Paulo Guedes
Luiz Carlos Trabuco Cappi: Rating: melhor prevenir do que remediar
O governo tem instrumentos para reverter a tendência de crescimento da dívida
A nota de rating definida pelas agências de classificação de risco reflete a saúde financeira de um país. Dois exemplos históricos recentes indicam essa tendência. Entre maio de 2008 e setembro de 2009, Standard & Poor’s, Fitch e Moody’s atribuíram ao Brasil o cobiçado grau de investimento. Estavam certas e reconheceram o ciclo econômico brasileiro associado ao ‘boom’ global das commodities. Em 2010, o País obteve US$ 48,4 bilhões em investimento estrangeiro direto, alta de 87% sobre o ano anterior e liderança em atração de capital na América Latina. Atingiu-se um recorde, com a criação de 2,5 milhões de empregos formais. O PIB cresceu 7,5%, maior taxa dos 24 anos anteriores.
O reverso da moeda é igualmente verdadeiro. A partir de 2015, com a deterioração dos indicadores, as três empresas de classificação de risco, entre setembro daquele ano e fevereiro do seguinte, cortaram o grau de investimento concedido sete anos antes. Era o mergulho anunciado. O PIB recuou em 2015 e 2016, com -3,8% e -3,6%, respectivamente. Antes, apenas em 1930 e 1931 o Brasil havia tido dois anos consecutivos de retrocesso, mas a taxas menores. Em 2016, o IED despencou 23%. O consumo das famílias caiu 4,2%. Uma maré de desemprego provocou, segundo dados do Caged, 104,5 mil demissões apenas em fevereiro, pior índice do mês para o mercado de trabalho em 25 anos. Nos 12 meses anteriores, 1,7 milhão de vagas foram fechadas. Assim como na bonança, as agências outra vez fizeram a leitura correta do cenário deletério.
O trabalho das agências é o de conceituar a capacidade de pagar dívidas de um país, em função de dados sobre dinâmica da dívida, situação fiscal e taxa de câmbio. Quando a nota aumenta, melhora o potencial de novos investimentos e diminui o custo de captação externa para o governo e as empresas. Ao cair, inverte-se a equação.
S&P, Fitch e Moody’s têm notas parecidas para o Brasil. Se comparado aos vizinhos, estão acima da Bolívia e da Argentina, mas abaixo do Paraguai e da Colômbia. Além da nota, as agências também emitem pareceres sobre perspectivas. A Moody’s e a S&P têm uma visão estável em relação ao Brasil, enquanto a Fitch enxerga uma expectativa negativa.
A nota de risco do Brasil está em discussão. O motivo principal é a dinâmica fiscal. Alguns indicadores, como o encurtamento da dívida pública, cujo prazo médio caiu para 35 meses, os grandes vencimentos em 2021 e custos de captação mais altos para prazos mais longos, próximos a 10%, são sinais de alerta.
Se nada for feito, há o risco, segundo analistas, de que o País entre num quadro de dominância fiscal, situação conhecida como de perda da eficácia da política monetária.
É prioritário evitar esse redemoinho perverso – o das previsões que podem se autorrealizar a partir das expectativas anunciadas pelas cotações dos mercados.
No ano passado, a relação dívida pública/PIB foi estabilizada, o que levou a S&P, em novembro, a elevar de estável para positiva a perspectiva do rating desse quesito central. Em nota, o Tesouro Nacional afirmou que essa decisão corroborava a agenda de reformas.
Este ano, em razão da pandemia, o endividamento disparou e as reformas não avançaram, acirrando-se as tensões do mercado.
O governo continua a ter os instrumentos para controlar a situação e reverter a tendência de crescimento da dívida – mas é preciso senso de urgência. As correções são conhecidas: garantir o teto de gastos, fazer as reformas andarem no Congresso e crescer. O Brasil tem um consenso nessa direção e, portanto, as condições para fazer acontecer.
Felizmente, os mercados consideram a dinâmica sob controle. O indicador Embi+, calculado pelo J.P. Morgan, estabilizou num nível confortável. O custo de captação externa, medido pela revista The Economist, é o mais baixo da América do Sul. O agronegócio mostra pujança e o consumo dá sinais de recuperação.
O quadro geral, porém, é desafiador. Por isso, vale o ditado popular: melhor prevenir do que remediar.
*PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DO BRADESCO. ESCREVE A CADA DUAS SEMANAS
O Estado de S. Paulo: 'Perdemos a capacidade de planejamento. É urgente ter um plano fiscal', diz Felipe Salto
Economista defende uma fase de transição e ‘teto de gastos 2.0’ para financiar as despesas com uma eventual prorrogação do auxílio emergencial e o pagamento das vacinas
Diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, o economista Felipe Salto sugere a criação de um teto de gastos 2.0 combinado com medidas de aumento de receitas. Décimo e último entrevistado da série do Estadão Saídas para a Crise Fiscal, Salto diz que o governo precisa botar na mesa medidas para a volta ao azul, com superávits primários nas suas contas.
O economista defende uma ponte de transição na regra para financiar os gastos adicionais que devem surgir com uma eventual necessidade de prorrogação do auxílio emergencial em 2021 e o pagamento das vacinas para acabar com a pandemia da covid-19. “O teto não é um Fla-Flu. A regra foi positiva e teve o seu valor, mas para que ela não seja abandonada terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação não vai funcionar”, diz.
Para ele, é possível ser feito um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave, diz, é transparência. “Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande”, avalia.
● O sr. já disse que o teto de gastos não é a Santa Sé. O que significa isso?
Estamos vivendo no Brasil um momento de muita polarização. Quando ela está fundamentada em questões técnicas e avaliações, até pode ajudar a explicitar o que as pessoas pensam e seus diferentes pontos de vista. Mas essa polarização danosa que estamos vendo acaba apenas turvando o debate e prejudicando a discussão das questões fundamentais, como é o caso das regras fiscais e do teto de gastos (regra que impede que as despesas cresçam em ritmo superior à inflação), particularmente.
● Como assim?
Tem o grupo dos que são a favor do teto e não abrem mão e tem aqueles que dizem que se deve abandonar o teto, pois seria muito ruim. Na verdade, o que precisamos é encontrar o caminho do meio. Quando eu disse que o teto não é a Santa Sé, quis dizer que aprimorar as regras fiscais é positivo. Se for possível regulamentar os gatilhos (medidas de contenção de gastos, focadas principalmente nas despesas com servidores públicos) ou pensar numa combinação de resultado primário (receitas menos despesas sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida) que envolva o lado das receitas, isso seria salutar. Não adianta dizer que é a favor do teto, como o governo tem feito, se os números não fecham. Quem faz um mínimo de contas e planilhas vê que no próximo projeto de Orçamento tem uma despesa discricionária (aquelas que não são obrigatórias e incluem, por exemplo, investimentos) de R$ 108,4 bilhões. Destes, R$ 16,3 bilhões são emendas parlamentares (indicações feitas por deputados e senadores de onde os recursos federais são aplicados). Se tirar essa parte, sobra algo como R$ 92,1 bilhões, que é um nível extremamente baixo. O governo precisa mostrar que esse nível é suficiente para não parar a máquina pública e paralisar as políticas que estão lá. E, mais do que isso: como vai incorporar os gastos quase certos, como algum auxílio para as pessoas mais pobres e compra de vacinas.
