituí-lo e Bolsonaro teme uma forte perda do apoio do mercado financeiro. “Guedes tem sido visto como uma pessoa que prometeu mundos e fundos, mas não entrega porque não tem competência política para entregar”, afirmou o economista e professor da Universidade de Brasília, José Luís Oreiro.
Se cair nas próximas semanas, o que ninguém crava ainda que irá acontecer, Guedes não será o primeiro a perder o posto diante de tantas críticas internas. No Governo Dilma Rousseff (PT), em 2015, Joaquim Levy deixou o ministério da Fazenda após embate com o seu colega do Planejamento, Nelson Barbosa, que acabou o substituindo. Na gestão Fernando Henrique Cardoso, em 1999, o presidente decidiu bancar Pedro Malan na Fazenda, quem caiu foi quem entrou em rota de coalizão com ele, o então ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho.
Eliane Cantanhêde: O último a saber
Na guerra do ‘desequilibrado’ com o ‘despreparado’, Bolsonaro esquece Guedes
O presidente Jair Bolsonaro desautoriza Paulo Guedes num dia e no outro também e ontem o ministro foi o último a saber do encontro do chefe e do general Luiz Eduardo Ramos com seus dois maiores inimigos, o deputado Rodrigo Maia e o ministro Rogério Marinho. Soube por uma foto em que só aparecia Maia. À vontade, íntimo da “casa”, o fotógrafo foi Marinho.
Guedes acusa Maia de boicotar as privatizações, Maia chama Guedes de “desequilibrado” e Guedes ataca Marinho como “despreparado”, por admitir publicamente furar o teto de gastos. Logo, a coisa está animada na cúpula do governo, com o presidente no meio de uma guerra entre o “desequilibrado” e o “despreparado”. Ou melhor, no centro.
O tema da reunião, informou-se, foi de onde tirar dinheiro para o Renda Cidadã, mas como assim? O ministro da Economia, dono da chave do cofre, não estava presente, não foi convidado, nem sequer foi comunicado. E chiou. Como anda com os erros à flor da pele, envolto em dúvidas e convivendo dia a dia com a insegurança da própria equipe, dá para imaginar que a chiadeira não foi lá das mais calmas e elegantes.
O Planalto e Bolsonaro tiveram um trabalhão para convencê-lo de que se tratava de um cafezinho inocente e que o presidente mantém inalterados tanto a defesa do teto de gastos quanto a confiança e apreço pelo seu Posto Ipiranga. Se o próprio Guedes tem lá suas dúvidas, certamente o mercado e a opinião pública não ficam atrás.
Quando se pergunta no governo qual a diferença entre Sérgio Moro e Paulo Guedes, a resposta é uníssona: Moro, segundo eles, com replique nas redes bolsonaristas, foi “desleal”, “mau caráter”, uma “surpresa”, enquanto Guedes não é nada disso e é praticamente indemissível.
Na verdade, o que ministros diziam de Moro às vésperas da queda dele é o que dizem agora de Guedes: um pilar do governo; o presidente sabe a importância que ele tem; aliás, gosta muito dele, pessoalmente; a chance de ele sair é zero… Era zero com Moro e é zero com Guedes, mas só até a próxima curva.
Paulo Guedes é teimoso e duro na queda, não vai engolir desaforo calado, como Moro, e depois sair atirando. Ele está guerreando pela sua posição a céu aberto, botando a boca no trombone e se esforçando para manter unida o que resta da equipe econômica, depois da “debandada” que lhe tirou os secretários da Receita, do Tesouro, das Privatizações e da Desburocratização.
Só conseguiu salvar o da Fazenda, que recebeu “cartão vermelho” do presidente, mas se manteve – com o compromisso de boca fechada. Esse compromisso Bolsonaro não vai arrancar de Guedes. Ficando ou saindo, ele vai continuar sendo Guedes, sem papas na língua.
O script continua como previsto: depois de perder uma atrás da outra no governo e passar a ser sistematicamente criticado no mercado e na mídia por falar muito e entregar pouco, Guedes sobe e desce, sobe e desce, numa montanha-russa. Como na queda de Moro, ministros e assessores penduram-se no telefone para jurar que Guedes está firme feito uma rocha, mas assim mesmo começa a bolsa de apostas para lhe suceder, que nem vale citar aqui, para não botar mais fogo no circo.
Mais do que nomes, aliás, tem-se uma certeza: não será nenhum nome óbvio. E por que essa certeza? Basta ver como foram as escolhas para Educação, Saúde e Supremo: Carlos Alberto Decotelli, Milton Ribeiro, Eduardo Pazuello e Kassio Nunes.
Nomes fora de qualquer lista, soprados ao ouvido sensível do presidente, que leva a sério quem toma tubaína com ele e está cada vez mais se lixando para a gritaria de robôs bolsonaristas, ou chororô de derrotados. E não se assustem com um sucessor de Guedes do Centrão, ou apadrinhado pelo grupo. Sinto informar. Guedes ainda não perdeu, mas o Centrão já venceu!
Míriam Leitão: Caos e confusão como método
Por Alvaro Gribel (interino)
Depois de mais uma semana de brigas e perda de tempo, fica a pergunta sobre o que pretende o ministro Paulo Guedes no governo Jair Bolsonaro. Nas redes sociais, houve quem lembrasse uma frase do economista Roberto Campos, de que chegou ao Congresso querendo fazer o bem, mas depois viu que poderia apenas evitar o mal. No caso de Guedes, há dúvidas, porque parte dos problemas tem origem no seu temperamento. Se a conversa de Rogério Marinho com investidores foi tida como desleal, também não se pode dizer que tudo que ele falou não faz sentido.
