Paulo Guedes
Adriana Fernandes: Vacinação para todos
Guedes reconhece que vacina é essencial à sustentação da retomada em 2021
“Saúde e vacinação para todo mundo!” Foi com essa despedida que Paulo Guedes encerrou a entrevista virtual que concedeu para fazer um balanço geral de 2020. Guedes sai de férias (ele volta ao trabalho no dia 8 de janeiro) não sem antes reconhecer o que todos cobravam: a vacinação em massa dos brasileiros é essencial para a sustentação da retomada econômica em 2021.
A fala do ministro se segue à do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que defendeu também as vacinas. Sem uma vacinação rápida, mais vidas serão perdidas. Ponto. Não há nem o que se discutir. A economia naufraga e o ministro sabe que as condições para uma nova rodada de expansão de gastos na mesma magnitude da de 2020 inexistem.
“Se há uma vacina aí, com duas sociedades extraordinariamente avançadas e civilizadas vacinando, vou olhar e falar ‘quero essa aí, rápido’”, reconheceu, sem revelar se vai se vacinar. Alegou privacidade, mas com 71 anos, ninguém ao seu redor tem dúvidas de que o fará. Aliás, como deve ser feito. O Brasil precisa vacinar a maior quantidade possível de pessoas. Para eliminar a doença, mais de 70% da população teria de ser vacinada.
A declaração de Guedes foi sensata, mas, infelizmente, na direção oposta à do presidente Bolsonaro, que insiste em atrapalhar o combate da pandemia com frases como a de que “não há garantia de que a vacina não transformará quem a tomar em um jacaré”, dita da véspera. Seguimos assim, o presidente falando uma coisa e seus ministros ajustando o tom. Isto é, quando dá.
Os críticos que cobram realismo do ministro ouviram declarações do tipo: “Acabou. Não prometo mais nada”; “Eu esperava avançar nas reformas com mais ímpeto? Sim”; “Não sei se o governo é reformista ou não porque na hora da verdade chegou um vendaval”; “É natural Bolsonaro pensar em fazer obra, usar empresas estatais”, “Sou o ministro mais vulnerável” e “demissível em cinco minutos”.
Depois da ênfase da necessidade de vacina, talvez, a declaração mais franca e importante do ministro tenha sido sobre a reforma tributária. O ministro abriu o jogo e praticamente cortou os canais de diálogo para uma negociação da PEC 45 de reforma tributária que tramita na Câmara. “Tem uma proposta deles. Não é nossa; tem um impasse”. E acrescentou: “Ia exigir uma alíquota de 30%. Comércio e Serviços iam quebrar. Não posso me lançar numa aventura dessa. Prefiro esperar”. Até agora, ao menos em público, não tinha sido tão claro.
Guedes carimbou a PEC 45 como uma proposta que aumenta impostos. Um sinal evidente de que a reforma tributária não está na lista de prioridades para 2021 e que não passou de blefe a fala de líderes do governo, nas últimas semanas, apoiando a votação da proposta e até mesmo do projeto do governo que cria a CBS, o IVA federal.
O ministro teve de admitir também na entrevista que o governo não quis garantir a concessão do 13.º para os beneficiários do Bolsa, após Bolsonaro dizer que a culpa era de Rodrigo Maia. Em reação à mentira do presidente, Maia, irado, colocou em votação a MP 1.000, editada para a prorrogação do auxílio emergencial em R$ 300 até dezembro. Depois da fala de Guedes, foi retirada. Era isso ou o risco de perder o controle na votação.
Nas redes sociais, a #MP1000 pedia a votação de uma nova prorrogação do auxílio, o que o governo não quer deixar até buscar um acordo depois das eleições da Câmara e do Senado. Por isso, Guedes tem insistido num ponto: “A cobertura do auxílio emergencial vai até fevereiro, temos até lá para ver”.
É que o cronograma dos pagamentos do auxílio de 2020 foi estendido pela Caixa até o início de 2021. Mas ninguém dá detalhes sobre esses pagamentos ou responde aos questionamentos oficiais. O Ministério da Economia manda o Ministério da Cidadania explicar. E a Caixa finge que não é com ela há três semanas. Definitivamente, tem coisa aí para tanto jogo de empurra.
É curioso que depois da reação de Maia começaram a ser tiradas das gavetas dos deputados propostas de emendas à MP. Uma delas cria a Contribuição Social Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira Emergencial para bancar o benefício.
Embora tenha notadamente falhas jurídicas para avançar, é visível o ímpeto dos congressistas. Essa pressão volta com tudo em janeiro quando Guedes retornar das férias e será maior a depender do estágio da pandemia. Os sinais de piora estão aí com o aumento dos casos da doença e das mortes.
Que a vacina chegue rapidinho. A coluna termina desejando a todos os leitores um pouco mais de paciência e cuidados adicionais até lá. E também com a mesma saudação do ministro Paulo Guedes: vacinação a todos. Bom Natal em segurança!
Claudia Safatle: Quando fevereiro chegar
Reforma tributária já deixou a agenda do Ministério da Economia
Na agenda de reformas do Ministério da Economia para 2021, a tributária está fora. Tão logo se defina a eleição das mesas da Câmara e do Senado, em fevereiro, a primeira Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que o governo pretende se empenhar na aprovação é a Emergencial, que cria os gatilhos e travas para o cumprimento da lei do teto de gastos. Nesta, a área econômica ainda sonha com a possibilidade de inclusão para votação dos três D, sobretudo a desindexação, além da desvinculação e desobrigação. Estes, porém, não constavam da última versão do texto do relator da PEC, senador Marcio Bittar (MDB-AC).
O Orçamento do próximo ano já está com despesas subestimadas por causa da indexação do salário mínimo à variação do INPC. Com a aceleração da inflação, o valor do INPC ficou subavaliado, afetando, assim, os cálculos dos gastos com benefícios previdenciários e assistenciais vinculados ao salário mínimo.
Segundo dados apresentados pelo jornalista Ribamar Oliveira na sua coluna de ontem, publicada neste espaço, se o INPC ficar em 4,8% - ou seja, 0,7 ponto percentual acima do indice considerado no orçamento -, isso resultará em uma despesa adicional para os cofres da União de R$ 5,378 bilhões.
Antes da tributária, argumenta-se, tem a reforma administrativa para ser discutida e aprovada ainda no ano que vem. Embora a proposta do Executivo, que está no Congresso, seja tímida demais - porque o presidente da República não quis mexer com os atuais funcionários públicos -, a administrativa é o único projeto que busca reduzir o gasto com o pagamento de pessoal de forma estrutural.
Esse é o terceiro bloco das grandes despesas orçamentárias. Primeiro era a Previdência Social, cuja reforma foi aprovada no ano passado. Em segundo a taxa de juros que incide sobre a dívida pública, que encontra-se, atualmente, em seu menor nível (2% ao ano).
Ambos os gastos foram, portanto, atacados. E é bom que se diga que o juro básico só está nesse patamar porque havia uma política de rigor fiscal para lhe dar sustentação desde o governo anterior, de Michel Temer.
Um dos problemas da proposta de reforma administrativa do governo é que ela não mexe com os atuais funcionários. As novas regras de contratação, de gestão e de salários só vão valer para os servidores que entrarem no serviço público após a aprovação da PEC.
É de fundamental importância apresentar aos agentes econômicos domésticos e aos investidores estrangeiros um plano de governo em que se vislumbre, para os próximos anos, um certo equilíbrio das contas públicas.
Nesta semana o ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou ao Congresso ofício onde ele estabelece uma meta fiscal de déficit primário de R$ 247,118 bilhões para o governo central.
Para as empresas estatais está fixado um déficit de R$ 3,97 bilhões e para os Estados e municípios, equilíbrio (superávit de cerca de R$ 200 milhões). A meta de déficit primário consolidada é, portanto, de R$ 250,9 bilhões para o próximo ano.
Acredita-se que isso associado à garantia de segurança jurídica dos contratos, mais do que resolver o “manicômio” tributário, é o que vai estimular os investidores internacionais a virem para o Brasil, aproveitando da imensa liquidez que há no mundo e do amplo programa de investimentos em infraestrutura e logística disponível no país.
Para assegurar juridicamente os investimentos tão esperados em infraestrutura, aguarda-se a aprovação da Lei Geral das Concessões. A proposta de um novo marco legal das concessões e Parcerias Público-Privadas (PPPs) foi aprovada em comissão especial da Câmara dos Deputados no fim do ano passado e desde então aguarda votação em plenário.
Com 224 artigos, o texto é a maior alteração feita na legislação sobre as concessões desde os anos 1990 e pretende garantir segurança jurídica e possibilitar a retomada de investimentos.
O projeto amplia o uso da arbitragem nos contratos, para facilitar a solução de pendências relativas ao equilíbrio econômico-financeiro, dentre outras mudanças. Espera-se, com esse novo marco legal, não deixar espaço para atitudes tresloucadas como a do prefeito do Rio, Marcelo Crivela, que mandou derrubar as catracas e cancelas do pedágio da Lamsa, na linha amarela, por discordar do preço cobrado.
