Partidos
Merval Pereira: Redução de partidos
Base do governo deve ser desidratada pelo agrupamento de partidos que hoje fazem parte dela sem grandes convicções
As negociações sobre a reforma constitucional da Previdência, que exige um quorum qualificado de 308 votos na Câmara para ser aprovada, embute uma reformulação partidária que deve acontecer no final do ano, com os partidos preparando-se para a eleição municipal de 2020, quando pela primeira vez serão proibidas as coligações proporcionais.
Haverá um enxugamento do número de partidos políticos, exatamente a intenção da reforma constitucional que impôs também cláusulas de desempenho. A não ser que o Tribunal Superior Eleitoral continue sendo complacente com a criação de novas siglas.
Exatamente 14 dos 35 partidos existentes não cumpriram a cláusula de desempenho exigida pela nova legislação, na eleição de 2018. Patriota, PHS, PC do B, PRP, Rede, PRTB, PMN, PTC, PPL, DC, PMB, PCB, PSTU e PCO entrarão na eleição municipal em desvantagem, com mais dificuldade para continuar existindo. Podem continuar atuando no Congresso, mas sem grandes perspectivas.
Inclusive porque perderam o acesso ao fundo partidário e ao tempo gratuito de rádio e televisão. A cláusula de desempenho tem mais rigidez à medida que as eleições vão acontecendo, até 2030. Os partidos punidos com a perda do fundo partidário e propaganda eleitoral gratuita não tiveram ao menos 1,5% dos votos válidos nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados, distribuídos em pelo menos 1/3 das unidades da federação (9 unidades), com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas.
Também não conseguiram eleger pelo menos 9 deputados federais, distribuídos em um mínimo de 9 unidades da federação, uma exigência alternativa que fez, por exemplo, com que o Partido Novo superasse a cláusula de desempenho.
Nas próximas eleições proporcionais, em 2022, a exigência será maior: só terão acesso ao fundo e ao tempo de TV os partidos que receberem 2% dos votos válidos obtidos nacionalmente para deputado federal em 1/3 das unidades da federação, sendo um mínimo de 1% em cada uma delas; ou tiverem elegido pelo menos 11 deputados federais distribuídos em 9 unidades.
A emenda constitucional em vigor não incluiu a criação das chamadas federações partidárias, que permitiriam que partidos atuassem unidos durante uma legislatura e pudessem disputar os votos conjuntamente. Já a chamada "janela" partidária continua em vigor, o que permitirá que os candidatos mudem de partido seis meses antes das eleições.
Sem tempo de televisão e fundo partidário, os partidos que não cumpriram as cláusulas de desempenho na eleição passada, mesmo com as coligações proporcionais vigorando, ficarão ameaçados de extinção já na eleição municipal de 2020. Por isso, é provável que mudanças de partidos e fusões sejam o tema principal já no final do próximo ano, quando idealmente a reforma da Previdência já tiver sido votada.
A atuação dos partidos durante a votação será um bom indicativo sobre os desdobramentos das negociações partidárias. Existem dois grandes blocos partidários hoje na Câmara, um teoricamente formado pela base governista, que tem 308 deputados, e outro da oposição, com 82 deputados.
Desses dois grupos sairão as prováveis fusões, que já começam a ser negociadas nos bastidores. A base do governo deve ser desidratada pelo agrupamento de alguns partidos que hoje fazem parte dela sem grandes convicções, como PSDB e DEM.
Esses dois partidos devem ser o centro das fusões, formando partidos de centro-direita e centro-esquerda para se confrontar com os atuais polos partidários de extremos representados pelo PSL e o PT. A ideia em circulação entre esses políticos é que é preciso criar alternativas de centro para se contrapor ao radicalismo dos dois partidos que disputaram o segundo turno da eleição de 2018.
Há conversas entre o DEM, o PSDB de João Dória, o PSD de Kassab, e outros para a criação de um partido de centro-direita que, pelas contas iniciais, poderia ter mais de 80 deputados. E o PSDB que não aceita a liderança do governador de São Paulo provavelmente se unirá ao PPS e a outros, como a Rede e o Partido Verde, para oferecer uma alternativa de centro-esquerda.
Se o governo conseguir êxito na sua atuação, é previsível que aumente sua bancada, hoje a maior da Câmara, fortalecendo o bloco da extrema direita. PT e o bloco formado por PDT, Solidariedade, Podemos, PCdoB, PROS, Avante, PV e DC podem se unir parcialmente, embora o PDT pretenda ser o líder da oposição em substituição ao PT. Há quem avalie também que o PSOL pode vir a ocupar esse lugar se tiver uma atuação independente do PT.
Luiz Carlos Azedo: Cerco ao ninho tucano
“A acusação mais pesada é de que Paulo Vieira recebia dinheiro do setor de propinas da Odebrecht para financiar campanhas políticas, chegando a movimentar cerca de R$ 100 milhões nas eleições de 2010”
A chamada 60ª fase da Operação Lava-Jato, na qual policiais federais de Curitiba foram a São Paulo para cumprir 12 mandados de busca e apreensão e prender Paulo Vieira de Souza, ex-diretor de engenharia da Dersa, a estatal que cuida das obras viárias do governo paulista, é a abertura de um novo ciclo das investigações, cujo foco é o PSDB paulista. No ano passado, Paulo Vieira foi preso duas vezes em outro processo, que apura desvio de dinheiro das desapropriações do Rodoanel, mas estava em prisão domiciliar, com tornozeleira eletrônica, por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
O procurador da Lava-Jato Deltan Dallagnol comemorou a operação: “Vejo tweets receando que o Ministro Gilmar Mendes solte Paulo Preto mais uma vez em liminar. Isso é impossível debaixo da lei. O relator desse caso no Supremo não é ele, e sim, o Ministro Fachin”. Ou seja, a investigação saiu da esfera da Justiça Federal em São Paulo e voltou para Curitiba, que responde ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. É uma demonstração de que a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba foi fortalecida com a eleição do presidente Jair Bolsonaro e a nomeação do juiz federal Sérgio Moro, que deixou a magistratura, para o Ministério da Justiça.
A mudança de eixo se deu graças à delação premiada do empresário e operador financeiro Adir Assad e de ex-executivos da Odebrecht que, supostamente, revelaram como funcionava o esquema de financiamento eleitoral do PSDB em São Paulo. Além de prender Paulo Vieira de Souza, suspeito de ser um operador de propinas do PSDB, também cumpriu mandados em endereços ligados ao ex-senador tucano Aloysio Nunes Ferreira. A acusação mais pesada é de que Paulo Vieira recebia dinheiro do setor de propinas da Odebrecht para entregar a executivos da Petrobras e financiar campanhas políticas, chegando a movimentar, na campanha de 2010, na qual foi candidato o senador José Serra (PSDB-SP), cerca de R$ 100 milhões.
“Adir Assad revelou que Paulo Preto possuía cerca de R$ 100 milhões a R$ 110 milhões no Brasil em espécie. E esse dinheiro estava condicionado em dois endereços: numa residência em São Paulo e também num apartamento que, segundo revelado por Adir Assad, era o local onde Paulo Preto tinha um bunker para guardar as propinas”, disse o procurador da República Roberson Pozzobon. Paulo Vieira sofre pressões para aceitar um acordo de delação premiada com a força-tarefa de Curitiba.
Aniquilamento
A operação pôs os tucanos paulistas em estado de alerta. Representa uma ameaça de cerco e aniquilamento do principal reduto na legenda, que conseguiu eleger João Doria governador do estado, cuja administração os tucanos controlam desde 1995. O governador paulista se elegeu em litígio com as lideranças tradicionais da sigla, inclusive seu padrinho Geraldo Alckmin, e não tem compromisso com o passivo ético da legenda, profundamente abalada pela Lava-Jato em Minas, Paraná e Goiás. Em nota, o partido negou vínculo com Paulo Vieira e sustentou que todos os recursos recebidos foram doados de maneira legal e declarados à Justiça Eleitoral.