Paulo Guedes chegou a Brasília carregando a fama de que não tinha experiência como gestor de equipes e de ser uma pessoa de difícil convívio. Por isso, sempre se saiu melhor como investidor, consultor e palestrante, onde conseguia encantar plateias, especialmente formada por seus pares. No governo, tem demonstrado falta de foco na formulação e apresentação de projetos — como disse Marinho — e repete sempre frases feitas, qualquer que seja o seu interlocutor. Na relação com a imprensa, não entendeu o básico sobre comunicação institucional.
Apesar da formação de economista, Guedes não parece muito afeito aos números. É comum o ministro arredondar dados para cima e fazer contas de 10 anos para, em qualquer contexto, chegar à casa do trilhão. Na semana passada, usou o artifício para dizer que o país já tem garantido R$ 1,2 tri de investimentos nesta década pelos marcos legais em andamento, da cabotagem, setor elétrico, saneamento e privatizações. Antes da pandemia, enquanto as projeções do mercado para o PIB caíam, ele dizia que o país ia “crescer o dobro” e citava dados da arrecadação, como faz até hoje. Quem acompanha as coletivas da Receita sabe que esse não é o melhor indicador antecedente de atividade. A entrada de recursos no caixa do Tesouro pode variar com pagamentos extraordinários e de acordo com o calendário. É uma estatística poluída.
A última semana foi exemplar do comportamento errático do ministro. Na entrevista em que anunciou o Renda Cidadã, na segunda-feira, defendeu o programa, alegando que ele tinha encontrado o timing perfeito para entrar na pauta. Na terça, silenciou, enquanto o relator do Orçamento, Márcio Bittar, defendia a ideia, que teve forte reação negativa do mercado. Na quarta-feira, Guedes apareceu de última hora na apresentação dos dados do Caged. Chamou o uso de precatórios de puxadinho, embora Bittar tenha afirmado que a proposta tenha nascido no Ministério da Economia. Terminou a semana em nova troca de farpas com Marinho.
Por causa da pandemia, as comissões do Congresso estão paralisadas. A que está em funcionamento é a da reforma tributária, mas ela não anda porque Guedes não enviou a proposta do governo. Sendo hoje domingo, provavelmente ficará para a “semana que vem”.
‘Já está no preço?’
Na reunião com investidores na quarta-feira, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, ouviu de analistas que qualquer tipo de contabilidade criativa para se criar o Renda Cidadã seria visto como uma forma de furar o teto de gastos. O deputado, então, questionou: “Então esse risco já está no preço?” Querendo saber se o pior já teria acontecido com a bolsa, o dólar e o risco-país. Ouviu como resposta um sonoro “não”, porque os investidores ainda não creem que o governo fará isso. Mas se fizer, vai piorar.
Sinais trocados
Enquanto várias sondagens apontam recuperação da confiança, os indicadores do mercado financeiro estão mostrando um cenário mais negativo para o Brasil, principalmente pela questão fiscal.O superintendente de Estatísticas Públicas do Ibre/FGV, Aloisio Campelo Jr., explica que a indústria e o comércio estão melhores, enquanto a confiança dos consumidores e serviços ficou para trás. “É importante ressaltar que a recuperação nas sondagens de confiança é para um patamar pré-crise, que não é tão alto. A economia não estava bombando antes do vírus, no início do ano”, explicou.
Efeito 'denominador'
Paulo Guedes tem citado a recuperação da utilização da capacidade instalada (Nuci), que subiu de 57%, no pior momento da crise, para 78% em setembro. Ou seja, por esse número, a ociosidade estaria voltando a níveis de antes da pandemia. Mas nem tudo é tão bom quanto parece, explica Campelo. Com a crise, houve fechamento de fábricas, o que provocou um “efeito denominador”. As empresas que fecham saem da estatística e o Nuci fica mais alto.
Vinicius Torres Freire: Bolsonaro não entende planos econômicos, Guedes tem manias e indecisão ameaça o país
'Paulo Guedes precisa falar menos', teria dito o presidente
No furdunço da pedalada desta semana, Jair Bolsonaro ouviu também conselhos de Roberto Campos, presidente do Banco Central, e gostou. Disse a um assessor do Planalto que Campos não entra em “brigalhada”, não faz barulho, é calmo e “joga para o time, sem vaidade”.
O assessor conta que perguntou se Bolsonaro estava então convencido de que seria preciso evitar manobras “fura-teto” para fazer o Renda Cidadã. O presidente respondeu algo como “é, isso a gente vai ver depois”. Importante mesmo era todo mundo do governo fechar a boca e deixar de “brigalhada”.
O presidente teria dito algo assim: “O Paulo Guedes precisa falar menos, precisa ficar uns dois meses quieto. O Braga Netto não fala nada. O Heleno parou de falar”.
Esse assessor pede para ressaltar que não há perspectiva de Guedes sair do governo e que os rumores velhos de que Campos ocuparia o lugar do ministro teriam sido plantados por inimigos pessoais.
Pelos relatos de quem anda perto de Bolsonaro, o presidente parece acreditar na última conversa que ouve a respeito de algum plano econômico, desde que o projeto não mexa com militares, policiais, aposentados e servidores. Fica feliz quando um grupo de políticos ou assessores apresenta o que parece ser uma solução definitiva e rápida, de modo efusivo e efervescente; “vai na onda”. Se o plano dá errado ou é mal recebido, tem dificuldade de entender os motivos e procura um culpado ou conspirador.
O presidente teria grande desconfiança da equipe econômica, que “não joga para o time”, não acha soluções, que inventa soluções burocráticas. Não seria o caso de Guedes, que teria ingenuidades e vaidades, mas seria leal e merece gratidão por ter apoiado Bolsonaro desde antes da campanha eleitoral.
