Partidos
Portal PPS: Em lançamento de manifesto, lideranças afirmam que Brasil precisa se unir para evitar desastre político
No evento, Roberto Freire alertou que o País precisa superar o "nós contra eles"
O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, advertiu os presentes ao lançamento do “Manifesto por um Polo Democrático e Reformista”, nesta terça-feira (05), para a preocupação de, ao reunir forças nessa iniciativa, não se criar inimigos também. “Temos que superar a ideia que, infelizmente, tomou conta do Brasil, do nós contra eles”, afirmou, ao discursar na solenidade, que ocorreu no Salão Verde da Câmara dos Deputados. “Estamos fazendo uma opção política, não criando inimigos”, insistiu.
Segundo o presidente do PPS, se vai haver apenas um candidato representando o espectro que se formou em torno das ideias do manifesto, “só o processo vai dizer; mas hoje demos o primeiro passo”. Freire sugeriu uma reunião com os partidos políticos para discutir com os candidatos, levando o manifesto. “Será passo a passo. Se não conseguirmos, algo de importante daqui sai: tem que ter pacto de não-agressão, tem que ter compromisso com princípios fundamentais da República, das instituições republicanas, da democracia, das liberdades, coisa que o bolsonarismo e o lulopetismo não têm”.
Cristovam alertou para risco dos brasileiros escolherem entre o desastre e a catástrofe
O senador Cristovam Buarque (PPS-DF) foi quem elaborou, junto com o secretário-geral do PSDB, deputado Marcos Pestana (MG), o texto do manifesto. Cristovam disse que o que trazia ele e aqueles que “não estão nos extremos populista e autoritário” a lançar o documento era a percepção do processo de desagregação do tecido social brasileiro. “Basta ver o incêndio de ônibus na semana seguinte a uma greve de caminhoneiros”. Além dessa desagregação, disse, há um vácuo político. “É um cenário terrível. Não seria assim se a sociedade brasileira pudesse ir às urnas com esperança, mas ela vai com raiva, que não é uma boa conselheira das urnas”, acrescentou. Para ele, o perigo é o brasileiro ter que escolher entre catástrofe e desastre.
“Por isso, estamos aqui, lançando esse apelo aos candidatos que têm compromisso social, espírito democrático e responsabilidade econômica; que não são autoritários, nem fecham os olhos à nossa população”, declarou Cristovam. A ideia, definiu, é sugerir aos candidatos com esse perfil que se unam, escolham entre eles um candidato para que o Brasil possa ter uma campanha com esperança. “A bola está com os candidatos, mas vamos querer estar junto deles para ver como fazem o gol, não para fazer pressão, mas para conversar, parlamentar”. O senador acrescentou que os presidentes de partidos e os parlamentares também são importantes no projeto. “Quem sabe esse manifesto tenha uma consequência, de unir os que não são extremos”.
O deputado federal Rubens Bueno (PPS-PR) disse que a escolha de um candidato de vários partidos pode evitar o que ocorreu na eleição de 1989, quando foi eleito Fernando Collor de Mello. “A história quando se repete o faz como tragédia. Não podemos deixar que ela nos abata”. Ele informou que há alguns meses um grupo de parlamentares vem discutindo a criação do polo democrático.
Bueno se disse preocupado com a crise econômica, política e social que o país atravessa. “Temos que dar a resposta, encontrar um nome que possa reunir vários outros e seus respectivos partidos e então ver quem vamos apoiar com um programa consistente, a começar da liberdade e da democracia”.
A deputada federal Carmen Zanotto (PPS-SC), que também assinou o documento, disse que “o manifesto é uma contribuição inicial importante para deslanchar o debate em torno do que queremos para o nosso País”.
Veja abaixo a íntegra do manifesto.
“POR UM POLO DEMOCRÁTICO E REFORMISTA
O Brasil vivenciou recentemente uma das maiores crises de sua história com múltiplas faces que interagem e se retroalimentam. Instabilidade política aguda, recessão econômica profunda, estrangulamento fiscal, corrupção endêmica e institucionalizada, radicalização em um ambiente social marcado pela desesperança, a intolerância e o sectarismo, conflitos e desarmonia entre os poderes republicanos. Faltam pouco mais de quatro meses para as eleições presidenciais. É uma oportunidade rara e única de recolocar o país nos trilhos, desenhando uma trajetória de retomada dos valores fundamentais da ética, do trabalho, da seriedade, do espírito público e dos compromissos com a liberdade, a justiça social e o desenvolvimento sustentável.
A eleição de 2018 se apresenta talvez como a mais complexa e indecifrável de todo o período da redemocratização. Existem ameaças e oportunidades, interrogações e expectativas, perplexidades e exigências da realidade povoando o ambiente pré-eleitoral.
Tudo que o Brasil não precisa, para a construção de seu futuro, é de mais intolerância, radicalismo e instabilidade. Para nos libertarmos dos fantasmas do passado, superarmos definitivamente a presente crise e descortinarmos novos horizontes é central a construção de um novo ambiente político que privilegie o diálogo, a serenidade, a experiência, a competência, o respeito à diversidade e o compromisso com o país.
É neste sentido que as lideranças políticas que assinam este manifesto conclamam todas as forças democráticas e reformistas a se unirem em torno de um projeto nacional, que a um só tempo, dê conta de inaugurar um novo ciclo de desenvolvimento social e econômico, a partir dos avanços já alcançados nos últimos anos, e afaste um horizonte nebuloso de confrontação entre populismos radicais, autoritários e anacrônicos.
Esta iniciativa, e isso é vital para seu sucesso, deve agregar, de forma plural, liberais, democratas, socialdemocratas, democratas cristãos, socialistas democráticos, numa discussão franca e aberta, sobre os nossos atuais dilemas e os caminhos para a construção do futuro desejado para o Brasil.
Este projeto nacional, visando à construção da necessária e urgente unidade política nas eleições, não deve ser obra de uma dúzia de líderes políticos e intelectuais. Para pavimentar o caminho da unidade terá obrigatoriamente de ser obra coletiva, envolvendo partidos políticos, lideranças da sociedade civil e todos aqueles que pensam o Brasil fora do paradigma autoritário, populista e atrasado.
Os que assinam esse manifesto lançam, como contribuição inicial ao debate e ao esforço coletivo que poderá ser desencadeado, pontos essenciais que podem gerar consensos progressivos em torno da agenda nacional e dos avanços necessários, a partir de uma perspectiva democrática e reformista. Vão aí ideias iniciais para alimentar o debate:
1) A defesa intransigente da liberdade e da democracia como caminho para a construção do futuro do país, com o fortalecimento das instituições republicanas em sua harmonia e independência, dos direitos individuais e das minorias e da reforma profunda do sistema político com vistas a recuperar os laços perdidos com a sociedade brasileira, erguendo um sistema de representação efetivo submetido a controles sociais eficientes e com suas relações com a população presididas pela transparência e a participação.
2) A luta contra todas as formas de corrupção, seja no comportamento de servidores públicos, seja na definição de prioridades que não reflitam o interesse público.
Reafirmamos o compromisso inflexível com a ética e a honestidade. Tornar cada vez mais público e transparente o espaço público. E desencadear um processo profundo e irreversível de avanços institucionais na consolidação dos mecanismos de controle internos, externos e sociais.
3) Prioridade absoluta para a transformação inadiável de nosso sistema educacional como elemento central do desenvolvimento nacional na era do conhecimento e da inovação. Todos os esforços governamentais devem ser voltados e a mobilização da sociedade deve ser concentrada no desenvolvimento da educação na primeira infância e na qualificação do ensino fundamental. Esse é o principal desafio brasileiro. Não adianta universalizar sem qualidade. É preciso democratizar as oportunidades garantindo às crianças e aos jovens brasileiros o acesso ao conhecimento e aos valores necessários para enfrentarem as demandas da vida contemporânea, preparando-os para a cidadania e para uma inserção inclusiva no mundo da produção. Devem merecer atenção especial ainda o combate à evasão escolar no ensino médio, o fortalecimento do ensino técnico e a inserção das Universidades no esforço de desenvolvimento nacional. Se é verdade que saúde e segurança defendem a vida, só a educação de qualidade pode transformar a vida, combinada com estratégias inteligentes, criativas e eficazes de desenvolvimento científico e tecnológico. Sem isso o Brasil perderá mais uma vez o “bonde da História”.
