passar a boiada

Mais uma boiada pode passar na Amazônia com a aprovação do PL 313/2000

Júlio Barbosa e Dione Torquato*

O conceito da Reserva Extrativista (Resex) é original e inovador. Formalizou a ideia de uso sustentável dos recursos naturais antes da Rio 92 quando, pela primeira vez, o mundo passou a redefinir os objetivos do desenvolvimento com respeito ao meio ambiente. Bem diferente do que acontece com a maioria das políticas públicas, que são elaboradas em gabinetes burocráticos e impostas à população, a Resex foi formulada por comunidades tradicionais da Amazônia.

Territórios protegidos que visam resguardar os meios de vida e a cultura de populações tradicionais, a Reserva Extrativista já se mostrou eficiente na proteção e uso sustentável dos recursos naturais e na segurança fundiária das famílias residentes, com diminuição dos conflitos violentos ao longo da fronteira de expansão. Apesar do sucesso, está em análise na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 313/2000 que propõe alterar o art. 18 da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, para adequar a definição de Reserva Extrativista. O objetivo é liberar a criação de “rebanhos de bovinos e bubalinos” – ou seja, “grande número de animais da mesma espécie agrupados e controlados pelo homem”.

A discussão sobre a pecuária nas Reservas Extrativistas tem um significado emblemático com repercussão nacional e internacional para o movimento social e para os governos, responsáveis pela co-gestão dos territórios. Isso porque nas últimas décadas, a atividade pecuária em grande escala é a principal causa do desmatamento na Amazônia. Em várias das Resex localizadas na fronteira agrícola, embora funcionem como instrumentos para contenção do desmatamento de grande escala, a barreira de desmatamento é permeável e a pecuária acaba ganhando importância como alternativa de geração de renda para as populações. A atividade que domina a economia regional reflete nas Resex, que não são ‘ilhas de conservação’ isoladas da dinâmica econômica dominante. Ao contrário, os processos de intensificação da pecuária dentro das Resex são intimamente ligados e complementares à economia pecuária no entorno de cada Resex.

O problema é que a mudança que o PL sugere, poderia tornar o que hoje é exceção, uma regra e ameaçar a existência das Reservas Extrativistas. A diversidade de atividades é essencial para sobrevivência e desenvolvimento econômico em florestas tropicais, o que significa a não especialização e não concentração em uma única fonte de renda. É preciso estimular que o extrativismo seja praticado de forma sustentável nas reservas.

A sustentabilidade nas Reservas Extrativistas está, principalmente, no uso combinado de diferentes atividades baseadas na coleta, extração, cultivo, criação, produção, em diferentes escalas e tempos, combinado a promoção do manejo sustentável dos recursos naturais, a valorização dos produtos do extrativismo e políticas públicas que remunerem o valor dos serviços ambientais fornecidos por estas populações na manutenção das florestas. Mais importante do que a restrição a um tipo de cultivo ou de criação é a forma sustentável como esse recurso é explorado, levando em conta que o avanço de tecnologias e a busca por práticas que assegurem a continuidade do uso dos recursos naturais para as gerações futuras.

É imprescindível a realização da consulta livre, prévia, informada, para que seja debatido com às populações tradicionais extrativistas, moradores das Resexs e suas organizações comunitárias o PL 313/2020. Nenhuma consulta ainda foi feita. É urgente e necessária a realização de um amplo debate com povos e populações tradicionais, para que possam decidir, coletivamente, o melhor para suas vidas e seus territórios de uso comum.

*Júlio Barbosa, presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)
*Dione Torquato, secretário-geral do CNS


Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/mais-uma-boiada-pode-passar-na-amazonia-com-a-aprovacao-do-pl-313-2000/


Afonso Benites: Ricardo Salles aposta na gestão Arthur Lira na Câmara para avançar mineração na Amazônia

Sob pressão com mudança de poder nos EUA, titular do Meio Ambiente afirma que não está preocupado com possível reforma ministerial sinalizada por Bolsonaro

Ricardo Salles tem oscilado entre altos e baixos no Governo Jair Bolsonaro. Apontado por ambientalistas como um representante de ruralistas no Ministériodo Meio Ambiente e visto por alguns diplomatas como um extremista, Salles tenta buscar uma sobrevida para sua permanência na pasta. Para isso, tenta se apoiar no novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) para emplacar projetos caros ao bolsonarismo, que têm potencial para dizimar regiões florestais e que podem prejudicar a sobrevivência de populações tradicionais. Entre essas propostas estão a regularização fundiária de regiões florestais e a que autoriza a mineração em terras indígenas. Ambas têm tudo para avançar sob a gestão Lira.