Seja como for, Guedes é incapaz de convencer Bolsonaro de um plano ordenado e completo a respeito de quase qualquer coisa, vide a novela do Renda Cidadã. Por outro lado, acredita que vai tourear o presidente e convencê-lo de suas ideias fixas, como a CPMF. Mesmo com os vetos gritantes de Bolsonaro ao imposto, desde antes da posse do governo, o ministro jamais desistiu da ideia, como ficou evidente. São dois anos de cabo de guerra, problema que ora ameaça afundar a reforma tributária.
Gente do próprio ministério da Economia diz, de resto, que o ministro leva a Bolsonaro ideias que ainda não estão prontas, que acabam sendo chanceladas com pouca base, ou volta do Planalto com planos novos que acertou com o Planalto, mas que ainda não têm ou não terão fundamento. Sim, além do mais há secretários de Guedes que não gostam de Guedes.
E daí? É fácil perceber que esse método, digamos, produz indecisão sistemática, problema até para um governo que é fundamentalmente desvairado e apartado do universo da razão.
Os economistas do governo agora trabalham em um plano de cortes de despesas sociais “aos poucos”, de modo a não afrontar Bolsonaro, evitar um estouro do teto de gastos e financiar um Renda Cidadã, enquanto tentam ainda levar adiante as emendas emergenciais que permitirão um talho na renda dos servidores. Políticos do governismo e parte do ministério tentam ainda uma saída alternativa, que envolve sim um fura-teto, talvez extraordinário, como uma extensão do período de calamidade, do que Guedes está bem ciente e fala em público.
Não, não é esse o grande debate sobre o Brasil, mas é o que temos. É do acerto de pelo menos essa desordem vulgar que depende o futuro imediato da economia, goste-se ou não da solução.
Eliane Cantanhêde: Teto? Que teto?
Sem Guedes, tem de compensar a fuga ‘de cima’ comprando a turma ‘de baixo’. E o teto?
O que está em jogo no isolamento do ministro da Economia não é apenas a queda ou não de Paulo Guedes, um nome a mais ou a menos. A questão central, que preocupa e assusta, é a sobrevivência do último pilar da campanha do presidente Jair Bolsonaro: liberalismo e pragmatismo na economia. Ou seja: o que balança não é Guedes, é a política econômica.
Do Bolsonaro de 2018, pouco sobra. A promessa de combate à corrupção amarelou com a investida nos órgãos de investigação e apagou com a queda de Sérgio Moro. O embate contra a “velha política” foi-se com o abandono do PSL e das novas bancadas do Congresso, trocados na cara dura pelo Centrão e seus ícones.
O que sobra? Sobra o compromisso com liberalismo, reformas, privatizações e desburocratização, que vai perdendo credibilidade com um Paulo Guedes claudicante, sem resultados e com os nervos à flor da pele. A sensação em Brasília e no mundo dos negócios é que, apesar do blábláblá, estourar o teto de gastos é questão de tempo.
É isso, inclusive, que o fura-teto Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional e inimigo frontal de Guedes, já diz abertamente. Depois nega, mas obriga Guedes, com ar cansado, a lembrar: “Furar o teto para fazer política e ganhar a eleição é irresponsável com as futuras gerações, é mergulhar o Brasil no passado triste de inflação alta”.
A guerra pública de Guedes é, num dia, contra o deputado Rodrigo Maia e, no outro, com Rogério Marinho, mas Guedes sabe quem é o adversário real e o recado teve um alvo certo quando ele falou em furar o teto para “ganhar eleição”. Esse alvo se chama Jair Messias Bolsonaro, seu chefe.
O presidente está em campanha, exige um Bolsa Família para chamar de seu, insufla os fura-teto, fecha os olhos para os ataques de Marinho e dá ouvidos aos militares do Planalto que, de economia, entendem zero. Logo, o risco para Guedes e a política econômica liberal que elegeu Bolsonaro é o próprio Bolsonaro, que se aproveita de um dado da realidade: Guedes fala muito, mas entrega pouco e foi pego de jeito pela pandemia e a cambalhota na prioridade fiscal.
Da campanha de 2018, sobram ainda a política externa centrada em Donald Trump, de futuro incerto; a pauta conservadora, que fez Bolsonaro refém de igrejas evangélicas multimilionárias; a visão destruidora do ambiente, que joga o mundo contra o Brasil; e a obsessão pelas armas, que derruba textos, portarias e decisões do Exército, deixando no ar a suspeita de estímulo a milícias.
Soa só ridículo, mas é perigoso, que setores evangélicos cobrem privilégios na Receita, interfiram em nomeações do governo e exijam que o futuro ministro do Supremo Kassio Marques faça uma profissão de fé no “conservadorismo”. E o que dizer do Meio Ambiente, onde as queimadas destroem e a boiada passa? Incêndios criminosos na Amazônia e Pantanal, cipoal jurídico contra a preservação de manguezais e restingas, desidratação de Ibama e ICMBio e a versão da “ganância internacional”.
Só falta recriar o MEC, já que, em quase dois anos de governo, educação e cultura andam juntos, sem rumo, prioridade e respeito. O foco do ministro Milton Ribeiro é (contra) a educação sexual, os gays e os “jovens sem fé”. Na Cultura, depois do vídeo nazista, agora a transferência da Fundação Palmares para o ex-almoxarifado da EBC, caindo aos pedaços.
Logo, Bolsonaro deveria reafirmar, não só de boca para fora, seu compromisso com o liberalismo – que é o que lhe sobra. Bolsonarista raiz joga Guedes fora com a mesma ligeireza que jogou Moro, mas bolsonarista nos mercados, empresas, fundos investimentos e opinião pública pode atingir seu limite. Para compensar a fuga “de cima”, só comprando a turma “de baixo”. Teto? Que teto?