4) A busca incansável do equilíbrio fiscal, sem o que não se sustentarão os atuais baixos patamares de inflação e da taxa de juros e não serão recuperadas a qualidade e a efetividade das políticas públicas essenciais. Isto passa inevitavelmente pela Reforma do Estado, com a diminuição do tamanho da máquina estatal, com ganhos de eficiência e produtividade, fechando as portas para o clientelismo, o patrimonialismo e a corrupção. Este esforço deve ser presidido por um grave sentimento de priorização na alocação dos escassos recursos públicos privilegiando os setores essenciais da educação, saúde, segurança pública, moradia, saneamento, inovação científica e tecnológica e combate às desigualdades regionais e pessoais de renda. O Estado deve cuidar dos trilhos, liberando as energias da sociedade, da iniciativa privada, dos indivíduos empreendedores, que devem assumir o comando da locomotiva. O Estado deve ser menos fazedor e mais indutor, regulador, coordenador, catalizador das energias da sociedade. O estímulo aos empreendedores da indústria, do agronegócio e do setor serviços deve se dar dentro de novo marco, onde a intervenção estatal deva ser seletiva e muito bem calibrada, e sempre calcada em diretrizes universais, longe da concessão de benesses aos “amigos do Rei”.
5) A reconstrução de nossa Federação, com uma radical descentralização, fortalecendo o poder local e regional num país de dimensões continentais. A clara definição dos papéis a serem desempenhados por cada uma das três esferas de poder é urgente. Assim como a correta e equilibrada distribuição das receitas oriundas dos impostos pagos pela população.
6) A mudança estrutural de nosso sistema tributário tornando-o mais simples, justo, desburocratizado e eficiente. Não é possível mais conviver com um sistema tributário irracional, regressivo e inibidor do crescimento econômico. O ajuste fiscal não pode se dar com o aumento da já alta carga tributária. A reforma tributária deve ser elemento central na agenda do aumento da competividade e da produtividade nacional.
7) Reformar nosso sistema previdenciário injusto e insustentável. Precisamos de um sistema único que elimine privilégios e assegure o equilíbrio atuarial, sob pena de colocarmos em risco o pagamento de aposentadorias e pensões no curto prazo e impedir o necessário equilíbrio das contas públicas.
8) Incentivo radical à promoção da ciência e tecnologia, fazendo o Brasil caminhar para ser um país líder nessas áreas, utilizando-se o potencial das universidades e centros de pesquisas públicos e privados.
9) O combate a todas as formas de autoritarismo e populismo. A demagogia e atitudes hostis à vida democrática devem definitivamente ser afastadas do cenário nacional. À direita, se esboça o surgimento de um inédito movimento com claras inspirações antirrepublicanas e antidemocráticas. À esquerda, uma visão anacrônica alimenta utopias regressivas de um socialismo autoritário e antidemocrático e de um Estado intervencionista e onipresente. A união das forças do polo democrático e reformista é essencial para que o futuro do país não seja espelhado em experiências desastrosas como a vivenciada pelo povo venezuelano ou projetos que pareciam já arquivados de inspiração protofacista.
10) A defesa de um alinhamento internacional que resgate, como vem sendo feito recentemente, as melhores tradições do Itamaraty, com uma política externa que privilegie os verdadeiros interesses nacionais, e não ultrapassadas e equivocadas identidades ideológicas. As ações multilaterais e bilaterais têm que ser dosadas com o necessário pragmatismo e com vistas a resultados concretos para o desenvolvimento nacional, mas tendo como pano de fundo o inarredável compromisso com a democracia, aqui e lá fora. É inadiável e inevitável a abertura externa de nossa economia.
11) Uma postura firme no setor de segurança pública baseada no princípio de tolerância zero com o crime organizado. Ações de inteligência, prevenção, repressão, mobilização social e integração no âmbito do recém-criado Sistema Único de Segurança Pública, devem devolver a paz às cidades e ao campo e garantir a cada cidadão os seus direitos fundamentais de ampla convivência na sociedade.
12) Aprofundar o esforço de qualificação do Sistema Único de Saúde, assegurando os direitos constitucionais de cidadania ao acesso a uma saúde de qualidade, avançando na reestruturação do padrão de financiamento, aprimorando o pacto federativo setorial, definindo claramente a carteira de serviços e o padrão de integralidade a serem ofertados à população, o uso intensivo de ferramentas tecnológicas na gestão e regulação do sistema, o aumento da resolutividade da atenção primária e a reestruturação do mercado de trabalho no setor.
13) Adotar soluções criativas e eficazes na moradia e no saneamento, aprendendo com a experiência acumulada pelo “Minha Casa, minha vida” e democratizando o acesso da população à agua tratada, à coleta de esgoto e lixo e ao tratamento dos resíduos. Os índices de exclusão social no saneamento básico no Brasil são inaceitáveis em pleno Século XXI.
14) Empreender esforços para a concretização de uma profunda reforma política que aproxime a representação política das bases da sociedade, aumentando a participação e os controles sociais, barateando seu funcionamento e coibindo a influência do poder econômico, aumentando a transparência e aprimorando o ambiente para uma governabilidade centrada em um programa de governo e não na velha e esgotada fórmula de convivência baseada nas trocas de cargos e verbas por votos, muitas vezes com feições nada republicanas.
15) Defesa de uma perspectiva de desenvolvimento sustentável, com o estímulo à produção de biocombustíveis e fontes renováveis de energia, paralelo à necessária exploração de nossa vocação petrolífera. Modernização da atividade de licenciamento ambiental, por um lado, assegurando rigor na defesa do meio ambiente, por outro, desburocratizando e dando maior celeridade às licenças. Defesa de nossos diversos ecossistemas combinando um bom regramento na sua conservação com as atividades
produtivas que garantem a criação de emprego e renda. Empreender um enorme esforço na educação ambiental e investir em tecnologias que possibilitem a despoluição de nossos cursos d’água, do ar que respiramos e da terra onde vivemos e produzimos nossa existência.
16) O fortalecimento da administração pública, com a modernização de suas estruturas e processos, com base nos princípios da profissionalização, da eficiência, da transparência e da meritocracia. A gestão por resultados deve ser permanentemente perseguida e a qualidade no gasto público, verdadeira obsessão.
17) Por último, o objetivo central que deve mover-nos no novo ciclo que se iniciará a partir das eleições, para o qual convergem todas as diretrizes anteriores: o combate sem tréguas à miséria, à pobreza e às desigualdades sociais e regionais, graças à elevação da produtividade e à melhoria da distribuição de renda, além da garantia de acesso aos bens e serviços essenciais a todos que necessitam. Consciência de que tanto o aumento da produtividade como a distribuição de renda decorrem diretamente da universalização da educação de qualidade, assegurando a marcha para que, um dia, os filhos dos mais pobres tenham acesso à escola com a mesma qualidade dos filhos dos mais ricos brasileiros. As estratégias inclusivas devem sempre visar à emancipação do cidadão, a promoção de cidadania plena para todos e a mínima dependência do cidadão em relação à tutela estatal, embora programas de transferência de renda sejam fundamentais para o combate emergencial à miséria. Aprimorar programas de assistência social, dando-lhes caráter transformador. Um exemplo é o Bolsa Família, que deve ser mantido, recuperando seu caráter educacional de quando foi criado com o nome de Bolsa Escola, reunindo propósitos de transferência de renda e garantia de acesso de todos à educação de qualidade.
É com este espírito, com o coração carregado de patriotismo, a noção clara da urgência e o sentimento que o Brasil é muito maior que a presente crise, que os signatários deste manifesto têm a ousadia de propor a união política de todos os segmentos democráticos e reformistas. Se tivermos êxito, estaremos dando uma inestimável contribuição para afastarmos do palco alternativas de poder que prenunciam um horizonte sombrio, e reafirmarmos nosso compromisso com a liberdade, a justiça e um Brasil melhor.
CRISTOVAM BUARQUE
Senador da República (PPS-DF)
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Presidente da República (1995/2002)
ROBERTO FREIRE
Presidente nacional do PPS
MARCUS PESTANA
Deputado Federal (PSDB-MG)
ALOYSIO NUNES FERREIRA
Ministro das Relações Exteriores (PSDB-MG)
RUBENS BUENO
Deputado Federal (PPS-PR)
MENDONÇA FILHO (DEM-PE)
Ministro da Educação (2016/2017) e Deputado Federal (DEM-PE)
HERACLITO FORTES
Deputado Federal (DEM-PI)
BENITO GAMA
Deputado Federal (PTB-BA)
LUIZ ERNECK VIANNA
Cientista Político
JOSÉ CARLOS ALELUIA
Deputado Federal (DEM-BA)
RAUL JUNGMANN
Ministro da Segurança Pública
DANILO FORTES
Deputado Federal (PSDB-CE)
CARMEN ZANOTTO
Deputada Federal (PPS-SC)
YEDA CRUSIUS
Deputada Federal (PSDB-RS)
SÉRGIO FAUSTO
Cientista Político
MARCO AURÉLIO NOGUEIRA
Cientista Político
ROGÉRIO MARINHO
Deputado Federal (PSDB-RN)
BOLÍVAR LAMOUNIER
Sociólogo e Cientista Político
ROGÉRIO ROSSO
Deputado Federal (PSD-DF)
CELSO LAFER
Jurista e Ministro das Relações Exteriores (2001/2002)
EVANDRO GUSSI
Deputado Federal (PV-SP)
ALBERTO GOLDMAN
Ex-governador de São Paulo
SÉRGIO BESSERMAN
Economista
MARCOS MONTES
Deputado Federal (PSD-MG)
MARCELO MADUREIRA
Engenheiro e Humorista
DARCÍSIO PERONDI
Deputado Federal (MDB-RS)
LUIS SÉRGIO HENRIQUES
Tradutor e Ensaísta
EDUARDO SCIARRA
Deputado Federal (PSD-PR)
ALBERTO AGGIO
Historiador
RUBEM BARBOZA
Cientista Político
VILMAR ROCHA
Deputado Federal (PSD-GO)”
Luiz Carlos Azedo: Pintados para a guerra
A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado
O ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Operação Lava-Jato, determinou a investigação dos repasses milionários de recursos da J&F para políticos do MDB, principalmente do Norte e Nordeste, na eleição de 2014, ou seja, na reeleição da presidente Dilma Rousseff, irrigando com recursos financeiros seus palanques regionais. São os mesmos políticos “golpistas” que depois apoiaram o impeachment da petista, mas já se reaproximaram do PT nas coligações regionais dos seus respectivos estados. Os repasses somam mais de R$ 40 milhões.
