Paulo Guedes
Luiz Carlos Azedo: Guedes perdeu o rumo, mas ninguém tem uma alternativa
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A desaceleração global da indústria e a redução do preço das commodities podem provocar uma tempestade perfeita no Brasil, se a economia brasileira continuar fora de controle e desacelerando. Na prática, o único instrumento disponível para evitar uma explosão dos preços é a alta dos juros. O ministro da Economia, Paulo Guedes, perdeu a credibilidade e a economia está ancorada apenas na política monetária, ou seja, na ortodoxia do Banco Central (BC).
Os números divulgados, ontem, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o Brasil está vivendo uma “recessão técnica”, puxada pelo agronegócio — pasmem! —, que teve uma queda de atividade de 8% no terceiro trimestre de 2021. O PIB variou -0,1% em relação ao trimestre imediatamente anterior. A Indústria ficou estável (0,0%) e os Serviços subiram (1,1%). No setor externo, tanto as exportações de bens e serviços (-9,8%) quanto as importações de bens e serviços (-8,3%) tiveram quedas em relação ao segundo trimestre de 2021. Mesmo assim, o PIB cresceu 4,0% frente ao mesmo período do ano passado.
É aí que mora o perigo, por causa da falta de compromisso com o equilíbrio fiscal e o auto-engano do governo em relação ao desempenho da economia, haja vista o baluartismo do presidente Jair Bolsonaro nas viagens que fez à Itália e aos Emiratos Árabes. O PIB desse ano deve crescer 5%, mas esse crescimento é relativo ao desempenho da economia no ano passado, quando a recessão foi de -4,1%, a pior retração em 24 anos. Ou seja, estamos diante de um “voo de galinha”, que pode virar um mergulho no mar de incertezas de 2022.
Enquanto a política segue seu curso intangível, sem previsibilidade do que vai ocorrer nas eleições presidenciais do próximo ano, o debate eleitoral que se avizinha, pelas manifestações dos pré-candidatos até agora, não é nada animador. Ninguém tem uma proposta clara para a economia, e as narrativas predominantes, tanto no governo quanto na oposição, são de viés populista, sem nenhum compromisso com o problema fiscal nem uma chave realista para a retomada do crescimento.
A principal causa de revisão das expectativas para o PIB em 2022 é a inflação, que deve obrigar o Banco Central a subir ainda mais os juros, com efeito negativo sobre o consumo das famílias e o investimento das empresas. O mercado financeiro está prevendo uma inflação de 8,4% em 2021. O PIB do próximo ano foi revisado de 1,7% para 1,3%.
Incertezas eleitorais
Mesmo com o novo Auxílio Brasil, viabilizado ontem pela aprovação da PEC dos Precatórios no Senado, a renda das famílias deve crescer 1,5%. A taxa de desemprego deve chegar aos níveis pré-pandemia somente em 2023. Além disso, haverá uma acomodação de preços das commodities, principalmente de minérios, além de redução das exportações para a China. O espetacular crescimento do superavit da balança comercial, que foi de US$ 76,6 bilhões em 2021, deve desacelerar em 2022, ficando em US$ 74,1 bilhões.
É aí que a questão eleitoral ganha contornos dramáticos. O processo eleitoral é um fator de incertezas para a mercado financeiro. Ao mesmo tempo, é a travessia a ser feita, porque um novo governo terá credibilidade para adotar medidas econômicas e tirar a economia da estagnação. O problema é que todos os pré-candidatos estão fugindo do debate econômico; apenas emitem sinais de fumaça, quando indicam um porta-voz econômico — como fez o ex-ministro Sergio Moro ao indicar Affonso Celso Pastore para comandar seu programa econômico — ou lançam propostas que miram muito mais os interesses corporativos do que, propriamente, uma saída da crise — como fez o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao falar dos preços dos combustíveis e da Petrobras.
O único pré-candidato que tem propostas claras e conhecidas para a economia é Ciro Gomes (PDT). Mas o ex-ministro da Fazenda de Itamar Franco nas eleições de 1994 não tem a simpatia do mercado financeiro. Com prefácio do Roberto Mangabeira Unger, seu livro Projeto Nacional, o Dever da Esperança propõe a retomada do percurso inaugurado pela Era Vargas e interrompido no início da década de 1980. “O neoliberalismo nos trouxe até aqui. Mas não nos tirará daqui”, avalia. Acontece que o nacional-desenvolvimentismo é considerado um modelo esgotado pela globalização.
FT diz que Bolsonaro é 'incapaz' e terá eleição difícil com economia fraca
Jornal britânico diz que as 'falhas' do presidente 'vão muito além da pandemia'
Eduardo Gayer / O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - O jornal britânico Financial Times publicou nesta segunda-feira, 1º, um duro editorial contra o presidente Jair Bolsonaro. De acordo com o texto, intitulado As falhas de Jair Bolsonaro vão muito além da pandemia, o presidente se mostrou incapaz de gerir as crises econômica e social que assolam o País, cometeu prevaricação na compra de vacinas contra a covid-19 e terá uma “luta difícil” pela reeleição, diante de uma recuperação vacilante da economia.
“Ao entrar no último ano de seu mandato, Bolsonaro se mostrou incapaz de administrar a economia ou a pandemia, e a maior nação da América Latina está pagando um preço alto”, afirma o FT, que cita as mais de 600 mil mortes pelo novo coronavírus e diz ser “fácil” culpar o presidente pela magnitude da crise causa pela covid-19. “Suas tentativas de minimizar a pandemia como uma gripezinha, sua prevaricação sobre as vacinas, sua veemente oposição às restrições sanitárias e sua promoção obstinada de remédios duvidosos forneceram ampla evidência para os críticos”, destaca o jornal.
A publicação britânica cita ainda os processos que podem ser enfrentados por Bolsonaro, como os pedidos de indiciamentos presentes no relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. “Poucos presidentes em exercício enfrentam tantos problemas jurídicos quanto o líder de extrema direita do Brasil, Jair Bolsonaro”, afirma o jornal no começo do editorial. “A Suprema Corte está investigando alegações de que ele e seus filhos políticos espalharam notícias falsas deliberadamente. Ativistas ambientais querem que o Tribunal Penal Internacional o investigue por crimes contra a humanidade por seu suposto papel na destruição da floresta amazônica”, acrescenta.
