Partidos

Luiz Carlos Azedo: Maia articula centro-esquerda

Do ponto de vista prático, o Centrão conseguiu se unificar em torno de Lira, e o bloco de centro-esquerda que Maia organiza ainda não tem um nome de consenso

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), articula com os partidos de esquerda um nome de centro que possa derrotar a candidatura governista de Arthur Lira (PP-AL), o candidato do presidente Jair Bolsonaro. Ontem, em reunião com os partidos de esquerda — PT, PDT, PSB, PSol e PCdoB —, fechou acordo para uma composição ampla, evitando candidaturas avulsas, para formar um bloco majoritário na Câmara. Com isso, fracassaram as articulações de Lira com setores desses partidos. O PT, com 54 deputados, ou seja, a maior bancada, teve um papel decisivo. Com o PSB (31), o PDT (28), o PSol (10) e a Rede (1), o bloco soma 124 deputados.

Entretanto, Maia ainda precisa coesionar os partidos do seu próprio bloco em torno dessa aliança. Caso consiga um nome de consenso, que também seja aceito pela esquerda, pode se formar um bloco majoritário na Câmara, pois o grupo de Maia soma 158 deputados, dos seguintes partidos: DEM (28), MDB (34), PSDB (31), PSL (53), Cidadania (8) e PV (4). Em tese, os dois blocos juntos podem chegar a 282 deputados, ou seja, a maioria da Câmara, que tem 513 deputados. O problema é que essa contabilidade é formal, pois os acordos de bancada precisam ser confirmados por cada deputado e o índice de traição é grande, principalmente quando envolve a negociação de cargos e a liberação de verbas federais, como está acontecendo.

Do ponto de vista prático, o Centrão conseguiu se unificar em torno de Lira, e o bloco de centro-esquerda que Maia organiza ainda não tem um nome de consenso. Baleia Rossi (SP), o líder do MDB, continua sendo o candidato mais forte, mas não é o que tem melhor trânsito junto aos partidos de esquerda. Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) teria mais passagem, porém não tem apoio de seu próprio partido, cujo candidato é Lira. Havia conjecturas em torno do nome do vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (Republicanos-SP), mas ele descolou do bloco e decidiu apoiar Lira, supostamente em troca de uma vaga na Esplanada. Tereza Cristina (DEM-MS), atual ministra da Agricultura, com ampla passagem na bancada do agronegócio, por hora, é uma articulação da cúpula do DEM.

Aprovação
Uma das variáveis que influenciam a disputa na Câmara é a popularidade do presidente Jair Bolsonaro. Segundo pesquisa CNI-Ibope, divulgada ontem, a aprovação de Bolsonaro (bom e ótimo) caiu de 40% para 35%, de setembro a dezembro. No entanto, é seis pontos maior que a registrada em dezembro de 2019, quando chegou a 29%. Os números apontam, também, que a confiança no presidente praticamente não mudou, oscilando de 46% para 44%, dentro da margem de erro. A aprovação da maneira de governar do presidente diminuiu, no limite da margem de erro, de 50% para 46%, e a desaprovação subiu, de 45% para 49%. A pesquisa CNI-Ibope ouviu 2 mil pessoas entre 5 e 8 de dezembro, em 126 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, e a confiança, de 95%.

O número dos que avaliam o governo como ruim ou péssimo cresceu, no limite da margem de erros, de 29% para 33%. A aprovação na área de segurança pública despencou 7 pontos, era a única com saldo positivo. A atuação do governo é desaprovada em temas como juros, que nunca estiveram tão baixos, inflação, saúde e combate à fome e à pobreza. A popularidade de Bolsonaro é maior entre os residentes das cidades pequenas e da Região Sul, enquanto é menor entre os jovens, sobretudo aqueles que têm de 16 a 24 anos de idade e os que moram nas cidades grandes.