Na avaliação que faz da economia brasileira, a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) realça a necessidade de mais reformas e uma real abertura da economia e insiste no intrincado ambiente de negócios que leva uma empresa de médio porte a gastar, aqui, cerca de 1.500 horas/ano para lidar com a carga de impostos. Na América Latina, esse tempo é de 317 horas/ano, e, nos países da OCDE, de 159 horas.
A pobreza e a desigualdade também chamam a atenção, assim como a negligência com o meio ambiente. Os prognósticos da OCDE para a economia brasileira são de uma recessão de 5% neste ano e crescimento de 2,6% e de 2,1% em 2021.
Em função do calendário político e as atenções voltadas para a disputa das presidências da Câmara e do Senado, o governo só vai se preparar para as negociações das reformas a partir de fevereiro. De antemão é possível dizer que é muito difícil a aprovação de duas PECs, a Emergencial e a Administrativa no mesmo ano legislativo e estando o chefe do Poder Executivo no seu terceiro ano de mandato e pleiteando a reeleição.
O impulso fiscal dado pelo auxilio emergencial pago a 68 milhões de brasileiros e pelas medidas de apoio ao setor privado em meio à explosão da pandemia terá que ser acompanhado de expansão dos investimentos no país, sem o que a recuperação que está em curso terá, uma vez mais, fôlego curto.
Zeina Latif: O alvo é outro
O atraso na agenda de reformas também é reflexo da pobreza do debate econômico
De tempos em tempos, a discussão sobre o comportamento da taxa de câmbio volta à tona. Alguns economistas recomendam maior intervenção do Banco Central no mercado para depreciar o câmbio e, assim, supostamente, estimular a indústria e o crescimento. As intervenções não deveriam se limitar a conter a volatilidade da cotação do dólar, como faz o BC usualmente. Seria muito bom se essa recomendação funcionasse. A realidade é bem mais dura.
O conceito relevante a ser utilizado nessa análise é o de taxa de câmbio real, que desconta o nível de preços. Isso porque a alta do dólar tem impacto inflacionário que acaba “corroendo” a depreciação ocorrida. Quando salários e preços sobem muito, reduz-se o efeito final do dólar mais alto na competitividade externa dos produtos domésticos.
Indo além, se um banco central insistir na estratégia, haverá conflito com o objetivo de cumprir a meta de inflação. Os juros terão de subir e, como consequência, a moeda poderá valorizar ainda mais, desta vez pela entrada de dólares no país. Por aqui, já dá para perceber que o câmbio real é uma variável de difícil controle.
Vale ressaltar que, no Brasil, as intervenções do BC têm efeito de muito curto prazo, o que exigiria grande e preocupante ativismo. Assim, enfraquecer a moeda sequer seria uma boa estratégia de estímulo de curto-médio prazo da economia para suavizar crises.
A formação da taxa real de câmbio é muito mais reflexo do funcionamento do sistema econômico de cada país (no jargão dos economistas, é uma variável “endógena”) do que fruto de atuação dos bancos centrais.
Claro que o ciclo mundial também impacta as moedas dos países, mas é algo fora do controle dos governos. Períodos de maior dinamismo dos EUA vis-à-vis o resto do mundo, principalmente a China, estão associados ao dólar mais forte. Mas a magnitude do seu impacto sobre as moedas dos países, que nesse caso se enfraquecem, depende de fatores internos.
Economias emergentes com gastos públicos controlados e menos entraves estruturais ao crescimento – fatores que limitam o risco inflacionário – tendem a ter uma taxa de câmbio real, em média, menos valorizada ao longo do tempo. Nessa linha, países com taxa de poupança mais elevada (produzem mais do que consomem, somados o governo e o setor privado) tendem a exibir moeda mais fraca em termos reais.
Analisando as taxas de câmbio real efetivo (considera a cotação contra uma cesta de moedas e não apenas o dólar) de um conjunto de países emergentes, desde 2000, nota-se que o Brasil está no grupo daqueles com moedas mais valorizadas. A razão é a inflação mais elevada, e não o dólar ter subido pouco. Pelo contrário. Entre 2000-2019, a alta acumulada do dólar no Brasil foi de 123%, ante uma média de 10% em um amplo conjunto de países e em torno de 20% em emergentes. Em outras palavras, o câmbio subiu bastante aqui, mas a inflação também.
E o impacto do câmbio real sobre o crescimento? Não há evidências robustas de que a moeda mais fraca de um país gera mais crescimento econômico, quando se leva em consideração outras variáveis que impactam o crescimento de longo prazo. É o que apontam Carlos Eduardo Gonçalves e Mauro Rodrigues em artigo de 2017.
Ainda que, porventura, possa haver algum impacto – como sugere a elevada correlação entre o câmbio real (ou a razão câmbio/salário) e a participação da indústria de transformação no PIB dois anos depois – , a solução não seria intervir no mercado cambial, mas sim eliminar as amarras estruturais que comprimem a produtividade da indústria, reduzem o potencial de crescimento e elevam o risco inflacionário.
A taxa de câmbio não deveria ser um objetivo de política econômica. Convém enfrentar o que realmente importa para sairmos da armadilha do baixo crescimento econômico.
O Brasil é um país hostil ao investimento e à eficiência produtiva, mas ainda não discutimos o suficiente as soluções. O atraso na agenda de reformas estruturais também é reflexo da pobreza do debate econômico.
Sergio Lamucci: O equilíbrio difícil para 2021
Incerteza fiscal, fim do auxílio e piora da covid afetam cenário para a economia brasileira no ano que vem
A economia brasileira caminha para entrar em 2021 com o cenário fiscal em aberto, sem o auxílio emergencial e com um quadro de recrudescimento da covid-19. Há dúvidas sobre como ficará o orçamento do ano que vem, com o risco de o teto de gastos não ser respeitado e incertezas quanto ao avanço das reformas para conter a expansão das despesas obrigatórias. Já a retirada abrupta dos estímulos fiscais deverá ter impacto negativo sobre a atividade, num ambiente de desemprego elevado. A evolução recente da doença também preocupa, o que poderá ter impacto negativo sobre a economia.
O Brasil enfrenta uma situação complicada, que exigiria habilidade e liderança do governo para encontrar uma solução razoável. De um lado, houve uma deterioração expressiva das contas públicas em 2020, por causa do aumento dos gastos para combater os efeitos da pandemia e da queda de receitas causada pela recessão. De outro, a perspectiva para o ano que vem é de um corte significativo nas medidas de estímulo, depois de o país ter adotado um pacote de apoio expressivo neste ano.
Nesse cenário, é preciso indicar claramente a retomada do ajuste fiscal, num país em que o endividamento público deu um salto enorme e tem déficits primários (excluindo gastos com juros) desde 2014. De outro, retirar os estímulos bruscamente, encerrando o auxílio emergencial sem colocar nada no lugar - como um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família -, vai afetar a recuperação da atividade. É um equilíbrio difícil, que esbarra na aversão do presidente Jair Bolsonaro a tomar decisões muitas vezes impopulares.
Em relatório sobre as perspectivas para 2021, o J.P. Morgan diz que o principal assunto para os mercados e a economia brasileira em 2021 é se o governo vai respeitar o teto de gastos. “Com a crise deixando desemprego elevado, seguido agora pela possibilidade de uma segunda onda de casos de covid-19, há pressões para novos estímulos no ano que vem”, escrevem os economistas Cassiana Fernandez, Cristiano Souza e Vinicius Moreira. Para eles, há diversas opções para desatar esse nó: novas transferências de renda sem nenhuma compensação em contrapartida, o que tenderia gerar reações negativas do mercado; novas transferências de renda combinadas à aprovação de reformas fiscais de médio prazo, preservando a credibilidade fiscal; ou o encerramento do auxílio emergencial sem maiores mudanças nas políticas sociais. O ideal seria a segunda opção, uma solução intermediária.
O cenário-base do banco, porém, é que o governo não será capaz de aprovar reformas de médio prazo para acomodar mais gastos no curto prazo e tampouco conseguirá mudar o teto. No entanto, como as despesas obrigatórias continuam a crescer, a pressão sobre o mecanismo que limita a expansão dos gastos da União vai seguir, mantendo dúvidas sobre a sustentabilidade de médio prazo das regras fiscais, avaliam os economistas do J.P. Morgan. Com isso, a discussão sobre reformas que garantam a sustentabilidade das contas públicas continuará a ter destaque em 2021, com efeitos sobre as expectativas e possivelmente causando volatilidade durante o ano.
Com a premissa de que o teto de gastos será mantido e com o aumento de casos da covid-19 na Europa e nos EUA, o J.P. Morgan vê o PIB brasileiro se enfraquecendo na virada do ano, com aceleração posterior. A economia teria um crescimento de 2,6% em 2021 - para 2020, a estimativa é de uma retração de 4,6%.