● Esses gastos adicionais já são certos?
Vão ter de acontecer. E qual o espaço orçamentário? Não existe.
● Vai faltar dinheiro no orçamento para pagar vacina?
Não há necessidade, se houver planejamento. Tem alguns caminhos. Se ele não colocar no Orçamento agora, pode fazer crédito extraordinário no ano que vem. Vai ficar um orçamento paralelo.
● Mas a necessidade de vacinas era previsível desde sempre. Se encaixa em crédito extraordinário para despesas imprevisíveis e urgentes?
Como não é uma despesa imprevisível, o ideal seria contemplar no Orçamento. Para resolver, o governo deveria abrir espaço orçamentário este ano, seja pelo lado da receita, seja pelo da despesa.
● Como sair do impasse que é vivido há meses?
No grosso das despesas obrigatórias tem pouco espaço para cortar. Teria os subsídios creditícios, que têm previsão de R$ 14 bilhões em 2021. Mas aí também tem programas tradicionalmente importantes, no agronegócio, por exemplo. Não tem saída fácil. A primeira coisa que o governo precisa fazer é calcular quais são as despesas extras. Nós, da IFI, fizemos uma simulação e calculamos que, se o auxílio de R$ 300 for estendido por quatro meses para um contingente de 25 milhões, o gasto seria de R$ 15,3 bilhões. Seria um pecado mortal compensar com aumento de arrecadação? Não seria. Precisa é comunicar direito.
● O Congresso precisaria aprovar uma PEC?
Eu fico um pouco pessimista porque é um assunto um pouco complexo para ser resolvido em poucos dias. A saída é claramente o governo dar uma interpretação para o acionamento dos gatilhos ou avançar na PEC emergencial (proposta em que estão previstas as medidas de contenção de gastos). Isso construiria uma ponte para ganhar tempo para discutir a questão do indexador do teto. O governo deveria dar uma solução, ainda que fosse temporária, para que, ao longo do próximo ano, pudesse discutir a mudança do indexador do teto (hoje, o teto é corrigido pela inflação inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior ao da vigência). Isso seria um caminho. Pelo visto, o governo não vai fazer isso.
● Nesse caso, o que pode acontecer?
O projeto de Orçamento está completamente descolado da realidade. Vai chegar janeiro e será preciso necessariamente fazer o auxílio. Vai ser uma espécie de gestão de risco. Quando chegar 31 de dezembro e não tiver mais auxílio para janeiro, decide-se fazer mais um mês. Qual a saída? Crédito extraordinário e, aí, precisa combinar com os russos. Precisa ver como o TCU vai encarar essa realização de crédito extraordinário, sendo que há alguns meses já se sabe que possivelmente esse gasto seria necessário e o governo vai argumentar que não, que estava esperando ter mais certeza sobre essa necessidade.
● A discussão de regras orçamentárias não está se sobrepondo à realidade do País?
Perdemos a capacidade de planejamento. É urgente ter um plano fiscal.
● O que é um plano fiscal na sua avaliação?
Não importa se é receita ou despesa. É preciso recuperar os resultados primários. É uma questão de expectativas. Precisa mostrar um plano de aumento de receita e corte de gastos. Por isso, a meta de resultado primário das contas públicas passa a ter uma importância muito grande. Esse plano deveria comportar uma conta de cálculo da sustentabilidade da dívida, que é o que mais importa, anunciando as medidas do lado das receitas e despesas, que num conjunto possa produzir um superávit (quando as receitas superam as receitas). É fácil? Não é, mas, sem abandonar esse teto, modernizando, caminhar para um teto 2.0 e combinar isso com medida do lado das receitas.
● O que é um teto 2.0?
Olhar para as regras fiscais, como o FMI manda fazer, e observar que uma regra que não tem válvula de escape e regras que não permitem certa flexibilidade em períodos de exceção não são as melhores. Precisamos sofisticar. O teto não é um Fla-Flu. A regra foi positiva e teve o seu valor, mas, para que não seja abandonada, terá de ser adaptada. Apenas corrigir pela inflação não vai funcionar. Essa modernização poderia envolver a questão do indexador. Existem outras propostas como a do Fabio Giambiagi e do Guilherme Tinoco (economistas) de discutir a questão dos investimentos (para criar uma espécie de "subteto" para os investimentos). Não cabe à IFI dar recomendação. Mas, quando calculamos os números, fica muito claro que está impossível cumprir o teto por muito mais tempo. Talvez o governo consiga cortar a despesa discricionária por mais tempo. Eu lembro que em 2019 o contingenciamento gerou reação importante de algumas áreas, como bolsas do CNPq, e começa a pegar no calcanhar de setores que são importantes. Não dá para imaginar que, nesse contexto pandêmico, o Brasil não possa desviar um milímetro do que foi pensado em 2016.
● O que deveria ser feito?
Criar uma transição. Estou chamando de ponte. Comprar tempo, alterar as regras, temporariamente, para que a gente possa discutir um aprimoramento do teto.
● Uma pinguela?
Eu li recentemente um artigo do Gustavo Loyola (ex-presidente do BC) que disse que já está meio precificado que o teto não será cumprido no ano que vem. Resta saber o que vai ser o contorno que vão fazer na regra.
● É preciso esse contorno?
Entra a questão da economia política. Não podemos dar um cavalo de pau. De repente, o teto, que era uma âncora, agora vai ser jogado fora. Não. Tem de ter cuidado. O momento é delicado. É possível ser feito um regime temporário, mantendo o teto e abrindo espaço para os gastos que vão ser necessários. A palavra chave é transparência.
“O governo terá de dizer se vai colocar dinheiro na vacina ou deixar tudo na mão dos Estados, como também o auxílio.”Felipe Salto
● O FMI fala da retirada gradual dos estímulos.
Sim. Não é razoável fazer R$ 600 bilhões (a estimativa de gastos para o combate à pandemia neste ano) e no ano seguinte, zero. Até porque vai ter muita gente à margem do mercado de trabalho. Alguma ajuda terá de ser feita.
● Como fica o dinheiro para o pagamento das vacinas?
O governo terá de dizer se vai colocar dinheiro na vacina ou deixar tudo na mão dos Estados, como também o auxílio. Como financiar essa ajuda? Falta essa diretriz. Estamos a ver navios. Não tem uma proposta. Estamos em dezembro. Não adianta mandar propostas complexas e falar que a bola está com o Congresso. Tem de sentar, negociar. Política é isso.
● A disputa da eleição para a presidência das duas Casas parou as votações das propostas.
● Por que a votação das diretrizes do Orçamento não avança?
Não acho que seja por causa da disputa da mesa (eleições para a presidência). É porque o TCU fez um questionamento claríssimo a respeito da meta flutuante (o governo não fixou uma meta para o rombo nas contas públicas em 2021, mas uma "meta flexível", que seria um resultado das despesas, limitadas pelo teto, e das receitas, que podem variar conforme a intensidade da recuperação da economia). Não existe meta flutuante.
● A meta fiscal pode ser flexível como foi proposto pelo governo?
A LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) é claríssima. Meta tem de ser calculada e fixada como um compromisso a ser perseguido, a partir do esforço combinado do lado da receita e da despesa. Não pode “flutuar”, como foi proposto em abril. Era fava contada que o TCU questionaria. E está correto. Ou tem meta ou não tem.
● Já está em curso uma transição de política econômica?