O FT, no entanto, vê poucas chances dos casos prosperarem na Justiça, devido ao alinhamento ao Palácio do Planalto do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). “A Suprema Corte, por sua vez, reluta em provocar uma crise constitucional e levar um presidente em exercício a julgamento”, afirma o texto sobre o Supremo Tribunal Federal. '
'Farra de gastos'
Com a via judicial “bloqueada” por questões políticas, o jornal britânico aposta na economia como a pedra no sapato para os planos políticos de Bolsonaro. “A ameaça mais potente às esperanças de reeleição de Bolsonaro pode muito bem vir a ser econômica, em vez de legal”, avalia o editorial. “A rápida recuperação econômica do Brasil da pandemia está vacilando; alguns analistas estão prevendo que o crescimento ficará negativo no próximo ano. O mercado de ações está tendo sua pior performance desde 2014, o real enfraqueceu e o prêmio de risco do País subiu.”
O FT chama o plano do Executivo de pagar R$ 400 no novo Auxílio Brasil apenas em 2022 de “farra de gastos pré-eleitorais”. “A indisciplina fiscal do governo e o espectro da inflação de dois dígitos já levaram o Banco Central independente a aumentar as taxas de juros”, afirma o texto.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, é lembrado como um ex-guru da ortodoxia fiscal e, hoje, como alguém que cedeu ao financiamento do programa social com viés eleitoral. A debandada de sua equipe após a alteração no teto de gastos também é citada. “Quatro de sua equipe renunciaram à decisão; Guedes pode vir a desejar tê-los ouvido com mais atenção”, diz o FT.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Maria Cristina Fernandes: Jair, Paulo e Arthur
Presidente regateia com o Centrão e se vale do bloco para tirar de Guedes o que precisa para turbinar reeleição
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
O presidente Jair Bolsonaro usa o ministro Paulo Guedes para regatear o preço do resgate cotidiano que lhe é cobrado pelo Centrão. E se vale do bloco para tirar do ministro da Economia o que precisa para turbinar sua reeleição. Não é um casamento de papel passado porque tem que ser renovado a cada ano no Orçamento. Tampouco é uma união estável. Trata-se de uma relação a três, eivada de infidelidades mútuas e que se sustenta na dependência crescente que cada um tem dos outros dois.
O embate orçamentário que hoje se assiste é uma demonstração de que o teto que os abriga, não bastasse o material de segunda com que foi feito, se desgastou na cobertura de tão atribulada relação. Como o teto já não comporta mais tantas claraboias, chaminés e remendos, eis que os três parecem ter concluído que é hora de derrubá-lo. O problema é que, ao longo desse tempo, acumularam-se desconfianças e ressentimentos, além de flertes extraconjugais. Se não há como sustentar o teto, tampouco se sabe como preservar uma relação exposta às intempéries dos próximos 14 meses.
Depois de convencer Guedes a abrir mão do teto, Bolsonaro busca a cumplicidade de seu ministro para resguardar um abrigo para si sem se importar se o Centrão pode acabar na chuva. Que indícios dá disso? Quisesse apenas viabilizar o auxílio emergencial o presidente poderia tentar fazê-lo via crédito extraordinário. É bem verdade que a calamidade que o justificaria é mais da ordem da inépcia do que do inevitável, mas esta relação já expôs outros tantos pecados públicos que ninguém se escandaliza mais. Bolsonaro vale-se do expediente porque quer trazer outras prebendas para seu abrigo, dos agrados a caminhoneiros a tantos quantos forem necessários para continuar a ser o eixo desta relação.
Estivesse interessado apenas em matar a fome dos miseráveis teria deixado prosseguir o projeto de lei de autoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM), que teve a relatoria do senador Antonio Anastasia (PSD-MG) e entrou na terça-feira na pauta do Senado. Este projeto compatibiliza um benefício de R$ 120 a R$ 600 para os que têm uma renda familiar per capita de até ½ salário mínimo. E o faz a partir da revogação da isenção do IR sobre dividendos e da elevação da CSLL de instituições financeiras. Vale-se ainda da rubrica do abono salarial e do salário-família com uma compensação para os beneficiários mais vulneráveis desses programas. É uma proposta que tem a simpatia da Rede Brasileira de Renda Básica mas não serve aos propósitos do presidente, tanto que suas lideranças manobraram para tirá-lo de pauta.
O presidente da Câmara farejou o que o parceiro pretendia lá atrás quando começou essa conversa de destelhar a morada. Afinal, também quer muito mais do que o auxílio emergencial. Como disse em seu artigo semanal (FSP), Delfim Netto, testemunha de muitos casamentos desfeitos ao longo da República, “não é pelos R$ 400” que brigam. Acordos recentes já se desfazem. Haviam concordado, por exemplo, em chutar pra cima o fundo eleitoral, em R$ 6 bilhões, para que Bolsonaro vetasse e a prebenda ficasse em R$ 4 bi. Agora o Centrão quer subir o fundo para R$ 5 bi e, por óbvio, manter R$ 16 bi para as emendas de relator, que, em outros tempos, vinham embaladas em plástico opaco e ficavam longe do alcance das crianças. A lista ainda tem um caminhão de obras e desejos inconfessáveis. Quem nunca?
O stress foi tanto que no início da semana Arthur subiu o tom como nunca se havia visto naquele lar. “Ele vai pagar por isso”, disse, com cara de paisagem, sobre a declaração do parceiro na live da semana passada. É óbvio que Jair aloprou ao relacionar aids, vacina, aspirina e urubus. Mas Arthur descobriu agora que o parceiro mente? É compreensível o nervosismo. O presidente ameaça trocá-lo por Valdemar Costa Neto. Sabe-se que não é por boniteza mas por precisão.
O terceiro integrante da parceria está longe de ficar neutro na história. Se tiver que escolher um, é claro, Paulo fica com Jair. Afinal, (ainda) é dele o molho de chaves. E se um dia a casa vier abaixo é ao seu lado que precisa estar. E não é para salvar as obras completas (e na língua original) de Milton Friedman. É que ninguém sabe onde foi parar o extrato daquela conta perdida no paraíso fiscal. Ninguém sabe, ninguém viu. Mas os colegas do Arthur vão perguntar. No dia e na hora que ele marcar. O stress chegou ao ponto de Paulo se queixar em público que alguém foi bater à porta de outro amigo, o André, para saber se ele podia emprestar um de seus funcionários para colocar no seu lugar. Como o sócio do BTG confidenciou (para 40 pessoas) que vive de mexerico com Arthur, todo mundo ficou sabendo quem era esse alguém.
A relação que hoje é cheia de ressentimentos e decepções no início era de encantamentos quase idílicos. Em setembro de 2019 o ministro Paulo Guedes foi à Comissão Mista de Orçamento e lá abriu seu coração. Ele tinha acabado de chegar mas já percebera que seria difícil fechar as contas. O presidente da Câmara ainda era Rodrigo Maia, um companheiro de armas que se afastaria com a queixa de que Paulo traíra seus velhos ideais. Arthur já era a noiva prometida e a ela Paulo dedicou suas mais puras intenções.