Depois de crescer no terceiro trimestre 7,7% em relação ao anterior, feito o ajuste sazonal, o PIB deve perder bastante fôlego no quarto trimestre deste ano e no primeiro trimestre do ano que vem, avalia o J.P. Morgan. Para os três últimos meses de 2020, a projeção é de alta de apenas 1%; para os três primeiros meses de 2021, de queda de 0,5%.
O banco estima que haverá um forte impulso fiscal negativo no primeiro trimestre de 2021, equivalente a 1,9% do PIB, considerando a mudança do resultado primário ajustada pelo ciclo econômico. Esse efeito deverá ocorrer devido ao fim do auxílio e à retirada de outras medidas de crédito, avaliam Cassiana, Souza e Moreira. Na visão do banco, haverá uma recuperação gradual, num cenário em que, além do impulso fiscal negativo, o desemprego vai permanecer elevado. Esse efeito pode ser parcialmente compensado pelo uso da poupança acumulada durante a crise, mas os economistas do J.P. Morgan avaliam que isso não será suficiente para contrabalançar totalmente a retração fiscal, em meio à piora da covid-19.
Ao longo do ano, porém, a situação tende a ser tornar mais positiva, dizem eles. É verdade que o agravamento da pandemia em algumas regiões, especialmente na Europa, deve desacelerar o crescimento global no fim deste ano e no começo do próximo. No entanto, várias opções de vacina estarão disponíveis no início de 2021 e a mobilidade deverá aumentar ao longo do primeiro semestre, uma vez que a vacinação em massa deverá começar nos países desenvolvidos por volta do meio do ano que vem, escrevem os economistas. Com esse cenário externo mais positivo, o J.P. Morgan espera uma retomada da economia brasileira, com a normalização das condições domésticas e a perspectiva de que haja maior disponibilidade de vacinas também no Brasil no fim do ano. Desse modo, haveria uma tendência de melhora moderada ao longo de 2021, liderada pelo consumo das famílias. Os maiores riscos a esse cenário são um recrudescimento da pandemia que afete a mobilidade e a perda de credibilidade da política fiscal, dizem os economistas do banco.
A condução irresponsável da crise sanitária por Bolsonaro e a falta de um planejamento para a vacinação indicam que essa é uma ameaça de peso para o cenário de crescimento em 2021. No front fiscal, há vários motivos para ceticismo. O presidente se recusa a tomar decisões difíceis e há problemas na articulação política do governo. Se não ficar claro que há um plano de ajuste das contas públicas de médio prazo, há o risco de danos graves para a confiança na política fiscal, o que coloca em xeque a manutenção dos juros baixos. Já o fim do auxílio, sem a adoção de um programa de transferência de renda mais amplo que o Bolsa Família, poderá causar uma desaceleração mais significativa da economia, além de aumentar a pobreza e a desigualdade.
Rolf Kuntz: Aleluia: Armas e tilápias no ‘finalzinho da pandemia’
Números não batem com as boas notícias trazidas pela cúpula da Ilha da Fantasia
Sobram boas notícias na Ilha da Fantasia. A melhor delas – o Brasil está vivendo um “finalzinho de pandemia” – foi anunciada em Porto Alegre pelo capitão-mor da terra abençoada, também conhecido como presidente Jair Bolsonaro. A segunda melhor novidade foi apurada no mesmo dia, quinta-feira, pelo Estadão. O governo estava preparando um plano de R$ 250 milhões para distribuir um “kit covid”. O kit contém, naturalmente, hidroxicloroquina e azitromicina, receitados como infalíveis, em outros tempos, pelo guru Donald Trump.
Enquanto o chefe proclama a vitória contra o vírus e ensina a receita salvadora, o provedor-mor, Paulo Guedes, continua festejando uma fabulosa recuperação em V, depois do tombo em março-abril, e a fartura de oportunidades para os trabalhadores. Essa fartura já havia sido celebrada em novembro, quando saiu o balanço de outubro do Caged, o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados.
“Nunca o Brasil criou tantos empregos”, comentou o ministro sobre os 394.989 contratos assinados em um mês. Ainda havia um saldo de 171.139 postos fechados, mas 2020 poderá terminar, disse ele na ocasião, sem perda de vagas formais. Essa expectativa tem sido reafirmada.
Marcas inconfundíveis distinguem os bons governos, e uma delas é a sabedoria na escolha de prioridades. Isso vale também para a ilha encantada. É preciso prolongar a recuperação e garantir maior crescimento em 2021. Por isso, o presidente continuou atento às questões mais importantes. Na mesma semana, assinou um decreto para zerar o imposto de importação de revólveres e pistolas e anunciou a decisão de criar peixes, principalmente tilápias, em represas de 73 hidrelétricas.
Mas até na ilha encantada há pessoas prosaicas, dispostas a apontar aumento do contágio e das mortes, em vez de um “finalzinho da pandemia”. São parecidas com a famigerada ema do Palácio da Alvorada, conhecida pela feia reação quando o presidente se aproximou com uma caixa de cloroquina. Muitas dessas pessoas mexem com números e, curiosamente, são empregadas na administração da terra abençoada.
Essa disposição prosaica tem sido exemplificada em relatórios do IBGE, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Segundo o pessoal desse instituto, o desemprego no Brasil aumentou de 13,3% para 14,6% da força de trabalho entre o segundo e o terceiro trimestres. Com isso, os desocupados chegaram a 14,1 milhões.
Foi um movimento contrário ao registrado na média dos 37 países da OCDE, a Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento, onde o desemprego diminuiu de 8,6% no segundo trimestre para 7,7% no terceiro. Além de mostrar o País na contramão, com a desocupação em alta no começo da retomada, os números do IBGE continuaram mais feios. O emprego no Brasil já ia mal antes da pandemia, com 11% de desocupados no trimestre final de 2019 e 12,2% no primeiro de 2020. Na OCDE havia 5,4% de desemprego em janeiro-março deste ano.
No final do terceiro trimestre, em setembro, os desempregados no Brasil eram 14 milhões, 14,4% da força de trabalho. Diante disso, a hipótese de eliminação daquele saldo negativo de pouco mais de 171 mil postos formais, mencionada com aparente entusiasmo pelo ministro Guedes, parece pouco relevante. Como estarão no réveillon os milhões de desocupados, informais e formais, apontados pelo IBGE? Tomarão espumante nacional ou champanhe?
Mas os problemas no mercado de trabalho são piores que os indicados pela taxa formal de desemprego. Só os trabalhadores em busca de vaga são contados oficialmente como desempregados. Quando a esse grupo se acrescentam pessoas desalentadas, ocupadas por tempo insuficiente e aquelas fora da força de trabalho, mas capazes de entrar no jogo, o número dos subutilizados mais que dobra. No terceiro trimestre, chegou a 33,2 milhões.
A recuperação em V também fica menos impressionante quando se incluem no quadro alguns detalhes. O cenário mais bonito mostra crescimento econômico de 7,7% no terceiro trimestre, depois da perda de 9,6% no segundo. Foi um bom desempenho, embora insuficiente para o retorno ao nível anterior à crise. Mas essa comparação cria um cenário enganador, porque a economia já havia encolhido antes da pandemia: o produto interno bruto (PIB) do primeiro trimestre havia sido 1,5% menor que o dos três meses finais de 2019. A retomada no terceiro trimestre deste ano foi ainda mais insuficiente do que o governo tem admitido.
O clube dos prosaicos inclui a turma do Banco Central (BC). A incerteza sobre o crescimento no próximo ano “permanece acima da usual”, segundo nota distribuída depois da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC. Quando a nota saiu, na quarta-feira, o governo seguia sem orçamento para 2021 e o ministro da Saúde continuava sem plano de vacinação. Mas logo viria mais uma novidade positiva, um novo passo para a abertura de mercado, com o corte de imposto sobre a importação de armas. A pandemia está no fim, segundo o presidente, mas talvez se possa ganhar tempo matando vírus à bala.
Míriam Leitão: Onze pessoas e um destino
Onze integrantes da equipe econômica se reuniram com o presidente da República e tiraram uma foto. Dias atrás. Todos eles sem máscara no meio de uma pandemia. É o retrato de uma equipe que se rendeu ao presidente. Aos seus erros. Economistas sabem ler as curvas de tendências e elas mostram aumento dos casos e das mortes. Economistas também sabem o que é hedge, seguro contra o risco. Os equipamentos de proteção individual têm esse papel. Equipe econômica que acerta é aquela que defende suas convicções contra as conveniências políticas ou os equívocos do chefe do governo.
Os gestos de pessoas públicas induzem comportamentos. O não uso de máscara estimula uma atitude perigosa que tem feito vítimas. Render-se a essa imposição do presidente pode parecer apenas um detalhe, mas representa muito mais. Resume o principal erro desta equipe econômica, que é a rendição incondicional ao presidente. Mesmo quando ele está completamente errado.
Até agora, a equipe não entregou o programa que prometeu e não o fez exatamente pelo mesmo motivo que a leva a não usar a máscara para agradar o presidente. O ministro Paulo Guedes não tem sido capaz de convencer Bolsonaro das etapas indispensáveis do seu programa. Não há nada de liberal no atual governo. Guedes não fez a abertura do comércio, mas aceitou estimular a importação de armas. Não livros, não computadores, nenhum outro bem ficou dispensado de impostos. O comércio livre de tributos ficou apenas para revólveres e pistolas.