A “invasão” de São Paulo pela República de Curitiba, como está sendo chamada, criou também grande mal-estar no Supremo Tribunal Federal (STF), por causa dos ataques ao ministro Gilmar Mendes, relator da Lava-Jato em São Paulo. O comentário de Dellagnol passou a ideia de que o ministro Edson Fachin, relator da Lava-Jato em Curitiba, teria autorizado a operação Ad Infinitum, deflagrada por ordem da juíza Gabriela Hardt, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba. Em tese, o juiz natural do caso é o ministro Gilmar Mendes, que anda indignado com o fato de suas movimentações financeiras terem sido monitoradas pela Receita Federal.
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Luiz Carlos Azedo: Moro e Doria pagam pra ver
“A ‘convivência pacífica’ entre polícia e bandido nos presídio estava possibilitando, frequentes ameaças a promotores e juízes por homicidas confessos, em audiências e julgamentos”
O ministro da Justiça, Sergio Moro, e o governador de São Paulo, João Doria, pagaram para ver a reação do Primeiro Comando da Capital (PCC), a maior facção criminosa do país, ao transferir Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, e mais 21 chefões do tráfico de drogas das penitenciárias estaduais de Presidente Venceslau e de Presidente Bernardes, no interior do estado, para os presídios federais de Mossoró (RN), Porto Velho (RO) e Brasília (DF), recém-inaugurado na Papuda. Não existe superlotação nem registro de fugas nesses presídios.
Efetivamente, essa é a primeira ação disruptiva de Moro nos presídios, em comum acordo com o governador João Doria, que alfinetou os antecessores ao dizer que esse tipo de medida já poderia ter sido tomada. Segundo o governo paulista, Marcola e seus comparsas estavam planejando uma fuga do presídio, em razão das propostas de endurecimento de penas e do regime carcerário.
A decisão é muito emblemática por causa da crise ocorrida no Ceará, após a transferência dos chefões do crime organizado dos presídios daquele estado para presídios federais — há mais dois: um em Campo Grande (MS) e outro em Catanduvas (PR) —, que são reservados para presos de alta periculosidade e líderes de facções criminosas.
A transferência da alçada estadual para a federal muda o status quo do tráfico de drogas em São Paulo, porque haverá uma desconexão entre os líderes históricos da PCC e toda a poderosa rede de tráfico de drogas, inclusive para o exterior, existente no estado. Além disso, põe fim à “convivência pacífica” entre polícia e bandido nos presídios, que estava possibilitando, inclusive, frequentes ameaças a promotores e juízes criminais de primeira instância por homicidas confessos, em audiências e julgamentos.
Plano de fuga
Segundo relatório dos serviços de inteligência da Secretaria de Segurança de São Paulo, os chefões do tráfico estavam preparando uma fuga espetacular, com utilização de aeronaves, veículos blindados, armamento pesado e homens treinados na Bolívia, inclusive estrangeiros, o que foi determinante para a transferência de Marcola e mais 15 chefões. Outros sete foram transferidos porque comandavam as conexões do PCC em 18 estados e outros países, conforme operação realizada no ano passado. Como houve retaliações do tráfico de drogas às medidas anteriormente tomadas pelo governo paulista para isolar os chefões nos presídios de segurança máxima estaduais, a segurança dos presídios federais para os quais estão sendo transferidos também foi reforçada.
A avaliação das autoridades paulistas é de que o PCC não tentará repetir em São Paulo o que houve no Ceará, porque foram pegos de surpresa, estão sem comunicação com os demais integrantes da organização e também enfrentam disputas com outras facções no Rio de Janeiro, no Norte e no Nordeste, não podendo, por isso, se enfraquecer em São Paulo, num confronto direto com as forças de segurança. Ou seja, Moro e Doria apostaram no enfrentamento da maior e mais poderosa facção do tráfico organizado como passo inicial da política de combate à violência e à criminalidade, sem se deixar intimidar por ameaças.
Ordem unida
De volta a Brasília, a primeira tarefa de Jair Bolsonaro no Congresso será restabelecer a ordem na sua tropa de choque. Além do “barata voa” na bancada de deputados federais, que não se entende, o filho caçula do presidente da República, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, resolveu desmentir publicamente o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno, que disse, em entrevista, ter conversado três vezes com seu pai sobre o caso da candidata laranja do PSL em Pernambuco, Maria de Lourdes Paixão, que recebeu R$ 400 mil da legenda sem fazer campanha.
Aparentemente, Bolsonaro deu aval ao filho, mas a turma do deixa-disso tenta pôr panos quentes e trata o assunto como coisa banal na política. Não é: trata-se do filho do presidente da República desautorizando publicamente um ministro com assento no Palácio do Planalto. Bolsonaro endossou o filho nas redes sociais e mandou investigar Bebianno.
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Luiz Carlos Azedo: A força da conciliação
“Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo”
A linha de força da disputa pelo comando da Câmara e do Senado é a velha política de conciliação, uma herança do Segundo Império, que se impôs na política nacional historicamente, como uma forma de resistência das forças políticas que controlam o Estado brasileiro. Mesmo depois da proclamação da República, na qual o positivismo se disseminou como ideologia dominante, a conciliação pautou a hegemonia no parlamento brasileiro. Não será diferente agora, depois do tsunami eleitoral que levou o presidente Jair Bolsonaro ao poder: o novo governo terá de conviver com a política tradicional. O nepotismo, o fisiologismo e o patrimonialismo estão sendo mitigados pela Operação Lava-Jato.
Um velho político conservador do Império, Honório Hermeto Carneiro Leão (1801-1856), o Marquês de Paraná, foi o pai da criança. A maioria dos políticos ouviu falar dele nos bancos escolares, mas é um sobrenome que até ontem frequentava o nosso parlamento, como outros representantes do velho patronato brasileiro. Renan Calheiros (MDB-AL) e Rodrigo Maia (DEM-RJ), no Senado e na Câmara, favoritos na disputa pela Presidência das duas casas, respectivamente, são legítimos representantes dessa tradição política enraizada no Nordeste brasileiro e no Rio de Janeiro. Seus principais desafiantes, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e Fabinho Ramalho (MDB-MG), deslocam o eixo de poder para a Região Norte e para Minas Gerais. Os demais candidatos não têm a menor chance na disputa; os dois estão sendo estimulados pelo Palácio do Planalto, no primeiro caso, ostensivamente; no segundo, com mão de gato.
Carneiro Leão era um político do Regresso Conservador, que não conseguiu conter a Revolução Farroupilha (Rio Grande do Sul) nem evitar a eclosão da Sabinada (Bahia), da Balaiada (Maranhão) e da Cabanagem (Pará). A consequência foi a antecipação da maioridade de D. Pedro II, um golpe contra a Constituição articulado pelos liberais: “Queremos D. Pedro II / Embora não tenha idade / A nação dispensa a lei / Viva a Maioridade!” Por isso mesmo, não houve imediato retorno à normalidade. Em 1841, o chamado Gabinete da Maioridade foi substituído pelo Gabinete Palaciano, de tendência regressista, que reformou o Código de Processo Criminal e restaurou o Conselho de Estado, símbolo do despotismo monárquico. Em 1º de maio de 1842, a Câmara Legislativa, de maioria liberal, foi dissolvida.