Marcus Pestana: Orçamento, tributos e renda mínima
A Lei Orçamentária é peça central na democracia. Busca ordenar a aplicação dos recursos coletados pelo governo junto à sociedade na forma de tributos, e explicitar de forma transparente o perfil do gasto governamental.
Para quem não se alinha a perspectivas demagógicas há a consciência de que o orçamento não é um saco sem fundo. Há a famosa, e às vezes frustrante para muitos governantes, restrição orçamentária. A sociedade admite certo nível de carga tributária sancionada politicamente e sabemos que ela no Brasil já é alta. E se as receitas são finitas, as despesas não podem ser ilimitadas.
Isto impõe inevitavelmente um conflito distributivo embutido no orçamento. Ao se destinar muito a salários e previdência, sobra menos para as políticas de educação. Se gasto muito com incentivos e subsídios fiscais, os recursos disponíveis para a saúde e a segurança serão menores. E assim por diante. Governar é fazer escolhas. E não adianta apelar para palavras mágicas como “vontade política”. Déficits e endividamento irresponsáveis são irmãos gêmeos da inflação, da fuga de investimentos e de juros altos.
A situação fiscal já era gravíssima no quadro herdado do Governo Dilma. Em função disso, como âncora de credibilidade, o Congresso Nacional aprovou o teto de gastos, no Governo Temer. Com a eclosão da pandemia, situação absolutamente extraordinária, foi necessário ampliar os gastos à custa da elevação da dívida pública. Agora, a realidade bate à porta. Precisamos ampliar gastos com o SUS e mantermos abertos os mais de dez mil leitos de UTI criados para enfrentar o coronavírus. Necessitamos equacionar as questões da renda mínima e da desoneração da folha. E o dinheiro é curto, o equilíbrio fiscal essencial e é grave a situação do déficit e da dívida.
O ex-presidente Fernando Henrique sempre afirma que o mais importante é o governante oferecer um rumo ao país. E isto está faltando. Não há um plano global e concatenado para atacar toda esta complexa situação. Ao contrário as propostas surgem e somem de forma desordenada e errática. Em um momento fala-se na volta da CPMF, imposto de baixa qualidade, regressivo e cumulativo, rejeitado pela população e pelo Congresso Nacional. Recentemente, o governo anunciou o financiamento do “Renda Cidadão” com recursos do FUNDEB, o que é um absurdo porque só a educação pode dar resposta definitiva à pobreza e a miséria, e com a postergação do pagamento dos precatórios, que muitos interpretaram como uma “pedalada fiscal” contra o teto de gasto.
De onde viriam então os recursos? Dá trabalho, mas não há escolha. É fundamental uma reforma tributária que não só simplifique nosso sistema, mas também corrija graves distorções com as faixas mais ricas da população pagando proporcionalmente muito menos impostos que a classe média e os mais pobres. Além de um corte progressivo e firme de incentivos e subsídios fiscais de eficácia questionável. É essencial uma reforma administrativa com efeitos imediatos que combata privilégios e desperdícios, dando mais eficiência ao governo. E uma parte do ajuste inevitavelmente teria que vir do crescimento econômico, totalmente possível, se houver uma estratégia global e articulada, clara e crível.
Como disse o filósofo romano Sêneca: “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir”.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Adriana Fernandes: Encrenca geral
O que mais preocupa nessa confusão é que o desenho do Renda Cidadã está escanteado
O ambiente hoje em Brasília é o mais negativo possível e o resultado tem sido a escalada acelerada de deterioração da confiança com os rumos da economia do País.
Está tudo parado ou rodando em círculo: Renda Brasil (ou Cidadã), reforma tributária, Orçamento de 2021, PECs fiscais de cortes de despesas, reforma administrativa e votação de vetos importantes, como a prorrogação da desoneração da folha para 17 setores.
A cada bate-cabeça em torno das medidas e novos sobressaltos – como o desta sexta-feira entre os ministros Paulo Guedes e Rogério Marinho – a piora dos indicadores do mercado se acentua.
A articulação que acontece no momento, e deve prosperar, é tirar o Renda Cidadã do teto de gastos, mesmo que temporariamente.
Se não houver algum tipo de entendimento nos mais urgentes pontos elencados acima, o Brasil vai entrar em 2021 num voo cego com os efeitos da pandemia da covid-19 ainda mostrando a sua cara.
Até aqui não há o que comemorar do novo eixo de articulação política com o Centrão montado para avançar a pauta econômica em três etapas de validação: acerto Ministério da Economia-líderes do governo; Líderes-Palácio; Bolsonaro-validação; e, por último, Palácio-líderes dos partidos aliados.
A batalha de sobrevivência de Guedes e da sua agenda pode até embaralhar esse jogo e tem servido de folclore para desviar a atenção para o fato de que todos os sinais apontam que está em curso uma inflexão da política econômica. Ela já começou apesar do uníssono grito de “vamos manter o teto de gastos”.
O deadline da mudança indicado por muitas dessas lideranças é da eleição da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, em 2021.
A monumental trapalhada do anúncio do financiamento do Renda Cidadã com recursos dos precatórios e do Fundeb mostrou que essa articulação não está dando certo. Por quê? A disputa pela presidência do Senado e da Câmara se antecipou e nada, absolutamente nada, se move sem que a eleição do início do ano que vem para o comando das duas Casas esteja na conta.
A tentativa dos partidos do Centrão de tomar a presidência da Comissão Mista de Orçamento do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), é mais um capítulo do que está acontecendo. O deputado Arthur Lira (PP-AL), à frente da manobra, acirrou a tensão e adiou a sua instalação. Elmar é aliado do presidente Rodrigo Maia e Lira candidatíssimo a ficar no seu lugar. Eleição na veia.