As regiões Sudeste e Nordeste reúnem a maior parcela descontente com o presidente. Para 36%, no Sudeste, e 34%, no Nordeste, o governo está sendo ruim ou péssimo; 52% dos residentes no Sudeste e 51% dos que moram no Nordeste não aprovam a maneira de governar do presidente Bolsonaro. No Sul, 44% dos entrevistados consideram o governo como ótimo ou bom, 52% afirmam confiar no presidente e 55% aprovam sua maneira de governar. Mais da metade dos moradores de cidades pequenas — aquelas com até 50 mil habitantes — confia em Jair Bolsonaro e aprova sua maneira de governar, com índices de 53% e 55%, respectivamente.

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Luiz Carlos Azedo: MDB quer dar as cartas

A linha divisória entre governo e oposição no Senado é sinuosa, por causa da relação dos governadores com o governo federal, que funciona na base da velha política de conciliação

O velho MDB quer o comando do Congresso. Em decisão salomônica, seus senadores decidiram lançar candidato próprio à sucessão de Davi Alcolumbre na Presidência do Senado e definiram o critério para escolha do nome que unificará o partido, que tem quatro pré-candidatos: o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE); o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (TO); o líder da bancada, Eduardo Braga (AM); e a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MS). Será aquele que trouxer mais votos. Velhos caciques, Renan Calheiros (AL) e Jader Barbalho (PA) atuam nos bastidores para que o nome seja Bezerra. A maioria dos senadores do MDB é governista de primeira hora.

O protagonismo de Davi Alcolumbre (DEM-AP) na Presidência da Casa está em ocaso, que pode ser maior do que se imagina, caso o irmão dele seja derrotado, neste fim de semana, na disputa pela Prefeitura de Macapá. Josiel Alcolumbre é candidato à reeleição, mas sua estrela foi eclipsada pelo apagão no Amapá, que durou três semanas. A oposição se unificou em torno da candidatura de Dr. Furlan (Cidadania), que chegou ao segundo turno. O prestígio de Alcolumbre no comando do Senado era resultado de um movimento pendular: o primeiro, à esquerda, garantiu a sua própria eleição, contra Renan Calheiros, com apoio do grupo Muda Senado, na onda do tsunami eleitoral de 2018; o segundo, à direita, possibilitou a aproximação com a ala da bancada do MDB que queria apoiar o governo.

Dono das pautas do Senado e do Congresso, hábil nas negociações de cargos e avesso às grandes polêmicas, Alcolumbre foi um boa-praça no comando da Casa, a ponto de sua reeleição ter sido desejada pela maioria dos senadores. O problema é que faltou combinar a recondução com o Supremo Tribunal Federal (STF), que a vetou, na mesma legislatura, como determina a Constituição de 1988. Aliado do governo, não deixa de ser um interlocutor importante na própria sucessão, mas não recebeu o apoio que esperava do presidente Jair Bolsonaro para indicar o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) como seu sucessor, num “dedazo”. Dificilmente, portanto, o DEM terá condições de manter o comando do Senado.

Unido ao PL, o DEM forma um bloco com oito senadores, muito pouco para enfrentar as velhas raposas do MDB, cuja bancada tem 13 senadores. Unidos ao PP do se Ciro Nogueira (PI), somam 23 senadores num só bloco parlamentar. O PSDB forma um bloco de 10 senadores com o PSL, porém, com a desistência do senador Tasso Jereissati (CE), anunciada ontem, também não terá candidato. Outro possível candidato, o senador Antônio Anastasia (PSD-MG) desistiu da candidatura; pleiteia o comando da poderosa Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Pode ser que Nelsinho Trad (MS) mantenha a candidatura pelo PSD, mas a tendência da legenda é buscar um bom acordo com o MDB.

É muito provável que surja um candidato da oposição à Presidência do Senado, mas essa articulação passa pelo PT, que forma um bloco com o PROS, de nove senadores, e o Podemos, com 10. O bloco independente, integrado por Cidadania, Rede, PSB e um dissidente do PDT, com nove deputados, defende uma candidatura de renovação, na linha do movimento Muda Senado, mesmo que apenas para marcar posição. A linha divisória entre governo e oposição no Senado é sinuosa, por causa da relação dos governadores com o governo federal, que funciona na base da velha política de conciliação. Por isso, um governista que dialogue bem com a esquerda e seja bom negociador tem mais chances de ser eleito.