O ministro se queixava de que o Orçamento estava comprometido com os carimbos da Constituição de 1988. E se os constituintes haviam feito história com aquela decisão, era chegada a hora de voltar ao panteão fazendo o inverso. “Controlar o Orçamento público é o grande desafio que pode levar este Congresso para a história”, conclamou o ministro. “A classe política não tem que andar atrás de ministro pedindo verba. Que história é essa? São os representantes da população, foram eleitos, as verbas têm que ser descentralizadas e exercidas, sem ser preciso um esforço enorme para tentar uma [emenda] impositiva para cada deputado poder ter 10 milhões ou 15 milhões de reais. Não! Há R$ 1,5 trilhão no governo”.
Paulo achou que podia contar com o novo parceiro, mas Arthur tinha outros planos. Queria mais era carimbar o que restava do Orçamento. Não bastasse o carimbo das emendas individuais, impôs o das emendas de bancada e, para o orçamento do próximo ano, ampliou a impositividade para as emendas de trator, ou melhor, de relator. Bolsonaro vetou, mas a turma de Arthur vai pra cima. Afinal, como disse o próprio Paulo naquela inesquecível tarde, “representar o povo é controlar os orçamentos públicos”. E no fim, burro é o astronauta.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/jair-paulo-e-arthur.ghtml
“Estatal que só me dá dor de cabeça”, diz Bolsonaro sobre Petrobras
Presidente já manifestou interesse em privatizar a empresa e disse que não pode interferir na petroleira
Mariana Costa / Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, na manhã desta quarta-feira (27/10), em entrevista à TV Jovem Pan, que a Petrobras é uma estatal que só dá dor de cabeça. O chefe do Executivo já manifestou intenção de privatizar a empresa pública, mas o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque, garantiu que não existe qualquer estudo no governo federal sobre o assunto.
“Alguns acham que a culpa é minha, alguns acham que eu posso interferir na Petrobras. Eu vou responder processo, o presidente da Petrobras vai acabar sendo preso. É uma estatal que, com todo respeito, só me dá dor de cabeça. Nós vamos partir pra uma maneira de quebrarmos mais monopólio, até botar no radar da privatização”, disse o mandatário do país.
Na segunda-feira (25/10), a Petrobras anunciou mais um aumento no preço da gasolina e do diesel nas refinarias. Foi a segunda alta em menos de um mês. Com 15 reajustes no valor do litro da gasolina (11 para cima e quatro para baixo), o combustível acumula alta de 73,4% apenas neste ano. O preço médio de venda passou, a partir de terça-feira (26/10), de R$ 2,98 para R$ 3,19, alta de 7,04%.
O presidente já deu outras declarações no sentido de privatizar a estatal. A mais recente foi na segunda-feira, quando disse que a paciência do povo se esgotou. Na ocasião, assinalou que não é possível achar uma solução para o problema em menos de três anos.
“São problemas que não se resolvem em três anos. Agora, o povo tá com a paciência lá em baixo, a paciência dele praticamente se esgotou, e vai para as críticas, das mais absurdas possíveis. Lamento, peço a Deus que preservemos nosso maior bem, que ainda é a liberdade”, disse o titular do Palácio do Planalto.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/estatal-que-so-me-da-dor-de-cabeca-diz-bolsonaro-sobre-petrobras
Elio Gaspari: Os frentistas abandonaram o Posto Ipiranga
Quase todos saíram, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias
Elio Gaspari / O Globo
Num governo que já explodiu a meta da inflação, o ministro Paulo Guedes adoçou sua adesão ao estouro do teto de gastos falando difícil, com uma azeitona em inglês:
“Estamos buscando a formatação final dos R$ 400, fazendo a sincronização dos ajustes das despesas obrigatórias, dos salários e do teto ou pedindo um waiver.” Na gíria do carteado, a tradução dessa palavra é “estia”. O jogador que tem menos habilidade pede uma estia ao outro.
Quanto à sincronização, Guedes conseguiu a demissão sincronizada de quatro colaboradores. Desde a posse do Posto Ipiranga, 19 frentistas já pediram o boné. Quase todos, por terem percebido que estavam perdendo tempo, ou queimando biografias. Na Prevent Senior, diriam que elas caminhavam para uma “alta celestial”.
Guedes parece ter subestimado a saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, em julho do ano passado. Mesmo antes da posse, Mansueto mostrou ao czar que uma parte de suas promessas era fantasia. O economista havia passado com brilho pelo Massachusetts Institute of Technology e conhecia as mumunhas de Brasília. Ao ir embora, mostrou que entendia muito de política.
A última debandada da ekipekonômika mostrou que Guedes não entendeu onde se meteu. Nenhum deles foi-se embora porque Guedes sofreu derrotas políticas, mas porque tendo-as sofrido, meteu-se numa aventura injetando cloroquina na sofrida economia nacional. Guedes encantou-se ao ver que as portas se abrem sozinhas para deixar o excelentíssimo senhor ministro passar, e por essa porta 19 se foram.
‘Oito Dias de Maio’, um grande livro
Saiu nos Estados Unidos um grande livro. É “Eight Days in May: The Final Collapse of the Third Reich”, do historiador alemão Volker Ullrich, conhecido pela sua biografia de Adolf Hitler. Ele conta com maestria os dias que foram do suicídio do Fuhrer (30 de abril de 1945) à rendição do alto comando alemão em Reims (7 de maio).
A sabedoria convencional sugere que entre um fato e outro pouco de relevante aconteceu, além do inexorável triunfo das Tropas Aliadas. Com um olhar alemão, Ullrich mostra um painel de dramas, ruínas e ambições. Nele, sobressai a figura do almirante Karl Dönitz, um nazistão a quem Hitler passou o governo do Reich. Seu comportamento, com o pelotão de militares e civis que o rodeava, é uma aula sobre a psicologia do poder, mesmo quando ele só existe na forma de delírio patológico.
O almirante tinha uma ideia: continuar a guerra na frente do Leste, sem combinar com os russos que já estavam em Berlim. No dia 5 de maio, ele compôs ministério e entregou ao economista Otto Ohlendorf a tarefa de planejar a reconstrução do país. (Como oficial da tropa da SS, ele se envolveu na morte de 90 mil pessoas na frente russa).