Isso provocou revoltas nas províncias de Minas Gerais e São Paulo contra o Gabinete Palaciano. Houve choques militares em São Paulo; em Minas Gerais, os liberais, denominados de luzias, advogavam que a luta era em prol da “Constituição do Império”e defendiam a descentralização. A última revolta provincial, entretanto, eclodiu em 7 de novembro de 1848, em Pernambuco: a Revolução Praieira, duramente reprimida. A consolidação do Segundo Reinado se deu somente a partir de 1848, graças aos ministros da Justiça, Eusébio de Queiróz; de Estrangeiros, Visconde do Uruguai; e da Fazenda, o Visconde de Itaboraí, que mandaram e desmandaram até 1862, o que possibilitou a aprovação da Lei Eusébio de Queiróz, da Lei de Terras, do Código Comercial e a centralização político-administrativa da Guarda Nacional.
Luzias e saquaremas
O Marquês do Paraná, em 1853, para evitar conflitos políticos que remontassem aos anos de 1830 e 1840, resolveu acalmar as ruas e buscar uma aproximação com os liberais. Para convencer membros do Partido Liberal a aderir ao Gabinete da Conciliação, promoveu uma ampla reforma eleitoral, aprovada em 1854, com o voto distrital, que favoreceu a eleição de representantes de minorias políticas; e as incompatibilidades, que impediam a eleição de funcionários públicos nos distritos onde exercessem suas funções. Nas eleições de 1856, houve uma renovação de 67% dos políticos, o chamado Renascer Liberal. A política de conciliação é muito criticada desde aquela época. O deputado Holanda Cavalcanti, liberal pernambucano, dizia que “não há nada mais parecido com um saquarema do que um luzia no poder”.
A chamada “modernização conservadora” se ancorou nessa prática parlamentar; quando os políticos não deram conta do recado, houve rupturas institucionais: 1889, 1930 e 1964. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, para justificar sua aliança com o que chamava de “atraso”, mandava seus ministros lerem Um estadista no Império, de Joaquim Nabuco, o mais ardoso defensor da “ponte de ouro” entre liberais e conservadores, para que entendessem sua conturbada relação com o falecido senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), o grande líder conservador do Senado. De certa forma, com sinal trocado, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu a estratégia, em aliança com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP). Dilma Rousseff quis mudar as regras do jogo e foi apeada do poder, como o ex-presidente Collor de Mello. Sejam quais forem os presidentes da Câmara e do Senado, vão ter de operar a velha aliança entre liberais e conservadores. O presidente Jair Bolsonaro quer mudar as regras do jogo, ma non troppo; tem um vice costeando o alambrado.
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Jairo Nicolau: Partidos precisam mudar escolha de candidatos
Novas formas de participação são necessárias
Nesse começo de ano, a preocupação dos analistas com os partidos políticos se resume a especulações sobre como eles se comportarão na próxima legislatura do Congresso Nacional. Como será a base partidária do governo Bolsonaro? Como as bancadas do MDB e PSDB se posicionarão? Qual será o tamanho da oposição?
Nesse texto chamo a atenção para outra dimensão da atividade dos partidos: a participação dos cidadãos na vida interna. Foco em um aspecto em particular: o processo utilizado para escolher quem será o candidato do partido.
Falar em escolha dos candidatos numa hora dessa pode parecer fora do lugar, já que as eleições acabaram de acontecer. Mas para saírem da crise de confiança em que se encontram, os partidos brasileiros necessitam se abrir para a participação dos cidadãos e criar novas formas para selecionar os nomes que concorrerão nas eleições.
Em 2017, um grupo de intelectuais e ativistas brasileiros lançou um movimento em defesa do uso de primárias para a escolha dos candidatos à Presidência do ano seguinte. A premissa era que delegar aos filiados (ou até mesmo ao conjunto dos cidadãos) a escolha do candidato a presidente contribuiria para democratizar os partidos e ainda conferiria mais legitimidade ao nome selecionado.
Escolher candidatos por intermédio de primárias é uma prática pouco usual no Brasil. Mesmo o PT, o partido que mais inovou na forma de gerir a vida interna, tem usado esse instrumento com parcimônia ao longo de sua história.
Tradicionalmente, os candidatos que concorrem à Presidência, aos governos de Estado e às prefeituras são escolhidos de duas maneiras. Uma delas é por decisão de um pequeno grupo de dirigentes do partido. Esse processo acontece de maneira mais ou menos informal, mas nem os dirigentes intermediários, nem o militantes de base do partido participam da escolha.
A segunda forma de escolha se dá quando um nome apresenta sua candidatura individualmente, e depois busca um partido para legitimar a sua escolha. Dois dos presidentes eleitos recentemente procederam dessa maneira: Collor em 1989, e Bolsonaro em 2018.
O processo de escolha dos principais candidatos para a disputa presidencial de 2018 talvez tenha sido o mais fechado da história das eleições presidenciais no Brasil. Quando digo fechado saliento que a decisão é tomada por poucos dirigentes e, em muitas casos, fora das arenas formais (convenções, diretório nacional, consultas aos filiados) do partido.
Vejamos alguns exemplos. Bolsonaro lançou a sua candidatura, para só depois decidir o partido pelo o qual concorreria. Ele acabou se filiando ao PSL em abril (a sete meses do dia da eleição). Independentemente de sua vitória, e dos apoios que conquistou durante a campanha, Bolsonaro foi inicialmente candidato de uma reduzida rede de apoiadores, para só depois encontrar abrigo em uma legenda.
O PT, embora seja o partido com o maior número de militantes e tenha instâncias formais de deliberação, acabou delegando a decisão da escolha do seu candidato à Presidência a uma única pessoa: o ex-presidente Lula.
Mesmo o Psol, com vigorosa vida interna, optou por trazer Guilherme Boulos, um nome "de fora", para concorrer, em detrimento de lideranças tradicionais do partido. Em mais de uma entrevista, o deputado Marcelo Freixo (Psol-RJ) relatou como surgiu a ideia de lançar o nome líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Boulos filiou-se ao Psol somente em março de 2018.
O MDB, que não lançava um candidato próprio há mais de duas décadas, também optou por concorrer com um nome estranho à história da legenda. Henrique Meirelles deixou o PSD e filiou-se ao MDB em abril, quase no prazo final para ser candidato.
O processo de escolha do PSDB, PDT e Rede se enquadram em um formato mais tradicional. Os candidatos dos três partidos - respectivamente, Alckmin, Ciro e Marina - são as principais lideranças de seus partidos. Mesmo Ciro Gomes, conhecido pelo tempo curto que passa nos partidos, já estava filiado ao PDT desde 2015.
Os principais partidos tiveram derrotas expressivas nas eleições de 2018. A grande renovação do Congresso Nacional e das Assembleias Legislativas, e a ascensão do PSL são alguns dos sinais de expressiva rejeição à elite política tradicional. O pleito de 2018 também marcou o fim do sistema partidário dominante nas duas últimas décadas que estava centrado em três legendas: PT, PSDB e MDB.
Tenho lido muitas entrevistas em que importantes dirigentes partidários reconhecem que um dos principais desafios dos próximos anos é conseguir fazer os partidos se conectarem com os cidadãos. Em última instância, o desafio é reconquistar a confiança dos eleitores.
Este é o mesmo desafio enfrentado por partidos em todo o mundo. Em muitas democracias, os dirigentes têm tentado renovar os partidos criando mecanismos para atrair um maior participação dos cidadãos. O principal deles é o uso das primárias, que têm sido usadas em número crescente de países, com destaque para a Argentina e a França. Um caminho natural para os partidos brasileiros seria adotá-las; o que já poderia ser implementado nas eleições municipais de 2020.
Outras alternativas são o uso de convenções deliberativas com amplo número de delegados, e a criação de mecanismos de consulta on-line para deliberação sobre temas específicos.
