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'É muito mais do que meio ambiente, trata-se de paz', diz chefe da COP-26
Patricia Espinosa fala em momento histórico para a Humanidade e faz apelo dramático por 'futuro mais sustentável'
Daniela Chiaretti / Valor Econômico / Enviada especial a Glasgow
GLASGOW, ESCÓCIA — "Ou optamos por reconhecer que o 'business as usual ' não vale o preço devastador que estamos pagando e fazemos a transição necessária para um futuro mais sustentável, ou aceitamos que estamos investindo em nossa própria extinção", disse a secretária executiva da Convenção do Clima, Patricia Espinosa, em seu discurso de abertura da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP-26, neste domingo.
— É muito mais do que de meio ambiente, trata-se de paz — afirmou.
A COP-26, o maior evento internacional desde o início da pandemia, começou com mais de uma hora de atraso no Dia das Bruxas, no Campus de Eventos da Escócia. Durará duas semanas, com 20 mil a 25 mil pessoas. Na manhã de hoje, as bruxas estavam soltas. Havia longas filas para entrar no local da conferência e chovia forte. A temperatura era de 6º C. Todos usavam máscaras.
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A abertura foi formal e burocrática, como previsto. COPs começam com a mudança de presidência e adoção de procedimentos. Os discursos miraram a confiança no processo e o fortalecimento do multilateralismo. Amanhã são esperados ao menos 120 chefes de Estado e de governo na abertura formal. É aí que a COP-26 deve deslanchar.
— Nossa longa espera terminou, é com entusiasmo que dou boas-vindas a vocês na COP 26 — começou Patricia Espinosa. — Pensem nos últimos dois anos, quando nos encontramos em Madri [na COP-25]. A confusão inicial e o que isso poderia ter significado para o nosso processo. Pensem em todos que perdemos com a Covid-19 — lembrou a diplomata mexicana.
Poucos meses depois de a COP-25 terminar, os pavilhões que abrigaram delegados, ambientalistas, homens de negócio e jornalistas foram tomados por leitos abrigando doentes de Covid.
— Mas vamos ver o que conquistamos. Conseguimos deixar o processo seguir — disse Espinosa, emocionada, ressaltando que a COP-26 deve entregar resultados para as próximas gerações. — Estamos em um ponto crucial da história. Ou escolhemos alcançar reduções rápidas e em grande escala das emissões para manter a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C ou aceitamos que a Humanidade enfrenta um futuro sombrio neste planeta — afirmou, em uma referência ao aumento máximo da temperatura do planeta necessário para evitar uma catástrofe ambiental, em relação aos níveis pré-Revolução Industrial.
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Espinosa mencionou a força disruptiva da mudança do clima, ao citar insegurança e ameaça à paz mundial.
— É por isso que temos que ter avanços em Glasgow.
Para a política mexicana, que assumiu a Secretaria Executiva da Convenção do Clima logo após a conferência climática de Paris, em 2015, o sucesso na COP é totalmente possível.
— Temos tudo o que precisamos para agir e cumprir nossos objetivos climáticos — Cada dia que perdemos em implementar o Acordo de Paris é um dia perdido — disse ela, citando o poeta escocês Robert Burns: — Ele escreveu: "Agora é o dia, agora é a hora".
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Patricia Espinosa lembrou que várias agências das Nações Unidas soltaram relatórios nos últimos dias mostrando que as emissões globais de gases-estufa continuam crescendo.
— Esta é a má notícia. A boa é que, para os países que atualizaram suas NDCs [os compromissos climáticos voluntários], as emissões irão cair em 2030.
Compromisso de financiamento
Ela lembrou que é preciso ter financiamento. Mencionou o compromisso dos países desenvolvidos de mobilizarem US$ 100 bilhões por ano para o mundo em desenvolvimento, a partir de 2020, em recursos para o clima, o que não ocorreu. Um plano divulgado há alguns dias diz que a meta deverá ser cumprida em 2023 e ir aumentando gradativamente.
— O plano deve ser visto como um começo, não o fim. Sem o apoio necessário não será possível embarcamos nas transformações necessárias para manter vivo o 1,5º C —prosseguiu. — Não se trata US$100 bilhões. Temos que mobilizar trilhões. Apelo a todos os países que resgatem o espírito do multilateralismo.
O sucesso da COP, seguiu Espinosa, é possível de ser atingido também porque a ciência aponta o caminho.
— Se agirmos agora e juntos, podemos proteger nosso precioso planeta. E se somos sinceros ao dizer que a mudança do clima é um assunto global, a inclusão total tem que ser garantida. Todos enfrentamos a emergência climática. Todos temos que ser parte da solução.
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Antes do discurso de Espinosa, quem abriu oficialmente a COP-26 foi Carolina Schmidt, ministra do Meio Ambiente do Chile e presidente da COP-25.
— Sabemos que o enfrentamento da mudança do clima tem que ser transversal, e por isso convocamos os ministros das Finanças, Energia, Ciência e Transporte para impulsionar uma transformação multisetorial — afirmou Schmidt. — Sabemos que temos pouco tempo— completou ela, lembrando que o evento precisa de confiança e o cumprimento de promessas feitas no passado.
Depois, Schmidt passou a presidência ao britânico Alok Sharma, que fez um discurso curto e claro.
—Sabemos que a janela do 1,5.C está fechando. Em todos os países estamos vendo os impactos devastadores do clima — disse. — Inundações, ciclones, incêndios florestais, temperaturas recordes. Sabemos que nosso planeta está mudando para pior. E só podemos abordar isso juntos, através deste sistema internacional — seguiu Sharma, prometendo transparência e inclusão.
Sharma lembrou que em Paris, há seis anos, o mundo concordou com o que deveria ser feito.
— A mudança climática rápida e intensa está deixando claro que a COP-26 é nossa última e melhor esperança de tornar [o limite de] 1,5.C possível de ser alcançado. O trabalho começa hoje. Vamos ter sucesso ou falhar. Como um todo.
Hoesung Lee, o presidente do painel científico da ONU sobre o clima, o IPCC, citou a pimeira parte do sexto relatório da entidade, sobre ciência do clima, divulgado em agosto.
— Não se enganem — lembrou, citando a magnitude dos resultados. — A mudança climática é rápida, intensa e afeta a todos, em todas as partes. Hoje temos um quadro muito mais preciso de como funciona o sistema do clima — prosseguiu. — Agora é inequiivoco que a atividade humana causa a mudança do clima. Encorajo a todos que vejam o momento e a oportunidide de termos esforços conjuntos.
O cientista concluiu:
— Dividimos uma única atmosfera e um único sistema climático.