Não vejo isso. O governo, na verdade, está perdido. O Paulo Guedes é um economista que tem formação, que deve ser respeitado. Mas o que vemos, por exemplo, quando é questionado de reforma, ele volta a falar de CPMF (o ministro defende um novo tributo sobre todas as transações que é comprado ao antigo imposto sobre o cheque), desoneração (redução dos encargos que as empresas pagam sobre o salários dos funcionários), coisas fora da pauta. Esse é o plano? Como vai ser feito? O Congresso já aceitou? Do lado dos gastos, ele falou em unificar os programas sociais, e até agora nada.
● Como a IFI enxerga o resultado do PIB do terceiro trimestre?
O PIB indica uma recuperação, mas ela é inferior à apontada pelo índice de atividade do Banco Central. Houve certa frustração, se observarmos a média das expectativas de mercado. Destaca-se que, na margem, a indústria avança acima de 14% e serviços crescem acima de 6%. Mas, em relação ao mesmo trimestre do ano anterior, a recessão é ainda expressiva. Na verdade, o PIB só voltará ao nível pré-crise em 2022. Além dos riscos da segunda onda da covid e da incerteza sobre esse tema, há confusão e pouca transparência nas ações de compra de vacinas e combate em geral. O Brasil perdeu tração no motor do crescimento. Para recuperar, só com aumento da produtividade, o que está ligado ao bom investimento em educação e em infraestrutura. Está ligado, ainda, à maior inserção das empresas brasileiras nas cadeias globais de valor.
*FELIPE SALTO
DIRETOR-EXECUTIVO DA IFI NO BRASIL
Economista pela FGV/EESP e mestre em Administração Pública e Governo pela FGV/EAESP, Felipe Salto foi consultor econômico da Tendências e assessor legislativo no Senado. Em 2016, organizou o livro “Finanças públicas: da contabilidade criativa ao resgate da credibilidade” com Mansueto Almeida - publicação que ganhou o prêmio Jabuti no ano seguinte. Ainda em 2016, foi indicado para exercer mandato fixo de seis anos como o 1º diretor-executivo da então recém-criada Instituição Fiscal Independente (IFI). Em 2020, publicou o livro “Contas públicas no Brasil” (Saraiva, 2020), com Josué Pellegrini. É colaborador da seção Espaço Aberto, do Estadão.
João Gabriel de Lima: Piketty, Paulo Guedes e os nomes dos bois
Expurgada das siglas, discussão tributária pode ser fascinante, além de essencial
Talvez não seja o caso de convidar Thomas Piketty, herói da esquerda mundial desde que publicou o livro O Capital no Século XXI, e Paulo Guedes, ministro da Economia do governo Bolsonaro, para a mesma mesa de bar. Se a mesa for de debates é outra coisa. Em 2014, os dois participaram de um evento na Universidade de São Paulo. Piketty viera ao Brasil lançar o livro que o tornou famoso. Paulo Guedes nem sonhava (pensando bem, sonhava sim) em ser ministro da Economia.
Em um momento do debate, Piketty, naquele inglês charmoso (e às vezes incompreensível) de que só os franceses são capazes, defendeu apaixonadamente a cobrança de um imposto sobre heranças. Em sua vez de falar, Paulo Guedes endossou a tese. O esquerdista e o liberal concordaram mais que discordaram, surpreendendo a plateia.
Lembrei-me do episódio neste momento em que o Brasil discute orçamento e uma reforma tributária. A conversa exclui a maior parte dos cidadãos por causa da linguagem excessivamente técnica, um emaranhado de números e siglas. O debate poderia ser mais inclusivo se os contendores, sem abrir mão da complexidade dos temas, dessem nomes aos bois (o economista Bernard Appy, colunista do Estadão e ex-integrante do governo Lula, é uma exceção por sua clareza. Ele é o personagem do minipodcast da semana).
Os cidadãos de um país entregam parte de seu dinheiro aos governos – o nome disso é imposto. Os políticos decidem onde o dinheiro será utilizado – isso se chama orçamento. Tais políticos são escolhidos pelos cidadãos, de forma a agir de acordo com o pensamento da sociedade – a isso se chama democracia.
Como o dinheiro dos cidadãos não cobre todas as despesas, é necessário fazer escolhas – isso se chama conflito distributivo. Os cidadãos preferem que seu dinheiro seja investido em hospitais ou na JBS de Joesley Batista? Gostariam que os recursos financiassem escolas ou aposentadorias de juízes e desembargadores?
No Brasil, seria pedagógico se esses conflitos ficassem mais claros para todos. Em Portugal, onde moro, os debates sobre orçamento e tributos são assunto recorrente nos telejornais. A isso se chama cidadania.
Se falta dinheiro, seria o caso de cobrar mais dos cidadãos? Se sim, todos concordam – e aí entra a conversa entre Piketty e Paulo Guedes – que os ricos devem pagar mais. Quanto dinheiro, no entanto, seria possível gerar com impostos sobre heranças ou dividendos? No Brasil, tem-se como certo que tal valor resolveria todos os problemas. Falta aquilo que se chama matemática – um ponto fraco em nosso debate público.
Expurgada das siglas, a discussão tributária pode ser fascinante, além de essencial. Se Piketty e Paulo Guedes conseguem conversar sobre o assunto, por que não nós? Estive algumas vezes com Paulo Guedes como jornalista. Anos depois do debate na USP, entrevistei Piketty no palco, no âmbito do projeto “Fronteiras do Pensamento” – e a conversa, ótima, evoluiu para um jantar com seus editores brasileiros.
A impressão que guardo dos dois: Guedes e Piketty adoram debater com quem pensa diferente (mesmo que alguns no governo chamem impropriamente de “detratores” os que discordam, legitimamente, do ministro da Economia). Na falta do debate inteligente, os fracos de argumentação preferem se recolher em bolhas, esquerdas de um lado, direitas do outro. A isso se chama obtusidade – termo difícil de conciliar, na mesma frase, com a palavra democracia.
Bruno Boghossian: Bolsonaro ainda não conseguiu dimensionar buraco da economia em 2021
Sem auxílio emergencial, governo deposita uma confiança exagerada na recuperação do emprego
Jair Bolsonaro ainda não conseguiu dimensionar o choque que a economia do país deve sofrer na virada do ano. O governo já sabe que o fim do pagamento do auxílio emergencial será um problema, mas não tem ideia do que fazer com os milhões de brasileiros que ficarão com pouco ou nenhum dinheiro.
O presidente repete a ideia de que o socorro aos mais pobres não deve ser prorrogado. Na terça (1º), ele disse que “alguns querem perpetuar tais benefícios” e emendou: “Ninguém vive dessa forma. É o caminho certo para o insucesso”. Já se sabe que um novo programa social não cabe no Orçamento, mas faltou apontar a direção de uma outra estrada.
Bolsonaro falou sobre o auxílio durante um evento na fronteira com o Paraguai. O recado veio segundos depois que ele fez um aceno aos “humildes funcionários” da obra de uma ponte. O receituário para a economia saiu na forma de um clichê: “Nada dignifica mais o homem do que o trabalho. É o que nós precisamos”.
A doutrina bolsonarista costuma contrapor proteção social ao trabalho. No passado, o presidente dizia que o Bolsa Família era “um projeto para tirar dinheiro de quem produz e dar a quem se acomoda”. Em maio, Paulo Guedes (Economia) torcia o nariz para a prorrogação do auxílio, porque “aí ninguém trabalha”. “O isolamento vai ser de oito anos, porque a vida está boa”, declarou.