Em 1984 o PT consultou seus filiados a respeito do comparecimento do partido ao Colégio Eleitoral. Os filiados decidiram que o partido não deveria comparecer. Com os instrumentos de consulta on-line, o PT e o Psol, poderiam, por exemplo, ter submetido aos filiados à decisão de comparecer (ou não) à posse do presidente Bolsonaro no Congresso Nacional em 2019.
Esses mecanismos de participação podem ser burlados pelos partidos. Já ouvi muitos relatos de "filiação em massa" antes de primárias partidárias. Sei que convenções aparentemente democráticas podem só referendar decisões tomadas por um pequeno número de dirigentes. Mesmo assim, existe espaço para os partidos apostarem em novas formas de participação dos cidadãos. Pode não ser condição suficiente para que eles reconquistem a confiança dos eleitores. Mas acredito que seja uma condição necessária.
*Jairo Nicolau é professor do departamento de ciência política da UFRJ
O Estado de S. Paulo: Verba pública a partidos aumentou quase 500% em 20 anos
Criado na década de 1990, Fundo Partidário prevê repasse de R$ 927,7 milhões às siglas em 2019
Caio Sartori, de O Estado de S. Paulo
O dinheiro público destinado aos partidos políticos cresceu quase 500% desde 1996. O Fundo Partidário, que atingirá montante próximo a R$ 1 bilhão no próximo ano, foi engordado nas últimas décadas ao mesmo tempo em que o número de siglas no País se multiplicava. Em 2019, 30 partidos ganharam nas urnas o direito de terem representação na Câmara dos Deputados, batendo mais um recorde. Há 23 anos eram 19 legendas com assento no Congresso.
Previsto em R$ 927,7 milhões para o próximo ano, o fundo foi criado em meados dos anos 1990 para financiar os custos administrativos das legendas. É abastecido com dotações orçamentárias – aprovadas pelos próprios deputados e senadores – e multas eleitorais aplicadas aos mesmos partidos.
Câmara dos Deputados
Reforma política aprovada em 2017 pelo Congresso mudou regras de acesso ao fundo partidário Foto: Daniel Teixeira/Estadão
O acesso a recursos públicos do Fundo Partidário é um dos elementos que impulsionou a criação de novas siglas no Brasil nos últimos anos. A fiscalização dos gastos pelo Tribunal Superior Eleitoral ocorre com bastante atraso e a análise das prestações de contas já mostrou que a reserva financia despesas que vão de viagens de jatinho até contas pessoais de dirigentes dos partidos.
Após o Congresso aprovar em 2017 a criação de um fundo eleitoral bilionário (R$ 1,7 bilhão), as siglas foram autorizadas este ano a utilizar recursos do Fundo Partidário nas eleições. Na prática, os fundos de dinheiro público compensaram a ausência dos recursos empresariais nas campanhas – proibidos em decisão do Supremo Tribunal Federal em dezembro de 2015.
No ano que vem, as siglas que não superaram a chamada cláusula de barreira nas últimas eleições não terão direito a receber o dinheiro – o que pode significar a extinção destas legendas. Foi por isso que algumas já anunciaram que vão se fundir. É o caso do Patriota com o PRP, do PCdoB com o PPL e do Podemos, que superou a cláusula, com o PHS.
Em valores corrigidos, o ápice do gasto público com financiamento partidário ocorreu em 2015, no início do segundo mandato da petista Dilma Rousseff, quando passou por um aumento grande em relação ao ano anterior e atingiu o equivalente a R$ 1 bilhão nos dias de hoje. O mesmo fenômeno de crescimento considerável ocorreu em 2011, outro ano que sucedeu eleições gerais.
De 1996 para cá, o aumento tem sido constante ano a ano, com a exceção de poucos períodos — que normalmente vêm depois de anos com grandes acréscimos financeiros, como 2015. O valor caiu, por exemplo, em 2016 e 2017, até voltar a crescer neste ano e no próximo. No acumulado, cresceu cerca de 470%.
Esse acréscimo, porém, foi acompanhado por uma desconcentração dos recursos em razão da fragmentação partidária cada vez maior da Câmara. Em 1996, os cinco partidos com maior porcentual do fundo representavam 82,7% do montante. Hoje, equivalem à metade: 41%.
Em 2019, a distribuição dos recursos vai marcar a saída do MDB da lista de legendas mais beneficiadas pelo fundo. Está na sexta colocação da lista, com R$ 52,8 milhões. Resultado diferente do PT e do PSDB, que, mesmo com resultados decepcionantes em comparação com o histórico que vinham registrando, se mantiveram nas três primeiras colocações.
“Ajustamos nossas despesas à nova realidade e enxugamos a estrutura. Temos um projeto de autofinanciamento para não dependermos exclusivamente do fundo”, disse o presidente do MDB, Romero Jucá. O projeto, segundo ele, será aplicado ano que vem nas esferas nacional, estaduais e municipais.
Entre as principais legendas do País, o Novo é o único que não utiliza o Fundo Partidário. Registrado em agosto de 2015, o Novo diz que arrecada cerca de R$ 800 mil mensais de aproximadamente 30 mil filiados. Num ano cheio, isso equivale R$ 9,6 milhões, valor inferior aos R$ 27,6 milhões a que a legenda teria direito a partir do ano que vem.
“As eleições mostraram que, mesmo sem o fundo, temos condições de participar do jogo. A ideia é manter essa estratégia e provocar uma mudança de cultura”, afirmou Moisés Jardim, presidente do Novo, descartando a possibilidade de o partido passar a aceitar o dinheiro público do fundo.
O PSL do presidente eleito, Jair Bolsonaro, será o maior beneficiário a partir de janeiro, com cerca de R$ 110 milhões ao longo do ano. Os partidos recebem valores calculados a partir da votação que obtiveram para a Câmara dos Deputados, incluindo votos nominais e em legenda, que compõem 95% do total distribuído. Os outros 5% são divididos igualmente entre as siglas que superaram cláusula de barreira nas eleições.
Apesar de ter feito a maior bancada para a próxima legislatura, com 56 eleitos, o PT perdeu para o PSL em número de votos para a Câmara, já que a eleição proporcional segue critérios mais complexos. Nesse contexto, o PSL receberá a maior fatia por ter vários ‘campeões’ de votos, como Eduardo Bolsonaro e Joice Hasselmann, os dois candidatos mais votados do País, ambos por São Paulo. O PT terá, ao longo do ano, R$ 96,6 milhões, quase R$ 15 milhões a menos que o partido de Bolsonaro.
Para o professor da FGV Marco Antônio Teixeira, o fundo é mal visto pela sociedade num contexto de crise de representação dos partidos e crise econômica. “Essa visão obviamente advém sobretudo do fato de a sociedade não ver um retorno dos partidos em prol do interesse público.”
Fragmentação diminui concentração de recursos
A distribuição do dinheiro do fundo passou a ser mais pulverizada ao longo dos anos, acompanhando a própria fragmentação partidária no Legislativo brasileiro. Em 1996, quando 19 partidos tinham cadeiras na Casa, os cinco com maior porcentual do fundo representavam 82,7% do montante, número hoje reduzido pela metade.
O MDB, por exemplo, recebia naquele ano mais de 22% do dinheiro, quase um quarto do total. Em 2019, a fatia não chegará a 6%, fruto da baixa votação que obteve para a Câmara. Para além da crise dos partidos tradicionais, a diminuição se explica pela mudança na correlação de forças no parlamento brasileiro. Mais fragmentado a cada eleição, o Congresso da nova legislatura diminuiu ainda mais o abismo antes existente entre os grandes e os pequenos.