Um momento importante que salvou o projeto de consolidação do Plano Real foi quando todos os integrantes da equipe econômica, em 1995, foram ao Palácio do Alvorada à noite avisar que pediriam demissão coletiva caso o presidente Fernando Henrique cedesse no meio da crise bancária. Havia pressão política contra a intervenção no Banco Econômico, vinda de um aliado do presidente, o poderoso Antônio Carlos Magalhães. A bancada da Bahia era grande e havia propostas econômicas importantes dependendo de aprovação. A reunião terminou de madrugada, mas a equipe garantiu a autonomia para fechar o banco e continuar enfrentando a crise.
Bolsonaro já demitiu secretário da Receita, presidente do BNDES, mandou arquivar ideias, desidratou reformas. O país está há nove meses em uma pandemia e a equipe não formulou uma proposta sustentável de ampliação da rede de proteção social, nem uma proposta crível para o futuro das contas públicas. As ideias são bombardeadas pelo presidente, e o ministro as recolhe.
A PEC emergencial atropelou uma proposta maior e melhor feita no legislativo, a do deputado Pedro Paulo. Teve uma tramitação confusa e foi perdendo consistência. Foi misturada a outras duas medidas e o que economizaria bilhões vai na verdade poupar alguns milhões. Se for aprovada. A reforma administrativa foi engavetada por um tempo e depois esvaziada por Bolsonaro. Quando chegou no Congresso era uma sombra da que havia sido concebida.
O ministro Paulo Guedes com uma frequência monótona defende ideias abstratas, em vez de formular propostas concretas. Desiste de projetos, diante da primeira cara feia do presidente. E vive no mesmo estado de negação de Bolsonaro. Primeiro achava que o Brasil não seria atingido pela pandemia, um equívoco de avaliação que atrasou a adoção de medidas. Agora diz que não haverá a segunda onda, quando as curvas de mortes e contaminações já estão subindo. Os bons gestores trabalham com o princípio da precaução. Economistas fazem cenário e se preparam para as contingências.
Essa foto do ministro e seus assessores ao lado de Jair Bolsonaro sem máscaras é um detalhe eloquente. Eles sorriem num país que vive uma tragédia sanitária, que está de novo se agravando, e que não tem um plano de vacinação. É fundamental que o Ministério da Economia se prepare para esse novo agravamento da Covid-19 e que faça tudo o que for da sua alçada para garantir o melhor cenário na economia, que só acontecerá com a vacinação em massa da população brasileira.
Lara Resende: Por que Summers e Bernanke agora defendem política fiscal expansionista
A hora é da política fiscal expansionista com ênfase nos investimentos públicos, propõem grandes nomes da formulação econômica americana
No dia 1º de dezembro, duas das instituições mais influentes de Washington, a Brookins e o Peterson Institute, promoveram um seminário para reavaliar o papel da política fiscal. Jason Furman e Larry Summers, ambos professores da Universidade de Harvard, respectivamente ex-presidente do Conselho Econômico de Obama e ex-secretário do Tesouro de Clinton, prepararam o texto que serviu de base para a discussão1. Para o debate foram convidados, além dos ilustres autores, Ben Bernanke, Olivier Blanchard e Kenneth Rogoff. Bernanke presidiu o Fed durante a grande crise financeira de 2008, Blanchard e Rogoff foram economistas-chefes do FMI. Os três são renomados acadêmicos, doutorados pelo MIT, professores das Universidades de Harvard e Princeton. Estamos falando do que é a melhor expressão do cruzamento entre a academia e a tecnocracia, a fina flor da formulação e da execução da política econômica americana.
A conclusão do seminário, como disse Summers e, em seguida, Blanchard repetiu no Twitter, é que estamos diante de uma mudança de paradigma. Cesse tudo que a antiga musa canta, saem as políticas de austeridade e a busca do equilíbrio orçamentário. A tão decantada relação dívida/PIB é um indicador enganoso, deve ser desconsiderado. A hora é de uma política fiscal expansionista com ênfase nos investimentos públicos.
Essa já vem sendo a tese defendida pelo FMI. A diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, e a economista-chefe, Gita Gopinath, deram recentemente entrevistas defendendo o uso da política fiscal, tanto para amenizar a crise provocada pela pandemia como para garantir uma recuperação sustentada uma vez passada a crise.
Contra a corrente e sofrendo severas críticas, venho batendo nessa tecla desde antes da pandemia. Sustento que a combinação de uma política de juros altíssimos, conduzida pelo Banco Central desde a estabilização da inflação, com o Real em 1994, até muito recentemente, combinada com uma obsessão de equilibrar as contas públicas através de aumento da carga tributária e de corte dos investimentos, foi razão do baixo crescimento da economia nestes últimos 25 anos. Mas, antes de analisar o caso do Brasil, vejamos o que dizem Furman e Summers.
Comecemos pela relação dívida/PIB, que os nossos economistas e analistas que despontam na mídia usam como um indicador de que caminhamos inexoravelmente para o abismo. Os luminares americanos concluíram que estavam equivocados. A relação dívida/PIB não deve ser levada em consideração como indicador da solvência de um país. É um indicador falacioso, porque compara um estoque, a dívida, com um fluxo, a renda.
Na sua apresentação, Furman diz que nunca mais deixará de se sentir culpado por ter usado o conceito de dívida/PIB por tantos anos. Um indicador relevante deve comparar fluxo com fluxo, ou estoque com estoque. A comparação de estoque com estoque exige que se calcule o Valor Presente Redescontado (VPR) dos PIBs futuros do país. O VPR, ou o Valor Presente Líquido, é um conceito amplamente usado em economia e finanças.
Usa-se o VPR, por exemplo, para calcular o valor de uma empresa, a partir da estimativa de seus lucros futuros. Porque depende dos fluxos esperados de renda futura e da taxa de juros utilizada, o VPR está sujeito a grandes variações, de acordo com as expectativas utilizadas no seu cálculo. É essa variação que faz com que alguns achem que uma empresa cotada em bolsa está cara e outros, barata.
Uma empresa pode ter dificuldade para refinanciar a sua dívida, por isso compara-se o endividamento com o fluxo de caixa livre, o chamado Ebitda. Mas não faz sentido avaliar o risco de solvência de um país comparando o estoque da sua dívida com a sua renda hoje, dado que um país que emite sua moeda não corre risco de iliquidez. A dívida pública em moeda nacional deve ser comparada com o VPR da renda nacional.
Países, assim como civilizações, podem desaparecer, mas vamos simplificar e supor que os países tenham vida longa, em particular que o Brasil, posto que não é chama, seja eterno. O VPR do Brasil deve ser calculado redescontando o fluxo infinito dos PIBs futuros pela taxa de juros esperada daqui para frente. Supondo uma taxa de juros real de 2% ao ano, mesmo que o PIB brasileiro nunca mais crescesse, o VPR do Brasil seria 50 vezes o PIB de hoje.
Usando-se a dívida bruta do Tesouro, conceito inadequado como veremos à frente, mas o favorito dos novos “Beatos Salus” do fiscalismo, a dívida que é hoje 85% do PIB é apenas 1/50 de 85%, ou seja 1,7% do VPR da renda do país. Se supusermos que o país volte a crescer, a dívida torna-se ainda mais insignificante quando comparada ao VPR da renda. Se a taxa de crescimento for maior do que a taxa de juros, a dívida, mesmo como proporção do PIB, irá se reduzir sistematicamente se não houver déficit primários excessivos.
Supor que o país possa ter um crescimento superior à taxa de juros da dívida é uma hipótese mais do que razoável, se conseguirmos nos livrar da camisa de força ideológica do equilíbrio fiscal e se o Banco Central não se curvar aos apelos dos economistas do mercado para elevar a taxa de juros.
O cálculo do VPR da renda do país é um exercício intelectual para calcular um indicador coerente, que compare estoque com estoque, mas dada a enorme variância no seu valor, dependendo das hipóteses utilizadas, tem pouca utilidade prática. Como sustentam Furman e Summers, o indicador mais relevante é o que compara fluxo com fluxo, ou seja, o serviço da dívida com o PIB. Assim como ao examinar a viabilidade de assumir um financiamento de longo prazo, deve-se verificar se o valor das parcelas é compatível com a renda, a comparação relevante para a avaliação do endividamento público é entre o serviço da dívida e a renda nacional.
No Brasil de hoje, com a taxa real de juros abaixo de 2% e a dívida bruta perto de 85% do PIB, o serviço da dívida é de apenas 1,7% do PIB, muito abaixo do que era até recentemente, quando a dívida era menor, mas o juro muito mais elevado. Em toda parte do mundo, com as taxas de juros muito baixas, o serviço da dívida é hoje pouco oneroso.