Faltando três meses para o fim do ano, é uma irresponsabilidade que a comissão não esteja discutindo saídas para o País em 2021. A guerra na CMO pode, inclusive, levar a votação do Orçamento e do Renda Cidadã para o ano que vem, “sob nova direção”.
O mais preocupante dessa encrenca geral com o Renda Cidadã é que governo e Congresso têm deixado escanteado o desenho do próprio programa. Tanto é que o Ministério da Cidadania pouco se envolve.
O governo ainda está voltado à primeira geração das políticas de transferência de renda, quando o mundo já está na terceira ou quarta geração, alerta o economista João Marcelo Borges, especialista em políticas educacionais.
Consultor do BID na época que o organismo emprestou US$ 1 bilhão para o governo aumentar os beneficiários do Bolsa Família, no início dos anos 2000, adverte que o substituto do auxílio emergencial não pode resultar de considerações meramente fiscais ou assistenciais.
Diz Borges: “Salvo raras exceções, que apontam a necessidade de usar o Cadastro Único e incorporar o conhecimento acumulado, a discussão sobre o Renda Cidadã tem se dado apenas em torno das fontes para seu financiamento, do teto de gastos e do valor do benefício”.
Um programa da magnitude que se discute (cerca de R$ 60 bilhões) não pode se restringir a elas. Há uma década se discutia portas de saída para o Bolsa Família. Hoje, parece que o debate é apenas sobre a largura da porta e sobre sua sustentação. É um retrocesso de duas décadas.
Ricardo Noblat: Paulo Guedes tornou-se obsoleto
Bolsonaro não o mandará embora, nem o impedirá de sair
De repente, o governo ficou pequeno demais para abrigar ao mesmo tempo os ministros Paulo Guedes, da Economia, e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Uma dos dois acabará sobrando, e se depender do presidente Jair Bolsonaro, e dos militares que o cercam, não será Marinho.
Quem mais agrada um governante que só pensa em se reeleger? O ministro que diz: não pode gastar tanto assim ou o ministro que diz o contrário? Até quando Bolsonaro conseguirá se equilibrar entre Guedes e Marinho? Ou melhor: até quando conseguirá manter os dois no governo em meio a tanta turbulência?
Em conversa reservada, ontem, com investidores e economistas em São Paulo, Marinho criticou a política de Guedes e disse que ele foi o autor da proposta de dar um calote no pagamento de dívidas judiciais do governo para financiar o programa Renda Cidadã. Dias antes, Guedes negou que tivesse algo a ver com isso.
A reação de Guedes às críticas de Marinho foi imediata e dura. Mal desceu do carro à porta do seu ministério, Guedes foi logo dizendo que não acreditava que Marinho o tivesse criticado, mas se de fato o fizera, não passava de um “despreparado, desleal e fura-teto”. Se não acreditava porque atacou seu colega de governo?
Faltou o general Luiz Eduardo Ramos, ministro-chefe da Secretaria de governo, para puxar Guedes pelo braço e tirá-lo de cena como fez na semana passada. Marinho está para a reeleição de Bolsonaro como Guedes esteve para a eleição. Bolsonaro não mandará Guedes embora, mas não o impedirá de sair.
Resta saber se Guedes adotará a “receita Mandetta”. Ao concluir que seus dias como ministro estavam no fim, Henrique Mandetta decidiu que não pediria demissão. Se quisesse, que Bolsonaro o demitisse. Foi o que Bolsonaro acabou fazendo. Sérgio Moro, não, demitiu-se e aparentemente não se deu bem por ter agido assim.
As mil e uma utilidades do novo ministro do STF
Não é assim uma Brastemp, mas dará conta do recado
O chamado mercado financeiro, essa poderosa entidade sem rosto, sem sede própria, sem mandato obtido por meio do voto popular, mas capaz de dar as cartas no país, avisou ao presidente Jair Bolsonaro que não gostou nem um pouco da nomeação de Kássio Nunes Marques, “o nosso Kássio”, para ministro do Supremo Tribunal Federal na vaga de Celso de Mello.
Nada de pessoal contra ele. É porque o dito mercado se preocupa com Bolsonaro e aposta na sua reeleição. Por isso, teme que a escolha de Kássio, avalizada pelo senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, reforce a impressão de que o governo está aparelhando a mais alta corte de Justiça do país, e isso pode gerar maior insegurança jurídica, o que não é bom para os negócios.
Bolsonaro não está nem aí. A escolha relâmpago de alguém tão improvável como o desembargador piauiense não se deu apenas porque Bolsonaro é impulsivo. Teve muito cálculo político nisso. Era uma maneira de amarrar ainda mais o Centrão ao governo e de garantir a aprovação pelo Senado do nome do novo ministro. E de esterilizar a esquerda a quem Kássio já foi ligado.
Era também uma maneira de fustigar Celso, que detesta Bolsonaro e de quem se espera um duro discurso de despedida. E de não dar tempo ao ministro Luiz Fux para que sentasse na cadeira de presidente do Supremo e começasse a puxar as rédeas que o cargo lhe oferece. Por isso ele só ficou sabendo da nomeação de Kássio pela imprensa, e passou recibo do golpe que levou.
Fux e Bolsonaro não se bicam. No ano passado, aconselhado pelo ministro Dias Toffoli, Bolsonaro convidou Fux para um encontro. Fux agradeceu o convite, mas não foi. Bolsonaro compareceu em setembro último à cerimônia de posse de Fux que sucedeu Toffoli na presidência. Mas nem assim recebeu um tratamento especial. Fux é a favor da Lava Jato, Bolsonaro contra.
