Partidos

Luiz Carlos Azedo: Reforma avança na Câmara

“A reforma da Previdência modifica as regras de aposentadoria para o setor privado e servidores da União. Valerá para quem ainda não trabalha. Os que já estão trabalhando terão regras de transição”

A Comissão Especial da Câmara aprovou ontem, por 36 votos a 13, o texto-base da reforma da Previdência, de autoria do relator Samuel Moreira (PSDB-SP), que analisou e fez alguns ajustes na proposta original do governo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ainda acredita que possa aprovar a reforma em plenário antes do recesso. Dezessete destaques foram apresentados à comissão, mas 16 foram rejeitados, inclusive dois que contavam com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, para flexibilizar as regras propostas para aposentadorias de policiais. O único aceito excluiu policiais militares do texto.

A reforma da Previdência é a principal proposta da equipe econômica para resolver o problema da crise fiscal. Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, em encontro com empresários em São Paulo, era só elogios ao Congresso por causa da aprovação do texto-base. Guedes não só aposta numa economia de R$ 1 trilhão, com aprovação da reforma, como voltou a falar que não perdeu a perspectiva de implantar um plano de capitalização.

A reforma da Previdência modifica as regras de aposentadoria para funcionários do setor privado e servidores públicos da União. Valerá para quem ainda não começou a trabalhar. Os que já estão trabalhando e contribuindo para o INSS ou o setor público terão regras de transição. Servidores estaduais e municipais foram excluídos da reforma; governadores e prefeitos terão que fazer reformas específicas nos seus estados.

A idade mínima de aposentadoria passou a ser 65 anos para homens e 62 anos para mulheres do setor público e do privado; no caso dos professores, 60 anos para homens e 57 anos para mulheres. O tempo de contribuição no setor privado passou a ser de 20 anos para homens e 15 anos para mulheres; no setor público, 25 anos para homens e mulheres. Essas regras valerão para quem ainda não começou a trabalhar.

Os que já trabalham e contribuem para o INSS ou o setor público terão regras de transição. A idade mínima subirá gradativamente: começa em 61 anos (homens) e 56 anos (mulheres) e terá acréscimo de seis meses por ano. Em 2021, por exemplo, será de 62 (homens) e 57 (mulheres).

De fora

O relator Samuel Moreira excluiu de seu relatório propostas polêmicas do projeto original do governo, como a capitalização, por meio da qual cada trabalhador poderia fazer a própria poupança. Essa proposta continua sendo, porém, uma meta a ser alcançada para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que pretende apresentar um novo projeto sobre essa questão depois de aprovada a reforma pelo Congresso.

Estados e municípios também ficaram de fora, apesar das pressões dos governadores. A ampla maioria dos deputados não quis estender a reformas aos demais entes federados, com medo de retaliação dos servidores estaduais e municipais nas eleições. O relator também deixou de fora a “desconstitucionalização” das regras de idade e tempo de contribuição e as mudanças nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo, que é pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. O governo queria pagar um salário mínimo após os 70 anos (hoje é a partir dos 65), com a possibilidade de pagar R$ 400 a partir dos 60 anos.

Atritos

As pressões de última hora de Bolsonaro para incluir na reforma as reivindicações dos policiais agastaram ainda mais as relações do líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Na quarta-feira, os dois chegaram a ter uma discussão ríspida na reunião de líderes por causa da insistência de Bolsonaro em mudar o relatório de Samuel Moreira por causa dos desgastes que teve com os policiais que sempre o apoiaram.

Além de ser um parlamentar de primeiro mandato, sem amplo trânsito entre os líderes da Câmara, Vitor Hugo sofre um permanente fogo amigo da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-PR), que trabalhou pela derrubada dos destaques. Joice tem muito mais trânsito entre os colegas da Câmara e é respeitada por cumprir acordos. Vitor Hugo, porém, tem a confiança de Bolsonaro.

Ontem, o general Luiz Eduardo Ramos foi empossado por Bolsonaro como novo ministro da Secretaria de Governo, passando a responder pela articulação política. General de Exército e amigo de Bolsonaro, o militar teve uma breve experiência como assessor parlamentar do Exército no Congresso. Entra no lugar do também general Santos Cruz, que exerceu o cargo em permanente queda de braço com um dos filhos de Bolsonaro, Carlos, e o ideólogo de seu grupo político, Olavo de Carvalho.

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Luiz Carlos Azedo: O senso dos exaltados

“A radicalização inibe os agentes econômicos e atrasa a aprovação das reformas que podem retirar a economia da estagnação, principalmente a da Previdência”

Muitos cartazes e faixas nas manifestações de domingo passado em apoio ao presidente Jair Bolsonaro e ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, tinham um significado muito claro: defendiam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF). Legítimas palavras de ordem em favor da reforma da Previdência, da Operação Lava-Jato e da legislação anticrime, fatores de mobilização da opinião pública, foram desvirtuadas por algumas lideranças que defendem a substituição de nossa democracia representativa por um regime autoritário.

Militantes do Vem Pra Rua e do MBL, que convocaram os protestos, foram agredidos por integrantes de grupos de extrema direita que defendem a transformação do governo num regime militar. O MBL e o Vem Pra Rua surgiram durante o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, mas não participaram das manifestações pró-Bolsonaro de maio passado por terem sido convocadas para pressionar o Congresso e o Supremo. Entretanto, apoiam a Lava-Jato e Sérgio Moro. Por isso, convocaram a manifestação de domingo, que foi engrossada pelos militantes que defendem uma intervenção militar. Os dois grupos se estranharam. Na Avenida Paulista, somente não houve um conflito generalizado por intervenção da Polícia Militar, que conteve os mais exaltados.

Tais fatos merecem uma reflexão sobre o nível de exacerbação criado pela radicalização política. Alguém já disse que o senso comum em relação a certos temas nem sempre coincide com o bom senso. Os protestos foram convocados depois que o site The Intercept Brasil passou a divulgar supostas trocas de mensagens entre Moro e procuradores da Lava-Jato em Curitiba, que sugerem a intervenção do então juiz federal na condução da operação, inclusive com a indicação de possíveis testemunhas. Há duas discussões cruzadas na questão: uma trata da objetividade dos crimes cometidos pelos réus da Lava-Jato e as penas em relação aos seus atos; a outra, da necessária separação de papéis entre quem investiga, quem acusa e quem julga, pressupostos da ordem democrática. A esfera de decisão sobre esses assuntos é o Poder Judiciário.

É óbvio que, na democracia, o povo tem direito de se manifestar como quiser. Tanto o Congresso como o Supremo têm que saber suportar a crítica das ruas. Mas não é uma boa política o Executivo estimular esse tipo de mobilização, muito menos um ministro de Estado como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, subir no palanque como se fosse mais um militante de direita radical.

Por uma série de razões, entre as quais a situação da economia, o presidente Jair Bolsonaro vive um momento delicado de seu governo, que ainda não deslanchou e perde popularidade. Em circunstâncias normais, diante da agenda do governo no Congresso e dos problemas da economia, o movimento natural seria a busca de negociação política. Mas não é isso que acontece. Essa mudança na chamada “correlação de forças” anima a oposição a retomar a iniciativa política e, em contrapartida, estimula o presidente da República a buscar apoio nas ruas, mobilizando sua base eleitoral mais ideológica.