Nesse dia, a fotógrafa americana Lee Miller posava com o torso nu na banheira do apartamento de Hitler em Munique, e um general alemão chegava ao QG dos Aliados levando a proposta de paz em separado. Não foi recebido pelo comandante americano Dwight Eisenhower: rendição incondicional ou nada. Quando ele relatou a Dönitz o resultado da gestão, o almirante indignou-se e considerou a posição de Eisenhower “inaceitável”. Pouco depois entendeu que inaceitável era sua ideia e, às 2h41m da madrugada do dia 7, os alemães assinaram a capitulação.
No dia 9, os russos já tinham identificado os restos de Hitler a partir de sua arcada dentária. Dönitz, contudo, ainda não sabia se deveria renunciar. Seu chanceler argumentava que a rendição fora das tropas, não do governo. O almirante concordou e foi ao rádio: “Nós não temos do que nos envergonhar. Nesses seis anos, o que o Exército conseguiu combatendo e a população, resistindo, foi um fato inédito na História do mundo, um heroísmo sem precedentes.”
No dia 23, seu governo foi extinto, e ele foi preso. Passou dez anos na cadeia e morreu em 1980. Nunca disse uma palavra contra Hitler nem a favor dos judeus. Os dois comandantes do Exército alemão foram enforcados em 1946, e seu ministro da Fazenda foi executado na Alemanha em 1951 pelo que havia feito na Rússia.
Boa ideia
Aos poucos, a Petrobras está retomando o fornecimento de combustível de aviões e helicópteros.
Não há razão para que existam intermediários para abastecer com combustível da Petrobras voos de bases da empresa para plataformas da própria companhia.
Posto Ipiranga
De uma víbora:
“O Posto Ipiranga de Jair Bolsonaro virou uma daquelas casas pelas quais, segundo o escritor Guimarães Rosa, homens sérios entravam, mas por elas não passavam.”
Mailson disse tudo
O ex-ministro Mailson da Nóbrega disse tudo:
“Parece um grande manicômio.”
A privataria avança no parque
A Urbia, empresa que se tornou concessionária do Parque do Ibirapuera, privatizado pela fúria liberal do então prefeito e hoje governador João Doria, decidiu abrir uma interessante discussão. Quer arrecadar uma tarifa a empresas e treinadores que cobram pela prática de atividades esportivas no seu espaço.
Essa tarifa renderia de R$ 100 mil a R$ 200 mil mensais à empresa. Querem cobrar de 3% a 5% do que pagam os alunos; até as árvores sabem que essa conta vai para o bolso dos alunos.
Há empresas que se apropriam de pequenos espaços para suas atividades. Nesses casos, a ideia faz sentido. A girafa aparecerá quando se quiser cobrar a um treinador que acompanha clientes numa corrida ou numa sessão de ginástica sem demarcar espaço.
Se o doutor João Doria sair candidato pelo PSDB poderá explicar o alcance de suas privatizações durante a campanha.
Bolsonaro no Congresso
Um leitor de folhas de chá acredita que se Jair Bolsonaro perceber que não terá chances de vitória na eleição presidencial procurará abrigo numa disputa para o Senado, ou mesmo para a Câmara.
Se isso acontecer, o recuo do capitão nada terá a ver com apreço pelo Legislativo. Será uma busca de imunidade.
Príncipe William
Faz tempo que não se ouve uma coisa inteligente vinda da Casa de Windsor. A rainha Elizabeth não fala. Seu falecido marido foi um campeão de impropriedades, e seu filho Charles falava com plantas.
O sinal de vida veio do príncipe William, que criticou os milionários que torram fortunas para ir ao espaço enquanto as coisas na Terra vão mal.
As aventuras espaciais de Elon Musk e Jeff Bezos, bem como o quadro de Banksy parcialmente triturado que foi arrematado num leilão por US$ 25,4 milhões serão marcos das maluquices de uma época.
No século passado, o fotógrafo Philippe Halsman ganhou notoriedade com a “jumpology”, algo como “pulologia”. As celebridades eram fotografadas enquanto pulavam. Até o Duque e a Duquesa de Windsor participaram dessa palhaçada, rendendo uma bela imagem.
Anos depois, a televisão italiana criou o programa de bobagens “Mondo Cane”. Num de seus episódios, um artista tocava uma peça de Beethoven dando tapas na cara de suas vítimas.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/os-frentistas-abandonaram-posto-ipiranga-25249228
Eliane Catanhede: Quanto mais golpeia a economia, mais Bolsonaro abre a trilha da terceira via
Quanto mais troca a responsabilidade fiscal pelo Centrão, o presidente afugenta o setor produtivo, bancos, agronegócio, grandes executivos e economistas
Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo
Ao incinerar os princípios básicos da macroeconomia em favor dos interesses rasteiros da micropolítica, o presidente Jair Bolsonaro não percebe que faz mais o jogo do Centrão do que dele próprio e que trabalha contra a sua reeleição. Furar o teto de gastos não vai salvá-lo, vai afundá-lo de vez.
De um lado, Bolsonaro não entrega reformas, privatizações e neoliberalismo. De outro, atua contra a meta de inflação, os juros baixos, a responsabilidade fiscal e social. Não constrói nada e destrói o que já existe; não respeita nem demite Paulo Guedes, uma alma penada.
Na economia, o governo não tem ministro, plano de voo e o que mostrar, sem passado, presente e futuro. Na política, está nas mãos de quem desdenha da economia, do social e do próprio destino de Bolsonaro, fazendo da fraqueza dele a sua força. O principal efeito pode ser justamente eleitoral.
Quanto mais troca a responsabilidade fiscal pelo Centrão, mais Bolsonaro afugenta o setor produtivo, bancos, agronegócio, grandes executivos e economistas. E mais abre caminho para uma terceira via. O senador Rodrigo Pacheco e o ex-juiz Sérgio Moro vão se filiar, um ao PSD, na próxima quarta, o outro ao Podemos, em 10 de novembro.
Pacheco e PSD têm muito a ganhar e nada a perder. Ele, que faz 45 anos em 3/11, tem duas plataformas: a presidência do Senado, onde marca posição pró-democracia e criou uma barreira às audácias da Câmara e de Bolsonaro, e Minas, onde a debacle do PSDB e do PT fez emergir o PSD – mesma sigla (não partido...) de Juscelino Kubitschek, símbolo de político.
Seja ao fim candidato a presidente, vice ou nada, Pacheco lucra com a visibilidade e tem seu mandato no Senado garantido por mais quatro anos. E o PSD de Gilberto Kassab ganha tempo e moeda de troca, enquanto conversa com Lula e espera o quadro eleitoral decantar.