Segundo a procuradora-geral, Raquel Dodge, as investigações serão feitas com base nas delações premiadas do ex-senador Sérgio Machado, que presidiu a Transpetro, e de Ricardo Saud, ex-executivo da J&F, e miram os senadores Renan Calheiros (AL), Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR), Eunício Oliveira (CE), Vital do Rêgo (PB), hoje ministro do Tribunal de Contas da União, Eduardo Braga (AM), Edison Lobão (MA), Valdir Raupp (RO), Dario Bergher (SC) e Roberto Requião (PR). Também serão investigados o ex-ministro da Integração Helder Barbalho (PA), o ex-ministro do Turismo Henrique Alves (RN) e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, que teria determinado os repasses da J&F, a pedido do PT.
A decisão de Fachin amplia o foco da Lava-Jato em relação ao MDB, que estava concentrado no Palácio do Planalto, mas agora chegou à cúpula do Senado, hoje presidido pelo senador Eunício Oliveira. A Casa é um bunker para a legenda, cujo poder no Norte e Nordeste do país deriva muito dessa posição de força em relação ao Executivo, qualquer que seja o presidente da República. Nem mesmo o presidente Michel Temer tem ascendência sobre esse grupo de senadores, que é muito unido. A abertura do inquérito, às vésperas de uma eleição em que os envolvidos disputam a recondução ao Senado ou pretendem concorrer aos governos locais, fragiliza-os eleitoralmente e deve provocar alguma reação política contra o ministério Público Federal (MPF), em linha com a Câmara.
A mais provável retaliação será a tentativa de acabar com o foro privilegiado para juízes e procuradores, restringindo-o aos presidentes dos três poderes da República. Já existe uma articulação para isso na Câmara, que deve ganhar força com o engajamento dos senadores do MDB. Eles influenciam outras bancadas e, também, os deputados federais a eles ligados. A legenda funciona como uma federação de caciques regionais, que operam com maestria a política nos estados. A Lava-Jato é outro alvo desses senadores, que já tentaram inclusive retirar as garantias constitucionais que protegem os juízes em relação às suas sentenças. São todos políticos muito experientes, com grande capacidade de articulação e sobreviventes de várias crises políticas nacionais. Destacam-se, nesse aspecto, Renan Calheiros e Jader Barbalho, que já presidiram o Senado, e Romero Jucá, atual presidente da legenda, que foi líder dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Hoje, é o líder do governo Temer.
Lava-Jato
Há duas polêmicas envolvidas neste caso. A primeira é sobre o foro adequado, já que, no último dia 3, o Supremo decidiu que deputados federais e senadores só terão direito ao foro privilegiado em casos de crimes cometidos durante o mandato e em função da atividade parlamentar. Nesse caso, o Ministério Público argumenta que “há razão suficiente para, neste momento, reconhecer que os fatos ocorridos denotam especial interligação nas condutas atribuídas a parlamentares federais e aos demais envolvidos”. A segunda tem a ver com o fato de que as doações da J&F nas eleições de 2014 precisam ser caracterizadas, pelas investigações, como “solicitações de vantagens indevidas pelos agentes políticos, antes de serem definitivamente entregues, dependiam de prévios interlóquios entre o ex-executivo Joesley Batista e Guido Mantega, ministro da Fazenda à época dos fatos”.
Esses temas vão gerar grandes polêmicas no Supremo Tribunal Federal. De certa forma, o fim das doações privadas de pessoas jurídicas, determinada pela Corte, passou uma régua nesse assunto, mas o passado não pode ser revogado e a linha divisória entre doações legais e lavagem de dinheiro de propina pelos partidos ainda não foi traçada. Há depoimentos de testemunhas, delações premiadas e o fluxo financeiro das transações investigadas, mas a interpretação do Ministério Público Federal precisa ser aceita pelo Supremo, a quem caberá separar o joio do trigo. Ou seja, haverá uma longa batalha jurídica. No plano eleitoral, porém, o desastre é imediato, pois a Polícia Federal terá 60 dias para concluir as investigações e isso significa uma agenda muito negativa às vésperas das eleições.
Não é à toa que os caciques do MDB estão pintados para a guerra. As declarações dos principais investigados dão bem o tom da reação, na qual todos têm uma tribuna livre no Senado para se defender, a começar pelo presidente da Casa: “A narrativa dos delatores é falsa e caluniosa”, disse Eunício Oliveira, que negou ter recebido doações eleitorais de Sérgio Machado, “seu adversário político histórico”, ou do Partido dos Trabalhadores. Jader Barbalho chutou o balde: “Desafio esse marginal internacional, dono da JBS, a provar, de qualquer forma, que eu recebi algum dinheiro dele, por doação oficial ou não”. Todos argumentam que receberam doações legais, devidamente declaradas à Justiça Eleitoral.
http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-pintados-para-guerra/
Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro e Lula
A tática do PT para evitar um desastre eleitoral em 2018 facilita a vida do ex-militar, que consolidou a imagem do antipetista
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou ontem um pedido de liberdade apresentado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, numa votação virtual que está em 4 a 0. Votaram contra o pedido os ministros Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato, e Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandovski. Falta votar o ministro Celso de Mello. Conhecida como Jardim do Éden, porque tem uma maioria de ministros garantistas, que frequentemente concede habeas corpus aos réus, a decisão de ontem é uma pá de cal nas pretensões do petista de concorrer à Presidência da República até que a sua inelegibilidade tenha transitado em julgado no Supremo. Sinaliza que não sairá da cadeia antes da eleição.
No mesmo dia em que Lula sofreu mais uma derrota acachapante na Justiça, seu principal concorrente, o deputado Jair Bolsonaro, foi entrevistado pelos colegas Leonardo Cavalcanti, editor de Política do Correio, e a colunista Denise Rothenburg (Brasília-DF), no programa CB Poder, da TV Brasília. Acompanhado em tempo real no Facebook, a entrevista teve 7,9 mil comentários, 1,7 mil compartilhamentos e 79 mil visualizações, a maioria esmagadora em apoio às declarações do ex-militar (veja o resumo na edição de hoje do Correio) e atacando os dois jornalistas. Qualquer declaração estapafúrdia do entrevistado era veementemente endossada por seus apoiadores. É um fenômeno semelhante ao que aconteceu na eleição de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos, que derrotou a democrata Hilary Clinton. Qualquer desatino de Trump fazia sucesso entre seus eleitores.
Tendo o ex-presidente Lula como inimigo principal, Bolsonaro construiu uma campanha cujas características principais são um discurso duro e reacionário, que agora começa a derivar contra a centro-esquerda, tipo todo mundo é farinha do mesmo saco; segundo, uma agenda focada na segurança pública e de conteúdo conservador nas questões de gênero; terceiro, uma base de apoio radicalizada, que se organizou nas redes sociais e tem poder mobilização onde quer que seu candidato vá. Bolsonaro é um gênio fora da garrafa; não volta mais. Os seus eleitores, digamos assim, não têm vergonha de ser feliz e pensam igualzinho ao seu candidato.
Há pelo menos duas razões robustas para o enraizamento da candidatura de Bolsonaro, ambas têm a ver com os governos Lula e Dilma Rousseff. A primeira é o hegemonismo petista no campo da esquerda, que passou a ser sinônimo de incompetência e corrupção. Quanto mais o PT desqualifica os demais partidos de esquerda, mais fortalece essa tendência. A segunda é a captura dos governos petistas pelo patrimonialismo, o fisiologismo e a corrupção, o que agora permite que o foco de Bolsonaro derive com força para a questão ética, no estilo do velho “udenismo”. De certa forma, a antiga oposição também preparou o terreno para isso, embora agora também esteja em chamas.