De resto, nas contas de Bolsonaro, quanto mais rápido o “nosso Kássio” possa envergar sua toga novinha em folha, mais se avizinhará a ocasião de Sérgio Moro, uma pedra no sapato dele, ter seu pedido de suspeição aceito pelo tribunal. Tudo indica que Kássio substituirá Celso na Segunda Turma, herdando todos os processos que a ele caberia julgar se não se aposentasse.
E ali, por ora, há dois votos a favor do pedido de suspeição de Moro no processo do tríplex do Guarujá que tornou Lula inelegível, e dois votos contra. Kássio poderá desempatar contra Moro – para satisfação de Lula e também de Bolsonaro. Condenado em outro processo, o do sítio de Atibaia, Lula dificilmente será candidato a presidente em 2022 como o PT quer.
Moro, candidato contra Bolsonaro, passaria a campanha tendo de explicar por que ganhou do Supremo o carimbo de juiz parcial. Quer carimbo pior? É com isso que sonha Bolsonaro. É para essas e outras cositas mais que o “nosso Kácio” foi nomeado. A sorte de Flávio, denunciado por lavagem de dinheiro e rachadinha, ao fim e ao cabo será decidida pelo Supremo. Acordão à vista.
Míriam Leitão: Bastidores de uma nova confusão
Por Alvaro Gribel (interino)
A confusão envolvendo os ministros Rogério Marinho e Paulo Guedes, ontem, começou na verdade na quarta-feira, com uma conversa entre o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, e investidores. Barros queria entender a reação negativa do mercado à proposta do uso de precatórios para financiar o Renda Cidadã e ouviu que, se o governo seguisse por esse caminho, o presidente Bolsonaro enfrentaria uma crise econômica tão severa quanto a que derrubou a presidente Dilma Rousseff. Rogério Marinho resolveu, então, ter o mesmo tipo de conversa para tentar, na visão dele, “acalmar” o mercado. Acabou colhendo o efeito contrário.
É preciso entender a razão para a desenvoltura do ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho. Na quinta-feira, ele havia levado o presidente Jair Bolsonaro ao interior de Pernambuco para a inauguração de uma adutora de água na pequena cidade de São José do Egito. Bolsonaro fez o que mais gosta: usou a festa preparada por Marinho para exercer a função de líder populista, contar piada e angariar votos. A aproximação entre os dois faz Marinho se sentir mais forte, a ponto de extrapolar funções de sua pasta e invadir território que seria do ministro da Economia.
Na reunião com economistas da Ativa Investimentos, Marinho teria dito que a ideia do uso de precatórios foi da equipe de Paulo Guedes. A ala econômica, por sua vez, bate o pé e diz que havia apenas estudos. Marinho também afirmou que Guedes tem a confiança do presidente Bolsonaro e que o governo mantém compromisso com a agenda fiscal. Mas afirmou que o ministro da Economia, apesar de entender de assuntos macroeconômicos, tem menos traquejo político e peca em detalhes na formulação de alguns projetos.
As versões do que Marinho disse circularam pelo mercado e azedaram a bolsa. O ministro Paulo Guedes, que já tem Marinho como desafeto, jogou gasolina na fogueira e o chamou de “despreparado, desleal e fura-teto” caso fosse verdade. Mais tarde, voltou a público para tentar colocar panos quentes na discussão. Marinho também emitiu nota para negar que tenha sido descortês com Guedes.
No mercado financeiro, os economistas estão com as barbas e os investimentos de molho. Ainda é fresca na memória a crise provocada pela saída de Joaquim Levy, após disputa com o ministro Nelson Barbosa. Dilma optou por Barbosa em 2015, levando o país a uma forte desvalorização cambial. Os investidores temem que Guedes possa estar com os dias contados no governo e que Bolsonaro abrace de vez a agenda desenvolvimentista em que sempre acreditou durante seus mandatos como deputado federal.
Guedes não é Malan
O episódio fez economistas lembrarem de uma disputa entre os ex-ministros Pedro Malan, da Fazenda, e Clóvis Carvalho, do Desenvolvimento, no governo FH, em 1999. Carvalho havia feito críticas à política econômica, e Malan, ao contrário de Guedes, não deu nenhuma declaração e costurou nos bastidores. Ao fim, conseguiu a demissão de Carvalho. Se Bolsonaro não é FH, Guedes tampouco é Pedro Malan. À noite, deu entrevista coletiva para dizer que “estamos falando de crise e confusão com a economia voltando”.
Indústria recupera em ‘V’
Falta pouco mas a indústria praticamente superou as perdas da pandemia. Os indicadores de confiança da FGV também mostram que os empresários do setor estão mais otimistas, em parte pela desvalorização do real, que dificulta importações e ajuda exportações. Também pode haver dois efeitos de ações do governo. Os recursos do auxílio emergencial, que ajudaram o consumo, e as linhas de crédito, que favoreceram empresas maiores, mais comuns na indústria. Superado esse problema, volta-se ao anterior: falta de competitividade.
Merval Pereira: Há lugar para os dois?
Não foi a primeira vez, não será a última. A disputa de poder entre o ex-superministro da Economia Paulo Guedes e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, se desenvolve no terreno pantanoso da crise econômica que mais uma vez vivemos. Não há dinheiro para investimentos, para programas sociais, e a disputa entre os “desenvolvimentistas” e os “monetaristas” volta à tona, como acontece com freqüência quando há crise econômica.
No governo João Figueiredo, aconteceu a disputa entre o ministro do Planejamento, Mario Henrique Simonsem, e o da Agricultura, Delfim Netto. No governo Fernando Henrique, houve o embate entre o ministro do Desenvolvimento Clóvis Carvalho e o da Fazenda, Pedro Malan. No primeiro caso, perdeu o Planejamento, no segundo, ganhou a Fazenda.