Quanto a Moro, ele perdeu parte do que tinha – na direita e no centro – e não ganhou o que não tinha – a esquerda. O X da questão é o Estado da filiação. Se for ao Podemos do Paraná, a candidatura à Presidência seria a única opção, porque Álvaro Dias é o dono da única vaga do partido ao Senado. Já se for ao de São Paulo, Moro estará de olho no Senado.
Na raia da terceira via, há duas certezas, o veterano Ciro Gomes (PDT) e um nome do PSDB a ser lançado em novembro, além de várias incógnitas, como o neófito Datena, do União Brasil. O mais relevante é que há clamor e trilhas abertas. Bolsonaro ajuda muito, a golpes de incompetência política, econômica, social e administrativa. Lula prefere concorrer com ele, mas não vai ser tão fácil.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,quanto-mais-golpeia-a-economia-mais-bolsonaro-abre-a-trilha-da-terceira-via,70003878055
Míriam Leitão: Mentiras fiscais desviam o foco
Os mais otimistas estão prevendo que o PIB brasileiro suba 1%
Míriam Leitão / O Globo
O governo terminou a semana com o presidente Bolsonaro acusado de nove crimes, e o Ministério da Economia com um desfalque de parte da equipe. Os dois eventos estão ligados. Bolsonaro, acuado pela CPI e pela perda de popularidade, anunciou elevação do benefício social, ainda inexistente, mas para isso foi preciso atropelar as regras fiscais. A reação foi a saída de quatro secretários da equipe econômica. Depois disso, o presidente visitou o Ministério da Economia, disse que o ministro tem sua confiança, e Paulo Guedes ficou no cargo.
A confusão feita pelo governo nos últimos dias vai impactar o país por muitos anos. Os juros vão subir mais para compensar a incerteza da política fiscal. O país crescerá pouco no ano que vem e os economistas já falam em estagflação. Enquanto isso o mundo estará crescendo forte.
– O mundo vai crescer 4,9% em 2022, será uma das maiores distâncias entre o Brasil e o mundo em quatro décadas — diz o economista-chefe de um dos maiores bancos do país.
Os mais otimistas estão prevendo que o PIB brasileiro suba 1%. Mas muitos economistas de bancos e consultorias estão reduzindo para números próximos de zero.
Fazer o orçamento será um exercício de adivinhação depois da mudança feita essa semana. O teto de gastos será corrigido pelo índice de janeiro a dezembro, em vez de ser pela inflação de doze meses até junho. Ou seja, o orçamento será enviado ao Congresso sem que se saiba a inflação do ano e, portanto, sem o valor do teto de gastos. Será votado também sem a definição do valor do teto. Só em janeiro do ano em que o Orçamento estará sendo executado é que se saberá qual foi a inflação de janeiro e dezembro.
–O espaço do teto era corrigido pelo IPCA de 12 meses acumulado até junho. Por que? Porque o orçamento precisa ser enviado em 31 de agosto ao Congresso com a previsão de despesas dentro do teto. A Secretaria de Orçamento precisa desses números e de tempo para preparar. Fizeram isso por conveniência, porque agora há um ganho — explicou uma fonte que já preparou as contas para o orçamento.
Outra consequência dos eventos dessa semana, e que se estenderá para os próximos anos, é a mudança nos precatórios. São dívidas que tramitaram na Justiça. Não são meteoros, ao contrário do que disse Guedes. A solução poderia ter sido outra, que não a de dar um calote em parte dos credores.
—É falacioso o argumento de que não há como pagar os precatórios. O governo não soube gerenciar o problema. Uma das maiores dívidas era com o Fundef, que poderia ter tido uma boa negociação. Havia um erro da AGU de R$ 30 bilhões e o governo foi alertado sobre isso bem antes. Bastava negociar com os estados. Nada foi feito porque os “beneficiários” seriam governos da oposição — explicou um ex-integrante do governo.
Por onde se olhe há gambiarras e casuísmos. O governo deixará de pagar dívidas que poderia ter negociado e vai criar uma dívida paralela, para ser paga em 10 anos, e que pode virar uma bola de neve. A mudança do prazo do índice que corrige o teto de gastos é uma manobra oportunista. Até meses atrás, o governo comemorava o descasamento dos índices porque haveria uma folga fiscal. E é isso que Paulo Guedes disse que havia “R$ 30 bi a R$ 40 bi que eram nossos e sumiram”. Se a inflação caísse fortemente no segundo semestre, o teto seria corrigido pela inflação de 12 meses até junho e, então, as despesas subiriam menos porque o INPC seria menor. Só que a realidade não respeitou as previsões e a inflação subiu nesse segundo semestre comendo a “folga fiscal”. Será mudada a periodicidade do índice que corrige o teto porque agora dá vantagem ao governo. Mas isso vai criar um problema permanente na formulação do orçamento.
E tudo isso foi feito para ajudar os pobres? Não. Tudo isso é feito para parecer que está ajudando os pobres, mas para garantir na prática que continuam altas as emendas parlamentares inventadas no governo Bolsonaro, e conhecidas com o nome de RP9. E, desta forma, o governo possa continuar comprando apoio no Congresso.
Foi uma semana de mentiras, desrespeito às leis fiscais e muita demagogia para tentar desviar a atenção do fato de que o presidente Jair Bolsonaro foi acusado de cometer nove crimes, entre eles o crime contra a humanidade.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/mentiras-fiscais-desviam-o-foco.html
Cristovam Buarque: A gripezinha fiscal do Guedes
O debate atual sobre o financiamento do Auxílio Brasil é mais um exemplo de corrupção da bondade
Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles
As atas das sessões no Parlamento durante os debates da Lei Áurea mostram escravocratas argumentando contra a Abolição, porque os escravos livres ficariam desamparados e morreriam de fome. Isto é corrupção da bondade. Defender aos pobres fazendo mal a eles. Este caso extremo foi repetido ao longo de décadas na política brasileira. Não defenderam a Abolição com distribuição terra aos ex-escravos, defendiam manter a escravidão para proteger aos escravizados.
Esta tem sido uma prática comum da minoria privilegiada brasileira ao defender propostas que lhes interessem, argumentando a favor dos pobres. Além da corrupção no comportamento, que rouba dinheiro público, temos a corrupção da ostentação, a corrupção dos privilégios, a corrupção nas prioridades e corrupção das bondades falsas. O BNH foi criado com o argumento de dar habitação aos pobres, mas serviu para financiar o lucro de empreiteiras, e construir as mansões e apartamentos que caracterizam as moradias das classes médias e altas brasileiras. O sistema nacional de habitação deixou pobres sem água, saneamento e os privilegiados com bons apartamentos financiados com empréstimos subsidiados, construídos por pedreiros recebendo míseros salários e continuarão sem casa, água nem saneamento.