Radicalização

Tanto os setores governistas mais moderados quanto os da oposição estão sendo frustrados nas tentativas de negociação política por causa dos mais exaltados. De um lado, o PT mantém uma ofensiva contra a Lava-Jato e Sérgio Moro, na expectativa de que o Supremo anulará o processo contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por causa do suposto relacionamento indevido do ex-juiz com os procuradores da força-tarefa de Curitiba. De outro, o presidente Jair Bolsonaro agarra a bandeira da luta contra corrupção e manipula a opinião pública contra os demais poderes, para deslocar a linha de apoio do seu governo para a fronteira majoritária que respalda a Lava-Jato.

Esse ambiente de radicalização, porém, inibe os agentes econômicos e atrasa a aprovação das reformas que podem retirar a economia da estagnação, principalmente a da Previdência. Os lobbies contrariados pela reforma estão organizados e atuam intensamente no Congresso para manter seus privilégios. Como são setores incrustados no aparelho de Estado, em todos os níveis, têm mais poder de barganha do que os demais trabalhadores a serem atingidos pelas mudanças na Previdência, principalmente os do setor privado, cujos sindicatos estão muito enfraquecidos em razão do desemprego e do fim do imposto sindical.

A situação somente não é mais desfavorável à aprovação da reforma porque há um esforço para blindar a economia de parte das principais lideranças da Câmara, lideradas pelo seu presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi muito atacado nas manifestações. Na linha de frente das pressões corporativistas para manter os privilégios na reforma estão partidários do presidente Jair Bolsonaro e do ex-presidente Lula. É a chamada unidade dos contrários.

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Luiz Carlos Azedo: Meus liberais preferidos

“O presidente da República não está empenhado em construir um amplo apoio no Congresso. É homem de confronto, gosta da radicalização de extrema direita e do embate político na sociedade”

Três homens públicos conduziram o processo de luta contra o regime militar no antigo MDB, eram velhos caciques do antigo PSD: Ulisses Guimarães (SP), um democrata radical; Tancredo Neves (MG), um liberal moderado; e Amaral Peixoto (RJ), um conservador. Havia outros, mas nada acontecia sem que os três entrassem em acordo. Para quem não sabe, desses três, quem apoiou o golpe militar e depois se arrependeu foi Ulysses. Não foi o único, o ex-presidente Juscelino Kubitschek (PSD) também apoiou a derrubada do presidente João Goulart, para surpresa de muitos, pois era o favorito disparado às eleições convocadas para 1965.

Governadores poderosos conspiraram de forma decisiva a favor do golpe: Carlos Lacerda (UDN), da antiga Guanabara; Magalhães Pinto (UDN), de Minas; e Ademar de Barros (PSP), de São Paulo. Acreditavam que a destituição de João Goulart facilitaria a chegada deles à Presidência da República. Acontece que os militares liderados pelo marechal Castelo Branco, que assumira a Presidência, pretendiam ficar longo tempo no poder.

Homens de articulação política, Ulysses, Tancredo e Amaral, sem pretensões presidenciais à época — afinal, a barra estava muito pesada —, sobreviveram às cassações por subversão ou corrupção, mantiveram seus direitos políticos e respectivos mandatos. Resolveram apoiar a formação do MDB, o único partido de oposição permitido pelo regime, que quase se dissolveu em 1970, após acachapante derrota eleitoral para a Arena, o partido do governo.

Após assumir o comando do MDB no lugar de Pedroso Horta, num lance quixotesco, Ulysses se lançou anticandidato a presidente da República na sucessão do general Garrastazu Médici, o mais linha-dura dos presidentes militares, em 1973, confrontando a candidatura de cartas marcadas do general Ernesto Geisel. Pavimentou, assim, com apoio de Tancredo, Amaral e outros líderes de oposição, a surpreendente vitória do MDB nas eleições de 1974. Se observarmos a trajetória de cada um dos três caciques até a redemocratização, porém, veremos que caminharam juntos, mas com estratégias diferentes.

Ulysses apostou no cenário de ruptura com o regime, a partir da mobilização da sociedade, com uma narrativa de democrata radical. Quase chegou lá com a campanha das Diretas Já. Tancredo confiou na sua capacidade de articulação política, buscou criar um partido, o PP, para viabilizar uma transição democrática negociada com os militares, mas teve que voltar atrás com o Pacote de Abril de 1977, um retrocesso na abertura de Geisel. Amaral, que considerara o golpe de 1964 “a morte da política”, apostou na transição por dentro do regime e assumiu o comando do PDS, no qual a antiga Arena havia se metamorfoseado, para viabilizar um político civil na sucessão de Figueiredo. A escolha de Paulo Maluf como candidato do governo frustrou seus planos. Mas havia Tancredo…

Conciliação
O mais importante, nessa retrospectiva, creio, é que os três políticos sempre acabavam se acertando. Eram craques da política de conciliação. No dia seguinte à votação das Diretas Já, que não foi aprovada, os três se reuniram para selar a aliança que garantiria maioria para Tancredo no colégio eleitoral. Um racha no partido do governo deu origem ao Partido da Frente Liberal (PFL) e garantiu o cargo de vice-presidente na chapa de Tancredo para o então governista José Sarney, um antigo integrante da UDN Bossa Nova.

Sim, houve ampla mobilização popular, uma onda sem precedentes de greves e mobilizações estudantis; novas lideranças despontavam, como o então líder operário Luiz Inácio Lula da Silva, além de políticos como Franco Montoro, Mário Covas, Leonel Brizola, Fernando Henrique Cardoso. Mas a direção política do processo era deles e resultou na eleição de Tancredo Neves. Político moderado, prometia fazer um governo com essas características, quiçá, parlamentarista.

A morte de Tancredo privou o país de um governo liberal no momento mais favorável. O presidente Sarney, que assumiu a Presidência por um trágico acaso, a. Morte de Tancredo, foi contingenciado pela liderança incontestável de Ulysses ‘Guimarães na Constituinte e de Lula, nos movimentos sociais. Tentou implementar políticas desenvolvimentistas que flertavam com o populismo. Faltava-lhe condições de governabilidade para impor um programa liberal. Seu legado é uma Constituição cidadã comprometida com os direitos humanos, mas cujo caráter estatizante e nacional-desenvolvimentista vem sendo objeto de sucessivas emendas constitucionais. Entretanto, Sarney é um exemplo de paciência e ponderação na política, que o faz ouvido até hoje, já nonagenário.

Depois do fracasso do governo Collor de Melo, que renunciou ao mandato em razão da campanha do impeachment, mas deixou como herança a abertura da economia, a agenda da oposição ao regime militar foi sendo gradativamente implementada pelos governos seguintes. Com grande sucesso nos casos de Fernando Henrique Cardoso (combate à inflação e privatizações) e Lula (ampliação do acesso à universidade e distribuição de renda), ou fracasso retumbante, caso de Dilma Rousseff. Michael Temer tirou o país da recessão, mas foi atropelado pela Lava-Jato quando estava em vias de aprovar a reforma da Previdência.