Isso não se deu por meio de um mero fortalecimento de legendas menores que já existiam, e sim a partir do surgimento de novas siglas, especialmente na década de 2010. Partidos como o PSD, dissidência do DEM, o PROS e o Solidariedade já surgiram com bancadas robustas ao herdar parlamentares que aproveitaram uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que, na teoria, apenas regulamentava condições para migração partidária. Na prática, porém, ela incentivou a criação de novas legendas, já que os parlamentares não seriam punidos se aderissem a novas siglas.
“Se esses 41% (de concentração nos cinco mais ricos) significassem que o sistema se democratizou mais, com partidos mais competitivos e mais debates de ideias, estaria tranquilo. Mas o que aconteceu foi que tivemos uma multiplicação de partidos”, disse Marco Antônio Teixeira, da FGV.
O grande fenômeno surgido com as eleições de 2018, porém, é a ascensão do PSL ao status de partido grande. Antes nanico e pouco conhecido do eleitorado, a legenda à qual Jair Bolsonaro se filiou para concorrer à Presidência terá dinheiro para se estruturar. A sigla foi, por anos, uma das que se enquadram na categoria de ‘partido negócio’, sem muitos holofotes. A partir de 2019, roubará o espaço – o dinheiro – que já foi de PT e MDB.
Folha de S. Paulo: Jair Bolsonaro deverá ter base aliada instável no Congresso Nacional
Apenas 3 das 15 maiores legendas da Câmara deverão dar apoio formal a novo governo
Por Bruno Boghossian, da Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - O critério de escolha de ministros e o modelo de articulação política adotado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), devem fazer com que o próximo governo entre em campo com uma coalizão instável no Congresso Nacional.
Metade dos principais partidos do país diz que pretende colaborar com o presidente eleito, mas só 3 das 15 maiores siglas da Câmara dos Deputados dizem estar dispostas a integrar oficialmente a base governista.
A relação entre esses partidos e o novo governo indica que Bolsonaro terá um núcleo enxuto de sustentação política.
Para aprovar projetos de seu interesse, o presidente eleito dependerá também de siglas que têm simpatia por sua agenda, mas permanecem em órbitas afastadas.
A Folha consultou os presidentes, dirigentes e líderes dos 15 maiores partidos da Câmara. Além do PSL de Bolsonaro, apenas DEM e PTB discutem uma adesão formal à base aliada do próximo governo.
"Estamos dispostos a contribuir com o país. Nosso apoio estará vinculado exclusivamente à concordância com a agenda que o governo terá para o país", afirma ACM Neto, presidente do DEM.
A sigla terá três ministros no governo Bolsonaro —Onyx Lorenzoni (Casa Civil), Tereza Cristina (Agricultura) e Luiz Henrique Mandetta (Saúde)—, embora a cúpula da legenda negue que tenha feito as indicações.
Juntas, as bancadas desses três partidos terão 91 integrantes na Câmara.
Para aprovar um projeto de lei, basta que a maioria dos deputados presentes seja favorável, mas mudanças na Constituição (como a reforma da Previdência) precisam de quorum qualificado de três quintos dos parlamentares, o equivalente a 308 votos.
Durante a campanha, Bolsonaro afirmou que não faria uma articulação com partidos políticos. Aprovaria suas propostas com os votos das frentes parlamentares temáticas, como a ruralista e a evangélica.
Na última semana, entretanto, o presidente eleito e seus aliados começaram a abrir canais com bancadas partidárias e seus dirigentes.
O futuro ministro Onyx Lorenzoni se encontrou com Valdemar Costa Neto, chefe do PR, e com os deputados do MDB.
Nos próximos dias, o próprio Bolsonaro estará com integrantes dos dois partidos, do PRB e do PSDB.
Para garantir apoio no Congresso, o presidente eleito precisará contar com uma segunda fileira de siglas —que pretendem se comportar de maneira independente a partir de 2019, sem ter ligação direta com os líderes do novo governo.
Entre as 15 maiores legendas, 5 afirmam que estarão fora da base aliada, mas reconhecem afinidades entre suas bancadas e a pauta apresentada por Bolsonaro até agora. Líderes de MDB, PSD, PRB, PSDB e Podemos afirmam estar nesta categoria.
Esses partidos somam 138 deputados. Nas votações em que essas legendas também estiverem alinhadas aos interesses do Palácio do Planalto, portanto, a virtual base governista pode chegar a 229 votos.
"Não vamos integrar a base aliada, mas nossa bancada tem grande afinidade com a maioria dos projetos do futuro governo", diz Gilberto Kassab, presidente licenciado do PSD, que tem 34 deputados.
Neste segundo círculo, Bolsonaro deve encontrar parlamentares adeptos de sua pauta econômica, mas a agenda de costumes é vista com restrições. O projeto Escola sem Partido é rechaçado pela maioria das siglas, enquanto a redução da maioridade penal encontra maior concordância.
O apoio dessas legendas pode ajudar o governo, mas dirigentes acreditam que o compromisso de seus parlamentares com o Planalto não será tão rígido quanto o dos deputados das siglas aliadas.
Do outro lado do plenário estarão cinco partidos que devem declarar oposição a Bolsonaro. Juntos, PT, PSB, PDT, Solidariedade e PSOL terão 139 deputados na Câmara.
Para contornar a possível instabilidade, o novo governo tentará expandir seus canais com os parlamentares. Segundo Onyx, a relação com deputados e senadores se dará com líderes dos partidos e com bancadas de cada região, além das frentes temáticas.
"No primeiro momento, vamos ver quais partidos e bancadas se sentem à vontade para participar e se proclamar da base no novo modelo", disse Onyx à Folha. "Sem dúvida, chegaremos a uma base na faixa de 320 a 350 deputados, e sem 'toma lá, dá cá'."
A resistência de Bolsonaro à realização de uma partilha de cargos do primeiro escalão ainda motiva apreensão.
Em conversas reservadas, dirigentes do PP e do PR se dizem aborrecidos com a atitude da equipe de transição na montagem do governo.
Há anos, essas legendas dominam feudos na cúpula da administração federal: o PP no Ministério das Cidades, e o PR nos Transportes.
As direções dos dois partidos dizem que não farão parte da base aliada e ainda não admitem apoiar as propostas do governo.
Caso não ocorram novas adesões ao núcleo governista, a base aliada formal de Bolsonaro terá um desenho inédito com seus 91 deputados. Desde a redemocratização, presidentes recorreram à distribuição de cargos para construir coalizões que beiravam os 400 integrantes na Câmara.
Fernando Collor formou uma base de 219 parlamentares. Fernando Henrique Cardoso buscou PSDB, PMDB, PFL e PTB e chegou a 397 no primeiro mandato. Michel Temer conseguiu 365.
Luiz Carlos Azedo: Lula não é Mandela
O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em carta dirigida à direção do PT, questionou a legitimidade das eleições presidenciais de 2018. “Esta não foi uma eleição normal. O povo brasileiro foi proibido de votar em quem desejava, de acordo com todas as pesquisas. Fui condenado e preso, numa farsa judicial que escandalizou juristas do mundo inteiro, para me afastar do processo eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral rasgou a lei e desobedeceu a uma determinação da ONU, reconhecida soberanamente em tratado internacional, para impedir minha candidatura às vésperas da eleição.” Lula foi impedido de disputar as eleições pela Lei da Ficha Limpa porque está condenado pela Operação Lava-Jato em segunda instância a 12 anos e 1 mês de prisão, por ocultação de patrimônio e recebimento de propina, mas não aceita o resultado das urnas.
Lula se recusa a qualquer autocrítica dos escândalos de corrupção envolvendo o PT e os erros políticos que cometeu. Também não abre mão de liderar o partido de dentro da prisão: “O PT nasceu na oposição, para defender a democracia e os direitos do povo, em tempos ainda mais difíceis que os de hoje. É isso que temos de voltar a fazer agora, com o respaldo dos nossos 47 milhões de votos, com a responsabilidade de sermos o maior partido político do país.” O ex-presidente atribui a vitória de Jair Bolsonaro esse resultado ao fato de não ter sido candidato e à “indústria de mentiras no submundo da internet, orientada por agentes dos Estados Unidos e financiada por um caixa dois de dimensões desconhecidas, mas certamente gigantescas”. Ou seja, tudo foi obra do imperialismo ianque.