Num governo em que a linha econômica era definida por Guedes, incontestável em certo momento, seria impossível que o ministro Tarcisio Freitas, da Infraestrutura, conseguisse verbas para obras com o apoio de ministros “da casa”, como os generais Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, e Braga Netto, da Casa Civil. Mas foi o que aconteceu.
O ministro do Desenvolvimento, Rogério Marinho, uniu-se aos militares desenvolvimentistas e montou sua base longe do ministro da Economia Paulo Guedes, que o havia indicado para o cargo depois de tê-lo como assessor durante a reforma da Previdência.
Era o começo do fim de mais um superministro do governo Bolsonaro. A disputa de bastidores ontem chegou ao público com o vazamento de uma palestra do ministro do Desenvolvimento para uma platéia de economistas de uma corretora de valores. Provavelmente de propósito, já que é um político experiente, Rogério Marinho criticou seu colega de governo e principal figura da economia, aparentemente como troco à atitude de Paulo Guedes de renegar a utilização de precatórios para financiar o Renda Brasil.
Marinho garantiu que a idéia foi de Guedes, que realmente esteve na reunião com os políticos onde se definiu a composição do programa social, e, no anúncio oficial ao lado do presidente. O ministro Rogério Marinho, sentindo-se respaldado, disse aos economistas que o programa sairá “do melhor ou do pior jeito”, o que deu a impressão aos investidores de que estava avisando que o Renda Brasil sairá mesmo que fure o teto.
Há informações de que Marinho está negociando com os políticos retirar o programa social do teto de gastos, e criar um imposto que possa financiá-lo. Os políticos não querem mais conversa com Guedes, se consideraram traídos com a mudança de atitude sobre os precatórios.
Marinho ainda teria feito, segundo as versões, comentários nada elogiosos à capacidade técnica do ministro Paulo Guedes. Ao saber, pelos jornalistas, das críticas, Guedes chamou Marinho de “desleal”, “despreparado” e “fura-teto”, estabelecendo os campos de ação de cada um.
Caberá ao presidente Bolsonaro decidir a parada, como coube a Fernando Henrique demitir Clóvis Carvalho para reafirmar a predominância do ministro Pedro Malan na política econômica. Carvalho havia feito um discurso em reunião do PSDB, na presença de Malan, com críticas à política econômica, chegando a dizer que “cautela, a partir de certo ponto, é covardia”.
Foi assim também em 1979, quando a disputa entre o ministro do Planejamento, Mario Henrique Simonsem, e o da Agricultura, Delfim Netto, acabou com o pedido de demissão do primeiro. Delfim foi para o ministério do Planejamento, indicou o novo ministro da Fazenda, Ernane Galvêas, e assumiu a direção da economia.
O presidente Bolsonaro encontra-se na mesma situação de Figueiredo, esperando que alguém peça demissão. Tudo indica que não há espaço para os dois no mesmo governo, que já não é o mesmo de quando Paulo Guedes era o Posto Ipiranga. Já não parece estar em condições políticas para conseguir a demissão de Rogério Marinho, que tem o apoio dos ministros militares do Palácio do Planalto e do Centrão.
Claudia Safatle: Deixa como está para ver como é que fica
Discussão sobre novo programa social do governo Bolsonaro deve ficar para depois das eleições municipais
Depois da grande confusão patrocinada pelo governo e pelas lideranças políticas em torno do financiamento do programa de renda básica por uma limitação do pagamento de precatórios, a ideia que ocorre à equipe econômica, agora, é: “Vamos deixar como está pra ver como é que fica,” sintetizou uma fonte qualificada.
Isso porque o presidente Jair Bolsonaro está focado nas eleições e tem como um objetivo político superar o prestígio do ex-presidente Lula no Nordeste. Passadas as eleições, volta-se a discutir como financiar o Renda Cidadã ou Renda Brasil, que o governo quer criar para ter sua marca, advogam assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Na quarta-feira, Guedes jogou um balde de água fria na pretensão de financiar o programa social com dinheiro economizado com o não pagamento de precatórios. A proposta de dar um calote nos credores do Estado foi anunciada em entrevista coletiva no Palácio da Alvorada na segunda-feira e soou mais como um “gigantesco bode na sala” do que uma real alternativa para o novo programa de renda. A reação do mercado foi péssima e o pai da ideia desapareceu.
Se depender da área econômica, agora, nenhuma decisão será tomada no calor da campanha eleitoral. Resolvida essa questão política, a expectativa predominante é de Guedes ainda tentar voltar à proposição original do Renda Brasil, que seria criado com a fusão de 27 programas sociais dispersos (abono salarial, Bolsa Família, Benefício de Prestação Continuada, entre outros).
Isso, porém, não reúne uma massa de recursos suficientes para financiar as 14 milhões de famílias que já recebem o Bolsa Família e mais umas 20 milhões de pessoas colhidas entre os mais de 60 milhões de brasileiros que estão recebendo o auxílio emergencial. A ideia seria de garantir uma renda de cerca de R$ 300 por mês.
Aliás, debate-se um programa social que, a rigor, ninguém conhece e nunca viu uma folha da sua concepção. O ministro da Economia diz que o programa do Renda Brasil, ou Renda Cidadã, está nas mãos de Onyx Lorenzoni, ministro da Cidadania. Não se tem informações básicas sobre qual o publico-alvo do novo programa, quantas pessoas deverão ser beneficiadas por uma renda mínima e quanto isso custará ao Tesouro.