A ideia do VPR do PIB chama atenção para um ponto fundamental e pouco compreendido: o que ancora a moeda fiduciária é a percepção de perenidade do Estado. É o fato de que o Estado estará sempre lá para aceitar seus títulos para pagamento de impostos que dá credibilidade e aceitação à moeda. Essa é a tese do economista alemão Georg Knapp (1842-1926), que, no início do século XX, foi reinterpretada pela moderna Teoria Fiscal do Nível de Preços (TFNP). A diferença é que a TFNP dá mais importância à solvência financeira do Estado, enquanto Knapp ressalta a estabilidade política-institucional do Estado.
Todo o espaço para a emissão de moeda e de dívida, sem provocar a inflação, se evapora quando o Estado ameaça se desorganizar. O fato de que quando o Estado caminha para o colapso político-institucional, ainda que com baixo nível de endividamento, a moeda perde credibilidade e a inflação se acelera é evidência clara a favor do Cartalismo de Knapp.
Voltemos a Furman e Summers. Reconhecido o equívoco de se utilizar a relação dívida/PIB como indicador da saúde fiscal e da sustentabilidade da dívida, eles concluem que é preciso praticar uma política fiscal agressivamente expansionista. Numa flagrante reversão da tese da “austeridade expansionista”, defendida por alguns deles depois da crise de 2008, concluem que a política fiscal expansionista em períodos de recessão não aumenta, mas sim reduz a relação dívida/PIB.
Reconhecem que investimentos públicos se pagam e hoje são altamente necessários. Bernanke, nos seus comentários, sustenta que os investimentos públicos, em infraestrutura, saúde, educação, energia limpa e pesquisa, têm atualmente retorno muito mais elevado do que os investimentos privados. Em artigo recente, na mesma linha, argumentei que no mundo de hoje existe um excesso de oferta de bens materiais e de serviços privados e uma insuficiência de serviços e bens públicos.
No dia seguinte ao seminário da Brookings, participei, com Luiz Carlos Bresser-Pereira, Nelson Marconi, Monica de Bolle e Manoel Pires, de um painel sobre o investimento público e a retomada do crescimento no Fórum de Economia da FGV-SP. Bresser-Pereira e Marconi apresentaram uma proposta para elevar o investimento público no Brasil para 5% do PIB i. Na década de 1970 a taxa de investimento público foi em média quase 8% ao ano. Desde então, está em queda, até chegar a menos de 2% nos últimos anos e caminha para ser zero, se o teto dos gastos e o aumento das despesas correntes forem mantidos. Partem da premissa incontestável de que o crescimento depende do investimento. Sustentam que o investimento público é indispensável e complementar ao investimento privado.
Enquanto houver capacidade ociosa e desemprego, o investimento público não concorre com o investimento privado. Ao contrário, se bem conduzido, restrito à expansão de bens e serviços públicos, sem invadir setores onde o investimento privado dá conta do recado, aumenta a produtividade da economia e o bem-estar social.
Na mesma linha de Furman e Summers, argumentam que, como o investimento público de qualidade depende de planejamento e de projetos que tomam tempo, o Estado deveria ter sempre uma carteira de investimentos aprovados, que seriam executados de acordo com a necessidade e a capacidade da economia. A velocidade de execução seria calibrada para evitar tanto a recessão e o desemprego quanto as pressões inflacionárias e o desequilíbrio nas contas externas.
Em consonância com o que propus, em artigo neste mesmo Valor no ano passado, sugerem a criação de uma agência com competência técnica para avaliar os investimentos e a velocidade adequada de sua execução. A política monetária é incapaz de estimular a economia quando a taxa de juros já está muito baixa. A insistência numa política monetária expansionista, perto do limite inferior dos juros, corre risco de provocar um excesso de euforia nos mercados financeiros, sem qualquer efeito sobre a demanda agregada e o nível de atividade.
Essa é a razão pela qual uma agência competente de investimentos públicos é hoje tão ou mais importante do que o Banco Central. As políticas monetárias e fiscal são indissociáveis, não podem ser conduzidas de formas independentes e muitas vezes contraditórias. Bresser-Pereira e Marconi propõem que o Conselho Monetário Nacional, à semelhança do que faz o Copom em relação à taxa de juros, de acordo com a sua avaliação da economia e das pressões de demanda, defina o ritmo dos investimentos públicos.
A governança dos órgãos responsáveis pela avaliação da qualidade dos investimentos e pelo ritmo de sua execução é uma questão da mais alta relevância e merece estudo cuidadoso. É preciso encontrar um equilíbrio delicado, um desenho institucional que evite tanto pressões políticas ilegítimas quanto a arrogância tecnocrática.
A governança das políticas monetária e fiscal é um tema complexo e politicamente sensível. É preocupação com pressões políticas ilegítimas que explica a resistência de aceitar o que é uma constatação lógica irrefutável: o Estado que emite sua moeda fiduciária não tem restrição financeira. A moeda fiduciária é um passivo do Banco Central, portanto uma dívida do Estado, assim como os títulos do Tesouro.
A moeda fiduciária é apenas um título de dívida do Estado, emitido pelo Banco Central, que não paga juros e não tem prazo de vencimento, é uma perpetuidade. A distinção entre moeda e dívida pública perdeu sentido com o fim do padrão-ouro. O desenvolvimento dos mercados financeiros deu aos títulos de dívida pública uma liquidez quase perfeita, indistinguível da moeda. É possível comprar e vender dívida pública no mercado quase que instantaneamente.
A taxa de juros próxima de zero na dívida foi o golpe final na distinção entre moeda e dívida. Hoje, moeda e dívida são perfeitamente líquidas e praticamente não pagam juros. Quando o Estado gasta, credita necessariamente moeda em quem recebe do Estado. A decisão de obrigar o Estado a compensar a moeda emitida - creditada seria um termo mais adequado, dado que a moeda é quase que integralmente eletrônica - com a arrecadação de impostos é uma restrição institucional.
Uma restrição que deixa de fazer sentido quando se entende que o espaço para a emissão de moeda e dívida é muito maior do que se supunha. Foi o que o demonstrou de forma incontestável o experimento do QE. Como lembrou Bernanke, autor intelectual e executor do QE, no debate da Brookings, o mesmo experimento já vinha sendo posto em prática no Japão, desde o início do século, sem pressionar a inflação. Quando há insuficiência de demanda agregada, capacidade ociosa e desemprego, o Estado pode e deve gastar, emitindo uma combinação de moeda e dívida, sem se preocupar com o equilíbrio fiscal ou com o aumento da relação dívida/PIB. A responsabilidade fiscal e a disciplina orçamentária devem ser reinterpretadas como a busca da qualidade do gasto, da eficiência na operação do Estado.
Trocar ideias e discutir propostas, como tive a oportunidade de fazer no Fórum da FGV-SP, me pareceu um sopro de ar fresco no ambiente dogmático e raivoso com que tenho me deparado desde que passei a sustentar que o consenso macroeconômico convencional estava equivocado. Tenho me esforçado para entender as razões de uma tal falta de abertura mental de nossos economistas ortodoxos, hoje em grande parte associados ao mercado financeiro.
Resisto a aceitar que se trate de mera defesa de interesses, ainda que inconsciente. Parece-me mais uma combinação de um arraigado colonialismo intelectual, com o temor da perda do prestígio e da influência que adquiriram nas últimas décadas. Agora, com a guinada dos cardeais da metrópole, ficará difícil explicar a insistência no mantra fiscalista.
Pode-se sempre argumentar, parafraseando um ex-banqueiro central canadense a respeito da aposentadoria da Teoria Quantitativa da Moeda, que “não fomos nós que abandonamos o fiscalismo, foi o fiscalismo que nos abandonou”. Seja lá o que isso quer dizer. Com certeza, irão apelar para a tese da “jabuticaba”, que o Brasil é diferente, o que vale para os países avançados não vale aqui, um país que tem um histórico de inflação, que não emite uma moeda reserva, onde impera a irresponsabilidade política.
A moeda reserva faz realmente diferença para os países que têm déficits recorrentes nas contas externas e dívida externa. Foi o caso do Brasil na segunda metade do século passado. Obrigado a se financiar no exterior em moeda estrangeira, para compensar o déficit na conta corrente do balanço de pagamentos, o Brasil passou por graves crises todas as vezes que viu o crédito externo ser bruscamente interrompido.
Se emitisse moeda reserva, como os EUA e a União Europeia, não teria tido problemas. Hoje, o Brasil é autossuficiente em petróleo e trigo, tem um setor agropecuário altamente superavitário, a conta corrente caminha para o equilíbrio e o país acumulou o equivalente a mais de 30% do PIB em reservas internacionais. A atual dívida pública brasileira não sofre do que a literatura econômica chama do “pecado original”, o fato de ser uma dívida com estrangeiros, denominada numa moeda que o país não emite. A dívida pública brasileira hoje é do Estado com brasileiros e denominada em moeda nacional. O aumento da dívida e da taxa de juros tem, sim, efeitos redistributivos perversos, mas essa é uma outra história. Fica para uma próxima oportunidade.