O debate atual sobre o financiamento do Auxílio Brasil é outro exemplo de corrupção da bondade: em nome de atender o povo pobre, que passa fome, e precisa do auxilio, provavelmente vai fazer a maldade de trazer de volta a inflação, que sacrificará sobretudo a população pobre..
Por décadas os dirigente brasileiros aliaram o populismo mais desbragado dos políticos com o keynesianismo de economistas que não souberam adapta-lo às características do Brasil. O resultado foram décadas de uso da inflação para financiar projetos megalomaníacos, mordomias desavergonhadas, privilégios aristocráticos, subsídios à ineficiência, concentração da renda. Além de criar e consolidar a cultura de recursos ilimitados do Tesouro, capaz de financiar o luxo e dar ajudas a quem vive no luxo, tudo financiado pela inflação que aumenta as receitas nominais dos governos fazendo circular moeda desvalorizada, espécie de cheque com quase fundo.
O Auxílio Brasil aos pobres não deve ser adiado, mas deve ser financiado com recursos dos que não são pobres. Sem risco da inflação que paga com uma mão e tira com a outra.
O povo precisa e tem direito a receber uma renda que lhe permita sobreviver com dignidade. Esta renda exige muito mais do que os míseros R$400,00 que estão oferecendo, mas em moeda estável, sem inflação. E o Brasil, com um PIB e uma Receita Pública que permite financiar este auxílio. Desde que se toque no exagerado custo dos subsídios a setores ineficientes, se elimine privilégios financiados com recursos públicos, cancele-se o fundo partidário, as emendas parlamentares, os precatórios, reduzam o custo monumental do Estado, especialmente Legislativo e Judiciário. Mas no lugar de tirar de quem tem para auxiliar quem não tem, prefere-se romper o Teto para repetir as antigas equações populistas e gastar mais do que dispõe, com empréstimos ou emissão de moeda deixando ao povo a conta da inflação.
Bolsonaro aplica para as finanças a mesma visão negacionista com que enfrentou o covid, agora enfrenta o deficit. Para ele, com o apoio do Guedes, furar o teto é um arranhãosinho. A consequência poderá ser muito mais do que uma gripezinha fiscal: um epidemia monetária chamada inflação.
*Cristovam Buarque foi governador, senador e ministro
Fonte:
"Não pedi demissão", assegura Guedes em pronunciamento com Bolsonaro
Ministro da Economia defendeu o furo no teto e disse que a saída de secretários da pasta "é natural"
Israel Medeiros / Correio Braziliense
O ministro da Economia, Paulo Guedes, negou, nesta sexta-feira (22/10), que tenha pedido demissão ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após a debandada dos secretários Bruno Funchal (Tesouro e Orçamento), e Jeferson Bittencourt (Tesouro Nacional), e dos secretários Gildenora Dantas e Rafael Araújo. Ele se encontrou com Bolsonaro no início da tarde para tratar da crise envolvendo sua permanência no cargo.
Segundo Guedes, não houve nenhuma sinalização por parte dele ou de Bolsonaro nesse sentido. “Eu não pedi demissão. Em nenhum momento pedi demissão, em nenhum momento o presidente insinuou qualquer coisa semelhante”, disse ele, após conversar com o presidente a portas fechadas.
Ele também disse que durante o período em que estava na reunião do Fundo Monetário Internacional (FMI), fora do país, houve uma movimentação política por parte de “fura tetos”, que inclui ministros do governo. Em um ato falho, ele citou o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, como substituto do secretário Bruno Funchal, mas se corrigiu na sequência e apontou o verdadeiro substituto: o ex-ministro do Planejamento, Esteves Colnago.
“Quando me referi ao André Esteves é porque eu soube que enquanto estava lá fora [do país] houve uma movimentação política aqui, normalmente não digo que sejam ministros, existe uma legião de fura tetos. O teto é desconfortável”, disse.
Ele também criticou falas de ex-ministros da Fazenda que têm dito que a permanência dele no cargo é prejudicial ao país, e disse que continua acreditando no governo, nas reformas e na democracia.
“Eu vim acreditando no presidente, que tem boas intenções no Congresso, que é reformista. Eu estou esperando que todo mundo mantenha as posições originais, acho que o presidente me apoia, acho que a mídia apoia as reformas corretas. Eu acredito na democracia brasileira, ponto. Agora, me chamam de extremista por servir um presidente democraticamente eleito”, afirmou.
O ministro também disse que é necessário gastar mais e ir além do teto de gastos para evitar que os mais pobres passem fome.
Encontro com Bolsonaro
Bolsonaro chegou ao Ministério da Economia por volta das 14h30 e entrou pela garagem do bloco P, sem falar com a imprensa. O encontro não estava na agenda das autoridades. A ideia era conversar com o ministro Paulo Guedes para tentar segurá-lo no cargo após a debandada de secretários da Economia ontem (21).
Na ocasião, Bruno Funchal, Secretário do Tesouro e Orçamento, pediu demissão do cargo e foi acompanhado do secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, e dos secretários Gildenora Dantas e Rafael Araújo. Eles eram considerados parte importante do que Guedes já chamou de “coração da política econômica”.
Eles não concordaram com a mudança de posicionamento de Guedes que, pressionado e enfraquecido, sinalizou que cederia e poderia romper o teto de gastos.
Depois do anúncio da demissão, o ministro cancelou a participação em um evento que ocorreria à noite e não se pronunciou desde então. Em uma entrevista à CNN, Bolsonaro garantiu que Guedes ficaria no cargo e lamentou a saída dos secretários.
Ao longo desta sexta, diversos boatos e informações falsas circularam entre membros do mercado financeiro. A maioria dizia respeito ao suposto pedido de demissão que, no fim das contas, não se confirmou.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4957344-nao-pedi-demissao-assegura-guedes-em-pronunciamento-com-bolsonaro.html
William Waack: Brasil, o prisioneiro da crise fiscal de Bolsonaro
Bolsonaro e o Centrão estão brincando de tornar o País ingovernável
William Waack / O Estado de S. Paulo
Grandes sacudidas políticas no Brasil vieram quase sempre de crises fiscais, e Jair Bolsonaro está se empenhando em aprofundar a atual. As causas dessas crises são amplas e profundas, e no sentido mais geral resultam da apropriação de pedaços do Estado por grupos privados e corporações, que acomodam os mais variados interesses à custa dos cofres públicos.