Teoricamente, a eleição de Bolsonaro possibilitaria a formação de um governo conservador que realizasse as tarefas inconclusas dessa velha agenda liberal da transição à democracia, havia expectativas do mercado e de setores da sociedade quanto a isso. Ledo engano. O presidente da República não está empenhado em construir um amplo apoio no Congresso. É homem de confronto, gosta da radicalização de extrema direita e do embate político na sociedade. Essa é a sua personalidade. O pior, porém, é o caráter reacionário da narrativa política que escolheu, que busca barrar mudanças do nosso tempo, na base do pare a História, nós vamos descer.

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Luiz Carlos Azedo: A revolta dos perus

“Houve entendimento entre governistas e oposição quanto aos termos do acordo, mesmo assim, há resistências nas bancadas dos respectivos estados para aprovar a reforma da Previdência, apesar do acordo de governadores”

Não vai ser nada fácil convencer os deputados federais a aprovarem a inclusão de estados e municípios na reforma da Previdência, apesar da grande mobilização dos governadores para que a reforma seja única. Ontem, no Congresso, além de chegarem a um consenso sobre os pontos que devem ser excluídos da reforma, 25 dos 27 governadores fizeram corpo a corpo no Congresso com as bancadas de seus estados, mas não adiantou muito. Os deputados estão refugando, como perus convidados para a ceia de Natal. O acordo dos governadores exclui do texto o regime de capitalização proposto pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Também propõe a manutenção das regras atuais da aposentaria rural e de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e a deficientes carentes.

Apenas os governadores do Maranhão e do Amazonas não participaram do encontro. O relator da reforma da Câmara, deputado Samuel Moreira(PSDB-SAP); o presidente da Comissão Especial, deputado Marcelo Ramos (PL-AM); o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); e a líder do governo Bolsonaro no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), participaram da reunião, da qual foram porta-vozes os governadores do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB); de São Paulo, João Dória (PSDB); e do Piauí, Wellington Dias (PT). Houve entendimento entre governistas e oposição quanto aos termos do acordo, mesmo assim, há resistências nas bancadas dos respectivos estados.

“Esse acordo não passa na Câmara. Na bancada de Minas, por exemplo, somente oito dos 53 deputados aceitam incluir estados e municípios”, dispara o deputado Fábio Ramalho(MDB-MG). “Quero ver o governador do meu estado convencer a Assembleia de Minas a aprovar a reforma”, desafia. Ramalho é porta-voz do chamado baixo clero da Câmara, que costuma jogar duro nas negociações. Em contrapartida, seu colega Domingos Sávio (PSDB-MG) foi à tribuna, durante votação dos créditos suplementares para o governo federal pelo Congresso, para comemorar o fato de seu partido ter fechado questão a favor da reforma da Previdência. Ele é um dos oito mineiros que, até agora, defendem a reforma unificada.

Matou no peito
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), matou no peito a proposta de CPI para investigar a Lava-Jato. Já avisou que, se for apresentado o requerimento, vai engavetar o pedido, da mesma forma como fez com a CPI do Judiciário, por ser inconstitucional. Durante sessão do Congresso, Alcolumbre anunciou que o ministro da Justiça, Sérgio Morto, comparecerá ao Senado para dar esclarecimentos sobre suas conversas com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato, vazadas no domingo pelo site Intercept.

Na contra-ofensiva, o Palácio do Planalto se antecipou à eventual convocação do ministro, depois de uma negociação entre a presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Simone Tebet (MDB-MS), e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE). Quando era juiz da 13ª. Vara Federal de Curitiba, responsável pela Lava-Jato, Moro orientou ações e cobrou novas operações dos procuradores que atuam na Lava-Jato, por meio do aplicativo de mensagens Telegram.

Os bastidores da Lava-Jato foram um dos temas mais discutidos no Congresso ontem, mas o governo reagiu em linha em defesa do ministro da Justiça, para neutralizar as críticas da oposição. Até o general Eduardo Villas Boas, assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), saiu em defesa do ex-juiz. O ex-comandante do Exército disse que “a insensatez e o oportunismo” ameaçam a Lava-Jato e manifestou “respeito e confiança” no ministro da Justiça. A Polícia Federal investiga os vazamentos, que o Palácio do Planalto considera uma “ação orquestrada”.

Moro também foi blindado pela decisão do corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Humberto Martins, que arquivou o pedido de que fosse investigado. “A adoção da tese de que seria possível se aplicar penalidade a juiz exonerado criaria uma situação no mínimo inusitada: o juiz pediria exoneração, cortando seu vínculo com a administração, e a instância administrativa instauraria um procedimento que, se ao final concluísse pela aplicação da penalidade, anularia a exoneração e aplicaria ao juiz a aposentadoria compulsória com proventos proporcionais.”

No Supremo Tribunal federal (STF), os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello criticaram a postura de Moro e dos procuradores da Lava-Jato, revelada pelas mensagens, mas o ministro Luís Barroso saiu em defesa dos integrantes da força-tarefa e do ministro. Nos bastidores da Corte, o assunto é muito quente, por causa do julgamento do pedido de liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela Segunda Turma do STF, marcado para o próximo dia 25, em razão de o ministro Gilmar Mendes, que havia pedido vista, ter liberado o processo para votação. Trata-se de habeas corpus apresentado no ano passado, no qual a defesa de Lula questiona a atuação de Moro durante o processo que condenou o ex-presidente.

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Luiz Carlos Azedo: Governistas batem cabeças

“Enquanto os líderes da base governista se desentendem, as raposas da Câmara vão emplacando medidas que fortalecem o Congresso”

A sessão do Congresso que examinava os vetos presidenciais em diversas leis aprovadas no Legislativo terminou em bate-boca entre a líder do governo, Joice Hasselman (PSL-SP), e o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL-SP), ambos do partido do presidente Jair Bolsonaro. Da tribuna, o parlamentar paulista acusou o governo de não cumprir acordo, em razão da derrubada de um veto que beneficiava os agentes penitenciários. Diante do desentendimento, o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), suspendeu a sessão e marcou para a próxima semana a votação dos destaques que ficaram pendentes.

Major Olímpio disse que foi enganado pela líder do governo, que rebateu as acusações. Após a sessão, Hasselman explicou que o governo negociou a manutenção dos vetos que eram prioritários e os encaminhou à votação, cabendo aos partidos decidir como votar. “Não posso sacar um revólver e obrigar as bancadas a votarem, todas estão divididas. Unir as bancadas é tarefa dos líderes de cada partido”, disse a líder do governo. Por trás do desentendimento, há uma disputa por protagonismo na seção paulista do PSL, ambos são potenciais candidatos à Prefeitura de São Paulo. O episódio foi mais uma demonstração da desarticulação do governo no Congresso, onde os aliados de Bolsonaro se digladiam quase toda semana.