Esticar o auxílio emergencial indefinidamente não é uma solução plausível, mas o governo parece depositar uma confiança exagerada na recuperação do mercado de trabalho. O número de pessoas procurando emprego já aumentou, e há poucos sinais de que a economia terá capacidade de absorver aqueles que ficarão desamparados daqui por diante.
Até agora, o governo não ofereceu um plano razoável para melhorar esse ambiente. Quando os brasileiros começaram a morrer de complicações provocadas pelo coronavírus, Bolsonaro lançou a infame declaração: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. Na fila do desemprego, esse slogan também não vai colar.
Monica De Bolle: Os Detratores de Guedes
A lista que vi, dos tais detratores, era um rol de pessoas que costumam criticar as medidas e posturas do ministro
Quando escrevi o título desse artigo me veio à mente nome de minissérie. Não de uma boa minissérie, aquelas que prendem você, que torturam, que não te deixam largá-la. Não. O que me veio à mente foram aquelas outras, com enredo mal feito, cheio de histórias paralelas que nada têm a ver umas com as outras, repletas de personagens fantoches, rascunhos de pessoas. Os Detratores de Guedes. Quem é Guedes mesmo para ter detratores? Ah é, ele é ministro da Economia. Mas ministro da Economia tem detrator? Detrator? Pessoas que vivem a falar mal de sua aparência, sua maneira de se vestir, seu corte de cabelo. Tem? Deve ter. Mas a lista que vi, a dos tais detratores, era um rol de pessoas que costumam criticar as medidas e as posturas de Guedes. Ora, pessoas públicas, como o ministro, têm críticos.
Os detratores de Guedes. Fizeram relatório e tudo, com 81 nomes. Para mandar material explicativo, disseram. Para enviar encartes do governo e papéis lustrados sobre os afazeres do ministério, suas batalhas, suas vitórias. Gastaram alguns milhões de reais para preparar o relatório. Haverão de gastar um tanto mais para a elaboração e o envio do extenso material supostamente elucidativo. Material para convencer os detratores a tratarem bem o ministro, pobre do ministro.
Disseram que esse tipo de documento é normal, que outros governos costumavam fazer o mesmo. Disso, confesso que nada sei. O que sei é que preparar um relatório identificando nominalmente jornalistas, acadêmicos e pessoas que participam do debate público, e, ainda por cima, sugerir no documento que alguns indivíduos sejam monitorados não pega bem. Senti uma lufada de intimidação, e olha que nem da lista constava. Sorte?
A minissérie da economia brasileira regida por Paulo Guedes, sobretudo durante a pandemia, de fato não é nada atraente. Declarações desconjuntadas, falta de estratégia, tentativas de inventar conceitos econômicos de todos os tipos. Claro, houve o auxílio emergencial, aquele mesmo que não foi apoiado por Guedes quando o pior se anunciava, aquele que ele tentou eliminar quando o pior ainda não tinha passado, aquele que deve ser extinto daqui a 30 dias se o governo nada fizer.
O que mais fez Guedes durante a pandemia? Se fosse um personagem de minissérie merecedor de detratores, um vilão, quais seriam as ações que o creditariam como protagonista? Porque vejam: fazer pouco ou quase nada durante a pandemia é razão para críticas, sim. Mas a rejeição visceral provocada pelos grandes vilões da ficção? Nada fazer não é eletrizante o suficiente. Pouco fazer não dá um enredo. Nada disso chega a ser trágico, mas claramente é tristonho. E, evidentemente, muito ruim para o País.
Enquanto Guedes identifica seus detratores e prepara material para, bem, não se sabe muito bem para quê, o Brasil padece com a nova onda da pandemia. Já não há leitos nos hospitais de cidades como o Rio de Janeiro, escassos estão em São Paulo. São Paulo que, no dia seguinte das eleições municipais, voltou ao alerta amarelo, que talvez devesse ser laranja, quase vermelho. Testes? Está dificílimo fazer um teste de covid até nas grandes cidades brasileiras, e digo-o com conhecimento de causa. Está difícil porque são tantas pessoas a serem testadas que o sistema público, privado, não importa, já não dá conta.
Nas favelas, nas periferias, o vírus voltou com força, como acontece mundo afora. Esse é o resultado de semanas e mais semanas de descaso e de falta de orientação adequada das autoridades públicas. Inclua-se nesse grupo o ministro da Economia. Afinal, se zeloso fosse, se estivesse realmente preocupado com a economia, estaria se esforçando para dar apoio às pessoas. Estaria se ocupando, por exemplo, da renovação urgente do auxílio emergencial. Mas, não. O ministro está ocupado com mudar cabeças a seu favor, para dizê-lo de forma mais suave. O ministro está preocupado em fazer projeções de PIB nas quais ninguém acredita, e nem acreditará, não importa quão bonito seja o papel.
Os detratores de Guedes. Guedes, quer mesmo não ser criticado? Quer mesmo não ter que distribuir material ou pedir relatórios? Quer ter a tranquilidade de não saber o que estão pensando de você? Essas perguntas nada têm de difícil. Portanto, vou deixá-las aqui. Vou deixá-las aqui para que o leitor e a leitora encontrem as formas mais criativas de respondê-las.
Como termina a temporada dessa lúgubre minissérie?
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Evandro Milet: Na política e fora dela, a lacração nem sempre funciona
Na política, em muitas ocasiões, aqui e fora daqui, a tentação de fazer declarações lacradoras, que encerram discussões, esperando aplausos, elogios da inteligência e reverências pela suposta esperteza, algumas vezes provoca efeito contrário.
Logo depois do golpe de 64, Carlos Lacerda um dos seus principais líderes civis, foi à Europa tentar explicar e defender o movimento. Jornalistas franceses lhe perguntaram se tudo fora feito com apoio dos americanos e ele, lacronicamente(existe isso?), respondeu que havia um engano, o que fora feito com apoio dos americanos tinha sido a libertação da França. E não parou por aí. Perguntaram como era uma revolução - a expressão usada então - sem sangue. Ele, de novo, “assim como os casamentos na França”. Certamente uma ideia já fora do tempo por ali. Resultado: não foi recebido por De Gaulle.
Orador brilhante, a lacração era normal para ele. A um deputado que o aparteou com a expressão “V. Excia. é que é ladrão!”, Carlos Lacerda indagou “Ladrão de quê ?” Da “honra alheia”. “Neste caso fique tranqüilo porque nada tenho a furtar de V. Excia.”.
A suposta esperteza, tentativa de lacração, tosca porém, parece voltar à moda quando Bolsonaro manda Angela Merkel usar o dinheiro que deixava de doar ao meio ambiente brasileiro para cuidar das suas próprias florestas. Mas não chega ao cúmulo da falta de educação e noção das declarações sobre a aparência da primeira dama francesa, aliás reafirmadas pelo Ministro da Economia, a quem supostamente interessaria muito o acordo Mercosul-União Europeia. Alguém consegue imaginar uma visita diplomática do Presidente brasileiro a esses dois países?
Recentemente, Paulo Guedes perdeu a paciência ao ser questionado sobre a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro em um evento do Aspen Institute. Num impulso de lacração disparou contra os americanos dizendo que os militares brasileiros entendem "as preocupações de vocês, porque vocês desmataram suas florestas", mas "eles não são como o general Custer, que matou os índios". Vejamos se dirá isso diretamente ao Biden.
