pastores

Ribeiro foi o ministro da Educação mais longevo do governo Bolsonaro

Por que investigação sobre Milton Ribeiro e pastores foi parar no STF?

BBC News Brasil*

A operação prendeu o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro em um caso que investiga se houve a prática de tráfico de influência e corrupção no período em que ele comandou a pasta.

Na quarta-feira (22/6), ele chegou a ser preso, mas foi liberado no dia seguinte após um pedido de habeas corpus ser aceito pelo desembargador Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).

O caso, no entanto, mudou de patamar na quinta-feira (23/6) após o surgimento de suspeitas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na investigação.

O esquema investigado pela Polícia Federal envolvendo Milton Ribeiro foi revelado pelos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo.

Segundo as reportagens, pastores evangélicos cobravam propina de prefeituras para terem verbas da Educação liberadas.

À época, o então ministro Milton Ribeiro negou envolvimento em irregularidades, e Bolsonaro chegou a dizer que colocaria seu rosto "no fogo" por ele. Apesar disso, Ribeiro acabou pedindo demissão do cargo.

As suspeitas de interferência nas investigações sobre o ex-ministro foram levantadas pelo Ministério Público Federal (MPF), que acompanha o caso.

Segundo o órgão, foram interceptadas ligações de Milton Ribeiro ao longo das investigações em que ele revela o temor de ser alvo de uma operação da PF.

Em uma chamada com um familiar, Ribeiro menciona uma conversa em que alguém teria manifestado essa preocupação.

"Não! Não é isso... ele acha que vão fazer uma busca e apreensão... em casa... sabe... é... é muito triste. Bom, isso pode acontecer, né? Se houver indícios, né...", diz em um trecho do áudio interceptado pela PF.

Por causa dessas suspeitas, o MPF pediu que parte dos autos fosse enviada ao STF para apurar se houve interferência de Bolsonaro no caso.

O MPF pediu que parte do caso fosse enviado ao STF porque, por ser presidente e pela suposta interferência ter ocorrido durante o seu mandato, o foro para que Bolsonaro seja investigado é o STF.

As suspeitas são de que informações sobre a investigação podem ter sido vazadas para Ribeiro.

A transcrição do diálogo faz parte da decisão do juiz federal Renato Borelli, responsável pelo caso na primeira instância, ao atender o pedido do MPF.

As suspeitas de interferência levantadas pelo MPF no caso envolvendo Ribeiro não foram as únicas desde a deflagração da operação.

Na quinta-feira, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem apontando que o delegado da PF responsável pela investigação sobre o ex-ministro, Bruno Calandrini, teria enviado uma mensagem de texto a colegas da corporação dizendo que não teria tido autonomia e independência para conduzir o caso.

Segundo a mensagem, o fato de Milton Ribeiro não ter sido levado diretamente a Brasília após a prisão, como estava previsto, mostraria que teria havido interferência.

Após a publicação da reportagem, a PF divulgou uma nota informando que abriu um procedimento para investigar as alegações feitas pelo delegado.

Suspeitos soltos

Na quinta, o TRF1 ordenou que o ex-ministro da Educação e os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura fossem soltos.

A informação do habeas corpus concedido pelo desembargador Ney Bello foi confirmada pela BBC News Brasil.

Na decisão, Bello afirmou que o Ministério Público defendeu que fossem adotadas medidas cautelares que não fossem a prisão.

"O próprio órgão acusador ofereceu parecer contrário às prisões, o que demonstra claramente a desnecessidade, pois quem poderá oferecer denúncia posterior ou requerer arquivamento acreditou serem desnecessárias e indevidas as detenções", diz o texto.

Bello disse ainda que o ex-ministro não teve acesso ao processo judicial e que isso torna a prisão ilegal.

"Num Estado Democrático de Direito ninguém é preso sem o devido acesso à decisão que lhe conduz ao cárcere, pelo motivo óbvio de que é impossível se defender daquilo que não se sabe o que é."

"Assim, a defesa - para ser ampla - precisa ser efetiva durante a instrução processual e isto só é possível se ela tiver conhecimento daquilo que já conhece o órgão acusador e foi utilizado na construção da própria imputação penal pelo magistrado a quo."