Alianças
De certa maneira, a tática desesperada adotada pela cúpula do PT para evitar um desastre eleitoral em 2018 com a inelegibilidade de Lula, mantendo sua candidatura inviável, mesmo que o líder petista já esteja preso, facilita a vida de Bolsonaro, que consolidou a imagem do anti-Lula. E acaba complicando a vida do próprio PT, porque abre espaço para a transformação de um dos demais candidatos no anti-Bolsonaro. Essa será a corrida do primeiro turno, entre Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), à esquerda, Geraldo Alckmin (PSDB) e Álvaro Dias (Podemos) e Rodrigo Maia (DEM), mais ao centro; descartada a candidatura de Joaquim Barbosa (PSB), que desistiu da disputa antes mesmo de entrar, embora já aparecesse nas pesquisas como um grande azarão da eleição.
O grande problema de Bolsonaro é que o discurso contra tudo o que está aí tem um preço: o isolamento político, que pode ser fatal por causa do tempo de televisão. Nas redes sociais, Bolsonaro vai muito bem, obrigado; na tevê aberta, porém, será um fiasco. Nesse aspecto, contudo, está no mano a mano com a Marina. O problema é o que pode acontecer se essa desvantagem estratégica, em termos de televisão, se mantiver como nas eleições passadas. Bolsonaro pode minguar e os candidatos com mais tempo de televisão, crescer.
Essas são as grandes apostas de Alckmin e Maia. O primeiro começa a se reaproximar do MDB, apesar do ônus que isso pode trazer num momento em que o presidente Michel Temer e seus principais auxiliares são a bola da vez da Operação Lava-Jato. O segundo tenta uma aproximação com o Solidariedade e o PP, o que lhe daria uma bancada numerosa e barulhenta na Câmara e paridade estratégica com Alckmin em termos de tempo de televisão.
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Luiz Carlos Azedo: Música para profissionais
Desta vez, a esfinge é que foi devorada. Com a saída de Barbosa, que seria o grande outsider nas eleições deste ano, o jogo voltou a ser exclusivamente dos políticos, com seus defeitos e qualidades
Já virou lugar-comum a frase famosa do compositor e maestro Antônio Carlos Jobim: “O Brasil não é para principiantes”. Serve como uma luva para a decisão do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa de não concorrer à Presidência da República. O ex-ministro, depois que se filiou ao PSB, apareceu em todas as pesquisas como um candidato competitivo, mas em nenhum momento anunciou a candidatura. Nem a cúpula do PSB. Ontem, pelo Twitter, comunicou a desistência; os governadores do PSB agradecem.
Barbosa é orgulhoso de ter chegado aonde chegou pelo esforço pessoal; nas peladas ou nas sessões do Supremo, não era de levar desaforo para casa. Notabilizou-se como relator do mensalão, a ação penal que levou à cadeia o ex-presidente do PT José Genoíno, o tesoureiro do partido Delúbio Soares e o ex-ministro José Dirceu, entre outros caciques da legenda. Entretanto, não era um antipetista de carteirinha. Não só havia votado no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como se manifestou contra o impeachment de Dilma Rousseff.
A candidatura de Barbosa empolgou os militantes do PSB, mas não seus governadores, principalmente o de Pernambuco, Paulo Câmara; muito menos o de São Paulo, Márcio França, o vice que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin (PSDB) com o compromisso de apoiar o tucano à Presidência. No encontro que teve com a Executiva do PSB, ficou patente a falta de empatia entre os caciques do partido e o jurista cascudo. Fizeram um pacto de não-agressão: Barbosa saiu falando que não havia se decidido ainda e, a Executiva do PSB, que avaliaria a candidatura.
Mesmo assim, o suspense mexeu com o posicionamento dos demais candidatos. As candidaturas de Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e Alckmin foram abaladas. Barbosa também era uma ameaça para Jair Bolsonaro. A seguir, o ex-ministro passou a ser fustigado na mídia e nas redes sociais como se fosse candidato. O questionamento era sobretudo em relação às suas ideias políticas. Grosso modo, Barbosa é um democrata com ideais liberais sobre o Estado, mas muito pouco se sabe sobre o que pensa em relação à economia e à política propriamente dita. Nesse período de lusco-fusco, comportou-se como um grande mudo. E foi muito cobrado por isso.
Barbosa permaneceu assaltado pelas dúvidas em relação à candidatura, em razão de certa ojeriza pela política tradicional, que exige muita inteligência emocional para administrar conflitos, fazer alianças complexas, suportar traições e frustrações de toda ordem. Desta vez, a esfinge é que foi devorada. Com a saída de Barbosa, que seria o grande outsider nas eleições deste ano, o jogo voltou a ser exclusivamente dos políticos profissionais, com seus defeitos e qualidades.
Novo cenário
Ainda há muita indefinição no cenário eleitoral. Até agosto, com uma Copa do Mundo no meio do caminho, muita coisa pode acontecer. Mas algumas tendências já estão mais ou menos definidas. A primeira é a ausência do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do pleito. Preso em Curitiba, dificilmente sairá da cadeia até as eleições. Isso significa que não possa transferir votos para outro petista? Não, ainda tem prestígio eleitoral e conta com a resiliência dos militantes do PT. A insistência em manter sua candidatura, porém, fragiliza a campanha de seu substituto. Aparentemente, Lula está mais preocupado com a sua imagem do que com o desempenho eleitoral do seu eventual substituto. Entretanto, tudo dependerá da cabeça do eleitor.
Uma consequência imediata da não candidatura de Lula é o favoritismo de Bolsonaro (PSL), cuja campanha ganhou características de massa, embora não consiga ampliar suas alianças e tenha pouco tempo de televisão. A mesma coisa acontece, num quadrante à esquerda, com Marina Silva (Rede), que vive o mesmo dilema do isolamento político e da falta do tempo de televisão. Outra tendência é o fortalecimento da candidatura de Ciro Gomes (PDT), que herda os votos de Lula no Nordeste e pode vir a ser um candidato apoiado pelo próprio PT, como alguns petistas importantes já defendem nos bastidores. Álvaro Dias (Podemos) também se fortalece no Sul, avançando pela franja paulista da fronteira do Paraná.
E onde está o centro? A candidatura de Michel Temer à reeleição não passou de sonho de uma noite de verão. Encurralado pela Lava-Jato, o presidente da República não tem como manter o MDB unido em torno de seu nome por causa da impopularidade. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), que também se lançou candidato, não vive o drama da rejeição astronômica, mas também não consegue emplacar a candidatura. Quem resiste é Alckmin, muito mais pelo estoicismo do que pela sua força eleitoral. Fora do Palácio dos Bandeirantes, dedica-se a montar os palanques do PSDB nos estados e tenta uma aproximação com o MDB. A vantagem estratégica que tem na eleição é o tempo de televisão e esses palanques; mas ninguém sabe se isso funcionará como rampa de decolagem na eleição.
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Luiz Carlos Azedo: Revirando o lixo da História
A condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo agir e pensar politicamente, em regime de plena liberdade
Exumei das redes sociais um velho texto (lá se vão três anos) publicado nessas “Entrelinhas” para analisar o colapso do governo Dilma. O título da coluna era “A lata do lixo da História”, o nome de uma peça dos anos 1970 do sociólogo Roberto Schwartz, então professor de teoria literária da Universidade de São Paulo (USP), na qual fazia uma sátira ao regime militar. A expressão “vai para a lata do lixo da História” era muito usada por setores de esquerda na época, servia para menosprezar o papel dos liberais na luta pela democracia; hoje, serve aos liberais que consideram toda a esquerda ultrapassada e não apenas os setores ligados ao PT. É um erro. O Brasil precisa de uma esquerda moderna que dialogue com os liberais para reconstruir o centro democrático.
Essa lembrança veio a propósito do discurso do presidente da China, Xi Jinping, ao comemorar o bicentenário do nascimento de Karl Marx, no Grande Palácio do Povo: “O marxismo, como um amanhecer espetacular, ilumina o caminho da humanidade na sua exploração das leis históricas e na busca da sua própria libertação”. Em resumo, disse que os comunistas chineses precisam voltar às origens. Entretanto, Karl Marx é um dos sujeitos mais mal interpretados de todos os tempos, por esta razão: seus escritos partem do princípio de que a ação política não pode estar descolada do pensamento intelectual.
Após sua morte, em 14 de março de 1883, a teoria de Marx foi simplificada e instrumentalizada para a luta política, inclusive por seu amigo Frederico Engels e seu genro, Paul Lafargue. Social-democratas, socialistas e comunistas usaram sua crítica como estratégia política, mas Marx nunca teve uma fórmula para construir um mundo diferente do capitalismo. Mesmo assim, os conceitos de “valor” e “fetichismo”, suas grandes contribuições à compreensão do capitalismo, perderam espaço e influência para o conceito de “luta de classes”.