Agora, Bolsonaro ameaçou denunciar países europeus - e voltou atrás - que importam madeira ilegal, como se lacrasse dizendo:”Peguei vocês, idiotas, taokey?”. A consequência foi dar argumentos para aqueles protecionistas que querem criar dificuldades para os produtos brasileiros que poderiam, em tese, ter alguma relação com a floresta.
A tentativa de lacração, porém, é universal na política e pode sinalizar, ao contrário, inteligência e presença de espírito. Winston Churchill era um frasista lacrador. Lady Astor da Câmara dos Comuns: “Winston, se você fosse meu marido eu colocaria veneno no seu café”. Churchill: “Madame, se eu fosse seu marido eu o beberia”.
No Congresso Nacional já houve diálogos lacradores bem humorados como o deputado mineiro Último de Carvalho rebatendo um rompante do gaúcho Flores da Cunha que dizia que “no Rio Grande só tem macho”: – “Excelência, em Minas é metade macho, metade fêmea, e nos damos muito bem”.
Fora da política também há lacração. Groucho Marx era comediante lacrador. Ao ser perguntado por um bêbado se não se lembrava dele: “Nunca me esqueço de um rosto, meu amigo. Mas, no seu caso, vou fazer uma exceção”. E também Oscar Wilde ao receber um convite inconveniente: “Infelizmente, devo declinar do seu convite, em razão de um compromisso assumido posteriormente”.
Ficou famosa a frase do carnavalesco Joãosinho Trinta, criticado pelos desfiles luxuosos em contraste com a pobreza dos sambistas: “Pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”. Lacração definitiva, pois nunca mais esse assunto retornou aos comentários de carnaval.
Pelo menos melhor assim do que provocando inconsequentes crises diplomáticas.
Míriam Leitão: Visão de Mansueto sobre o risco fiscal
Muitos riscos rondam a economia do Brasil, segundo o ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida. Ele acha desejável haver ideias diferentes para resolver o problema das contas públicas, mas defende que haja clareza no diagnóstico. Alerta que não temos margem para errar. O déficit fiscal este ano vai ser de 17% do PIB, incluindo os juros. Quase 70% da dívida está atrelada a juros de curto prazo. Por enquanto, “respiramos”, diz ele, porque a Selic está baixa. Mas a inflação está subindo e os juros futuros refletem a falta de confiança. “Se a gente não der os sinais certos, quando os juros subirem teremos um baita problema”. Ele defende um grande debate nacional sobre as renúncias tributárias, mas é contra novos impostos:
— Já temos carga tributária elevada, o espaço não é o mesmo dos anos 90. O governo federal perdeu dois pontos do PIB de arrecadação em relação ao que era entre 2011 e 2013. É a perda das crises. Não se sabe quanto disso pode ser recuperado. Em um país com carga tão alta, vamos ter que rever renúncias tributárias. Mas para isso tem que começar o debate hoje, como foi na Previdência. Um dos grandes benefícios da Previdência foi que passamos três anos discutindo e isso permitiu a sua aprovação.
Ele avisa que não é fácil eliminar subsídios, por isso será preciso se preparar para esse debate. Cada subsídio, cada renúncia fiscal, tem seus defensores. Subestimar as dificuldades nesse tema é o caminho do fracasso.Mansueto defende o teto de gastos, como sempre, mas faz uma avaliação preocupante. O orçamento de 2021 está no Congresso e no vermelho. Depois de cinco anos de teto de gastos, o Brasil estará no ano que vem com um rombo maior do que estava antes e o plano original era zerar o desequilíbrio em cinco anos, chegando em 2026, quando o teto fará 10 anos, com superávit de 2,5% do PIB.— Para ter o que foi programado, nós teríamos que fazer em cinco anos um ajuste que estava previsto para 10 anos. Se a gente “apenas” cumprir o teto, que já é difícil, vamos chegar em 2026 ainda com déficit. Mais seis anos com déficit é uma situação de muito risco — diz ele.
Que risco? O da quebra da confiança de que o governo pode pagar a dívida pública. Em 2002, com a turbulência prévia da eleição de Lula, a dívida líquida chegou a 60% do PIB. Depois da posse, o dólar caiu, o governo cumpriu superávits e em 2013 ela era de 30% do PIB. Esse ajuste se perdeu. A dívida líquida bateu em 55% no ano passado. Pelas projeções do Ministério da Economia este ano vai para 65% e em 2028 estará em 87%. A bruta vai para 98%.— O Brasil até 2013 tinha resolvido seu problema fiscal. Implodiu isso em poucos anos. Teve dois anos de recessão e agora a pandemia. Se a gente não mudar esse cenário, mesmo cumprindo o teto de gastos, esse país não vai ter espaço fiscal para nenhuma contingência, recessão ou crise. Em 2015 o ministro Joaquim Levy propôs o debate sobre a revisão dos benefícios tributários. Cinco anos depois, o debate não andou. No governo Temer o gasto com o Simples foi até ampliado, quando se elevou o faturamento das empresas que podiam se enquadrar.Esse debate é árido. Há benefícios que claramente precisam acabar. Até eles ficam. Veja o caso do fim da isenção fiscal para fundos exclusivos, aqueles formados por pessoas muito ricas. Em vez de serem cotistas, eles foram fundos só para si. Por incrível que pareça esse investidor não paga imposto. Temer propôs acabar com essa isenção, o que geraria R$ 6 bilhões de receita, mas foi derrotado no Congresso.
Para piorar o ambiente de déficit e dívida crescentes, a inflação subiu.
— Há seis meses, a expectativa de inflação para este ano era de 2%. Hoje está em 3,8%. A do ano que vem também subiu. Isso pode levar a um aumento dos juros que vai impactar a dívida toda concentrada no curto prazo. A curva dos juros (futuros) expõe o tamanho da incerteza sobre como o Brasil vai resolver o problema. E não é daqui a quatro, cinco anos. As pessoas querem clareza para os próximos seis meses.
Mansueto lembra que na democracia as soluções são encontradas no debate. Diz que é natural, e desejável, que cada corrente de pensamento defenda a sua ideia sobre como resolver esse nó fiscal. Mas faz um alerta.
— É legal ter propostas diferentes, mas não pode haver disparidade sobre o diagnóstico. Não temos margem para erro daqui pra frente.
Míriam Leitão: A incômoda visita da alta dos preços
Há uma distância entre o número da inflação oficial e como ela é sentida pelos brasileiros. No meio de uma recessão, com impacto maior sobre os alimentos, com queda da renda e alta do desemprego, ela pesa muito mais do que os 4,22% dos últimos 12 meses do IPCA-15. Hoje, sairá o IGP-M de novembro e pode superar 3%, como no último mês. Os IGPs estão nas alturas, em torno de 25%, por causa dos preços por atacado. A inflação tem natureza e peso diferentes desta vez. Não existe hora boa para a chegada da inflação, mas agora ela é uma visita ainda mais incômoda.
Em ambiente recessivo, os preços não deveriam subir. Mas já aconteceu recentemente. Em 2015 e 2016, quando houve o descongelamento de tarifas de energia, o índice passou de 10%. Agora, de novo, há vários motivos específicos. Uma forte desvalorização do dólar, o aumento das exportações de alimentos, um descompasso dentro da cadeia produtiva e até uma pressão de demanda em plena recessão. O auxílio emergencial produziu um aumento de renda temporário, mas a maior alta de preços bateu exatamente nos alimentos, que são os itens que mais pesam no orçamento das famílias.