O ex-ministro foi preso pela Polícia Federal (PF) na manhã de quarta-feira. Além de Ribeiro, os dois pastores são suspeitos de operar um "balcão de negócios" no Ministério da Educação (MEC) e na liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). A operação foi batizada de Acesso Pago.

Todos os investigados negam qualquer envolvimento em irregularidades.

O FNDE é um órgão ligado ao MEC e controlado por políticos do chamado "Centrão", bloco político que dá sustentação ao presidente Jair Bolsonaro. Esse fundo concentra os recursos federais destinados a transferências para municípios.

A ação investiga a prática de "tráfico de influência e corrupção para a liberação de recursos públicos" do FNDE.

No mandado de prisão de Ribeiro, o juiz Renato Borelli, da 15ª Vara Federal em Brasília, enumera os crimes investigados e que teriam sido cometidos pelo ex-ministro: corrupção passiva, prevaricação, advocacia administrativa e tráfico de influência.

CPI

O senador Randolfe Rodrigues (Rede) afirmou que reuniu as assinaturas necessárias para a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do MEC.

"Vamos passar a limpo o #BolsolaodoMEC e demais escândalos de corrupção desse governo na Educação!", disse ele em sua conta no Twitter.

No entanto, a base governista no Senado vai atuar para travar a CPI. O principal argumento usado até agora é que existem outras investigações aguardando para ser iniciadas e que esta fila não pode ser desconsiderada.

*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil


Folha de S. Paulo: Evangélicos liderados por Malafaia vão a Bolsonaro para dar recado anti-Lula

A ideia dos líderes religiosos é oferecer apoio espiritual ao presidente em um período turbulento do país

Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo

Silas Malafaia checa o Grupo Aliança, que reúne no WhatsApp nomes conhecidos do pastorado nacional. É quinta (11), dia seguinte ao primeiro discurso que Lula (PT) deu após saber que, ao menos por ora, nenhum empecilho judicial o impede de concorrer à Presidência em 2022.

O pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo tinha compartilhado um vídeo em que desanca a decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, de anular as condenações da Lava Jato contra o ex-presidente.

Estevam Hernandes, líder da Renascer em Cristo e idealizador da Marcha para Jesus, responde com emojis de aplausos, mesma reação de Abner Ferreira, à frente de uma das maiores alas da Assembleias de Deus, a Madureira, e Rina, apóstolo da Bola de Neve.

Malafaia tritura as chances de o petista se reaproximar de pastores que, como ele, foram aliados seus no passado. "Lula está ferrado com os evangélicos!"

Nesta segunda-feira (15), boa parte daquele grupo será recebida no Palácio do Planalto por Jair Bolsonaro: Malafaia, Estevam, Abner, Rene Terra Nova (pastor influente no Norte) e outros. A ideia, dizem, é oferecer apoio espiritual à mais alta autoridade política num período turbulento do país.

Também será uma amostra da resistência que Lula terá com líderes que, exceto um ou outro, alinharam-se em peso ao PT em eleições anteriores.

O mau humor aumentou com a fala do ex-presidente na quarta (10). Um trecho em particular foi mal digerido: "Muitas mortes poderiam ter sido evitadas, muitas mortes. E que o papel das igrejas é ajudar para orientar as pessoas, não é vender grão de feijão ou fazer culto cheio de gente sem máscara, dizendo que tem o remédio pra sarar".

Desde o começo da pandemia, a maioria das denominações argumenta que templos, por ofertarem socorro espiritual em tempos difíceis, devem permanecer abertos, seguindo o protocolo sanitário.

"Lava a boca pra falar da igreja, cachaceiro!!!", publicou em suas redes sociais o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), integrante da tropa de choque de Malafaia no Legislativo. O post ecoou a irritação desses líderes com Lula, que em janeiro de 2020 orientou o PT a melhorar a comunicação com evangélicos.

"Quero até fazer discussão com eles. Quero mostrar quem foi o presidente que mais os tratou com respeito", afirmou à TV do Trabalhador. Na mesma entrevista, brincou que teria até "jeitão de ser pastor, tô de cabelo branco".

Esse canal, contudo, fechou. Ao menos por enquanto.