Embora esteja preso por decisão em segunda instância, do Tribunal Regional Federal da 4ª. Região, com sede em Porto Alegre, Lula ataca a Justiça Eleitoral e atribui sua condenação à perseguição política do ex-juiz federal Sérgio Moro, que o condenou em primeira instância: “Se alguém tinha dúvidas sobre o engajamento político de Sergio Moro contra mim e contra nosso partido, ele as dissipou ao aceitar ser ministro da Justiça de um governo que ajudou a eleger com sua atuação parcial. Moro não se transformou no político que dizia não ser. Simplesmente saiu do armário em que escondia sua verdadeira natureza.”
A narrativa do golpe que embalou o PT e seus aliados desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff continua na ponta língua, ou melhor, da pena. Segundo a carta do líder petista, o futuro governo tem como objetivo “aprofundar os retrocessos implantados por Michel Temer a partir do golpe que derrubou a companheira Dilma Rousseff em 2016”. E arremata: “Eu não tenho dúvida de que a máquina do Ministério da Justiça vai aprofundar a perseguição ao PT e aos movimentos sociais, valendo-se dos métodos arbitrários e ilegais da Lava Jato. Até porque Jair Bolsonaro tem um único propósito em mente, que é continuar atacando o PT. Ele não desceu do palanque e não pretende descer.”
A carta de Lula foi lida na reunião do diretório nacional do PT pelo ex-ministro Luís Dulci, um dos principais conselheiros do ex-presidente da República antes, durante e depois de ter deixado o poder. Dirigente histórico da legenda, Dulci faz parte do grupo mais ligado ao ex-presidente, ao lado de Gilberto Carvalho e Paulo Okamoto. A carta sinaliza a intenção de barrar qualquer tentativa de autocrítica da legenda, considerando o resultado eleitoral do segundo turno, no qual o ex-prefeito Fernando Haddad aumentou sua votação de 31 milhões para 47 milhões de votos, um endosso popular às práticas políticas do PT: “Como diz a companheira Gleisi, não temos de pedir desculpas por sermos grandes, se foi o eleitor que assim decidiu.”
O isolamento
A vitimização e o baluartismo de Lula, porém, na prática, aumentaram o isolamento da legenda no Congresso. O desempenho nas eleições para a Câmara não teve correspondência nas disputas majoritárias para o Senado, onde a bancada petista foi reduzida de 11 para seis senadores. O PT elegeu 56 deputados, a maior bancada da Câmara; quatro governadores e quatro senadores. O que alavancou a legenda nas eleições proporcionais foi o bom desempenho de Haddad no Nordeste, região na qual o PT governará quatro estados: Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte. Nas demais regiões, a legenda é considerada tóxica por antigos aliados, que buscam alternativas desvinculadas do PT.
Lula não é um Nelson Mandela, o líder negro sul-africano que derrotou o apartheid e depois se tornou um presidente da República conciliador e incorruptível. O petista, porém, aspira essa condição, inclusive no plano internacional. É uma estratégia para se livrar da cadeia, pois em nada sua situação se compara à de Mandela, nem mesmo as condições em que está preso. O petista aposta na confrontação aberta e radicalizada com o presidente eleito Jair Bolsonaro, de maneira a ofuscar ou subordinar qualquer outra força de oposição ao governo.
Essa estratégia se retroalimenta, porque também reforça o antipetismo. Os escândalos de corrupção envolvendo o PT desmoralizaram toda a esquerda. Agora, tendem a desmoralizar todos adversários derrotados nas urnas por Bolsonaro, principalmente o PSDB. Ou seja, o discurso de Lula é tudo o que Bolsonaro precisa para neutralizar a oposição junto à opinião pública e articular uma base no Congresso que pode chegar a 350 deputados e mais de 50 senadores.
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Luiz Carlos Azedo: O Haiti é aqui
“A manutenção da Secretaria de Governo com status de ministério e a atual configuração esvaziará a Casa Civil, principalmente a relação política com o Congresso e com os movimentos sociais”
A indicação do general de divisão Carlos Alberto dos Santos Cruz para comandar a Secretaria de Governo consolidou na cúpula do governo um grupo de ex-integrantes da missão de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti, formado ainda pelo general Augusto Heleno, futuro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, e pelo general Fernando Azevedo e Silva, que será o ministro da Defesa. Sua missão mais importante, porém, foi comandar a missão de paz na República Democrática do Congo, integrada por 23,7 mil militares de 20 países, de 2013 a 2015.
Santos Cruz foi o chefe da Secretaria Nacional de Segurança Pública durante parte da gestão do presidente Michel Temer, ostentando ainda no currículo uma passagem por Moscou, como adido militar, em 2001 e 2002, e atuação como conselheiro do Banco Mundial para a elaboração do Relatório de Desenvolvimento Mundial 2011 e do grupo da ONU para a revisão do reembolso aos países que contribuem com tropas em missões de paz. Sua indicação surpreendeu, pois a Secretaria de Governo inicialmente seria incorporada à Casa Civil, sob comando do ministro Ônix Lorenzoni.
Hoje, a Secretaria de Governo da Presidência reúne as subsecretarias de Assuntos Parlamentares, Assuntos Federativos e Juventude, além da Secretaria Nacional de Articulação Social. A manutenção da pasta com status de ministério e essa configuração esvaziará a Casa Civil, principalmente a relação política com o Congresso e com os movimentos sociais. Além disso, fortalece o grupo de generais que forma o estado-maior do governo Bolsonaro, integrado ainda pelo vice-presidente Hamilton Mourão, que não passou pelo Haiti, mas atuou na Missão de Paz em Angola e foi adido militar na Embaixada do Brasil na Venezuela.
Outro militar deverá comandar o Ministério da Infraestrutura, para o qual está cotado o general Joaquim Brandão, atual chefe de gabinete do ministro Sérgio Etchegoyen, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo Michel Temer. O tenente-coronel da Aeronáutica Marcos Pontes, ex-astronauta, no Ministério de Ciência e Tecnologia, completa o naipe de militares que ocupam posições no primeiro escalão. Até agora, ninguém da Marinha foi nomeado para um cargo de destaque no governo.
Segurança
Ontem, o futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, anunciou a criação de uma Secretaria de Operações Policiais Integradas, que ficará a cargo do delegado da Polícia Federal Rosalvo Franco, ex-superintendente da PF no Paraná, que atuou na Operação Lava-Jato. “A ideia da secretaria é coordenar operações policiais a nível nacional. Hoje nós temos muitos grupos criminosos que transcendem as fronteiras estaduais, e essa ação precisa muitas vezes de coordenação a nível nacional”, explicou. Atualmente, esse tipo de operação vem sendo realizada pelo Ministério da Segurança Pública, que será extinto.
Moro também escolheu o delegado da Polícia Federal (PF) Fabiano Bordignon para o comando do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), também com atuação no Paraná. Além de chefiar a PF em Foz do Iguaçu, Borgidnon foi diretor de penitenciária federal de Catanduvas (PR). Moro teve contato com o delegado quando era juiz corregedor da penitenciária. “É uma função estratégica, nós todos sabemos que os presídios no Brasil constituem uma espécie de problema devido à questão de superlotação e fragilidade de certos presídios”, declarou Moro.