Grande exemplo é um livro de Josef Stalin intitulado Problemas econômicos do socialismo na URSS, de 1953, com o qual o líder comunista puxou as orelhas dos economistas da Academia de Ciências: “Por isso, estão absolutamente errados os camaradas que declaram que, uma vez que a sociedade socialista não liquida as formas mercantis de produção, então todas as categorias econômicas próprias do capitalismo deveriam alegadamente ser restabelecidas no nosso país: a força de trabalho como mercadoria, a mais-valia, o capital, o lucro do capital, a taxa média de lucro etc.”
Stálin varreu para debaixo do tapete problemas que mais tarde levaram ao colapso a antiga União Soviética: “Além disso, penso que precisamos igualmente abandonar alguns outros conceitos, retirados de O Capital, no qual Marx procedeu à análise do capitalismo, e que são artificialmente apensos às nossas relações socialistas. Refiro-me, entre outros, a conceitos como trabalho necessário e sobretrabalho, produto necessário e sobreproduto, tempo necessário e suplementar. A conta chegou para Gorbatchov na década de 1990: quando o líder comunista quis retomar a discussão, na Perestroika, o socialismo real já era. Talvez Xi Jinping esteja diante do mesmo debate no seu país, onde os operários são superexplorados e florescem uma nova burguesia e uma robusta classe média.
Parêntesis: na teoria de Marx, valor é aquilo que permite comparar duas mercadorias. A quantidade de trabalho que foi incorporada à mercadoria é que determina o seu valor. Já o fetiche é uma consequência disso: uma cortina que nos impede de ver a mercadoria em si. No caso de um celular, por exemplo, não conseguimos perceber todo o processo produtivo que está por trás da sua fabricação — na China, por exemplo —, mas somente o produto final, como se o aparelho, em si, tivesse vida própria na loja.
Grande jogo
A gênese dos partidos operários é velha tese marxista da centralidade do trabalho na luta política, que parte da ideia de que a contradição entre o trabalho e o capital é o motor da história e o eixo de atuação política do partido, ou seja, a luta de classes. Vem daí o glamour perdido do PT e o fascínio de intelectuais e artistas pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A filósofa alemã Hanna Arendt, uma democrata radical, via nessa concepção que absolutiza o trabalho uma das raízes do totalitarismo. Para ela, a condição humana é dada não pela atividade laboral, um meio de sobrevivência, mas pelo “agir e pensar politicamente”, em regime de plena liberdade, o que tanto o fascismo como o stalinismo não permitiram. Essa crítica “racionalista” hoje faz ainda mais sentido, porque o trabalho humano está sendo substituído pelo “não trabalho” dos robôs e sistemas de inteligência artificial.
A China hoje é o nosso principal parceiro comercial, seguida dos Estados Unidos. Ambos disputam o controle do comércio mundial, cujo eixo se deslocou do Atlântico para o Pacífico. O “grande jogo” da política mundial e a globalização, porém, para muitos setores da esquerda, continuaram sendo vistos na óptica dos velhos paradigmas, ou seja, o inimigo principal é o imperialismo norte-americano; o capitalismo de Estado, após a tomada do poder, é a antessala do socialismo. Não importa que os Estados Unidos sejam uma democracia e a China, uma ditadura. Nunca é demais lembrar que o colapso do governo Dilma se deveu às ideias políticas e econômicas fora de lugar, que apostavam numa aliança com a China, a Rússia, a África do Sul e a Índia como aliados principais, contra os Estados Unidos e a Comunidade Europeia, seguidas por práticas patrimonialistas estimuladas por Lula, que enlamearam toda a esquerda e jogaram as lideranças do PT na cadeia. Todas essas ideias velhas não morreram, estão vivíssimas nestas eleições de 2018. E não na lata do lixo da história.
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Luiz Carlos Azedo: Na rota da Lava-Jato
O eixo da disputa eleitoral deste ano deslocou-se dos problemas que afetam o dia a dia da população — saúde, segurança, educação, transportes, habitação, etc. — para o tema da corrupção
Os fatos mais importantes do dia de ontem, em circunstâncias normais, seriam o embargo das importações de frango de 20 frigoríficos brasileiros pela União Europeia, que representa 35% das nossas exportações do setor, e o decreto assinado pelo presidente Michel Temer que autoriza os estudos para a privatização da Eletrobras, a holding brasileira de energia elétrica. Mas o noticiário foi tomado pela Operação Lava-Jato, que motivou pelo menos meia dúzia de decisões da Justiça, a começar pela concessão de habeas corpus ex ofício ao deputado afastado Paulo Maluf, pelo ministro Edson Fachin, depois de dois dias de sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) só para discutir o caso do ex-prefeito de São Paulo.
O eixo da disputa eleitoral deste ano deslocou-se dos problemas que afetam o dia a dia da população — saúde, segurança, educação, transportes, habitação, etc. — para o tema da corrupção. Por 6 votos a 5, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) negaram o pedido de Maluf, atualmente em prisão domiciliar, para apresentar mais um recurso contra a condenação que sofreu no ano passado por lavagem de dinheiro. O pano de fundo da discussão era a dilatação das possibilidades de recurso e protelação do chamado “transitado em julgado”.
Depois de dois dias de sofisticados debates sobre o processo penal e a Constituição, o assunto foi encerrado como poderia ter começado: “de ofício” (por iniciativa própria), Fachin permitiu ao deputado, em razão do estado de saúde, continuar cumprindo em casa a pena de 7 anos, 9 meses e 10 dias de prisão que se iniciou em dezembro do ano passado. Maluf está internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e corria o risco de ter que voltar para o Presídio da Papuda, em Brasília, para cumprir pena em regime fechado. Ele foi condenado por usar contas no exterior para lavar dinheiro desviado da Prefeitura de São Paulo quando foi prefeito da capital paulista, entre 1993 e 1996.
Quem corre mais risco de voltar para a cadeia é o ex-ministro José Dirceu, que cumpre pena em regime domiciliar, com tornozeleira eletrônica. O ministro Dias Toffoli negou liminar para impedir a volta do histórico líder petista à prisão. Dirceu pretende continuar em liberdade após o julgamento de recurso contra sua condenação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), ontem, no qual teve mantida a pena de mais de 30 anos de prisão. Com a prisão de Lula, é praticamente impossível que isso ocorra.
Em meio a notícias de que a Polícia Federal pedirá a prorrogação do inquérito que investiga a corrupção no Porto de Santos, no qual estão envolvidos amigos do presidente Michel Temer, e de que o ministro Gilmar Mendes já ampliou por 60 dias o inquérito que investiga o senador Aécio Neves (PSDB-MG), o ministro Marco Aurélio Mello assoprou o braseiro das divergências no Supremo. Pediu que o plenário da Corte julgue uma ação sobre prisão após condenação em segunda instância apresentada pelo PCdoB, que pleiteia liminar para impedir a prisão de condenados antes do trânsito em julgado, ou seja, antes de condenação definitiva pelo próprio STF. Na semana passada, pela quarta vez em dois anos, o STF discutiu e manteve a jurisprudência que determina a prisão. Segundo o ministro, porém, o entendimento firmado em 2016 pelo STF poderá mudar em uma nova análise pelo plenário da Corte. E tome Lava-Jato!
Eleições
Fora da agenda oficial, o presidente Michel Temer recebeu, no Palácio do Planalto, o juiz Ali Mazloum, que atua como juiz instrutor do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. É quem o auxilia a ouvir testemunhas e interrogar réus. Nem o Palácio do Planalto nem o magistrado deram informações sobre a conversa. Temer e Mazloum são amigos e fazem parte da comunidade árabe de São Paulo. Hoje, Temer fará um pronunciamento à nação, a propósito do aniversário da morte de Tiradentes: 21 de abril de 1792. Não pretende tratar da Lava-Jato, mas do sucesso de sua política econômica, ancorado nas últimas análises do Fundo Monetário Internacional (FMI).
É a tal história: não se fala de corda em casa de enforcado. O Palácio do Planalto não descarta uma terceira denúncia contra Temer, que poderia ser uma espécie de pá de cal nos esforços do governo para melhorar a aprovação popular. A anunciada candidatura presidencial à reeleição corre risco de ser abatida na pista. Esse não é um problema somente do presidente da República e seu partido, o MDB. O PSDB também vive um inferno astral, com a aceitação da denúncia contra Aécio Neves (PSDB) e o escândalo do Metrô de São Paulo, que estão respingando no ex-governador Geraldo Alckmin, pré-candidato a presidente da República. Mesmo não estando diretamente envolvido na Lava-Jato, o tucano sente o drama da crise ética. Sua candidatura está isolada e não ganha aderência popular.