Câmara
A vida não está fácil para ninguém na Câmara, nem para Arthur Lira (AL), candidato do Centrão, que se apresenta como favorito na disputa pelo comando da Casa, em razão de contar com o apoio de um bloco de, aproximadamente, 170 deputados. Ontem, ganharam força as articulações para que a ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), se lance candidata, com forte apoio da bancada do agronegócio. Seu nome unificaria a bancada do DEM, tem trânsito na oposição e agrada aos setores governistas que não gostam do estilo de negociação de Lira, que é comparado ao do ex-deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ).

O atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem subindo o tom contra o presidente Jair Bolsonaro por causa da interferência do Palácio do Planalto na disputa pelo comando da Casa. Entretanto, enfrenta dificuldades para unificar seu grupo e costurar uma aliança com a esquerda. O nome mais forte do grupo ainda é o líder do MDB, Baleia Rossi (SP), que sofre muitas restrições do PT. Outro problema de Maia é a cobrança que sofre dos correligionários, inclusive do presidente da legenda, o prefeito de Salvador, ACM Neto, por não ter articulado uma candidatura de seu próprio partido, que agora se mobiliza para viabilizar a candidatura de Tereza Cristina.

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Celso Rocha de Barros: Partido Novo tem que escolher entre ser um partido liberal ou um partido de ricos

Potencial político que a direita construiu pode ter sido desperdiçado

Na semana passada, o Partido Novo votou contra a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, alegando que ela abria as portas para cotas raciais no Parlamento. Poucos dias depois, o Novo também aprovou uma emenda que permite usar dinheiro do Fundeb para pagar funcionários de escolas privadas.

São posições que reforçam a ideia de que o liberalismo é só uma racionalização dos interesses dos ricos, inteiramente confortável com a mais extrema desigualdade e com a perpetuação de injustiças históricas, sempre pronto a acomodar o fascismo quando a esquerda se fortalece.

Aparentemente, os caras foram pesquisar o que é liberalismo no livro do Losurdo.

Há mesmo uma certa intersecção entre o interesse dos ricos e o liberalismo. Os ricos querem o máximo de limites para a ação do Estado, que é mais poderoso do que eles. E querem o mínimo de regulação do contrato de trabalho, porque são mais poderosos do que seus empregados. Olhando de longe, depois de umas cachaças, dá pra confundir isso com liberalismo.

Mas liberalismo deveria ser mais do que isso. Deveria ser uma defesa da liberdade das minorias contra as maiorias, de um país em que o mais humilde brasileiro não precise temer abusos da polícia, da etnia dominante ou de pessoas com crenças religiosas diferentes.

Os liberais não deveriam tratar com leveza violações históricas da liberdade individual. Os liberais deveriam defender os direitos humanos, porque os direitos humanos são o liberalismo político.[ x ]

A diferença entre partido liberal e partido de rico fica clara diante da evidente simpatia de grande parte do Partido Novo pelo governo Bolsonaro.

Um partido liberal consistente jamais apoiaria Bolsonaro, apologista da ditadura e da tortura que tentou um autogolpe em 2020. Bolsonaro está, neste exato momento, manipulando verbas publicitárias públicas para reprimir a mídia crítica ao governo.

Bolsonaro aparelha as instituições como ninguém nunca aparelhou. Bolsonaro sabotou o pacto federativo repetidas vezes durante a pandemia. Bolsonaro é inimigo jurado das liberdades da população LGBT.
Se Adam Smith aparecesse no Brasil de 2020, estapearia o Jean Wyllys para furar a fila da cusparada em Bolsonaro.