No caso da atual crise, seu agravamento não vem só do fato de Bolsonaro arriscar as contas públicas apostando na reeleição. Fator relevante foi a entrega de fatias essenciais de poder, como o controle do Orçamento, aos grupos políticos amorfos e até antagônicos apelidados de Centrão. É o que explica em boa parte que os agentes econômicos tenham perdido a confiança na capacidade do Executivo de formular e articular políticas públicas abrangentes, começando pela economia.
A única agenda do Centrão é a defesa de seus interesses regionais ou corporativos (ou tudo junto). Por definição, trata-se de um conjunto de correntes políticas e interesses segmentados incapaz de articular uma pauta ampla. Como Bolsonaro não tem qualquer senso estratégico e se dedica fundamentalmente a agradar a plateias amestradas, não percebeu que o Centrão não é garantia alguma de que ele possa governar (basta lembrar as reformas que nunca andam).
Ao contrário, o poder entregue ao Centrão é a garantia de que o atual ocupante do Planalto não conseguirá governar nem mesmo na hipótese, hoje bastante remota, de que consiga a reeleição. O debate político brasileiro tornou-se completamente subordinado às questões fiscais mais urgentes. Portanto, não existe espaço, energia ou foco em plataformas para fugir da armadilha da renda média na qual o Brasil está preso há décadas.
É sério o risco de o Centrão (com Bolsonaro a tiracolo), sem rédeas, retroceder ao estágio pré-plano Real, o da irresponsabilidade declarada com as contas públicas. A necessidade de ajudar quase 30 milhões que caíram abaixo da linha da pobreza virou um Cavalo de Troia para a gastança que será paga mais adiante (em inflação e estagnação) por esses mesmos milhões de necessitados. Não há qualquer visão de futuro nas figuras de proa do Centrão além de garantir seus interesses políticos imediatos, aos quais no momento Bolsonaro serve perfeitamente.
Ficamos assim: uma geração e meia após a redemocratização continuamos tentando, sem grande sucesso, resolver pobreza, miséria e desigualdade, e procurando um jeito de ganhar eleições com votos garantidos por programas assistenciais. Quem sabe a crise fiscal (como aconteceu próximo ao Real) traga as mudanças que os salvadores da Pátria de plantão não têm. •
Fonte: O Estado de S, Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-prisioneiro-da-crise-fiscal,70003874981
Luiz Carlos Azedo: Sem chance de dar certo
O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Há três contingências do governo Bolsonaro que colocam em xeque sua continuidade. A primeira tem a ver com a política externa; a segunda, com a política propriamente dita; a terceira, com a economia. São situações criadas pelo próprio presidente da República, não por seus adversários. Decorrem de estratégias erradas. Vejamos: (1) a aposta na política ultraconservadora do presidente Donald Trump, com a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos, deixou o presidente Jair Bolsonaro sem um grande aliado no Ocidente e na contramão da política mundial, que é globalista; (2) a retórica golpista e a agenda ultraconservadora provocaram seu crescente isolamento político; (3) e a entrega do Orçamento da União ao Centrão inviabilizou a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. O resto são consequências.
O isolamento internacional do Brasil, ao contrário do que gostaria Bolsonaro, somente serviu para tornar o Brasil ainda mais dependente da China, nosso principal parceiro comercial. Não seria um grande problema, se a economia chinesa não sofresse os sobressaltos de uma economia capitalista, embora seu regime político seja uma ditadura comunista. No momento, o mercado financeiro internacional vive a expectativa de uma implosão da bolha imobiliária chinesa, de consequências imprevisíveis. A Sinic Holdings Group é mais recente empresa imobiliária chinesa em vias de dar um grande calote, aumentando a tensão criada pela gigante Evergrande, que atravessa momentos difíceis e tem uma dívida de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).
A Sinic comunicou à Bolsa de Hong Kong que espera não conseguir pagar um título de US$ 250 milhões com vencimento em 18 de outubro, o que pode gerar inadimplência cruzada, pois a empresa tem US$ 694 milhões em títulos e sofreu uma queda de 97% no valor de suas ações. A Modern Land (China) Co., outra incorporadora sediada em Pequim com US$ 1,35 bilhão de títulos em circulação, está pedindo três meses para quitar uma nota com vencimento em 25 de outubro. A Xinyuan Real Estate Co., que tem US$ 760 milhões de títulos, está propondo o que a Fitch Ratings considera uma troca de dívida problemática com vencimento na sexta-feira. A alta do preço do petróleo e a chamada crise dos contêineres, que corresponde a um apagão logístico, também são fatores que repercutem fortemente na desvalorização da moeda brasileira.
Calote e inflação
Na política, a situação é complicada porque a agenda econômica do Centrão não é a mesma do ministro da Economia, Paulo Guedes. A reforma administrativa subiu no telhado, ainda mais porque todo o pessoal do setor de segurança pública, com exceção dos policiais militares, rebelou-se contra a reforma. Policiais federais, policiais rodoviários, agentes penitenciários e policiais civis, que faziam parte da base bolsonarista, estão se insurgindo contra a reforma e fazem forte lobby no Congresso, como os demais servidores civis. Sem cortes nas despesas de pessoal, a opção do governo seria contingenciar as emendas ao Orçamento da União, que estão fora do controle do Executivo e são imexíveis. Quem controla esses investimentos em obras e serviços é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Com isso, o cobertor ficou muito curto para o governo aprovar o Auxílio Brasil, programa social no qual o presidente Bolsonaro aposta sua reeleição. A alternativa de calote nos precatórios (PEC 23) para financiar o programa que substituirá o Bolsa Família também enfrenta forte resistência.O engenhoso relatório do deputado Hugo Motta constitucionaliza o calote, ao ficar um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entraria na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”, segundo o economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente(IFI), mantido pelo Senado. O limite proposto no relatório está baseado no valor pago em 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela inflação. Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, em vez de R$ 89,1 bilhões.
Uma folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022, para financiar a reeleição de Bolsonaro, não passa despercebida e impune pelo mercado. Além de gerar insegurança jurídica, ao virar a mesa nas regras do jogo entre o governo e seus credores, tem impacto direto na inflação, que voltou como nunca antes desde o lançamento do Plano Real. Os números são terríveis: 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em 12 meses. Luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado.
Renato Janine: "Brasil corre risco de ter apagão científico"
Presidente da SBPC avalia que corte de mais de R$ 600 milhões é uma escolha política com consequências devastadoras
"Corremos risco de ver laboratórios fechando. É como ter uma Ferrari e deixar o motor fundir porque não se coloca óleo"
Em uma manobra que pegou a comunidade científica de surpresa, o Ministério da Economia provocou um corte drástico em recursos aguardados pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Dos R$ 690 milhões previstos por meio de um projeto de lei, apenas R$ 55,2 milhões foram direcionados para a pasta. A redução foi feita pela comissão mista de orçamento do Congresso Nacional a pedido do ministério comandado por Paulo Guedes.