Quando o Tesouro anuncia o maior déficit nominal da história, quando a relação dívida/PIB atinge o seu mais alto nível e o coro dos que anunciam a hecatombe final se intensifica, o Brasil acaba de fazer uma emissão externa de dívida pública, desnecessária por sinal, à menor taxa de todos os tempos. A cotação do dólar cai e a bolsa sobe, mas os fiscalistas insistem que vamos para o abismo se o teto dos gastos for desrespeitado e o Banco Central não subir os juros. E os economistas se dizem cientistas que se baseiam na evidência empírica. Julgue por você mesmo, caro leitor.
1 Furman, Jason and Summers, Larry "A Reconsideration of Fiscal Policy in an Era of Low Interest Rates", presentation to the Hutchinson Center on Fiscal & Monetary Policy and Peterson Institute for International Economics - December 1, 2020
i Bresser-Perreira, L.C. e Marconi, N. "5% do PIB para o Investimento Público", mimeo, Nov. 2020
*André Lara Resende é economista
Ribamar Oliveira: O novo problema no teto de gastos
Descasamento de índices prejudica 2021 mas ajuda em 2022
Para dificultar ainda mais a sustentabilidade do teto de gastos - a única âncora fiscal do país - surgiu um novo problema que estava fora do radar de todos. O descasamento entre o índice que corrige o limite anual para as despesas da União e o índice que corrige o salário mínimo e, consequentemente, os gastos previdenciários e assistenciais. Este é o grande imbróglio deste fim de ano na área fiscal.
O problema não decorre do fato de que o teto de gastos é corrigido pelo IPCA, e o salário mínimo, pelo INPC. Mas, sim, da periodicidade dos reajustes. A emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos, determina que o limite anual para a despesa da União será corrigido pelo IPCA acumulado no período de 12 meses encerrado em junho do exercício anterior ao que se refere a lei orçamentária. Já o salário mínimo, é corrigido em janeiro de cada ano pelo INPC acumulado no ano anterior.
Para 2021, o teto de gastos foi corrigido em 2,13%, que foi o índice acumulado do IPCA de julho de 2019 a junho de 2020. O salário mínimo será corrigido por um INPC que poderá superar 5%. A última previsão do governo foi de que o índice ficaria em 4,2%. Mas, ela foi feita antes da decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de acionar a bandeira vermelha patamar 2 em dezembro.
Só essa medida deverá impactar a inflação em 0,5 ponto percentual, estimam técnicos oficiais. Em novembro deste ano, o INPC foi pressionado, principalmente, por altas dos alimentos, com o índice ficando em 0,95%. No acumulado de janeiro a novembro, o índice já está em 3,93%. Quanto mais elevado for o INPC neste ano, maior será a dificuldade para o governo federal cumprir o teto de gastos em 2021.
Em resumo, a situação é a seguinte: o teto de gastos para 2021 foi reajustado em apenas 2,13%, enquanto as despesas previdenciárias e assistenciais, que são obrigatórias, poderão ser aumentadas em mais de 5%, dependendo do INPC deste ano. Se as principais despesas vão crescer mais, o teto ficou muito mais apertado do que era antes.
A primeira pergunta que se coloca é porque a EC 95/2016 estabeleceu esse descasamento entre os índices que reajustam o teto e o salário mínimo. Na verdade, a proposta que saiu da equipe econômica do ex-presidente Michel Temer reajustava o teto pelo IPCA “cheio” do ano anterior ao da lei orçamentária. Ou seja, pelo IPCA acumulado de janeiro a dezembro do ano imediatamente anterior.
A periodicidade foi alterada durante a tramitação da proposta no Congresso. A mudança foi feita para que, no momento da elaboração da proposta orçamentária, que ocorre de julho a agosto de cada ano, o Executivo e os demais Poderes da República já tivessem clareza do espaço que teriam para gastar no ano seguinte, ou seja, qual seria o seu limite individual para as despesas no exercício.
Uma das preocupações que motivaram a mudança foi a de evitar a adoção de um IPCA superestimado durante a elaboração e votação da proposta orçamentária, o que obrigaria cortes posteriores para que as despesas ficassem dentro do teto durante a execução do Orçamento.
Uma fonte da equipe de Temer disse ao Valor que foram feitas várias simulações sobre o descasamento. Elas mostraram a necessidade de aprovar medidas de contenção das despesas e deixar um espaço nos gastos discricionários (investimentos e custeio da máquina) para acomodar eventuais oscilações do descasamento.
Em 2018, por exemplo, o descasamento ajudou a cumprir o teto de gastos. Em maio daquele ano houve uma greve geral dos caminhoneiros que paralisou o país. Por causa dela, os preços dispararam em maio e junho, elevando o IPCA, que corrige o teto. Em seguida, a inflação caiu, reduzindo o INPC. Isso permitiu uma situação mais folgada em 2019, o primeiro do atual governo.
Se o descasamento dos índices torna muito difícil cumprir o teto de gastos em 2021, ele ajudará a cumprir o teto em 2022. Essa é a grande contradição de toda a história. Desde julho deste ano, a inflação ganhou impulso, por uma série de razões. Os especialistas acreditam, no entanto, que ela vai perder ímpeto no início do próximo ano, atingindo o seu pico (no acumulado em 12 meses) em meados do ano, com queda acentuada a partir daí.
Ou seja, muito provavelmente, o IPCA que reajustará o teto de gastos para 2022 ficará bem acima do INPC que aumentará o salário mínimo e as despesas com benefícios previdenciários e assistenciais. Por causa dessa questão estatística, o teto vai “esticar”, o que poderá facilitar o seu cumprimento no último ano do governo Bolsonaro. Desse ponto de vista, o grande desafio será cumprir o teto no próximo ano. “A questão é como fazer a travessia de 2021”, disse uma fonte.
A proposta orçamentária para 2021, enviada pelo governo ao Congresso Nacional em agosto passado, utilizou um INPC de apenas 2,09% para corrigir o salário mínimo. Não é nem a metade do índice que será registrado neste ano. Assim, as despesas previdenciárias e assistenciais que foram programadas para o próximo ano estão subestimadas e terão que ser corrigidas. As estimativas preliminares indicam que os gastos deverão aumentar cerca de R$ 17 bilhões. Este seria o tamanho do corte nas despesas discricionárias necessário para cumprir o teto.
As fontes oficiais ouvidas pelo Valor advertiram, no entanto, que os cálculos ainda estão sendo realizados e dependem de informações da Secretaria Especial da Previdência e Trabalho. Há indicações concretas de que a despesa com benefícios previdenciários neste ano - que serve de base para a projeção da despesa em 2021 - vai ficar bem abaixo do que estava inicialmente previsto. Fala-se que o gasto poderá ser menor em mais de R$ 7 bilhões. Provavelmente, isto está relacionado ao fato de que, durante a pandemia, muitos benefícios previdenciários não foram concedidos.
É difícil saber qual será a realidade do próximo ano nessa área. O governo vai tentar reduzir o imenso estoque de pedidos de benefício atualmente existente? Ou a pandemia continuará impedindo o atendimento da justa demanda dos cidadãos?
Vinicius Torres Freire: Guedes diz que vai estar cobrando mais imposto até o Natal da Covid
Ministro e parte do Congresso querem reduzir isenções tributárias da classe média rica
Paulo Guedes prometeu que o governo vai dar um “forte sinal” para diminuir “subsídios e gastos tributários”. Grosso modo, isso é aumento de imposto, goste-se ou não de mais essa providência por ora imaginária do ministro.
Quando vai ser? Quase na “semana que vem”, um dos prazos típicos de Guedes: “antes do fim do ano”, duas semanas, na prática.
“Gasto tributário” é um imposto que o governo deixa de recolher a fim de dar tratamento especial para empresas, setores da economia, um grupo de indivíduos, regiões. Em suma, de um modo ou de outro, quem recebe esse tratamento diferente paga menos imposto do que deveria, pela regra geral.
Qual o maior gasto tributário federal, pelas contas da Receita? O Simples Nacional (micro e pequenas empresas, o que pega também boa parte da “classe média”, ricos, bolsonarista). Depois vêm as isenções e deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física (rendimentos isentos e não tributáveis e deduções de gastos com saúde e educação privada), o que inclui rendimentos de aposentados maiores de 65 anos e rescisões trabalhistas.
A seguir, vêm as isenções da agricultura e da agroindústria, na maior parte para a cesta básica e para exportações da produção rural. Logo depois, no ranking, vêm as filantrópicas (hospitais, escolas, faculdades), a Zona Franca de Manaus e “medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos”.
Tudo isso dá 75% do gasto tributário previsto para 2021.
Como de costume, não dá para saber direito do que Guedes está falando, mas o novo “vamos estar fazendo” do ministro bate com a mais recente mutação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) de controle de gastos que rola pelo Senado desde 2019 e teve uma “versão” a cada dia desde a semana passada, dizendo tudo e seu contrário.
Na PEC, pretende-se obrigar governo e Congresso a reduzirem benefícios tributários e subsídios de crédito no ano que vem.