O Brasil viveu no começo deste ano uma maxidesvalorização. Em 31 de dezembro a moeda americana estava cotada em R$ 4,03. No dia 14 de maio, o pior momento, havia saltado para R$ 5,93. Alta de 47% em cinco meses. De lá para cá, caiu para R$ 5,32, mas ainda acumula uma valorização de 32% este ano. O real mais fraco tem o efeito econômico positivo de estimular as exportações, mas também representa aumento de custos para diversos setores. A indústria utiliza insumos, peças e máquinas importadas, e até alguns segmentos dos serviços sentem o efeito. Nos transportes, por exemplo, os combustíveis estão atrelados a preços internacionais. Há setores que reajustam preços sem dó nem piedade, independentemente da baixa demanda. Passagens aéreas dispararam 39% em outubro e mais 3,5% em novembro.
Outra razão da inflação deste ano é o forte salto nos preços por atacado. Em grande parte, reflexo da desvalorização cambial. Hoje, o IGP-M de novembro será divulgado e a projeção é de uma nova alta forte, de 3,3%, segundo a LCA Consultores, acima dos 3,23% de outubro. Os preços agropecuários no atacado devem disparar mais 8,63%, com aumentos no milho, trigo e na soja, que são matérias-primas para outros elos da cadeia de produção de alimentos. Os preços industriais também estão subindo, e a estimativa é de alta de 2,48%.
O Banco Central alegou que era um impacto temporário, concentrado nos alimentos, e que vários países do mundo estavam enfrentando o mesmo problema. Mas as histórias são diferentes de país para país, como mostrou o próprio presidente Roberto Campos Neto em apresentação na última semana. Nos EUA, os alimentos subiram mais de 5% na taxa anual, no pior momento da pandemia. Mas no Reino Unido o aumento não chegou a 2%. Entre oito países emergentes comparados pelo BC, o Brasil neste momento é o mais foi afetado pela inflação de alimentos, com elevação acima de 15%. Na China, subiu muito, mas está desacelerando. No Peru, não passou de 3%. A principal explicação é, de novo, a forte desvalorização do real.
As projeções de mercado apontam inflação na meta para este ano e o próximo, mas os números têm sido revistos para cima, semana após semana. Essa mudança de cenário tem sido encarada pelos economistas como um “vento contrário não esperado”. Se as estimativas aumentarem muito, o Banco Central terá que elevar a Selic, e o mercado de juros já tem mostrado um descolamento entre as taxas mais curtas e as mais longas.
Alguns economistas começam a olhar preocupados para essa inflação que nos visita em hora totalmente imprópria. A renda caiu, mas os preços que mais sobem são de produtos que não se pode deixar de comprar, os alimentos. Como várias indústrias fecharam as portas durante a pandemia, está havendo em plena recessão uma falta de insumos dentro da cadeia produtiva. Na reabertura, as empresas estão produzindo menos porque não querem acumular estoques num cenário de incerteza. E isso faz com que qualquer retomada econômica possa alimentar a inflação.
Essa é uma inflação bem diferente dos outros eventos do passado recente. Acontece num contexto difícil para as famílias e para o governo, que está muito mais endividado. Uma visita realmente incômoda.
Rogério F. Werneck: Entalo fiscal
Governo finge que quer preservar o teto de gastos
Neste final de ano, a política fiscal do governo está fadada a ter um encontro marcado com a verdade. Já não há mais espaço para autoengano sobre suas reais possibilidades. Ao cabo de meses e meses de ilusionismo, falta de foco e escancarada procrastinação do anúncio das medidas de ajuste nas contas públicas que se fazem necessárias, o Planalto se descobre, agora, com não mais que três semanas e meia para escapar do entalo fiscal em que se meteu.
O governo nem mesmo conseguiu que o Congresso aprovasse a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). E a apreciação do Orçamento ainda inspira cuidados. Vem sendo tumultuada pela disputa precoce pelo controle das mesas do Congresso, instigada pelo próprio Planalto. Vai-se entrar em dezembro sem que Comissão Mista de Orçamento tenha sido sequer instaurada. É espantoso.
Salta aos olhos que, prestes a completar a primeira metade de seu mandato, Bolsonaro já não tem mais qualquer intenção de levar adiante um esforço sério de ajuste fiscal no que lhe resta de mandato. Não é isso que preconiza a ala desenvolvimentista do governo, nem o que acalenta a bancada que lhe dá apoio no Centrão nem, tampouco, o que defende o círculo mais próximo de conselheiros do presidente.
O que se viu até aqui foi um jogo de aparências, em que o governo finge que quer preservar o teto de gastos. De um lado, porque continua a temer que qualquer discurso mais ostensivo contra o teto possa desencadear reações implacáveis dos mercados. E, de outro, porque continua assombrado pelo temor de dar margem a um processo de impeachment, caso se disponha a violar abertamente uma regra fiscal claramente inscrita na Constituição.
Sobram razões para a preservação do teto de gastos, especialmente num governo que já não esconde sua falta de compromisso com o ajuste fiscal. E é improvável que as forças do Congresso que já se articulam em torno de projetos políticos de enfrentamento do bolsonarismo, em 2022, estejam dispostas a ajudar o governo a se desvencilhar da camisa de força constitucional que vem tolhendo, com eficácia, seus excessos fiscais.
É bem sabido que, encantado com o ganho de popularidade que lhe trouxe o auxílio emergencial, Bolsonaro continua fixado na ideia de poder implantar um programa similar no início do ano que vem, quando o pagamento do auxílio tiver sido suspenso, ao fim do período de vigência do estado de calamidade.
Dada a dificuldade de acomodar um programa dessas dimensões sob o teto de gastos, a “solução” fácil que, agora, vem sendo contemplada é a simples prorrogação do estado de calamidade que, supostamente (há quem discorde), permitiria estender o pagamento do auxílio por alguns meses mais.
Como tal “solução” só seria minimamente defensável se de fato estivesse havendo claro recrudescimento da pandemia no país, não falta agora, no governo, quem esteja pronto a interpretar qualquer oscilação para cima nos números nacionais de casos ou mortes como evidência inequívoca do avanço de uma “segunda onda” pandêmica no Brasil. Quem te viu, quem te vê. O negacionismo que pautou a postura do governo na primeira onda da pandemia cedeu lugar, agora, a um alarmismo oportunista acerca da suposta segunda onda. “Não tem como não prorrogar” (o auxílio emergencial) é a palavra de ordem que ganha força no Centrão.
Quanto a medidas de ajuste fiscal de mais fôlego, é difícil discernir, em meio ao discurso caótico do governo — seja no Planalto, seja no Ministério da Economia —, algo que se assemelhe, ainda que remotamente, a um plano claro de jogo.
Findo o segundo turno das eleições municipais, a ser disputado em 57 cidades no domingo, o país testemunhará o despreparo com que o governo se verá obrigado a enfrentar, afinal, no apagar das luzes do ano legislativo, as alarmantes indefinições fiscais que, há meses, vem se permitindo manter.