A primeira sinalização que o ministro fez para a base de apoio bolsonarista foi a de reclamar que, durante a gestão Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrada no início deste mês, pautas governamentais pouco avançaram. Agora, ele diz estar confiante de que a situação será mais favorável ao Governo. “O que nós vimos ao longo desse período que acabou é que nem sequer as discussões podiam ser feitas. Você mandava um projeto de lei ou até uma medida provisória que caducaram no Congresso, e as discussões não aconteciam”, disse Salles em entrevista ao programa Poder em Foco, do SBT, da qual o EL PAÍS participou como convidado.

Sobre seu apoio ao polêmico projeto de mineração em terras indígenas, o ministro diz que gostaria que houvesse regras claras sobre o tema. “A mineração na Amazônia, seja em terra indígena ou fora da terra indígena, qual é a regra que vai ser imposta? Nós estamos desde a Constituição de 1988 aguardando a solução de uma norma que já previa uma regulamentação e esse assunto vai sendo jogado pra baixo do tapete ano após ano. Então é preciso discutir e encontrar um caminho, a solução não é não ter solução”.

Nesta montanha-russa da política, Salles esteve fortalecido com o presidente mesmo após seguidas altas dos índices de desmatamento e de queimadas na floresta amazônica e no Pantanal ao longo de 2019 e 2020. O prestígio decaiu depois que, em março do ano passado, foi filmado em reunião ministerial dizendo que o Governo deveria aproveitar a pandemia para “passar a boiada” no afrouxamento de regras ambientais. Ficou um tempo fora das manchetes jornalísticas depois desse episódio. Mais recentemente, voltou a ter seu nome em destaque quando Joe Biden venceu Donald Trump na disputa presidencial dos Estados Unidos e vários analistas apostaram que ele seria demitido.

Manteve-se no cargo porque Bolsonaro estava irritado com seu vice, Hamilton Mourão, que comanda o agora esvaziado Conselho Nacional da Amazônia. O presidente queria ter alguém para se contrapor ao general. Mourão é visto por alguns bolsonaristas como uma ameaça a Bolsonaro, que já acumula mais de 60 pedidos de impeachment. Essa queda de braço tem sido vencida pelo ministro, por enquanto, já que os militares subordinados indiretamente ao conselho deixarão de atuar na fiscalização da região amazônica nos próximos dois meses.

O curioso é que o mesmo Centrão que pode dar sobrevida a Salles com o prestígio junto a Lira é o grupo que pode derrubá-lo, em busca de nacos de poder na Esplanada dos Ministério. O nome de Salles juntamente com o do chanceler Ernesto Araújo, volta a ser apontado como um dos próximos a ser demitido numa iminente reforma ministerial realizada para acomodar políticos do fisiológico Centrão. “O cargo é do presidente (...) Eu não estou preocupado se vai ter reforma, se não vai ter reforma”, disse no programa do SBT.

Primeira reunião com representante de Biden

Ao mesmo tempo em que tenta, mais uma vez, se equilibrar no cargo, Salles busca demonstrar institucionalidade e proatividade. No último dia 18, Salles e Ernesto Araújo se reuniram pela primeira vez, por videoconferência, com o secretário de Estado americano, John Kerry. Na ocasião, levaram uma proposta ao homem forte da área ambiental de Biden na qual pediam mais dinheiro para a proteção ambiental. Segundo interlocutores, o Governo americano não discordou da proposta. Apenas sinalizou que alguma compensação financeira poderia ser apresentada nos próximos meses. A proximidade entre Bolsonaro e Trump, e as declarações de apoio feitas pelo brasileiro antigo presidente americano por ora, tem criado barreiras entre a cúpula dos dois Governos.

A busca de Salles por mais recursos tem várias razões. Uma delas: em 2021, o Ministério do Meio Ambiente se deparará com um de seus menores Orçamentos das últimas décadas. O resultado prático disso será a redução de fiscalização, que está cada vez menor, e o enxugamento administrativo. Ainda assim, mesmo com menos recursos, desde que Bolsonaro chegou ao poder o país abriu mão de receber doações da Noruega e da Alemanha por meio do Fundo Amazônia. Atualmente, há 40 projetos de proteção ambiental com 1,4 bilhão de reais parados nas contas porque Bolsonaro e Salles decidiram alterar as regras de gestão desses recursos. A razão é ideológica. “Ao invés de mandar o dinheiro para projetos e ideias que não necessariamente o governo concorde, dissemos que queríamos ter maior participação nisso e os doadores, Noruega e Alemanha, não concordaram”, justificou-se o ministro.

Como alternativa para suprir esses recursos, Salles disse que o Brasil busca convencer os países ricos a doarem mais para a proteção ambiental. A contrapartida brasileira seria antecipar de 2060 para 2050 o prazo em que se zeraria as emissões de gás carbônico no país. A conta sairia cara para os países ricos, entre eles, os Estados Unidos: 10 bilhões de dólares por ano (algo em torno 53 bilhões de reais). “Pedimos cem Fundos Amazônia por ano”, afirmou na entrevista, gravada no último dia 10.