A oposição ao governo até se finge de morta nessas horas, mas se aproveita da desarticulação do governo sempre que pode. Foi o que aconteceu na reunião da Comissão Mista do Orçamento, pela manhã, quando a sessão foi derrubada por falta de quórum, em razão de um requerimento da oposição. A manobra retirou da pauta do Congresso a aprovação de crédito suplementar para o governo fechar as suas contas, pois a proposta precisaria primeiro ser aprovada pela comissão. O governo precisa de R$ 248,9 bilhões para fechar suas contas, dos quais precisa de autorização específica do Congresso para utilizar cerca de R$ 146,7 bilhões oriundos de títulos públicos, que serão destinados ao pagamento de despesas correntes. Sem autorização, ou deixa de pagar ou comete crime de responsabilidade fiscal.

Orçamento
Enquanto os líderes da base governista se desentendem, as raposas da Câmara vão emplacando medidas que fortalecem o Congresso. Ontem, a Câmara dos Deputados aprovou emenda à Constituição (PEC) que altera as regras de tramitação de medidas provisórias. A PEC recebeu 394 votos a favor em primeira votação; na segunda, foram 351 votos favoráveis. Como foi modificada pelos deputados, o texto voltará ao Senado para ser novamente apreciado.

As MPS têm força de lei após simples publicação no Diário Oficial da União, mas precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional em até 120 dias. Caso isso não ocorra, perdem a validade. A PEC das medidas provisórias proíbe a inclusão de “jabutis” nos projetos originais e restringe a apresentação as MPS aos casos de estrita necessidade. Também muda os prazos para apreciação, aumentando o tempo para o Senado examiná-las. O rito proposto é o seguinte: comissão mista, 40 dias, a partir do segundo dia útil após a edição da MP; plenário da Câmara, 40 dias, após o plenário receber o texto aprovado pela comissão mista; plenário do Senado, 30 dias, após a aprovação da Câmara. Caso haja modificação, a Câmara terá até 10 dias para votar a nova redação, regra que já existe.

No mesmo dia, a Câmara dos Deputados aprovou a proposta de emenda à Constituição (PEC) do Orçamento Impositivo, que obriga o Executivo federal a pagar as emendas parlamentares de bancada previstas no Orçamento da União. A aprovação foi relâmpago, como sempre ocorre quando se forma ampla maioria na Casa. A emenda constitucional foi apreciada no dia seguinte de sua aprovação na comissão especial, por acordo de lideranças, o que permitiu que os dois turnos de votação ocorressem na mesma sessão. A proposta já havia sido aprovada em março, mas sofreu modificações no Senado e precisou ser apreciada novamente. Agora, seguirá para a promulgação do Congresso. Entretanto, as mudanças sugeridas pelos deputados ontem voltarão ao Senado para nova votação. Esse é o rito regimental de um Congresso bicameral.

Pela proposta, as emendas de bancada que alocam recursos do Orçamento em projetos de escolha dos parlamentares de cada estado não poderão ser contingenciadas pelo governo. Hoje, o pagamento é obrigatório apenas para as emendas individuais dos congressistas. Além disso, todos os investimentos previstos no Orçamento também terão que ser executados, o que engessa a execução orçamentária do governo.

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Luiz Carlos Azedo: O caminho do meio

“Não há dúvida de que a reforma será aprovada. A disputa se dará para ver quem pagará o maior ônus pela reforma. O mais provável é uma aliança entre as corporações e o mercado, para entregar os anéis e salvar os dedos”

Nem bem o governo Bolsonaro completou cinco meses, armam-se ao centro e à esquerda projetos de poder que miram as eleições de 2022. Um deles está claríssimo, é a frente de esquerda encabeçada pelo PT, que se articula em torno do Lula Livre! Alguns poderão achar que é uma loucura política, pois o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso e a legenda foi derrotada nas urnas exatamente por causa do antipetismo da maioria do eleitorado. Mas, vejam bem, mesmo assim, o candidato do PT, Fernando Haddad, chegou ao segundo turno e a legenda elegeu a segunda bancada na Câmara. Trata-se, agora, de uma estratégia que procura manter essas forças aglutinadas nas eleições municipais do próximo ano, principalmente nas capitais, e apostar num ajuste de contas que parte da torcida pelo fracasso do atual governo.

O “Lula livre!”, porém, é música aos ouvidos do presidente Jair Bolsonaro. É tudo o que precisa para deslegitimar os movimentos sociais e as reações da sociedade civil aos desatinos de alguns de seus ministros, principalmente quanto à educação e ao meio ambiente, à política externa e aos costumes. Bolsonaro procura manter a tensão política para pressionar o Congresso a aprovar suas propostas de desregulamentação da economia e desconstrução de políticas sociais que considera “socialistas”, embora sejam heranças social-liberais dos seus antecessores. A polarização com Lula e o PT serve para manter o centro político descolado da oposição de esquerda. A estratégia funciona no plenário da Câmara e nas redes sociais, mas não reflete o realinhamento político que está em curso no Congresso e na sociedade.

As forças políticas derrotadas por essa polarização nas eleições, quando ficaram de fora do segundo turno, já se movimentam para construir uma alternativa de poder. O resultado do estranhamento entre Bolsonaro e o Congresso é uma maior autonomia do parlamento, que pode até vir a ser um legado político muito positivo de seu governo. No momento, porém, é apenas um desconforto recíproco, mas algumas reformas em discussão na Casa podem consolidar uma nova relação institucional entre o Executivo e o Legislativo. Duas delas miram claramente esse objetivo: a primeira é reforma tributária, baseada no projeto do economista Bernardo Appy, e não nas propostas do secretário de Receita, Marcos Cintra, com o objetivo de fortalecer estados e municípios; a segunda, a emenda constitucional que limita a edição de medidas provisórias pelo presidente da República. As duas emendas que caducaram ontem, porque não foram votadas no Senado, uma sobre saneamento e outra sobre o Código Florestal, são uma demonstração de que a tal correlação de forças já está mudando.

Unidade tucana
Busca-se o caminho do meio, ou seja, a aglutinação das forças de centro-direita (o Centrão) e centro-esquerda (MDB, PSDB, Cidadania) no Congresso. O terreno no qual isso já ocorre é a reforma da Previdência, cujo comando foi entregue pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a essas forças. A única reforma possível depende do entendimento desse campo e do movimento pendular que fará no decorrer das votações, ora se aliando aos bolsonaristas, encabeçados pelo PSL, ora atraindo os setores de esquerda, liderados pelo PT. Não há dúvida de que a reforma será aprovada. A disputa se dará para ver quem pagará o maior ônus pela reforma. O mais provável é uma aliança entre as corporações e o mercado, muito bem representados no Congresso, para entregar os anéis e salvar os dedos dos servidores públicos e descarregar o peso maior da reforma sobre os trabalhadores do setor privado, que não estão representados suficientemente. Quanto isso significará de economia para o Tesouro é o grande mistério da reforma. Dificilmente, será R$ 1,1 trilhão como quer o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Enquanto o DEM pontifica no Congresso, o PSDB sinaliza a direção que pretende seguir no plano eleitoral, ao entregar o controle da legenda ao governador de São Paulo, João Doria, por intermédio do deputado Bruno Araújo (PE). Ao contrário do que muitos previam, não houve um racha na legenda. Com o Palácio dos Bandeirantes e a Prefeitura de São Paulo sob controle da sigla, seria muita loucura os tucanos paulistas embarcarem numa luta fratricida. O congresso do partido resultou numa composição geral da legenda, com os velhos caciques se acertando com Doria e os chamados “cabeças pretas”. O movimento do governador paulista em direção ao centro foca os eleitores que votaram em Bolsonaro devido ao sentimento antipetista. Doria já se distanciou de Bolsonaro e busca uma aliança com o DEM em nível nacional; se for candidato em 2022, a legenda aliada herdará o governo de São Paulo sem fazer muita força.