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Luiz Carlos Azedo: E la nave va
No Supremo Tribunal Federal (STF), seus ministros se digladiam para decidir se concedem a Paulo Maluf (PP-SP), em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso
Parece uma espécie de ópera bufa. Em Porto Alegre, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitaram ontem o último recurso da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra sua condenação a 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, o que levou o advogado do petista, Cristiano Zanin Martins, a qualificar a decisão de ilegal: “Mesmo levando em consideração os fatos analisados pelo TRF-4, colide com a lei e com a Constituição Federal”, disse. Lula está preso em Curitiba e mantém sua candidatura a presidente da República, mesmo estando inelegível.
O protesto do advogado está em linha com a entrevista concedida à rede de televisão do mundo árabe Al Jazeera pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffman (PR), também enrolada na Operação Lava-Jato. Ela denuncia a condenação de Lula, ataca a Justiça brasileira, faz um apelo à solidariedade do mundo árabe, a pretexto de que teria havido um golpe de Estado no Brasil, e afirma que Lula é um preso político. É o caso de perguntar: que tipo de apoio ela está querendo da esquerda árabe, notoriamente ligada ao terrorismo?
Enquanto isso, no Supremo Tribunal Federal (STF), trava-se mais uma batalha ao vivo e em cores entre seus ministros, desta vez para decidir se concedem ao deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP), atualmente em prisão domiciliar, o direito de apresentar mais um recurso contra a condenação que sofreu no ano passado por lavagem de dinheiro. Votaram contra os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux, enquanto Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski manifestaram-se a favor. O julgamento será concluído hoje, quando votarem os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia.
Condenado em maio, o ex-prefeito de São Paulo teve um primeiro recurso negado em outubro pela Primeira Turma do STF. Em dezembro, o ministro Edson Fachin rejeitou um segundo recurso e determinou o cumprimento da pena em regime fechado, mas seu colega Dias Toffoli, a pedido da defesa, concedeu prisão domiciliar a Maluf por razões humanitárias. O episódio é a síntese das divergências na Corte, cujas turmas foram apelidadas pelos advogados de “Câmara de Gás”, a primeira, liderada por Barroso, que manda prender; e “Jardim de Éden”, a segunda, na qual Gilmar é o grande protagonista, que manda soltar.
Caso a Corte derrube a decisão de Fachin, Maluf poderá responder ao processo em liberdade; caso seja recusado, os ministros decidirão se permanecerá em prisão domiciliar ou voltará para o regime fechado. A votação é importante porque pode mudar a jurisprudência da Corte contra os recursos infringentes, ampliando as possibilidades de protelação dos julgamentos e de prescrição das penas. Os políticos enrolados na Operação Lava-Jato, sem distinção, torcem por Maluf.
Cortejo fúnebre
Para os que já estão enfadados de acompanhar os julgamentos, uma boa pedida é ver ou rever o clássico de Frederico Fellini, que empresta o título à coluna. Último grande filme desse mestre do cinema, E La Nave Va foi lançado em 1983, inspirado na mais original criação artística italiana: a ópera. Numa de suas passagens mais antológicas, os passageiros cantam um trecho de La Forza del Destino, de Giuseppe Verdi. Recortes das obras de Bellini, Tchaikovsky e Rossini tecem a trilha sonora, numa homenagem ao compositor Nino Rota, responsável pelas trilhas originais de todos os seus filmes anteriores, que havia falecido.
O navio Glória N. parte com a nata do mundo artístico clássico em direção à Ilha de Erimo, com o propósito de jogar no mar as cinzas da grande diva Edmea Tetua, inspirada em Maria Callas, a célebre cantora grega que foi casada com o magnata Aristóteles Onassis. Matronas fellinianas, palhaços, tenores, sopranos, gente de todas as inclinações sexuais, e uma equipe de jornalismo que registra a viagem, além de um rinoceronte, são os passageiros da nave louca. Acabam surpreendidos pela dura realidade da Primeira Guerra Mundial quando resgatam um náufrago sérvio.
Durante a viagem, as personalidades, os temores e os defeitos dos passageiros são revelados por uma câmera onipresente, que mostra uma verdadeira guerra de egos entre eles. O jornalista ironiza o próprio trabalho: “Dizem: faça a crônica, conte o que acontece… Mas quem é que sabe o que acontece?” A guerra, porém, muda o rumo da história. Os temas da política e da diplomacia roubam a cena com a chegada de mais náufragos. A elite do navio desdenha do que acontece no convés, enquanto os miseráveis observam tudo pelas janelas do salão principal. É uma bela alegoria para o que está acontecendo na política brasileira, às vésperas de mais uma sucessão presidencial.
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Luiz Carlos Azedo: Vinte minutos
Aécio é acusado de pedir propina de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, dono da J&F, em troca de favores políticos; e também de tentar atrapalhar o andamento da Operação Lava-Jato
Uma conversa pelo telefone volatilizou o projeto político do senador Aécio Neves (PSDB-MG) — “tudo o que é sólido se desmancha no ar” —, iniciado há 32 anos, sob a proteção de um dos políticos mais hábeis, probos e sagazes da história republicana, o presidente Tancredo Neves, que faleceu antes de tomar posse. Seu sonho era resgatar o mandato do avô e se tornar presidente da República. Por unanimidade, os cinco ministros da primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa Weber e Alexandre de Moraes, admitiram a abertura de processo contra o tucano por corrupção; por 4 votos a 1, por obstrução de Justiça, graças ao voto contrário de Moraes.
Aécio é acusado pela Procuradoria-Geral da República de pedir propina de R$ 2 milhões ao empresário Joesley Batista, dono da J&F, em troca de favores políticos; e também de tentar atrapalhar o andamento da Operação Lava-Jato. Uma conversa de 20 minutos entre os dois foi gravada pelo empresário. Agora, o tucano é mais um político seriamente enrolado na Operação Lava-Jato, embora sustente que o pedido de dinheiro a Joesley era uma operação pessoal: “Não houve dinheiro público envolvido, ninguém foi lesado nessa operação. O que houve foi uma gravíssima ilegalidade, no momento em que esses empresários, réus confessos de inúmeros crimes, associados a membros do Ministério Público, o que é mais grave, tentaram dar impressão de alguma ilegalidade em toda essa operação, repito, privada, para se verem livres dos inúmeros crimes que cometeram”, disse o tucano em entrevista logo após a decisão.
A aceitação da denúncia era pedra cantada até para o advogado de Aécio, Alberto Zacharias Toron: “Não vejo como um revés. Como nós dissemos e como disse o ministro Luiz Fux, com muita propriedade, neste momento, a decisão se faz pró-sociedade. Então é um momento muito peculiar do processo penal. Na dúvida, não se decide a favor do réu, se decide a favor da sociedade. É isso que o Supremo Tribunal Federal, por sua primeira turma, entendeu. Portanto, vamos aguardar o desenvolvimento do processo”. Como todo político, Aécio acredita em ressurreição: “Não esmorecerei enquanto não provar minha inocência. Vou fazê-lo em respeito à minha vida pública, à minha família e aos milhares de brasileiros, e especialmente mineiros, que confiaram em mim durante 32 anos de mandatos consecutivos”.
Até a divulgação do acordo de delação premiada da JBS, Aécio Neves era a bola da vez na disputa pela Presidência da República. Derrotado por Dilma Rousseff no segundo turno das eleições de 2014, praticamente bateu na trave, com 51 milhões de votos (48,36%). Com o impeachment de Dilma Rousseff, do qual foi um dos artífices, seria um candidato natural às eleições deste ano, com a vantagem de não ter que enfrentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Pau que dá em Chico dá em Francisco”, como disse o ex-procurador-geral da Republica Rodrigo Janot. Aécio caiu na armadilha de Joesley Batista, em condições ainda piores do que as do presidente Michel Temer, que também foi gravado, em conversa tête a tête no Palácio do Jaburu, mas que dá margens a dúvidas quanto à interpretação de seu teor por causa do formalismo institucional, enquanto a do tucano escandaliza pela linguagem mundana, completamente fora do padrão que ele próprio utiliza nas conversas em público.
Lava-Jato
Com a decisão de ontem, já são seis os senadores enrolados na Lava-Jato: Agripino Maia (DEM-RN), Fernando Collor (PTC-AL), Gleisi Hoffmann (PT-PR), Romero Jucá (MDB-RR) e Valdir Raupp (MDB-RO), além de Aécio. As investigações derivadas do escândalo da Petrobras também tiraram da disputa presidencial o senador José Serra (PSDB-SP) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva; quase levaram de roldão o presidente Michel Temer, que escapou de duas denúncias na Câmara e aguarda uma terceira a qualquer momento, mas fazem de seu governo um dos mais impopulares da história. Sobra também para o ex-governador Geraldo Alckmin, que deixou o Palácio dos Bandeirantes para ser candidato a presidente da República, mas não consegue decolar. O tucano não está na Lava-Jato, mas responde à denúncia de uso de caixa dois na Justiça Eleitoral.