A proposta de Guedes é reforçar a verba para o Renda Brasil com mais cerca de R$ 40 bilhões. Dinheiro que seria tirado da classe média que declara Imposto de Renda e se beneficia de deduções de gastos com saúde e educação, que devem ser abolidas. Quanto à tributação dos ricos e muito ricos, Guedes acena apenas com o Imposto sobre Transações Digitais.
“Esse é um programa conceitualmente íntegro”, costuma dizer o ministro, referindo-se à concepção de financiamento da renda básica. O problema é que Bolsonaro não aceitou a ideia de fusão de quase três dezenas de programas sociais para bancar o Renda Brasil sob o argumento que isso significaria “tirar dos pobres para dar aos paupérrimos”.
O ministro da Economia, porém, acredita que poderá voltar à carga e persuadir o presidente a apoiá-lo em mais essa empreitada. Afinal, se ele já não é mais o “posto Ipiranga”, está confiante de que ainda detém uns 80% a 85% de apoio de Bolsonaro.
Da profusão de ideias anunciadas e retiradas de cena sobrou um pente-fino que o governo pretende fazer na crescente conta dos precatórios. Pelo ministro da Economia, ele paga os valores menores e vai administrando, na boca do caixa, os débitos de maior valor. Como se trata de dívida transitada em julgado, não cabe mais recurso a não ser quitá-la.
O relator da PEC do Pacto Federativo, senador Marcio Bittar (MDB-AC), abrigou no seu substitutivo a limitação dos pagamentos de precatórios a 2% da receita corrente líquida anual. Cifra equivalente a R$ 16,1 bilhões para quitar uma conta de precatórios de praticamente R$ 55 bilhões no próximo ano.
Na reta final da preparação do substitutivo, o senador tirou da PEC os “3D”, defendidos pela área econômica, na proposta de Orçamento: desindexar, desvincular e desobrigar. Ou seja, descarimbar as receitas para devolver ao Congresso a função de decidir sobre a destinação do dinheiro público e dar ao Executivo margem de manobra para gerir o Orçamento da União.
Ideia tão cara ao ministro da Economia, os “3D” teriam como objetivo eliminar correções automáticas de valores e “vícios corporativos” que reservam para grupos específicos parcelas do Orçamento.
Com a desindexação seria possível reforçar o caixa da União e não comprometer o teto de gasto.
Sem os “3D” e com a criação do Imposto sobre Transações Digitais suspensa, o programa econômico de Guedes fica ferido de morte.
O ministro, porém, acredita que o relator da PEC 186 e do Orçamento para 2021 está com duas versões de substitutivo. Em uma delas não constam a desindexação, desvinculação e desobrigação do Orçamento. Mas haveria uma outra em que ele manteve os “3D”. Assim, Guedes ainda vê uma chance de a proposta vingar.
O bate-cabeça do governo na questão fiscal tem um alto preço que deve ser visto e compreendido pelo presidente da República. A taxa Selic (juros básicos da economia), que hoje está em 2% ao ano, o nível mais baixo da série histórica, está sob elevado risco de ter que ser aumentada. Os juros futuros subiram substancialmente e estão, hoje, na casa dos 9% ao ano para o primeiro biênio do próximo governo.
Esse é o preço da incerteza e da insegurança do mercado com relação aos rumos da política fiscal do governo pós-pandemia. Com um rombo de mais quase R$ 1 trilhão nas contas do setor público e uma dívida que cresce aceleradamente e que baterá na casa dos 100% do PIB possivelmente ainda neste ano, não cabe ao governo adicionar mais tensão e volatilidade nos mercados de juros, câmbio e ações.
Cabe ao governo, isto sim, encontrar uma boa explicação para o caso de vir a romper o teto do gasto ou simplesmente cumpri-lo, que é o que se espera de uma administração séria e responsável.
Bruno Boghossian: Bolsonaro toca a vida como se Guedes não estivesse mais ali
Nem os pilares da equipe econômica têm sido levados muito a sério dentro do governo
Paulo Guedes pode até completar mais uma semana no cargo, mas o governo já deixou o ministro no chão. Nas últimas 24 horas, Jair Bolsonaro e seus aliados tocaram a vida como se o chefe da equipe econômica nem estivesse mais por ali.
Pela manhã, o presidente embarcou para o Nordeste pela sétima vez desde junho. A agenda era parte de uma turnê pela reeleição coordenada pelo ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Ele se tornou o antípoda de Guedes no governo ao formar uma aliança a favor do aumento de gastos com obras.
Os dois ministros já se estranharam em reuniões fechadas e trocaram hostilidades em público. Interessado em extrair ganhos políticos da máquina do governo, o chefe da dupla se mostra inclinado a escolher o lado de um deles.
No sertão de Pernambuco, Bolsonaro prometeu entregar “cada vez mais obras” na região e disse que seus aliados lutam por dinheiro “para que o ministério do Marinho possa realmente trabalhar”. Guedes, como se sabe, já negou mais de uma vez os pedidos do colega para aumentar despesas com esses investimentos.
A turma política também parece disposta a atropelar o ministro nas caóticas discussões sobre o novo programa social de Bolsonaro. Nesta quinta (1º), aliados do presidente chegaram a anunciar em público a criação do benefício, embora Guedes ainda não tenha conseguido encontrar o dinheiro para bancá-lo.
Ao lado de Bolsonaro, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho, disse que o Planalto entregaria “o maior programa de solidariedade social da história desse país”. Depois, o parlamentar ganhou uma citação elogiosa do presidente.
Nem os pilares da equipe econômica têm sido levados muito a sério. Ainda que Guedes precise mandar recados semanais a investidores em sentido contrário, o vice-presidente Hamilton Mourão sugeriu a execução de uma manobra “fora do teto de gastos” para financiar o novo Bolsa Família. Cada vez menos gente quer saber da cartilha do ministro.