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Luiz Carlos Azedo: A ética na política

“No Brasil, onde não existe regulamentação do lobby, todos os políticos defendem o “bem comum”, ninguém assume a política como negócio, com exceção, talvez, da bancada ruralista”

“A política como vocação”, clássico da ciência política, é o texto de uma conferência realizada por Max Weber em 1918, e publicado em 1919 na Alemanha. O sábio economista e jurista alemão trata a política como “o conjunto de esforços feitos visando à participação do poder ou a influenciar a decisão do poder, seja entre Estados, seja no interior de um único Estado”. Segundo ele, quem se mete com a política quer poder, seja para fins ideais, por interesses econômico-financeiros ou em busca de prestígio. Para que o poder exista, porém, é preciso que a sociedade aceite a dominação do Estado.

Há três formas de dominação no Estado moderno: a tradicional, que se fundamenta e se legitima no passado, pela tradição; o domínio exercido pelo carisma e se fundamenta em dons pessoais e intransferíveis do líder; e a exercida pela legalidade, com base em regras racionalmente criadas e fundamentado na competência. Nas democracias do Ocidente, essas formas de dominação aparecem simultaneamente, mas o carisma é o fator decisivo para a chegada ao poder. O líder carismático, porém, necessita de meios materiais e conhecimento administrativo para exercer seu domínio.

É nesse contexto que surge o “político profissional”, que Weber classifica entre os que “vivem para a política” e aqueles que “vivem da política”. Todo cidadão pode e deve participar da vida política, mas nem todos têm tempo disponível e recursos para isso. Por isso, “todo homem sério, que vive para uma causa, vive também dela”, mas isso não impede a diferenciação entre os que têm a política como “bem comum” e os que a veem como negócio.

Paralelamente à existência dos políticos, existe uma burocracia formada por funcionários e técnicos encarregados de operar a máquina do Estado. Por essa razão, além dos objetivos programáticos, se estabelece entre os políticos uma disputa pela ocupação de cargos e a distribuição de recursos do governo. Nessa dinâmica, surge ainda uma camada de dirigentes partidários formada a partir de critérios plutocráticos e que vão ocupar posições no governo ou na máquina partidária. Para Weber, essas são as bases potenciais de “uma tendência que leva à criação de uma casta de filisteus corruptos”.

No Brasil, onde não existe regulamentação do lobby, como nos Estados Unidos e alguns países da Europa, todos os políticos defendem o “bem comum”, ninguém assume a política como negócio, com exceção, talvez, da bancada ruralista, embora o patrimonialismo, o cartorialismo e o fisiologismo sejam marcas registradas da nossa cultura ibérica. Mesmo assim, no Estado brasileiro, foi possível constituir uma burocracia formada por “trabalhadores especializados, altamente qualificados e que se preparam, durante muito tempo, para o desempenho de sua tarefa profissional, sendo animados por um sentimento muito desenvolvido de honra corporativa, em que se realça o sentimento da integridade”.

Lava-Jato
A Operação lava-Jato é um tremendo choque entre os políticos profissionais e essa burocracia, que desnudou o lado escuro da nossa política como negócios. Disso resultou a crise ética dos grandes partidos e o tsunami eleitoral de 2018. Em parte, a eleição do presidente Jair Bolsonaro é resultado desse fenômeno. Entretanto, não existe democracia sem partidos nem políticos, o país não pode ser paralisado pela crise ética. Além disso, a política é a economia concentrada, ou seja, não existe sem o mundo dos negócios. Há que se reinventar a nossa política, sem jogar a criança fora com a água da bacia, mas está difícil porque predomina a antipolítica como sentimento popular.

É aí que entra a discussão sobre a ética das convicções e a ética da responsabilidade proposta por Weber, ao examinar a relação entre o protestantismo e o capitalismo. A ética utilizada para culpar o passado pelos próprios fracassos é vulgar e limitada, como a do homem que justifica o abandono da esposa porque ela não era digna do seu amor. A relação entre política e religião é apartada: “O cristão cumpre seu dever segundo os mandamentos bíblicos e, “quanto aos resultados, confia em Deus”. Diferentemente, na ética de responsabilidade, “sempre devemos responder pelas consequências previsíveis de nossos atos”. A “política se faz usando a cabeça”, não pode estar desconectada da correlação de forças e das probabilidades.

Weber escreveu, às vésperas da derrocada da República de Weimar, que levou a Alemanha à hiperinflação e Hitler, ao poder. Isso não impediu que o baixo astral com a derrota na I Guerra Mundial e o colapso econômico fomentasse o surgimento de autores “teoconservadores”, que influenciaram o nazifascismo e agora estão sendo relidos nos Estados Unidos e na Europa, por católicos conservadores, protestantes evangélicos e judeus ortodoxos. Com base em valores religiosos anti-iluministas, querem mudar o curso da história com os olhos virados para trás, em busca do “Éden” perdido pela democracia liberal, com a globalização e o multilateralismo.

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Luiz Carlos Azedo: O tamanho do “mito”

“Ao não lotear o governo e recusar o chamado toma lá dá cá, o presidente Bolsonaro devolve a grande política ao Congresso, que está recuperando sua capacidade de mediação com a sociedade”

Quem apostou no fracasso das manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro no último domingo perdeu. Foi uma dupla demonstração de força: primeiro, do poder de mobilização de uma militância aguerrida e ideologicamente alinhada com seu líder; segundo, da capacidade de direção política dos protestos, que foram convocados para confrontar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), mas acabaram redirecionados para apoiar o presidente da República e a reforma da Previdência. Não é pouco.

Também perdeu quem apostou no emparedamento do Congresso e do Supremo, ainda que Bolsonaro tenha acarinhado seus partidários radicais com sua declaração de que o ato foi um protesto contra as “velhas práticas”. Motivação inicial dos protestos, essa intenção foi sendo frustrada por setores que apoiam o presidente da República, mas não são radicais, situam-se no espectro da centro-direita. Esses setores mais moderados estão ancorados nos ministros políticos, militares e técnicos que compõem o governo e não reproduzem a lógica do grupo ideológico que cerca o clã Bolsonaro. O agrupamento moderado faz o presidente da República ser maior do que o “mito”.