O montante inicial abasteceria principalmente o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que contava com a verba para viabilizar uma nova chamada de projetos – que tinha sido suspensa em 2018 por falta de recursos.
Para Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a decisão do governo ameaça a continuidade da pesquisa no país. "É uma situação inacreditável", afirma em entrevista à DW Brasil, apontando que o Brasil pode estar diante de um "apagão científico".
Numa carta voltada aos parlamentares, a SBPC e as demais entidades que compõem a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP.br) – Academia Brasileira de Ciências, Andifes, Confap, Conif, Confies, Consecti e IBCHIS – classificam o corte de uma afronta e fazem um apelo para que os políticos revertam a decisão. "Está em questão a sobrevivência da ciência e da inovação no país", alertam.
Sem ciência, o país está fadado ao atraso, considera Janine Ribeiro. "O Brasil está perdendo chances gigantescas de se projetar", diz.
Renato Janine Ribeiro: "Temos que fazer uma grande mobilização para mostrar à sociedade brasileira a importância da ciência"
DW Brasil: O corte nos recursos pegou a comunidade científica de surpresa?
Renato Janine Ribeiro: Foi uma surpresa total. Imagine o projeto de lei (PLN 16/2021) estar para ser votado, na hora chega uma carta do ministro que desautoriza tudo o que estava sendo feito, e que muda todas as coisas… Isso não existe. É uma situação inacreditável o que aconteceu, um choque muito grande para a comunidade científica. As pessoas ficaram sem saber o que fazer diante disso.
É o choque e a preocupação. O ministro da Economia nem avisou o colega da Ciência, o Marcos Pontes, do que estava acontecendo, segundo o que sabemos. Isso também é uma atitude que não é usual, tratar um colega do ministério dessa maneira.
Quais são as consequências imediatas desse corte que vocês já conseguem vislumbrar?
São devastadoras. Ficamos praticamente sem financiamento para fazer pesquisa. Fica muito limitado. Desse valor total (R$ 690 milhões), R$ 200 milhões iriam para o chamado Edital Universal do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
Ele lança editais específicos e, de vez em quando, um edital universal. O específico pode ser, por exemplo, para pesquisar uma vacina, para tratar de um problema específico, para desenvolver uma área que está precisando de aportes novos, etc. Já o edital universal está aberto para todas as áreas do conhecimento e tem finalidade de atender todas as áreas que se qualifiquem. Esse edital tinha R$ 250 milhões, dos quais R$ 200 milhões viriam desse dinheiro novo. E agora não virá, foi cortado.
Foram 30 mil pedidos de investimentos que entraram para esse edital até o dia 30 de setembro, que seriam analisados agora e que não terão mais como seguir.
Bolsas também serão afetadas?
Pelo o que sabemos até agora, foram afetados alguns auxílios, como as bolsas RHAE, que são bolsas de recursos humanos para atender empresas. Elas servem para financiar um aluno, um mestrando ou doutorando, para melhorar o desempenho econômico de uma empresa. Essas bolsas foram cortadas também na faixa de centenas de milhões de reais.
O que é possível fazer para minimizar esse impacto que o senhor classifica como devastador?
Temos que fazer uma grande mobilização. Já convocamos para o dia 15 próximo uma jornada de defesa da ciência. Nossa ideia é mostrar para a sociedade brasileira a importância da ciência, mostrar como a ciência se traduz numa melhor vida para as pessoas, como isso pode ser decisivo.
Tem que ficar claro que nós não estamos pedindo coisas para nós, que somos da área da ciência. Nós estamos querendo mostrar o papel decisivo que a ciência tem para o desenvolvimento econômico e social do país.
Na visão do senhor, a busca por soluções para frear a pandemia deveria ter mostrado isso aos governantes e à sociedade?
Nós fomos capazes de muito. Nós temos Jaqueline Goes de Jesus, a biomédica negra que fez o sequenciamento do genoma do vírus SARS-CoV-2 em apenas 48 horas após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil.
Se o governo tivesse canalizado recursos para vacina, nós já teríamos tido uma vacina brasileira. Cuba tem sua própria vacina, e o Brasil tem mais cientistas e PIB (Produto Interno Bruto) que Cuba. Mas, em vez disso, o governo colocou dinheiro na cloroquina. É muito complicado isso.
O que pode acontecer com as universidades públicas, que já vêm sofrendo com cortes e falta de verbas?
Corremos risco de ver laboratórios fechando. É como ter uma Ferrari e deixar o motor fundir porque não se coloca óleo. Temos laboratórios que receberam investimento, construíram muitos resultados, com muita dedicação e, de repente, param de funcionar. Eles não se atualizam, os equipamentos não são mais reparados, não se recebem mais pesquisadores, estudantes não são mais enviados ao exterior para conhecer novas tecnologias e novas descobertas científicas. É algo tenebroso. Não consigo entender a lógica disso.
Como o senhor enxerga o futuro de um país que não investe em ciência?
O futuro é contrário, por exemplo, ao futuro alemão. A Alemanha é a atual potência que é devido à ciência. O país conseguiu chegar aonde chegou porque usou muito o resultado de pesquisas científicas. Laboratórios como os do Instituto Max Planck são fundamentais.
Se o Brasil não for capaz de fazer isso, nós vamos ficar um país atrasado. É como exportar o pó de café para importar as cápsulas feitas para as máquinas da bebida. É uma linha divisória que a industrialização pretendia romper na década de 1960, mas não basta ter indústria, é preciso ter conhecimento científico aprimorado.
O Brasil está perdendo chances gigantescas de se projetar. Assim como a mudança na diplomacia ambiental brasileira significou a perda de protagonismo internacional, já que o Brasil sempre foi um país respeitado por suas políticas de meio ambiente e serenidade na diplomacia, nós estamos tendo agora o risco de ter um apagão científico. E um apagão desse é algo que acontece depressa, e, depois, para reaver é muito demorado.
É possível reverter de imediato parte desse dano?
Existe dinheiro. Tanto que estão sendo perdoadas multas ambientais em grande valor. O governo está abrindo mão de recursos para outras áreas. Por que ele abre mão de multas de crimes ambientais e não canaliza esses recursos para a ciência? É uma escolha política.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/brasil-corre-risco-de-ter-apag%C3%A3o-cient%C3%ADfico/a-59477235