Celso Ming: Promessas bloqueadas
O Posto Ipiranga não consegue nem mesmo vender gasolina
Nesta segunda-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, reconheceu que “o programa de privatizações não andou direito”. E ele atribuiu o insucesso à oposição entre os políticos, que, por sua vez, reflete a obstrução produzida pelos lobbies corporativos mais a reação de natureza ideológica da bancada estatizante. Atribuiu também a questões internas do governo – mas isso o ministro não chegou a dizer –, que apontam para aqueles que preferem ter à sua disposição vagas nas diretorias nas estatais para distribuir aos cupinchas.
Em 2018, até mesmo antes de assumir seu posto na Economia, Paulo Guedes garantia que proveria R$ 1 trilhão em privatizações de empresas da União. Seu objetivo era livrar-se de sangrar o Tesouro com transferências destinadas a capitalizar estatais atacadas de raquitismo. Não saiu nem a privatização da Eletrobrás, nem a dos Correios nem a da Casa da Moeda, que pareciam encaminhadas. A 11 de agosto, saiu derrotado no governo o secretário de Privatizações, Salim Mattar.
No entanto – e isso o ministro também não diz –, a maior oposição à privatização vem do presidente Bolsonaro, que faz corpo mole ou interdita iniciativas, muitas delas no caminho correto.
Também antes de tomar posse, Paulo Guedes garantiu que zeraria o rombo fiscal ainda no primeiro ano de mandato. Em 2019, o déficit foi de 0,85% do PIB e, neste ano, não será inferior a 9,0% do PIB.
A nova CPMF foi veementemente negada e renegada nos primeiros meses de governo. Em setembro de 2019, o então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, foi demitido por defendê-la. Alguns meses depois, eis que o próprio Guedes vem com a conversa de que é preciso taxar as operações digitais com um imposto que, segundo ele, não é a CPMF. Mas, qualquer um sabe, tem cara e focinho de CPMF, embora não leve esse nome.
Em agosto de 2020, Guedes anunciou um “big bang” na economia. Viria o projeto de reforma tributária (com a nova CPMF) e toda a economia seria desindexada, o que acabaria também com a correção do salário mínimo e das aposentadorias. E, no lugar do programa Bolsa Família, seria criada a Renda Cidadã, que receberia a dotação orçamentária de alguns programas de subsídios e de auxílio social, como o abono salarial e seguro-defeso (dado aos pescadores artesanais na época de suspensão da pesca). O presidente Bolsonaro detonou por inteiro o “big bang” do ministro e, assim, esse universo nem teve um início.
Em abril de 2020, caducou a Medida Provisória n.º 905, que criava a Carteira Verde e Amarela, espécie de regime especial de trabalho com mais atrativos para a contratação de jovens, público que mais vem sofrendo com o desemprego, em parte pela sua falta de experiência. Deveria, afirmou o ministro, criar cerca de 1,8 milhão de empregos. Mas morreu de inação e de falta de empenho da Casa Civil em coordenar sua aprovação no Congresso.
Em março de 2020, Guedes garantiu que, com um piparote de R$ 5 bilhões, aniquilaria o novo coronavírus: “Já existe verba na Saúde. Não precisamos mais do que um extra”. Conforme nos dá conta monitoramento de despesas da União, o governo deve gastar cerca de R$ 580 bilhões com despesas derivadas da pandemia, apenas em 2020. E nisso o ministro foi contrariado, porque as metas fiscais que ele queria ver defendidas implodiram.
As promessas que deram errado se multiplicaram. O grande avanço da economia em 2019, de pelo menos 3% do PIB antes proclamados, se transformou em crescimento de apenas 1,1%. A pandemia se encarregou de esmerilhar as projeções de um avanço, “no pior cenário”, de 1,0% em 2020. O resultado provável será uma queda de 4,5%, que só não será maior graças ao despejo de R$ 322 bilhões em auxílios de emergência. A recuperação em “V”, em 2021, por enquanto não passa de boa intenção, minada pelo alargamento do rombo e pelo atraso no andamento dos projetos de reforma.
Agora, passadas as eleições, Guedes acena com o andamento das reformas. A da Previdência só saiu graças ao empenho dos presidentes das duas Casas do Congresso. O projeto de reforma tributária do governo, até agora, foi uma barafunda que parece ignorar os projetos em exame na Câmara e no Senado.
E o projeto de reforma administrativa deixou de fora a situação dos servidores da União. Seria como reformar o carro com 400 mil quilômetros rodados e não mexer no motor.
Enfim, o Posto Ipiranga não consegue nem mesmo vender gasolina… porque seu chefe não deixa.
Fábio Alves: Guedes sob pressão
Se ministro conseguir entregar alguma reforma, reputação ficará menos arranhada
Paulo Guedes chega ao fim do seu segundo ano no cargo com a credibilidade seriamente abalada perante analistas e investidores do mercado financeiro, público que foi um dos primeiros eleitores a abraçar a campanha do então candidato presidencial Jair Bolsonaro, em 2018, em razão do apoio irrestrito ao seu escolhido para ministro da Economia.
Mas a imagem de Guedes no mercado passou de respeito e admiração para ceticismo nas palavras do ministro ou até mesmo chacota. Nos últimos dias, corre em mensagens de grupo de WhatsApp entre economistas e investidores a figurinha de Guedes, dedo indicador em riste e um leve sorriso no rosto, com a seguinte legenda: “Semana que Vem”, numa alusão ao histórico do ministro de prometer entregar propostas da agenda econômica sempre para um futuro próximo.
Outra figurinha mostra um posto Ipiranga em chamas, numa referência ao fato de que o mercado deixou de acreditar que Bolsonaro ainda dá a Guedes carta branca para resolver e decidir todos os assuntos da área econômica, ao contrário da campanha presidencial, quando Guedes era chamado de “Posto Ipiranga” pelo agora presidente.
A figurinha mostra o posto em chamas porque o ministro se envolveu em disputas públicas com a ala política e desenvolvimentista do Palácio do Planalto em temas como investimentos, teto de gastos e fontes de financiamento de programas de transferência de renda, sofrendo alguns reveses.
“Ele está desacreditado”, sentencia um gestor estrangeiro. “Faz um papel de distrair de um lado, enquanto o Congresso impõe sua vontade, de outro.”
Esse gestor diz que para a credibilidade do ministro ser mantida requer alguma entrega de resultados. “Quais ele entregou, objetivamente?”, indaga. “A reforma da Previdência aconteceu mais a despeito dele do que por causa dele. Lembra a capitalização?”
O problema, na visão desse gestor, é o tempo perdido em não se aprovar reformas que aumentem a produtividade, reduzam desigualdades e controlem o gasto público. “Falta visão de futuro: ele vê mais as árvores do que a floresta. E ela continua pegando fogo”, diz.
O que tem causado bastante desconforto no mercado é a quantidade de ruído nos preços dos ativos, em particular na cotação do dólar, devido a constantes declarações de Guedes em eventos ou em entrevistas à imprensa.
A mais recente aconteceu na semana passada quando o ministro disse que fará “o que for necessário” para reduzir a dívida pública (que deve superar 96% do PIB neste ano) e citou a possibilidade de “até vender um pouco de reservas”.
Um renomado investidor em juros e câmbio critica duramente a fala do ministro, dizendo que Guedes confunde estoque (o que o governo tem de dívida) com fluxo (que é o que o governo tem de resultado – receita menos despesa – no ano).