Como nos ensina o mestre Norberto Bobbio, todo governo é a forma mais concentrada de poder; porque as funções essenciais do Estado, que são normatizar, arrecadar e coagir, fazem dele o eixo da vida nacional. O poder do Estado, cujo vértice é a Presidência, é muito maior do que o carisma do líder, ainda que esse carisma seja uma via de chegada e conservação do poder. Essa relação é ainda mais complexa na democracia, porque existem as mediações do Congresso (que normatiza) e do Supremo (que delimita a autoridade). Talvez a melhor conclusão que possa se tirar das manifestações de domingo seja a separação das coisas, ou seja, deram mais nitidez entre o que é o poder do Estado e o carisma do “mito”.

Isso é bom para todos, porque há gente no governo que ainda não sabe separar alhos de bugalhos. Misturar essas coisas foi um dos defeitos do governo Lula, cujo enorme carisma era acompanhado também de grande capacidade de negociação. Juntando o poder do Estado com seu magnetismo popular, o petista abduziu do Congresso a grande política, levando toda a mediação do mundo dos interesses, tanto do trabalho como do capital, para o Palácio do Planalto. Restou ao parlamento a pequena política, cujo subproduto foi a propina miúda dos negócios, porque as grandes negociatas, essas rolavam mesmo é nos ministérios e nas estatais, sobretudo a Petrobras. Dilma não tinha a mesma capacidade de mediação, enveredou por um caminho desastroso na economia e acabou apeada do poder, pelo povo na rua e pelas raposas do Congresso. A Operação Lava-Jato se encarregou, depois, de passar o rodo em quase todo mundo que meteu os pés pelas mãos.

Grande política
Ao não lotear o governo e recusar o chamado toma lá dá cá, o presidente Bolsonaro devolve a grande política ao Congresso, que está recuperando sua capacidade de mediação com a sociedade, embora o custo disso seja certa instabilidade política e muitos desencontros com o governo, inclusive de sua base. O fato de o governo ter fortes características bonapartistas é contrabalançado pelo fortalecimento do Congresso como espaço da grande política e da negociação com a sociedade, e não do transformismo e do cretinismo parlamentar. Essa é uma visão otimista, digamos assim, mas verdadeira. O debate sobre a reforma da Previdência revela que a Câmara está nesse rumo; o fato de a reforma tributária entrar em discussão à revelia do Palácio do Planalto, para fortalecer a Federação, tem o mesmo significado. Pode ser que dessas tensões com o Executivo resulte uma relação mais saudável entre os poderes da República.

Isso também vai depender do Congresso, em particular das forças de centro-esquerda que apoiam as reformas e da esquerda formada pelo PT e seus aliados históricos. Fragilizadas pelo resultado das urnas — ficaram de fora do segundo turno —, as forças de centro-esquerda se rearticulam no Congresso em torno do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do apoio às reformas. A emergência de outros atores nos governos estaduais, sobretudo João Doria (PSDB), em São Paulo, pode até resultar no surgimento de uma alternativa de poder fora do eixo da polarização Bolsonaro-Lula.

Já que falamos no nome do santo, vamos falar do milagre: o Lula livre! é um beco sem saída para o PT, serve para manter o partido agrupado e aguerrido, mas não para romper o isolamento. Retroalimenta a narrativa olavista e sua capacidade de mobilização. Essa polarização, que se impôs no primeiro turno das eleições passadas, pavimentou o caminho das alianças de Bolsonaro com os setores moderados. Vem daí a falta de iniciativa política dos partidos de esquerda a reboque do petismo, cuja bandeira de resistência absoluta às reformas é uma espécie de quanto pior, melhor.

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Alberto Aggio analisa identidade do Cidadania na nova edição da Política Democrática

Professor da Unesp e diretor da FAP diz que deve-se saudar o espírito de abertura a novas sensibilidades políticas que emergiu nesse processo

Cleomar Almeida

O iliberalismo expresso por Bolsonaro tem laços internacionais e, como expressão da direita, institui lógica extremista buscando deslegitimar a lógica de coesão e consenso que o país veio trilhando desde a redemocratização. A avaliação é do historiador, professor titular da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) e diretor da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), Alberto Aggio, em artigo de destaque da sétima edição da revista Politica Democrática online.

» Acesse aqui a sétima edição da revista Política Democrática online

“O que ocorreu para o PPS mudar sua denominação para Cidadania?”, questiona o autor, para responder, em seguida: “Há certamente inúmeras respostas, mas está claro que o PPS (sucedâneo do PCB) não havia conseguido, na sua curta trajetória, construir os pilares que estabeleceriam nova função histórica para o partido”.

De acordo com Aggio, o partido tardou demasiado para assumir uma postura claramente reformista, como ator político.   “Aparentemente, assumiu a versão de que a ‘revolução tecnológica’, que varre o mundo, não necessitaria mais nem de política e menos ainda de atores políticos. A ‘revolução’ em curso se bastaria e varreria tudo o que representou a política e a esquerda nos últimos dois séculos”, analisa. 

O Brasil, conforme escreve o Aggio, está submerso por uma esquerda atrasada e sem futuro, ao mesmo tempo em que emerge o espectro do iliberalismo, com força jamais vista, ganha a contenda eleitoral de 2018 e polariza mais ainda o ambiente político nacional e internacional. “O iliberalismo expresso por Bolsonaro tem laços internacionais e, como expressão da direita, institui lógica extremista buscando deslegitimar a lógica de coesão e consenso que o país veio trilhando desde a redemocratização”, assinala.

O autor também questiona se, diante dessa forte irrupção da política de direita, pode uma mudança como essa que o PPS assumiu, passando a ser o Cidadania, garantir-lhe uma nova função histórica, uma nova identidade, reconhecível pelas outras forças políticas e pela sociedade. Em outros termos, pergunta: “o novo nome o PPS resulta de uma renovação, é uma refundação ou trata-se de algo realmente novo diante da conjuntura dramática que vivemos em termos não só nacionais?”.

Como se reconhece generalizadamente, nas palavras do historiador, a questão não é a mudança de nome e tampouco se resume à dimensão eleitoral, ainda que, segundo ele, isso seja importante e decisivo. “Deve-se saudar o espírito de abertura a novas sensibilidades políticas que emergiu nesse processo, o que gerou novos ares e novas expectativas diante da mudança de nossos costumes políticos”, diz ele.

O problema do contato e da inteiração de culturas políticas diferenciadas passou a ser colocado no âmbito do partido, na avaliação do professor da Unesp. “Abriu-se um espaço de intercâmbio entre os pós-comunistas, os socialdemocratas, os nacionalistas, os liberal-democráticos, os liberais, e assim por diante. Se essa inteiração for vivida com pluralismo, liberdade, realismo e espírito de futuro, essa nova situação poderá dar um novo destino à mudança de denominação proposta pelo PPS”, afirma.