A Lava-Jato fez um strike na elite política do país, que ficou desarvorada. Esta é uma variável poderosa do processo eleitoral: a corrupção, ao contrário de eleições passadas, ocupa o primeiro lugar entre as grandes preocupações da população, desbancando a saúde, a educação, a segurança e até o desemprego. O resultado é a roleta-russa na qual se transformou as eleições para a Presidência de outubro próximo, na qual se destacam Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Joaquim Barbosa (PSB), Ciro Gomes (PDT) e Álvaro Dias (Podemos). A histórica polarização entre tucanos e petistas ainda não pode ser descartada, mas, para que isso ocorra, tanto Alckmin quanto o substituto de Lula, provavelmente o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad ou o ex-governador baiano Jaques Wagner, terão que desencabular e se livrar do estigma da Lava-Jato.
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Luiz Carlos Azedo: Falta combinar
O clima na Câmara, após o troca-troca de partidos, é de descompromisso com o Palácio do Planalto, não somente em relação à privatização da Eletrobras
A reestruturação da equipe ministerial, com a substituição dos ministros que se desincompatibilizaram para disputar as eleições, desorganizou a base do governo Temer na Câmara, ainda mais porque o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não esconde de ninguém o desconforto com a indicação de Moreira Franco para o Ministério de Minas e Energia. Soma-se a isso o descontentamento da bancada mineira, que não aceita de jeito nenhum a privatização de Furnas, uma das subsidiárias da Eletrobras.
O clima na Câmara, após o troca-troca de partidos, é de descompromisso com a agenda do Palácio do Planalto, não somente em relação à privatização da Eletrobras, uma prioridade para o governo. “Aqui só passa o que for consensual”, garante o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), vice-presidente da Câmara, um dos insatisfeitos com a reforma ministerial. A agenda subiu no telhado, ainda mais porque o novo ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, não tem o mesmo trânsito nem as mesmas motivações de seu antecessor, Henrique Meirelles, que se filiou ao MDB e também pleiteia a vaga de candidato a presidente da República.
Como as reformas da Previdência e tributária, a agenda microeconômica, cujo objetivo é melhorar o ambiente de negócios, encalhou. Autonomia do Banco Central; marco legal de licitações e contratos; nova lei de finanças públicas; regulamentação do teto remuneratório; reforço das agências reguladoras; depósitos voluntários do Banco Central; redução da desoneração da folha; programa de recuperação e melhoria empresarial das estatais; cadastro positivo; atualização da Lei Geral de Telecomunicações; e extinção do Fundo Soberano — nada disso anda na Câmara.
O governo Temer passa por um momento de inflexão, que frustra as suas próprias expectativas. Os resultados obtidos pela política econômica, principalmente em relação à inflação e à recessão, entre os quais destaca-se a redução da taxa de 6,5% (Selic), não proporcionaram uma melhoria significativa da avaliação do governo. A expectativa era tanta que o próprio presidente da República avançou três casas e se lançou candidato à reeleição. Faltou combinar com os desempregados e a bancada governista.
Lava-Jato
Os parlamentares de um modo geral dão sinais de que estão sentido a pressão do eleitorado em razão da Operação Lava-Jato. E que não estão dispostos a garantir a blindagem do presidente Michel Temer e seus ministros, como aconteceu nas votações das duas denúncias do ex-procurador-geral Rodrigo Janot. Essa situação já foi detectada pelo Palácio do Planalto, que se prepara para a eventualidade de ter que lidar com uma terceira denúncia do Ministério Público contra Temer, em razão da Operação Skala, que investiga a corrupção no Porto de Santos. Por essa razão, a rejeição do pedido de prisão preventiva do advogado e ex-assessor da Presidência José Yunes, do ex-deputado e ex-assessor do presidente Rodrigo Rocha Loures e do coronel aposentado da Polícia Militar de São Paulo João Baptista Lima Filho pela Justiça foi comemorada pelos governistas. Foi um sinal de que uma nova denúncia contra Temer pode morrer na beira da praia, isto é, no Supremo Tribunal Federal (STF).
Ontem, em cerimônia no Palácio do Planalto, Temer conclamou deputados e senadores a usarem a tribuna para fazer a “defesa” dos políticos: “Ao longo desses últimos tempos, vocês sabem que a classe política tem sido muito desvalorizada. E se nós não levantarmos a voz, e aqui eu a levanto, no maior nível possível, e espero que os senhores usem a tribuna a todo o momento para fazer essa defesa”. Quem seguiu à risca o conselho foi a bancada do PT, que saiu em defesa de Lula e atacou Temer, o tucano Geraldo Alckmin e a Justiça.
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Luiz Carlos Azedo: O “imprendível” Lula
O julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Supremo Tribunal Federal (STF) é uma síntese das incertezas que o Brasil vive às vésperas das eleições deste ano, marcadas para outubro. Condenado, em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão em regime fechado, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), Lula é inelegível em razão da Lei da Ficha Limpa (que somente pode ser alterada por emenda constitucional), mas trava uma batalha política para se livrar da execução imediata da pena no Supremo, que suspendeu o julgamento e lhe concedeu salvo-conduto que impede a prisão.
Para usar um neologismo inspirado na frase famosa do também sindicalista Antônio Rogério Magri, que foi ministro do Trabalho no governo Collor de Mello (“o salário do trabalhador é imexível”), o líder petista é o primeiro político condenado pela Operação Lava-Jato “imprendível” até que todo o processo transite em julgado nas quatro instâncias do Judiciário, revogando, na prática, a jurisprudência do próprio Supremo. A consequência imediata é que o ex-ministro da Fazenda de seu governo Antônio Palocci, que está preso, já entrou com pedido de habeas corpus com o mesmo teor no Supremo. Deverão seguir o mesmo caminho os ex-deputados André Vargas (PT-PR) e Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e provavelmente o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ), entre outros condenados da Lava-Jato.
Na quinta-feira passada, Lula obteve uma inequívoca vitória no Supremo ao conseguir, por 7 a 4, que os ministros levassem a julgamento, contra o voto do relator da Lava-Jato, ministro Edson Fachin, o pedido de habeas corpus preventivo para Lula, atropelando decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Como já havia transcorrido mais de quatro horas de sessão e alguns ministros estavam com viagem marcada, o julgamento foi suspenso, como se interrompê-lo fosse a coisa mais trivial. A seguir, por 6 a 5, de afogadilho, os ministros decidiram conceder salvo-conduto para Lula não ser preso enquanto o julgamento não acaba. Agora, basta um ministro pedir vista para o julgamento permanecer inconcluso por longo período e Lula se safar da prisão, jogando por terra toda a jurisprudência da própria Corte.
Decisão do Supremo não se discute, cumpre-se. Essa é a regra de ouro da democracia, sem a qual vai embora seu principal pilar de sustentação, o poder moderador do Supremo. Entretanto, são favas contadas a rejeição do embargo de declaração dos advogados de Lula contra sua condenação pelos desembargadores federais de Porto Alegre; o ato contínuo seria o juiz federal Sérgio Moro determinar a execução imediata da pena. Já que o habeas corpus não foi ainda julgado, o mais sensato será Moro aguardar a decisão do Supremo. Mas vamos supor que não faça isso, que decida pela execução imediata da pena, como manda o rito da jurisprudência vigente, já que salvo-conduto não é habeas corpus? Estará criado um fato político com alto poder de corrosão da imagem do Supremo.
Incertezas
Há muito que a política deixou de ser o monopólio dos políticos, magistrados, diplomatas e militares. Também existe a política dos cidadãos, potencializada pelas redes sociais, um grande teatro virtual, muito mais agitado, movimentado e enganador do que o teatro da política tradicional, cujo palco principal é o Congresso, fórum principal da democracia representativa. A crise ética que o país enfrenta aprofundou o fosso entre a sociedade, que se articula pelas redes, e os partidos políticos, que operam no âmbito do Congresso. Pode ser que isso seja irreversível e, no futuro próximo, se consolide uma natural divisão de trabalho entre a formação da opinião pública, no âmbito das mídias e das redes sociais, e a sua tradução política e institucional pelos partidos no Congresso. Mas é um futuro ideal para a democracia representativa, não é o que acontece.