A indicação de procuradores e delegados federais para funções estratégicas no Ministério da Justiça, porém, já está gerando insatisfação entre os integrantes da chamada “bancada da bala” no Congresso, principalmente entre os parlamentares que são policiais militares e estão sendo pressionados pelos coronéis da ativa. O maior foco de insatisfação está em São Paulo, corporação à qual pertence o deputado e recém-eleito senador Major Olímpio.
Diretor da Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo, o parlamentar é uma estrela em ascensão na política paulista e já exerce grande liderança entre os parlamentares do PSL, partido de Bolsonaro, porque é um dos mais experientes da bancada. Foi deputado estadual e assumiu seu primeiro mandato como deputado federal após ser eleito no pleito de 2014, com 179.196 votos. Agora, em 2018, foi eleito senador por São Paulo, com 9.039.717 votos.
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Luiz Carlos Azedo: Tropa de choque aflita
“O futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM. Bolsonaro precisou acalmar a própria bancada”
O presidente eleito, Jair Bolsonaro, precisou passar na reunião das bancadas do PSL na Câmara e no Senado, ontem, para apagar um princípio de incêndio por causa do descontentamento do seu próprio partido com a nomeação de três ministros do DEM em áreas politicamente estratégicas do futuro governo: a poderosa Casa Civil, que coordenará a articulação política e ficará a cargo de Onyx Lorenzoni, e os dois titulares da área política indicados até agora, o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), na Saúde, e a deputada Tereza Cristina (DEM-MS), na Agricultura. A senadora Soraya Thronicke, eleita pelo PSL no Mato Grosso do Sul, puxou o coro de descontentes, porque ficou sabendo da nomeação de Tereza Cristina pela imprensa.
Na Câmara, o foco de descontentamento vem de Goiás: o deputado Delegado Waldir lançou sua candidatura a presidente da Câmara e pleiteia o apoio da bancada do PSL, que é a segunda da Casa, com 52 parlamentares. Foi preciso que a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), aliada incondicional de Bolsonaro, saísse em defesa do futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que está sendo acusado de escantear o PSL e favorecer o DEM na montagem do governo. Ela minimizou o desagrado: “Foi uma reunião em que alguns parlamentares apresentaram certo descontentamento, certo desconforto”, declarou.
Bolsonaro justificou as nomeações com o argumento de que as indicações de Mandetta e Tereza Cristina não foram feitas pelo partido, mas por frentes parlamentares que eles representam, da saúde e do agronegócio, respectivamente. O fato de ambos serem do DEM e do Mato Grosso do Sul, segundo o presidente eleito, foi mera coincidência. O problema é que o DEM, com apenas 29 deputados eleitos para a próxima legislatura, ocupa postos estratégicos do governo. Atrás somente do PT, que elegeu 56 parlamentares, o PSL pretende filiar deputados dos partidos que não atingiram a chamada cláusula de barreira e se tornar a maior bancada da Câmara. Atualmente, tem apenas oito deputados, ou seja, a grande maioria da bancada é formada por estreantes.
O deputado Major Olímpio, eleito senador por São Paulo, defende uma posição mais agressiva do PSL na Câmara, confrontando o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que pleiteia a reeleição. Para isso, pretende lançar a candidatura de Luciano Bivar, presidente do PSL, ao comando da Câmara. Se isso ocorrer, será uma saia justa para Bolsonaro, que publicamente vem anunciando a intenção de manter distância da disputa no Legislativo. Ontem mesmo, manifestou essa posição em conversa com um dos concorrentes de Maia, o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG), vice-presidente da Câmara. A indicação do advogado Gustavo Bebianno para a Secretaria-Geral da Presidência também pode acalmar um pouco o PSL. Um dos conselheiros de Bolsonaro, ele exerceu a presidência interina do partido durante a campanha eleitoral e conquistou a confiança do presidente eleito.
Com apenas quatro senadores, o PSL não tem a menor chance de disputar a Presidência do Senado. A tendência é fazer uma composição com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), mas esse acordo pode ser uma espécie de anticlímax na estratégia parlamentar de Bolsonaro, que fez uma campanha contra o sistema político e renegou o chamado “presidencialismo de coalizão”. Característica de todos os governos formados desde a redemocratização, o loteamento da Esplanada dos Ministérios entre os partidos da base fez do MDB, do DEM e do PP os fiadores da estabilidade dos governos no Congresso, na base do toma lá dá cá, ou seja, da distribuição de cargos e verbas em troca de apoio para votação de matérias de grande interesse do governo. Um compromisso de campanha de Bolsonaro é mudar essa relação, daí a estratégia de composição com as frentes parlamentares. Entretanto, o apoio desses parlamentares está relacionado às agendas corporativas que defendem; o problema é que isso não significa apoio a todas as propostas do governo, como a reforma da Previdência, que enfrenta o lobby das corporações.
Militares
O futuro ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, anunciou, ontem, os novos comandantes militares:
Antônio Carlos Moretti Bermudez, da Aeronáutica, é gaúcho, foi comandante da Base Aérea de Brasília, diretor-geral do Departamento de Ensino da Aeronáutica e adido de Defesa e Aeronáutico nas embaixadas do Brasil na França e na Bélgica. Atualmente, é o comandante-geral de Pessoal da FAB.
O general Edson Legal Pujol, futuro comandante do Exército, é colega de turma de Bolsonaro. Foi comandante Militar do Sul, secretário de Economia e Finanças, chefe do Centro de Inteligência do Exército, e instrutor na Academia Militar das Agulhas Negras. Comandou a Força de Paz Minustah, no Haiti, e atuou como observador militar da ONU em El Salvador.
O almirante Ilques Barbosa Júnior, paulista, é o chefe do Estado-Maior da Armada (EMA), foi comandante do 1º Distrito Naval, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação da Marinha e diretor de Portos e Costas.
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Luiz Carlos Azedo: Vamos às urnas!
“Os eleitores querem segurança, saúde, educação, emprego e moradia. Não se resolve esses problemas com uma retórica vazia”
Antes de mais nada, o eleitor brasileiro está cada vez mais consciente da importância de seu voto e do poder que isso lhe atribui para mudar a realidade política do país. Foi um longo aprendizado, que passou de geração em geração. Em 1974, por exemplo, o tsunami acabou com a maioria absoluta que o governo militar tinha no Senado. Em 1978, impôs a necessidade de abertura política, que resultou na anistia. Em 1982, se não foi suficiente para restabelecer as eleições diretas para presidente da República, em 1985, viabilizou a eleição de Tancredo Neves. O caminho para a conquista da democracia foi o voto popular, sem embargo dos protestos, greves e articulações políticas. Não foi a luta armada, uma trágica tolice política, por mais glamorizada que seja por alguns.
Há uma astúcia popular no voto sufragado que precisa ser levada em conta. Desde 1989, o povo vem fazendo escolhas nas eleições que fazem algum sentido. Foi assim, com Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Quando viu o desejo manifesto nas urnas frustrado, foi às ruas apoiar o impeachment do presidente da República. Foi o que aconteceu com Collor de Mello e Dilma Rousseff. Golpe? Golpe coisa nenhuma. Ambos foram apeados do poder com base na Constituição de 1988, que estabelece as regras do jogo, e por erros graves na condução do país.
Ninguém leva o eleitor para votar puxando-o pelo nariz. O povo tem seus motivos para fazer escolhas. Nessas eleições, consideradas atípicas, há um claro sentido de ruptura, por causa do desgaste do sistema político, da violência no cotidiano, da corrupção desnudada dada pela Operação Lava-Jato, do desemprego em massa e da falta de perspectivas. Isso está mais do que evidente. Apesar de ter feito uma contrarreforma política para blindá-la, a elite política caiu do galho. Uma geração está sendo aposentada pelas urnas, outra foi expurgada pela Lei da Ficha Limpa.