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Nas entrelinhas: A política das redes sociais

“Os políticos que emergiram das redes sociais, inclusive presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional”

Foi-se a época em que a política era monopólio dos políticos, dos militares e dos diplomatas. Na política moderna, principalmente depois da II Guerra Mundial, passou a ser também o universo de atuação da burocracia e dos cidadãos, em razão da ampliação da presença do Estado na vida da sociedade e do surgimento de partidos de massas de caráter democrático. Eram esses os grandes atores da democracia representativa, que parecia consolidada após o fim da União Soviética e o colapso do chamado socialismo no Leste Europeu, até que a crise fiscal colocou em xeque as políticas social-democratas e social-liberais e os partidos políticos e a imprensa foram ultrapassados pelas redes sociais na formação da opinião pública.

O Brasil não está fora desse contexto, muito pelo contrário. O que vem acontecendo no governo Bolsonaro, a rigor, é anterior à sua eleição e faz parte desse processo, assim como foi a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit na Inglaterra, a emergência de lideranças populistas em praticamente todos os países da Europa e a eleição de governos de extrema-direita em alguns países do Ocidente. O que acontece, em perspectiva, é uma corrida para reinventar o Estado e dar conta das mudanças provocadas pela globalização e o multilateralismo, nas quais as democracias do Ocidente enfrentam mais dificuldades do que os países autoritários do Oriente que estão se modernizando mais rapidamente.

Estados Unidos e China protagonizam essa corrida. Nas últimas décadas, houve uma mudança de eixo dos fluxos de comércio mundial, que se deslocaram do Atlântico para o Pacífico, o palco principal da guerra comercial entre essas duas potências econômicas, que lideram a economia do planeta. No passado, essa disputa se deu entre a Inglaterra e a Alemanha, de igual maneira, uma potência marítima e outra continental, provocando duas guerras mundiais. Espera-se que agora ocorra num ambiente de paz. O Brasil foi arrastado para essa disputa de maneira esquizofrênica, porque optou por um alinhamento automático com os Estados Unidos ao mesmo tempo em que não pode abdicar da China como principal parceira comercial. O mais correto seria tirar partido dessa disputa.

A eleição de Trump, com sua guinada nacionalista na política externa, nacionalista na economia e ultraconservadora nos costumes, foi uma resposta dos eleitores norte-americanos mais conservadores, ao desemprego e à grande massa de imigrantes latinos. De certa forma, os indicadores econômicos dos Estados Unidos mostram que a guerra comercial de Trump com a China e a contenção da chegada de imigrantes estão rendendo dividendos econômicos favoráveis, revertendo as altas taxas de desemprego. Não se deve subestimar a influência que isso vem tendo na política do Ocidente. Aqui no Brasil, a eleição de Bolsonaro, sua política econômica ultraliberal e conservadorismo radical nos costumes seguem o exemplo de Trump.

Volatilidade

É aí que entra a política nas redes sociais. Sem elas, Trump não seria sequer candidato do Partido Republicano. De igual maneira, Bolsonaro não teria sido eleito presidente da República. As redes adquiriram tal protagonismo que já não se pode fazer política como antigamente, mesmo fora dos processos eleitorais. Isso vale sobretudo para os políticos, cuja relação com eleitores mudou radicalmente. O tsunami que varreu boa parte do Congresso mudou radicalmente o modo de atuar no parlamento brasileiro. Basta ver as “lives” que os deputados eleitos pelas redes sociais fazem constantemente no próprio plenário da Câmara e do Senado, com as transmissões ao vivo de sua atuação e narrativas “customizadas” sobre as sessões legislativas, com posts e vídeos com a interpretação de cada um sobre o que acontece no Congresso em tempo real.

A relação entre o Executivo e os demais poderes, inclusive o Judiciário, cujo vértice, o Supremo Tribunal Federal (STF), também é midiático, mudou significativamente, em meio a disputas pela afirmação de cada poder. Tudo mediado pelas redes sociais, nas quais partidos, grupos de pressão e cidadãos influenciam o posicionamento de cada parlamentar nas votações. Mesmo os meios de comunicação de massa tradicionais, inclusive a televisão, estão sendo obrigados a serem cada vez mais interativos e presentes nas redes sociais, para manterem seus públicos e influenciarem os novos atores. Os políticos tradicionais que sobreviveram ao tsunami de 2018 estão aprendendo a lidar com a nova situação e repensando sua forma de atuação, levados pelo instinto de sobrevivência e pela nova experiência que estão passando no próprio Congresso.

Entretanto, os políticos que emergiram das redes sociais, como o próprio presidente Jair Bolsonaro, também estão passando pelo aprendizado de ter que lidar com a política institucional, com as regras do jogo democrático e a dura realidade da distância existente entre o mundo virtual de redes sociais e a capacidade de dar respostas efetivas e velozes à crise do sistema representativo e do modelo de capitalismo de Estado colapsado pela crise fiscal. No caso do presidente da República, o caráter bonapartista de seu governo não o coloca acima de classes sociais bem definidas e partidos políticos, como no modelo clássico de “regime do sabre”, mas numa espécie de tapete voador ao sabor das ondas telemáticas de uma “sociedade líquida”, com risco permanente de volatilização da própria imagem. E aí que todos os atores em cena — políticos, militares, diplomatas, burocratas, formadores de opinião, influenciadores digitais e cidadãos — estão desafiados a encontrar saídas robustas para os impasses que se apresentam à democracia brasileira.

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Luiz Carlos Azedo: Sem políticos não há salvação

“Raposas do Congresso, que conhecem a máquina do governo e o processo legislativo, já se articularam para dar as cartas nas votações da Câmara e do Senado, independentemente do Palácio do Planalto”

Um balanço generoso e sem maniqueísmo destes cinco meses de governo Bolsonaro contraria o senso comum em dois aspectos: sua administração depende do bom desempenho dos civis, em particular dos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justiça, Sérgio Moro; e os políticos com mandato na Câmara, os ministros da Cidadania, Osmar Terra (MDB-RJ); da Saúde, Luiz Henrique Mandela (DEM-MS); e da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), estão dando show de competência nas respectivas pastas, apesar dos grandes problemas que enfrentam. Os generais são mais importantes porque controlam o Palácio do Planalto e influenciam positivamente o presidente Jair Bolsonaro, mas não são eles que enfrentam os problemas que afligem a grande massa da população.

Os políticos do governo foram indicados por seus pares na Câmara, devido à liderança que exercem nos segmentos que representam. Em contrapartida, os ministros e assessores indicados pelo guru Olavo de Carvalho e pelos filhos de Bolsonaro são os que mais protagonizam confusões. Não é somente pelo fato de não serem políticos nem experientes administrativamente, mas porque estão imbuídos de uma missão mais ideológica do que administrativa, em alguns casos, de caráter religioso que beira o fanatismo.

O lado A do governo, digamos assim, é formado por um time que busca o entendimento com o Congresso permanentemente, mas é atrapalhado pelo lado B, que gosta de confronto. Curiosamente, o general Santos Cruz, da Secretaria de Governo, faz parte do lado A do governo, enquanto o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, por pura idiossincrasia, põe pilha no lado B. Foi o que aconteceu, por exemplo, por ocasião da convocação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, para prestar esclarecimentos no plenário da Câmara sobre os cortes de verbas das universidades e demais estabelecimentos federais de ensino.