"A grande maioria dos que apoiaram Lula no passado sofreram grande decepção diante de tanta corrupção e também com as medidas ideológicas que vão contra os nossos princípios", diz o apóstolo Cesar Augusto, fundador da Igreja Fonte da Vida e parte da comitiva que estará com Bolsonaro —alguém que, em sua visão, "soube interpretar os anseios do cidadão comum brasileiro, de todos que valorizam a família, o patriotismo e a fé alheia".

A projeção dos votos evangélicos no segundo turno de 2006, quando Lula venceu Geraldo Alckmin (PSDB), ilustra como a predileção pelo petismo já imperou nesta parcela religiosa do eleitorado: seis em cada dez evangélicos optaram por reelegê-lo naquele ano.

A maré mudou em 2014. Aécio Neves (PSDB) obteve uma leve preferência do grupo contra Dilma (53% a 47%), segundo o Datafolha. O ponto de inflexão começava aí para engatar de vez na vitória de Bolsonaro, quando cerca de 70% dos evangélicos o preferiram a Fernando Haddad (PT).

"Pela primeira vez, quase 100% dos líderes cristãos importantes apoiaram um único candidato. Há uma pequena ala que, independentemente do cenário, estará alinhada aos pensamentos dos partidos de esquerda e consequentemente com Lula", diz Rina, da Bola de Neve.

"Os demais que apoiaram Lula antes não o fizeram por convicção política ou cumplicidade ideológica. Talvez por conveniência, talvez por ignorância."

Para ele, "o fenômeno que ocorre hoje surgiu do fato de estar muito claro e evidente, para esta mesma liderança, a abismal incompatibilidade entre a ideologia marxista e os princípios e valores cristãos".

Em 2018, um áudio de Rina circulou no WhatsApp como se fosse do padre Fábio de Mello. Dizia o pastor que, "quando vejo quem são os inimigos do Bolsonaro, eu falo 'eu tô escolhendo o cara certo para votar'".

À Folha Rina afirma que, desde o resgate das eleições diretas, o Brasil evangélico nunca contou "com um candidato realmente de direita". Até 2018.

pastor Samuel Câmara, também aguardado em Brasília, diz que ladeou com Lula até sua reeleição. Não mais. É mais flexível do que colegas sobre as chances do petista se reabilitar com a liderança evangélica: "Irreversível ou impossível, não. Difícil, sim".

Câmara é presidente da chamada Igreja Mãe das Assembleias de Deus no Brasil, a sede pioneira da denominação, fundada há 110 anos, em Belém (PA).

Questionado se vê alguma margem para conciliação com Lula, responde com um provérbio bíblico: "É mais difícil ganhar de novo a amizade de um amigo ofendido do que conquistar uma fortaleza".

Petistas reconhecem a robustez eleitoral dos evangélicos, mas se dividem sobre como agir. Por um lado, alguns lembram que a maioria desses líderes que hoje defenestram o partido já foram aliados, assim como se juntaram a todos os governos pós-redemocratização.

Ou seja, estariam onde o poder está. E não daria para abrir mão dos fiéis que os escutam —Malafaia sozinho acumula 7,5 milhões de seguidores nas três principais redes sociais no Brasil, não muito atrás dos 9 milhões que Lula soma.

Por outro lado, há quem analise que a ruptura com o PT foi violenta demais para fazer as pazes agora. "Chance zero", diz Marco Feliciano (Republicanos-SP), deputado com trânsito no gabinete presidencial.

Em 2010, ele exaltava Lula como "alguém que desperta a esperança no coração do povo". Hoje diz que não repetirá o erro. "Os evangélicos estarão com Bolsonaro, pois estamos certos de três coisas: a pauta de perversão dos costumes continuará paralisada, teremos um ministro evangélico no Supremo Tribunal Federal e a embaixada brasileira estará em Jerusalém."

As duas últimas são promessas feitas a evangélicos que ainda não se concretizaram ainda no governo atual. Já a agenda conservadora caminha a passos lentos no Congresso.

Feliciano encara como certa a polarização entre Lula e Bolsonaro em 2022. "Todas as demais candidaturas viraram pó, pois é impossível que os dois não estejam no segundo turno."

Malafaia vê o cenário com mais cautela: "[Sergio] Moro pode ser um nome a despontar . A política é muito dinâmica e dá muitas voltas", diz o pastor que, em 2002, chegou a aparecer na propaganda eleitoral de Lula.