Isso não significa que a renovação política está concretizada, mas essa foi a sinalização do eleitor. Uma das dificuldades para entender o sentido dessa disruptiva no processo político é narrativa dos candidatos, que tem um caráter regressivo. A discussão eleitoral parece uma “vendeta”, que remonta à crise política de 1964. Lá se vão 54 anos! A maioria dos eleitores nem havia nascido. A radicalização direita versus esquerda protagonizada por Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) é um grande “dejà vu”, não passa disso.
Por que isso acontece? Talvez porque as forças conservadoras que apoiaram o regime militar durante 20 anos, nos últimos 30 anos ficaram sem representação política à altura de um novo projeto de poder. Seu último grande representante foi o senador Jarbas Passarinho (PDS-PA), que foi ministro da Justiça de Collor de Mello e presidiu a CPI do Orçamento, perdendo a seguir a reeleição ao Senado, em 1994. Talvez porque as forças que governaram o país durante os governos Lula e Dilma, após o impeachment da presidente Dilma Rousseff, fizeram de tudo para se perpetuar no poder e não querem ficar muito tempo fora dele, o que será provável se perderem.
Contingências
A nossa realidade parece um copo d’água pela metade. O Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com eleições livres, diretas e secretas, à prova de fraude e apuradas no mesmo dia. Mas ambos os candidatos já constroem teorias conspiratórias para não aceitar seu resultado. Entretanto, o que surgir das urnas é o veredicto popular, “duela a quien le duela”.
As forças moderadas e centristas do país, que sempre se movimentaram pendularmente, viraram marisco nas eleições, mas não foram riscadas do mapa. Continuam influentes nas estruturas de poder, nas instituições republicanas, na grande mídia e na chamada sociedade civil. Podem até influenciar o resultado da eleição e surpreender! A disputa eleitoral parece uma guerra de movimentos; devido à radicalização, uma guerra de posições se iniciará após as eleições. Entretanto, a dicotomia fascismo ou comunismo que deu o tom nesta reta final não faz o menor sentido. Se fosse verdadeira, nos levaria a uma guerra civil.
Os vitoriosos também logo descobrirão que tropas de assalto não são eficientes para ocupação.É preciso ir devagar com o andor. Na verdade, as contingências são outras. A primeira é o equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. A segunda, a relação entre os entes federados: União, estados e municípios. A terceira, a relação entre Estado e sociedade, que passa também pela economia. Quem vencer as eleições assumirá um governo que gasta mais do que arrecada, não tem capacidade de investimento e presta péssimos serviços à população. Os eleitores querem segurança, saúde, educação, emprego e moradia. Não se resolve esses problemas sem reforma fiscal e com uma retórica vazia. Trocando em miúdos, como em toda democracia, quem ganhar deve levar. Mas terá que trabalhar muito para não frustrar seus eleitores. Não fará o que quer, quando e como quiser; será escravo das suas próprias circunstâncias.
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Luiz Carlos Azedo: Algo se move
“Pesquisas demonstram alterações de comportamento do eleitor na reta final da campanha, que será encerrada amanhã. No primeiro turno, houve grandes surpresas nesses três últimos dias”
A pesquisa do Ibope de terça-feira sinaliza que algo se move entre os eleitores. O dado mais surpreendente é a virada do candidato do PT na cidade de São Paulo, na qual Fernando Haddad ultrapassou Jair Bolsonaro (PSL): 51% a 49%. No primeiro turno, Haddad recebeu 19,7% dos votos dos paulistanos, contra 44,58% de Bolsonaro. Em 2014, Aécio Neves venceu com 63,85% dos votos na capital paulista, contra 36,15% de Dilma Rousseff (PT). Haddad foi prefeito da capital, mas não se reelegeu em 2016. Foi derrotado por João Doria (PSDB) no primeiro turno. Analistas consideram essa mudança um caso isolado e atribuem o fenômeno à rejeição do tucano, que abandonou a Prefeitura de São Paulo com 15 meses de mandato. Os resultados no interior corroboram a tese, porque Bolsonaro lidera a disputa no estado de São Paulo com 64% dos votos válidos contra 36% de Haddad.
Em todo o país, o resultado do Ibope mostra oscilação no limite da margem de erro: Bolsonaro caiu de 59% para 57%, enquanto Haddad subiu de 41% para 43% dos votos válidos. Na votação espontânea, a queda de Bolsonaro é de cinco pontos, de 47% para 42%, enquanto Haddad sobe ligeiramente, de 31% para 33%. Esses números estão diretamente relacionados à rejeição dos candidatos. A de Haddad caiu de 47% para 41%, enquanto a de Bolsonaro subiu de 35% para 40%. As intenções de voto do candidato do PSL oscilaram para baixo na faixa entre 25 e 55 anos, entre homens e mulheres, brancos, negros e pardos, em todas as faixas de escolaridade, (exceto nível superior) e na faixa de renda entre 2 e 5 salários-mínimos.
Os dados da eleição por região revelam indícios de movimentação eleitoral: na região Nordeste, Bolsonaro subiu de 33% para 34%; Haddad, caiu de 57% para 53%. No Norte/Centro-Oeste, o militar da reserva caiu de 59% para 55%; o petista subiu de 33% para 36%. No Sudeste, Bolsonaro caiu de 58% para 54%, e Haddad subiu de 29% para 31%. No Sul, o candidato do PSL oscilou de 62% para 60%, e o petista, de 28% para 29%. Esses resultados demonstram alterações de comportamento do eleitor na reta final da campanha, que será encerrada amanhã. No primeiro turno, em alguns estados, houve grandes surpresas nesses três últimos dias.
O PT faz uma campanha dura e agressiva contra Bolsonaro, na qual resgata posturas e atitudes que o candidato do PSL gostaria que fossem esquecidas pelos eleitores. A estratégia de Haddad é caracterizar a eventual eleição de Bolsonaro como uma volta à ditadura, o que não é verdade, mas ganha veracidade quando acompanhada de antigas declarações do candidato e episódios recentes de sua campanha. As ameaças de seu filho Eduardo Bolsonaro, deputado eleito com a maior votação do país, contra o Judiciário, continuam sendo exploradas por Haddad. Bolsonaro também ameaçou adversários com a prisão e o exílio.
Essas declarações se tornaram verdadeiros bumerangues na campanha eleitoral. O candidato do PSL sentiu o golpe. Orientou seus partidários a não entrarem em confronto físico com os petistas e voltou a dar declarações para suavizar sua imagem e neutralizar os ataques dos adversários. Tem uma vantagem robusta ainda, mas eleição não se ganha de véspera. Mesmo quando já se está com a mão na faixa, ela precisa passar pela cabeça.
Fake news
A Polícia Federal está jogando duro com as usinas de fake news. Encarregado das investigações sobre crimes eleitorais na internet, o delegado Flávio Coca comandou operações em cinco estados para combater violações de sigilo de voto e ameças de morte: “As pessoas pensam que a polícia não vai chegar nelas ou que a Justiça não vai alcançá-las por estarem na internet, estarem atrás de um celular, de um teclado de computador. Mas se enganam, porque os olhos alcançam até as pessoas que estão imaginando que estão ocultas na internet. Não estão!”
A PF executou quatro mandados de busca e apreensão nas cidades de São Paulo (SP), Sorocaba (SP), Uberlândia (MG) e Caxias do Sul (RS). Foram intimados investigados nos municípios de Juiz de Fora (MG), Varginha (MG), Recife (PE), Caxias do Sul (RS) e Tomé-Açu (PA). Em Uberlândia, um jovem de 21 anos, que postou mensagens incitando a violência dois dias após o primeiro turno, foi identificado. Em Juiz de Fora, uma jovem de 25 anos. Um dos investigados foi identificado por reconhecimento facial.
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