A marcha a Brasília convocada para domingo pelos partidários de Bolsonaro reflete esse esforço do lado B do governo para inviabilizar os esforços do lado A, que ganhou a queda de braço para tirar o presidente da República e seu governo da manifestação, cujo alvo são o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). Há um grave erro de conceito na lógica do lado B: ver a política como problema, e não como solução. Se prestassem mais atenção nos colegas de ministério que têm mandato parlamentar, veriam que não é bem assim.

Agenda própria
Erros de conceito fazem qualidades pessoais como iniciativa e coragem virarem grandes defeitos, ainda mais se forem acompanhados de métodos inadequados e ambiente desfavorável. É o que está acontecendo na relação do governo com o Congresso; em particular, com o PSL, partido do presidente da República, que vive às turras com as demais bancadas no Congresso e não apenas com o PT. Não são apenas os que surfaram no tsunami eleitoral de 2018 que aprenderam a importância das redes sociais na formação da imagem dos políticos, os políticos sobreviventes do desastre eleitoral dos partidos tradicionais também já descobriram isso e não vão brigar com as ruas. Entretanto, estão cada vez mais incomodados com os ataques sistemáticos que sofrem nas redes sociais, desferidos pelos filhos de Bolsonaro e parlamentares do PSL.

O fenômeno explica o comportamento do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já articulou um grande bloco — incorporando o PSDB, o MDB e o chamado Centrão — para aprovar a reforma da Previdência, a reforma tributária e outras medidas, entre as quais a reforma administrativa do governo. O Congresso está construindo uma agenda própria, na qual mira os interesses majoritários na sociedade e luta pela própria sobrevivência. Velhas raposas do Congresso, que conhecem a máquina do governo e o processo legislativo, já se articularam para dar as cartas nas votações da Câmara e do Senado, independentemente do Palácio do Planalto.

O mercado já comemora a novidade. A reforma da Previdência, objeto de um grande seminário realizado ontem pelo Correio Braziliense, será aprovada ainda este ano. Não será a reforma dos sonhos de Paulo Guedes, mas terá envergadura para destravar a economia. A reforma tributária, cuja admissibilidade foi aprovada ontem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, não é a do secretário da Receita, Marcos Cintra. Será a reforma dos governadores e prefeitos, que diminuirão sua dependência em relação ao governo federal. A reforma administrativa de Bolsonaro será aprovada sem recriação de ministérios, porque o grupão que se formou em torno de Maia não quer mais participar do governo, quer mais poder para o Congresso e, para isso, pretende limitar as medidas provisórias.

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Luiz Carlos Azedo: A marcha à ré

“O pano de fundo da tensão no Congresso é a convocação de uma manifestação de apoio a Bolsonaro para o próximo domingo, uma marcha a Brasília, na qual os principais líderes do PSL querem fazer uma demonstração de força”

De repente, o país começa a perder o otimismo e teme retroceder em várias áreas, sobretudo na economia, justo no momento em que um amplo consenso em torno da necessidade de reformas econômicas e institucionais estava sendo construído no Congresso. Colaboram para isso, em primeiro lugar, a gravidade dos problemas enfrentados, que demandam um esforço continuado para superação da crise fiscal; de outro, o comportamento errático do governo, pródigo na promoção de polêmicas inúteis e avarento quando se trata de foco nas soluções, em particular a reforma da Previdência.

Ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a culpar os políticos pela situação, em solenidade no Rio de Janeiro, na qual declarou que o Brasil “é um país maravilhoso que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política”. A declaração é ambígua porque, depois de generalizar os ataques ao Legislativo (“é o Parlamento em grande parte, é a Câmara Municipal, a Assembleia Legislativa”), Bolsonaro também se incluiu entre os políticos, ao lado do governador fluminense, Wilson Witzel, e do prefeito carioca, Marcelo Crivella, que estavam ao seu lado: “É nós!”.

Mais tarde, já em Brasília, ao lançar a campanha publicitária da reforma da Previdência, Bolsonaro procurou consertar as declarações, que tiveram péssima repercussão: “Nós valorizamos, sim, o parlamento brasileiro, que vai dar a palavra final nesta questão da Previdência tão rejeitada ao longo dos últimos anos. Agradeço ao Rodrigo Maia (presidente da Câmara), ao Davi Alcolumbre (presidente do Senado), que em conversas são unânimes em dizer da necessidade da reforma da Previdência. E, aos parlamentares, queria dizer que só não recebo mais por falta de agenda, mas gostaria de continuar a conversar com o maior número de vocês para que possíveis equívocos, possíveis melhoras, nós possamos junto ao parlamento buscá-las”, disse.

Não foi por acaso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), havia anunciado um pacto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para aprovar a reforma da Previdência e outras reformas demandadas pela sociedade, independentemente das polêmicas criadas pelo governo e a oposição na mídia e nas redes sociais. Maia também descartou a possibilidade de um projeto alternativo de reforma da Previdência, o que foi corroborado pelo relator da reforma, o deputado Samuel Moreira (PSDB-RJ). Na verdade, o debate sobre as mudanças na Previdência está apenas começando na Câmara, e faz parte do processo legislativo a apresentação de um substitutivo pelo relator, que geralmente incorpora mudanças propostas pelos deputados ao projeto original do governo. Sendo assim, não será integralmente a proposta que o governo mandou para a Câmara, mas também não será um projeto novo.

Manifestação
O pano de fundo da tensão no Congresso é a convocação de uma manifestação de apoio a Bolsonaro para o próximo domingo, uma marcha a Brasília, na qual os principais líderes do PSL querem fazer uma demonstração de força em resposta aos protestos da semana passada, de professores, estudantes e funcionários das universidades e demais estabelecimentos de ensino federais atingidos pelos cortes de verbas da Educação, que o governo chama de contingenciamento. Como a medida foi anunciada como uma retaliação à “balbúrdia” nas universidades pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, houve forte reação da comunidade acadêmica.

A marcha dos partidários de Bolsonaro a Brasília está sendo atacada pela oposição, que a compara à “Marcha sobre Roma” dos camisas negras de Benito Mussolini, em 28 de outubro de 1922, data que marca o início do domínio fascista sobre a Itália. Foi uma manifestação organizada pelo Partido Nacional Fascista, que mobilizou 300 mil militantes armados, para pressionar o parlamento e tomar o poder. A pressão deu resultado: no dia 30 de outubro, o rei Vittorio Emanuele III instruiu ao próprio Mussolini a formação de um novo governo, que implantou o fascismo.

Bolsonaro não precisa de marcha alguma para exercer o poder, foi eleito pelo voto direto. Somente não conta com uma base de apoio robusta no Congresso porque decidiu que não faria um governo de coalizão com os partidos de centro-direita nem adotaria o chamado “toma lá, dá cá”nas negociações com o Congresso. A falta de sintonia com a própria base na Câmara é tanta que o governo corre risco de não conseguir aprovar sua reforma administrativa, o que depende de um acordo com o chamado Centrão. No caso, a recriação do Ministério das Cidades, cujo comando seria entregue a um político.

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