O divórcio entre a sociedade e o Congresso, por causa das redes sociais, pode se radicalizar ainda mais e se tornar uma ameaça à democracia, como estamos observando no mundo inteiro. Em princípio, não é ainda o nosso caso, já que nossos cidadãos e os partidos têm um encontro marcado nas próximas eleições. E porque o Supremo, mesmo aos trancos e barrancos perante a sociedade, vinha exercendo um papel moderador na crise ética. Entretanto, o julgamento de Lula pode subverter tudo isso, não por causa do habeas corpus, mas por causa de sua desafiadora candidatura a presidente da República, que sustenta nas ruas, como demonstrou com seu périplo pelo Rio Grande do Sul, iniciado no dia de seu julgamento. Lula não se coloca acima da lei, se coloca acima das instituições. Quem mais ganha com isso, porém, é Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
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Luiz Carlos Azedo: Falsa contradição
A tentativa de transformar o caso Marielle numa bandeira partidária e eleitoral está fadada ao fracasso, ainda que empolgue e mobilize setores da classe média e da juventude
Por causa dos 20 anos de ditadura militar, estabeleceu-se uma falsa contradição entre as políticas de segurança pública, contaminadas por métodos violentos e ilegais herdados da repressão à oposição ao regime, e a defesa dos direitos humanos, bandeira empunhada pelos antigos oposicionistas até como uma forma de sobrevivência. Incorporados à Constituição de 1988, de certa forma, esses direitos passaram a ter mais centralidade na atuação das antigas forças oposicionistas do que a defesa das instituições políticas que efetivamente garantiram a redemocratização do país, entre as quais se destacou o Congresso.
A violência generalizada e o colapso da segurança pública no Rio de Janeiro, em parte, são frutos do imbricamento dessa contradição com a corrupção em sucessivos governos e na Assembleia Legislativa fluminense, assim como no Tribunal de Contas do Estado. E não se sabe, ainda, se chegou às entranhas do Judiciário local. Afinal, desde a eleição de Leonel Brizola (PDT), em 1982, foram as antigas forças de oposição que governaram o Rio de Janeiro, ou seja, governos do PDT, do PSDB, do PT e do PMDB.
O fato é que o sistema de poder que controla o Estado foi progressivamente tomado de assalto por políticos e empresários corruptos, a partir de um bunker instalado na Assembleia Legislativa; por sua vez, permitiu-se que o crime organizado se enraizasse no sistema de segurança e se fez vista grossa à ocupação de “territórios” pelo tráfico de drogas, sobretudo nas favelas, e pelas milícias, nos subúrbios. A tentativa de retomá-los pelo Estado, sob a liderança do delegado federal José Mariano Beltrame, com as unidades de pacificação, por ironia e contra seus objetivos, fracassou em decorrência do grau de contaminação do aparelho de Estado, sem embargo da discussão sobre essa política em si.
Especialistas no combate à corrupção costumam usar as cores do trânsito para dividir a burocracia em três categorias: vermelha, formada por corruptos contumazes; amarela, por corruptos eventuais; e verde, os não corruptos. Quando a liderança é corrupta, o amarelo avermelha e o verde pode até amarelar; quando a liderança é incorruptível, o vermelho é que amarela e o amarelo esverdeia. A aposta dos militares que lideram a intervenção federal no Rio de Janeiro é que a mudança de comando no sistema de segurança e sua blindagem em relação aos políticos e empresários corruptos possam ter um efeito regenerador nas polícias Civil e Militar, desde que expurgados os corruptos contumazes.
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), líder comunitária da favela da Maré e do movimento de mulheres negras do Rio, precisa lser visto em dois contextos. De um lado, a necessidade de ultrapassar a velha oposição entre defesa de direitos humanos e a política de segurança; de outro, deixar em segundo plano a disputa entre governo e oposição na hora de identificar o inimigo no combate à violência. Mais do que ineficaz, responsabilizar a intervenção pela morte da vereadora é burrice política.
Todas as investigações até agora apontam em direção às milícias que operam no Rio, uma provocação com o nítido propósito de isolar, desmoralizar e, se possível, intimidar as autoridades, entre as quais o ministro da segurança Pública, Raul Jungmann, e o comandante militar do Leste, general Braga Neto, o interventor. Isso já ocorreu outras vezes, com sucesso. A diferença agora é de correlação de forças, uma vez que essas autoridades, encarregadas de restabelecer a Lei e a Ordem, não estão sujeitas a chantagens. No lugar do aparelho de coerção do Estado tomado pela corrupção, o crime organizado esbarra em instituições que estão a salvo disso, entre as quais as Forças Armadas, o MP e a PF. Ou seja, a provocação pode ter efeito contrário e levar ao desbaratamento da organização criminosa que a promoveu.
Bandeiras
Mas há variáveis culturais e ideológicas que precisam ser enfrentadas. A glamourização da malandragem, o jeitinho, o espírito naturalmente transgressor da população; e o esquerdismo infantil e inconfessável que vê no tráfico de drogas uma espécie de “banditismo social”. A convergência desses elementos leva água para o moinho das forças mais conservadoras, que acreditam no “prendo e arrebento” como forma de resolução dos problemas e até veem nas milícias a força do bem contra o mal. A tentativa de transformar o caso Marielle em bandeira partidária está, por essa razão, fadada ao fracasso, ainda que empolgue e mobilize setores da classe média e da juventude.
O endurecimento das penas e a repressão generalizada ao consumo de drogas não oferecem solução duradoura. Mais eficaz são a educação, o esporte, o empreendedorismo, a legalização do aborto, a recuperação de áreas urbanas e o combate ao comércio ilegal de produtos roubados e aos serviços pirateados. Saídas radicais, à direita ou à esquerda, são vetores da violência. O que une mesmo é a luta pela paz.
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Luiz Carlos Azedo: Execução foi recado
O assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) na noite de quarta-feira, crime que comoveu o país e mobilizou milhares de pessoas no Rio de Janeiro e outras cidades do país, entre as quais Brasília, desafia a intervenção federal no Rio de Janeiro. Não fosse o mandato popular e sua importância na luta contra a violência e em defesa dos direitos humanos, teria a mesma importância dada a outros assassinatos, assim como o de seu motorista Anderson Gomes, também executado. Ou seja, seria apenas um número a mais nas estatísticas de assassinatos não esclarecidos no Rio de Janeiro, estado no qual apenas 11% dos suspeitos de homicídio são denunciados à Justiça.
Marielle e Anderson foram mortos dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, por volta das 21h30 de quarta-feira. Segundo a polícia, bandidos emparelharam ao lado do veículo onde estava a vereadora e dispararam. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça. A perícia encontrou nove cápsulas de balas no local. Não foi latrocínio, foi execução: os criminosos fugiram sem levar nada. O carro onde estava teria sido perseguido por cerca de quatro quilômetros.
“É triste, muito triste, mas essa condição da morte da Marielle não é uma novidade. Basta ver o que aconteceu com a juíza Patrícia Acióli, assassinada em Niterói por combater PMs corruptos. No Brasil é assim: qualquer um que lute contra a corrupção e defenda os direitos humanos está em risco. E as forças de segurança, é claro, não fazem nada”, disse o deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ) no velório da vereadora.
As autoridades evitam declarações sobre as razões do crime, mas o assassinato abriu uma disputa política pela agenda da violência, que vinha sendo um monopólio do governo federal desde a decretação da intervenção. Marielle era contra a medida. O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, assumiu a responsabilidade de acompanhar pessoalmente as investigações.
Banda podre
A investigação está a cargo da Delegacia de Homicídios da Polícia Civil. Não será surpresa se surgir uma versão de que a vereadora foi executada por traficantes. Nos bastidores da intervenção federal, porém, já havia a preocupação com uma possível retaliação da chamada “banda podre” das polícias Civil e Militar. O caso da juíza Patrícia Acióli citado pelo deputado Chico Alencar é exemplar. O assassinato da vereadora, porém, tem todas as características de retaliação política não somente às atividades desenvolvidas por ela contra as milícias e a violência policial. Os mandantes do crime têm plena consciência de que haveria repercussão política nacional e internacional, com poder de desmoralizar o interventor federal, general Braga Neto, e o recém-nomeado Jungmann.
Os dois estão na berlinda, depois de um mês de intervenção federal, com assassinatos diários de inocentes em assaltos, confrontos entre traficantes ou destes com a polícia. As operações diárias do Exército na Vila Kennedy, por exemplo, para retirada de obstáculos instalados nas ruas, e que são recolocados durante a noite, já estavam começando a ser ridicularizadas. Foram compensadas pela prisão de um delegado corrupto e a vistoria do Exército num quartel da Polícia Militar. As autoridades federais estão desafiadas a identificar os criminosos e puni-los exemplarmente.
Numa entrevista, o traficante Antônio Bonfim Neto, de 41 anos, o Nem da Rocinha, que está preso na penitenciária federal de Porto Velho, em Rondônia, ao jornal espanhol El Pais, pôs o dedo na ferida ao apontar associação entre o tráfico de drogas e a banda podre da polícia fluminense. Há um “cluster” de negócios nas favelas do Rio de Janeiro, do qual fazem parte as bocas de fumo, os gatos elétricos, as TVs piratas, a distribuição de gás e o achaque aos comerciantes e empreendedores a título de proteção. No Rio de Janeiro, as agências de coerção do Estado foram capturadas pelo crime organizado a partir do seu vértice, num pacto corrupto e perverso entre os donos do poder e o crime organizado. Será duro desalojá-los.
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