“Ao vender parte das reservas internacionais para diminuir a dívida bruta, lembrando que as reservas já têm efeito sobre a dívida líquida, Guedes está diminuindo a dívida bruta, a líquida se mantém estável e ele perde um seguro essencial – como são as reservas – diante da delicada situação fiscal do Brasil”, observa o investidor acima. “Mas ele não cuida do maior problema, que é o fluxo, o qual, para ser resolvido, precisa de reformas a fim de diminuir o tamanho do Estado (custo) e aumentar o PIB potencial (receitas).”
Já o economista-chefe de um importante fundo de investimentos diz que é preciso dividir em dois períodos a avaliação de Guedes. “No primeiro ano no cargo, o desempenho dele foi muito bom, com uma participação fundamental na aprovação da reforma da Previdência e uma narrativa de modernização do Estado e continuidade da agenda de reformas, que manteve o tema em voga no Congresso”, explica. “Mas, já no fim do ano passado, as dificuldades em coordenar projetos e negociar consensos parece que começou a pesar contra. Tudo isso foi sendo agravado com a crise política e a pandemia do coronavírus.”
A questão agora é que as promessas de Guedes encontram ouvidos moucos no mercado, especialmente quando se trata de privatização. O ministro agora quer vender os Correios, o Porto de Santos, a Eletrobrás e a Pré-Sal Petróleo (PPSA) até o fim de 2021. Pouca gente leva fé nisso.
Mas se o ministro conseguir entregar alguma reforma em 2021, como a PEC emergencial, sua reputação ficará menos arranhada.
Fernando Exman: A dura vida da equipe econômica na Câmara
Seja qual for o futuro presidente, cenário será desafiador
Segue indefinida a disputa pela presidência da Câmara, corrida encabeçada pelo blocão do líder do PP, Arthur Lira (AL), nome preferido do Palácio do Planalto, e o grupo do presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os próprios envolvidos no duelo alertam: quem se arriscar a cravar um prognóstico do resultado da eleição está mal informado ou deliberadamente mal-intencionado, querendo passar uma visão distorcida da realidade para influenciar o jogo. Já se pode projetar sem medo de errar, contudo, que o cenário será desafiador para a equipe econômica, seja qual for o vencedor.
Nas últimas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem aproveitado eventos públicos para reiterar seu plano de voo. Enquanto tenta abrir espaço na agenda legislativa para a tramitação das reformas, trabalha para dar um impulso definitivo à votação de propostas que visam melhorar o ambiente de negócios, como o projeto que garante autonomia ao Banco Central, marcos regulatórios setoriais capazes de atrair investimentos e a nova Lei de Falências. Dia sim outro também, insiste em destravar as privatizações de Eletrobras, Correios, Porto de Santos e PPSA, a estatal que representa a União nos contratos de partilha do setor de petróleo - uma pauta louvável consagrada nas urnas em 2018, mas que até agora não emocionou os congressistas.
Para conseguir abrir espaço abaixo do teto de gastos, integrantes da equipe econômica reforçam a necessidade de se implementar a tal agenda “3D”, composta por iniciativas que desobrigam, desvinculam e desindexam o Orçamento. São ações que já estão sob a análise do senador Márcio Bittar (MDB-AC) e podem até prosperar no Senado, mas enfrentam resistências de autoridades do próprio Executivo, na oposição e entre parlamentares da base aliada na Câmara. Bolsonaro em pessoa já as descredenciou num passado não tão remoto. O presidente ameaçou dar um cartão vermelho para quem defendesse não assegurar a reposição da inflação para a Previdência e o salário mínimo, mas acabou guardando-o no bolso depois que o assunto deixou as manchetes dos jornais.
A ideia, no entanto, nunca foi abandonada totalmente. Na percepção de integrantes do Centrão, Bittar está disposto a enfrentar os debates mais impopulares e até mesmo incluir em seu relatório medidas que podem causar preocupações no mercado, como fez quando defendeu usar recursos dos precatórios para ajudar o governo a erguer um programa social que substitua o Bolsa Família.
O relator do Orçamento e da chamada PEC do Teto de Gastos também estaria disposto, de acordo com interlocutores, a defender a tributação de lucros e dividendos ou prever o fim de isenções tributárias. Em outras palavras, aceita resolver os problemas do governo tanto do lado das receitas quanto no das despesas, desde que tenha respaldo dos partidos aliados, do Ministério da Economia e, principalmente, do Planalto. Com razão, temeria ser abandonado no plenário. A articulação entre os líderes governistas tem um histórico de desencontros.
Isso vem ganhando corpo no Senado, porém na Câmara Guedes ainda não tem total apoio do Centrão para adotar medidas impopulares. Ele mesmo sabe disso, embora espere e torça para que o bloco abrace sua pauta, até como suposta estratégia para limpar a imagem de fisiologismo. Um influente parlamentar do grupo, no entanto, mostra que esse sonho não será fácil e já alerta que muitas das articulações mais fiscalistas conduzidas pelo ministro com Maia não reverberam entre os deputados governistas.
Inspirada pela frase de Bolsonaro segundo a qual sua administração não vai tirar nada do pobre para dar ao paupérrimo, a própria base aliada não quer aprovar qualquer iniciativa que acarrete perdas aos que estiverem da classe média para baixo na pirâmide sócio-econômica. “Em tempo algum”, sublinha um influente líder.
Não se trata, portanto, apenas de um problema de “timing” da política, como o ministro da Economia costuma falar, ou uma preocupação pontual dos parlamentares com as eleições municipais.
O problema de Guedes é que até mesmo o presidente Jair Bolsonaro resiste a algumas das suas ideias. Assim, um presidente da Câmara eleito com um empurrão do Planalto não iria assumir uma postura contrária à defendida pelo chefe do Poder Executivo, em favor do ministro. Ele certamente estaria disposto, inclusive, a tentar provar ao mercado que pode garantir estabilidade e previsibilidade aos agentes econômicos, mesmo sem atender todas as demandas da equipe econômica.
Do outro lado, o presidente Rodrigo Maia tem sido cada vez mais pressionado a decidir quem será seu candidato na disputa. Dependendo do nome escolhido, Guedes terá mais ou menos espaço para conversar, por exemplo, a respeito da criação de um novo imposto sobre transações financeiras ou de medidas que contrariam interesses setoriais e são consideradas fundamentais pela ala liberal do governo. Baleia Rossi (MDB-SP) já se mostrou aberto a tratar de uma nova CPMF, diferentemente de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB). Ex-ministro do Desenvolvimento, Marcos Pereira (Republicanos-SP) é interlocutor frequente do setor produtivo e sensível às queixas do empresariado.
O grupo político de Maia também tem negociado com a oposição, que possui cerca de 130 votos na Câmara e pode influenciar a eleição - sobretudo se votar unida. Isso quer dizer que um candidato deste campo pode ter que acolher algumas das bandeiras da esquerda, o que tem gerado na equipe econômica o receio de que as privatizações podem continuar empacadas.
A campanha ganha corpo e tudo o que Bolsonaro não quer é ver Maia fazendo seu sucessor. A sinalização do presidente de que pode se filiar a algum partido em março, caso não consiga mesmo viabilizar a criação do Aliança pelo Brasil, deve entrar nessa equação e acabar desequilibrando o jogo. Isso pode favorecer um candidato governista, mas está claro que não é garantia de que Guedes terá uma vida mais fácil a partir de fevereiro.