Quais subsídios? Não se sabe. Os subsídios que estão na conta do Tesouro (do governo) são basicamente compensações de financiamento barateado para a agricultura, da grande à miudinha, familiar.
Essa hipótese de PEC já chegou a prever também o corte de até 25% de jornada e salários de servidores, o fim do gasto mínimo em saúde e educação e o fim do reajuste automático das aposentadorias do INSS. Até quarta-feira de noite, tudo isso estava fora, assim como gambiarras fura-teto (que estiveram lá, segundo boatos ou balões de ensaio).
Para compensar, vai haver um gatilho de contenção de gastos quando a despesa obrigatória do governo passar de 95% da despesa atual (o que já acontece). Nesse caso, em suma, ficam proibidos reajustes quaisquer de salários de servidores e contratações.
Ou seja, talvez, parece, segundo o último rumor ou rascunho improvisado de uma emenda constitucional, haveria um arranjo fiscal entre Guedes e parte do Congresso. Não resolve grande coisa, mas não explode nada. O interessante vai ver quem seria esfolado pelo governo e por seus aliados no Congresso com esse aumento de imposto, na prática (chame-se de “fim de desoneração”).
Muito gasto tributário é mesmo favor, desordem nos impostos e incentivo à ineficiência econômica. Poderia ser objeto de reforma tributária ou de medidas paulatinas desde 2019. Mas o governo é uma baderna inepta e nada disso foi feito. Agora, vamos ver a reação do demagogo Jair Bolsonaro, do restante do Congresso e de quem vai levar a facada do aumento de imposto do Natal sem vacina.
Correio Braziliense: Selic deve permanecer em 2% por mais um ano, dizem economistas
Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central se reúne nesta terça (8/12) e quarta-feira (9), e o consenso do mercado é que a taxa básica de juros será mantida
Israel Medeiros*
O Banco Central (BC) deverá manter a taxa básica de juros (Selic) em 2% pelo menos até o fim do ano. A última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) acontece nesta terça (8/12) e quarta-feira (9), e a dúvida é até quando esse patamar histórico permanecerá. De acordo com analistas de mercado ouvidos pelo Boletim Focus, produzido pelo próprio BC e divulgado na última segunda (7), a expectativa é de que a taxa salte para 3% no segundo semestre de 2021, diante de um cenário de recuperação econômica.
A inflação prevista pelos analistas para este ano é de 4,21% — valor acima da meta central inflacionária, que é de 4% para 2020, e maior do que os 3,54% previstos na semana passada no mesmo relatório. Na reta final do ano, a inflação tem avançado, impulsionada pelo alto valor dos alimentos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, em novembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) avançou 0,89% e já acumula uma alta de 4,21% nos últimos 12 meses — sendo 3,13%, apenas de janeiro a novembro.
Para José Luis Oreiro, professor de economia da Universidade de Brasília, a alta da inflação não justifica uma alta na taxa de juros, uma vez que os efeitos inflacionários causados pela pandemia foram extraordinários, e a tendência é de que os preços diminuam no primeiro semestre de 2021, quando o desemprego deverá estar elevado.
“A inflação que vimos foi um efeito combinado da desvalorização no câmbio e, também, devido ao aumento do preço dos alimentos. Isso ocorreu por causa da pandemia. Os eventos são não recorrentes e sobre isso a taxa de juros não pode fazer muita coisa. Ela deve permanecer baixa porque, em 2021, o desemprego vai estar alto”, comenta o economista.
Outro fator que contribui para uma inflação mais baixa e manutenção da Selic, segundo Oreiro, é o fim do auxílio emergencial, que deve ocorrer este mês. “Isso aumenta a pressão desinflacionária. Porque se, além do auxílio emergencial, houver alta de juros, haverá uma nova recessão. Em 2021, provavelmente, não haverá mais auxílio. Nesse cenário, não existe nenhuma razão para sugerir uma elevação da taxa de juros”, pontua.
Ele também lembra que a recuperação econômica tem sido satisfatória, ao mencionar o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre de 2020, divulgado pelo IBGE na última semana. O resultado foi 7,7% melhor que o do trimestre anterior.
Próximo a zero
O professor revela, contudo, preocupação com o crescimento econômico brasileiro para o próximo ano. “Para 2020, o resultado vai ser melhor do que a gente esperava, em maio. Graças ao auxílio emergencial, à injeção fiscal, a economia vai ter um desempenho melhor do que o esperado. Mas o ano de 2021 é muito incerto. As pessoas saíram do mercado de trabalho e vão retornar, só que agora com uma redução do ritmo fiscal. Eu estou muito preocupado com a contração fiscal. Não descarto a economia crescer próximo a zero no próximo ano. Acho que no apagar das luzes, vão estender o auxílio emergencial. Porque se não estender, a situação será bem complexa”, avalia.
Otimismo
Ivo Chermont, economista-chefe do Quantitas, crê que a taxa básica de juros deve permanecer intacta durante todo o ano de 2021. Para ele, a inflação registrada no fim deste ano deverá diminuir nos próximos meses. “A gente acredita que a inflação é mais temporária, porque teve essa demanda dos alimentos e pressão de preços de bens. Esse descompasso entre demanda e oferta fez com que os bens subissem de preço. Quando o preço diminui, isso se equilibra e volta ao normal, é natural que a inflação volte para um patamar mais suave. Eu estou relativamente tranquilo com a inflação, e o BC não vai ter pressa de subir os juros. Ainda temos muito desemprego”, afirma.
Abaixo da meta
Já Marcelo Kfoury, coordenador do Centro Macro Brasil da Fundação Getulio Vargas, vê uma tendência de normalização dos juros no segundo semestre de 2021, como previsto pelo Boletim Focus. “É bem provável que isso ocorra. Nos próximos seis meses, o mercado não vê alta nos juros. Mesmo com a inflação de 2020 subindo, para 2021, a projeção ainda está bem abaixo da meta, porque ainda há muita capacidade ociosa na economia. Espera-se que suba para 3% na segunda metade de 2021, mas acho que pode subir até mais, porque está em um nível baixo há muito tempo”, avalia o especialista.
Ele acredita, também, que há espaço para uma queda do dólar, caso uma melhora fiscal ocorra nos próximos meses. “Ano que vem, nós veremos como está a disposição do governo para manter a questão fiscal. Não haverá mais Orçamento de Guerra. Aparentemente, o governo desistiu de criar uma extensão do auxílio emergencial. E há coisas a serem votadas para diminuir riscos, como reforma tributária e o Pacto Federativo”, completa
Pedro Cafardo: Populismo e terrorismo na polarização fiscal
Paulo Guedes é cobrado por não cumprir promessas
Dilma Rousseff deve estar rindo e não à toa. Ela foi acusada em 2015 de cometer estelionato eleitoral, com certa razão, e agora assiste de camarote o pessoal do atual governo provar do mesmo veneno. O ministro da Economia, Paulo Guedes, vem sendo ferozmente criticado por executivos do mercado financeiro por não articular um plano para resolver a questão fiscal.
O próprio presidente do Banco Central fez, dias atrás, cobrança indireta a Guedes, dizendo que o país precisa de um plano que dê clara percepção aos investidores de que está preocupado com a “trajetória da dívida”.
A expressão acima não está entre aspas por acaso. Ela é fundamental no pensamento fiscalista dominante, diariamente repetido por economistas. Considera-se que, com a dívida bruta se aproximando de 100% do PIB, o país enfrentará um período dramático, porque perderá a confiança dos investidores e, sem esses recursos, não terá como reativar a economia.
O economista André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, discorda dessa opinião quase consensual no universo financeiro. Ele considera a preocupação com a confiança dos investidores infundada, porque em várias ocasiões na história, principalmente após guerras ou catástrofes, inúmeros países tiveram dívidas maiores que o PIB. E mesmo em situações normais, muitos mantêm até hoje esse nível, entre eles Estados Unidos, Itália e Japão.
Lara Resende é impiedoso ao contestar esse terrorismo fiscal, como dizem alguns críticos. “A pergunta mais complicada de ser respondida é: por que hoje no Brasil a opinião dos economistas que aparecem na imprensa, assim como a da própria imprensa, regrediu para o que era a ortodoxia do século XIX na Inglaterra? A chamada ‘Visão do Tesouro’, que sustentava a necessidade de sempre equilibrar as contas públicas, depois duramente criticada por Keynes, deixou de ser levada a sério”, disse o economista em entrevista ao “Estadão”.
O argumento de Lara Resende é que, desde que não siga uma trajetória explosiva, a dívida pública pode crescer e se estabilizar assim que passar a crise. O que pode preocupar é a dívida externa, mas nesse quesito o país vai muito bem, porque tem reservas cambiais de quase 30% do PIB, cerca de US$ 350 bilhões. A insolvência externa, esta sim, quebra um país, daí a célebre frase do ex-ministro Mário Henrique Simonsen: “A inflação aleija, mas o câmbio mata”.
Toda essa divagação sobre a questão fiscal é para dizer que Paulo Guedes, um fiscalista confesso, está agora sendo criticado por inoperância exatamente nessa área. A ponto de se espalhar a ideia de que ele deixou de ser o fiel da balança do governo, segundo dizem reservadamente executivos de bancos e investidores institucionais diariamente ouvidos pelo Valor. Sua eventual saída, portanto, não mais representaria uma ruptura na visão agora dominante no mercado. Mas o mercado quer um substituto que tenha compromisso com a agenda da responsabilidade fiscal, ou “Visão do Tesouro” do século XIX.
No fundo, o mercado faz com a equipe econômica de hoje o mesmo que a oposição fez em 2015 com o governo Dilma. Acusa-o de prometer uma coisa e fazer outra. Durante a campanha para a eleição de 2014, na qual superou Aécio Neves (PSDB) por poucos votos, Dilma garantiu que não haveria arrocho às custas dos mais pobres e que benefícios trabalhistas não seriam reduzidos. “Nem que a vaca tussa”, disse. Reeleita, porém, nem foi preciso a vaca tossir. Ela logo elevou impostos sobre gasolina, operações financeiras e cosméticos. E mudou normas trabalhistas, entre outras, o seguro-desemprego. Também vetou a correção da tabela do Imposto de Renda, o que atingiu em cheio a classe média. A oposição considerou essas medidas estelionato eleitoral, até porque Dilma nomeou para o Ministério da Fazenda um economista fiscalista radical, Joaquim Levy, conhecido como “mão de tesoura”.
Guedes estaria cometendo estelionato eleitoral pela razão oposta. Durante a campanha de Bolsonaro, ele prometeu adotar uma política econômica ultraliberal, com rigorosa austeridade fiscal, corte implacável de gastos, forte contenção de salários, demissão de servidores públicos e privatização de estatais. Seja lá como for, por razões políticas ou pela crise sanitária, Guedes não entregou o prometido nos dois primeiros anos de governo, com exceção da decantada reforma da Previdência. E a continuidade da pandemia indica que o “Posto Ipiranga” não conseguirá entregar muito mais em 2021. Mas o mercado quer sangue.
Estão em choque o populismo e o terrorismo fiscal, ambos altamente danosos.
Mudando completamente de assunto, observe o símbolo acima. Você está cansado de vê-lo por aí, em estacionamentos. Mas, algo o incomoda? Se não, provavelmente não é idoso. O leitor Humberto Viana Guimarães é. Ele leu coluna neste espaço, meses atrás, com o título “Clichês que aborrecem e eufemismos inócuos” e diz ter se divertido muito. E também fez uma observação sobre o preconceito exalado por esse símbolo. O assunto veio à baila porque as denúncias de violência contra idosos aumentaram 72% durante a pandemia. Foram de 62 mil no país de janeiro a setembro.
Guimarães irrita-se com esse símbolo que identifica vagas para idosos em estacionamentos, sempre de um velho curvado, com uma bengala na mão. Diz que tem 70 anos, postura correta, não usa bengala e faz diariamente três horas de exercícios físicos.
Ele tem razão. Um senhor naquelas condições provavelmente não estaria dirigindo um carro e não precisaria da vaga. A placa indica flagrante preconceito.
Tramita há anos no Congresso um projeto de lei que proíbe o uso de símbolo pejorativo de idoso. Mas será que isso precisaria de lei?
Alex Ribeiro: BC entre a pressão do mercado e do FMI
É improvável que, pelo menos no curto prazo, a autoridade monetária caminhe para um lado ou para outro
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central abre amanhã sua reunião de dezembro sofrendo pressão dos dois lados. O corpo técnico do Fundo Monetário Internacional (FMI) fez os seus cálculos e concluiu que seria necessário levar a taxa de juros para perto de zero. Já no mercado crescem as apostas de que, em 2021, o BC será levado a começar a normalizar os juros.
É improvável que, pelo menos no curto prazo, o Banco Central vá caminhar para um lado ou para o outro. Provavelmente vai colher mais informações no primeiro trimestre sobre decisões de política fiscal e a evolução da atividade econômica. Apesar de todo o barulho sobre a alta da inflação no curto prazo, não será isso que deverá mover a autoridade monetária, salvo uma piora significativa.
No seu relatório de avaliação da economia brasileira, o FMI faz umas continhas simples com a regra de Taylor, que é um roteiro de reação a desvios da inflação e do nível de atividade. Por elas, seria possível cortar os juros abaixo dos atuais 2% ao ano, desde que não haja uma deterioração adicional nas expectativas de inflação.
Na visão dos técnicos do Fundo, a capacidade ociosa da economia vai terminar 2020 no equivalente a 4,5% do PIB e será preenchida apenas no distante ano de 2024. Até lá, seria uma força para manter a inflação muito baixa, fazendo-a convergir à meta só em 2023.
Representante do Brasil no FMI, o economista Afonso Bevilaqua registrou, no próprio relatório de avaliação, que o governo brasileiro discorda da visão de que haveria espaço para juros menores. O BC reforçou que considera adequada a política monetária.
É fato, porém, que, se o Copom fosse se guiar por uma regra de Taylor, poderia ter cortado os juros na sua última reunião ou ter aprofundado o “forward guidance”. Suas projeções de inflação no cenário básico estavam abaixo da meta no horizonte de política monetária.
O que colocou um freio foi o balanço de riscos, sobretudo os fiscais. Projeções alternativas de inflação do BC mostram que, se o desarranjo das contas públicas persistir, a inflação vai superar as metas. Por isso, a inflação esperada pelo Copom, que é uma média da inflação projetada no cenário básico e nos cenários alternativos, está basicamente na meta e não comporta estímulos monetários adicionais. Para fazer mais, seria necessário o cenário fiscal melhorar, sem haver piora nas projeções.
Já os analistas econômicos estão prevendo um aumento mais forte e mais prematuro de juros, sobretudo devido à aceleração da inflação mais recente. A providência anterior ao reaperto seria a derrubada do “forward guidance”, já que essa é justamente uma promessa de não subir os juros.
Hoje, a mediana das projeções dos economistas do setor privado prevê o início de um ciclo de alta de juros entre agosto e setembro, até levar a taxa Selic para 3% ao ano em dezembro. Antes de o BC adotar o “forward guidance”, essa era exatamente a aposta dos analistas. Mas o “forward guidance” os convenceu a prever, por algum tempo, que os juros encerrariam 2021 em 2,5%. A recente inflação mais salgada os fez voltar ao cenário anterior.
O Banco Central disse que abandona o “forward guidance” se as suas projeções de inflação no cenário básico e as expectativas do mercado convergirem para a meta no horizonte relevante. Os economistas do setor privado acham que isso vai ocorrer mais cedo. A análise mais comum que se ouve é de que o repique da inflação de curto prazo vai elevar a inflação a patamares muito altos até abril e maio do ano que vem. Isso, por sua vez, vai contaminar as expectativas de inflação e as próprias projeções de inflação do BC de 2022, que estará no centro do horizonte de decisões de política monetária.
Na teoria, esse raciocínio do mercado está errado. Uma alta de preços no curto prazo não deveria contaminar horizontes mais longos de política monetária, se os fatores são passageiros. A política monetária atua com defasagens sobre a inflação. Se o Copom subisse os juros agora para combater uma alta temporária de inflação, teria poucos ganhos para baixar os índices no curto prazo e arriscaria derrubá-los abaixo da meta no horizonte de dois anos.
Nos últimos dias, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, destacou vários motivos por que acha que a alta de preços é passageira. Ele fez isso depois que foi divulgado o IPCA-15 de novembro, que veio mais salgado do que o esperado e assustou muita gente. Citou várias vezes um box do Relatório de Inflação de setembro que argumentava, antes que os analistas do setor privado se preocupassem com o tema, que a alta do dólar e dos preços das commodities chegaria aos preços ao consumidor.
Os comentários mais alarmistas no mercado dizem que estaria em curso um processo de desancoragem das expectativas de inflação. A alta das expectativas não é, exatamente, uma surpresa para o Banco Central, que já vinha antecipando esse movimento. Há algumas semanas, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, disse que esperava que as expectativas continuassem subindo, para “3,2%, 3,3%. 3,4%”. Pelo dado mais recente, chegou a 3,47% para 2021. Nesse percentual, está abaixo da meta, de 3,75%. Campos Neto destacou que a inflação implícita dos títulos públicos segue comportada.
Mas essa é a fotografia do momento, que faz com que o BC provavelmente mantenha o “forward guidance” nesta semana. Como estarão as projeções e expectativas para 2022 em maio do ano que vem? Os analistas têm um ponto correto quando dizem que a alta da inflação de curto prazo pode contaminar expectativas - não deveria, mas na prática isso acontece. A verdade, porém, é que os analistas econômicos ainda não pensaram a fundo sobre a inflação de 2022. Falta uma informação essencial: como vai se comportar a economia a partir do primeiro trimestre, caso os estímulos fiscais saiam mesmo de cena. Não pode ser descartado de antemão o cenário traçado pelos técnicos do FMI: o grau de ociosidade da economia seguirá alto por muito tempo e a inflação deverá ficar contida.