Agora, se o Novo quiser ser só um partido de rico, vá em frente, filho, lambe com força esse coturno. Os desmatadores da Amazônia são ricos, os milicianos são ricos, quem pode contratar miliciano como segurança particular é rico, os lobbies que capturam o Orçamento público são ricos, a turma do Guedes é rica, o centrão é rico, e os ricos, de fato, às vezes ganham mais dinheiro nas ditaduras do que nas democracias.

O Novo vai ter que escolher entre ser partido liberal ou partido de rico. O dilema mostra que o potencial político que a direita construiu durante os anos de oposição ao PT pode ter sido desperdiçado.

Por volta de 2005, 2006, as pessoas voltaram a ter coragem de dizer que eram de direita, embora normalmente acrescentassem “não a direita da ditadura, é direita de ideias”.

Pois bem: a direita de ideias apoiou o impeachment, e Temer foi um fracasso; a direita de ideias apoiou a direita da ditadura em 2018 e agora corre o risco de ser engolida por ela.

Não é à toa que todo mundo voltou a dizer que é de centro.Celso Rocha de Barros

*Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Cristovam Buarque: Letras e Cores

Passadas as eleições municipais, as lideranças nacionais se dedicam a imaginar alianças para 2022. Tentam composições com base em nomes de candidatos e siglas. Não se fala qual o propósito de cada aliança, salvo vencer o nome e a sigla do adversário. Uma disputa por letras, não por cores.

Deve ser assim nos países onde tudo funciona bem e o presidente deve apenas gerenciar o governo. Mas diante da crise que o Brasil atravessa, as siglas deveriam ser menos importantes do que as cores das propostas para o futuro.

As alianças deveriam construir as bases políticas para enfrentar:

  • a violência generalizada que domina nossas cidades;
  • quais os instrumentos para manter a estabilidade monetária;
  • qual estratégia para retomar o crescimento econômico com sustentabilidade; para eliminar a tragédia da pobreza, e desfazer a brutal desigualdade de renda entre pessoas e regiões;
  • como dar eficiência na gestão, eliminar corrupção e garantir ética na definição das prioridades do Estado;
  • como elevar a qualidade e garantir equidade na educação de base, independente da renda e do endereço do aluno e como erradicar o analfabetismo de adultos;
  • o que fazer para transformar nossas “monstrópoles” em centros urbanos eficientes e conviviais;
  • o que fazer para assegurar acesso de milhões de brasileiros a um endereço limpo, com água potável, coleta de lixo e esgoto;
  • quais medidas poderão dar futuro à juventude;
  • como recuperar o prestígio perdido pelo Brasil no cenário internacional, por causa das decisões do governo, nos últimos dois anos;
  • que ações para assegurar emprego, sem perder eficiência, nem competitividade, neste tempo de modernização;
  • quais e como fazer as reformas do Estado: fiscal, trabalhista e política, para sintonizar o Brasil com os rumos do progresso mundial;
  • como eliminar os privilégios que caracterizam a sociedade brasileira e tiram legitimidade do poder público.

As letras de nomes e de siglas ficam sem sentido se não tiverem cores definidas pelos propósitos das propostas de cada candidatura para o futuro. Mas não se vê debate sobre cores, apenas letras que amarrarão o Brasil no seu passado, qualquer que seja a sigla e o nome vitorioso.

*Cristovam Buarque, Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB)


Luiz Carlos Azedo: Tudo ou nada na Câmara

Arthur Lira tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 deputados, para atropelar Maia, que ainda não tem candidato à própria sucessão

Troca de farpas pelas redes sociais e depois, um bate-boca na antessala do presidente Jair Bolsonaro, derrubaram antes da hora o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, e podem resultar também no deslocamento do general Luiz Ramos, que sai desgastado do episódio, da Secretaria de Governo, ou seja, do cargo de articulador político do governo. A trombada entre ambos foi um efeito colateral das articulações de Ramos para fortalecer a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) a presidente da Câmara, da qual também faz parte a reforma ministerial em discussão no Palácio do Planalto. Marcelo Álvaro Antônio é ligado aos filhos de Bolsonaro, que vivem às turras com os militares do governo.

Ramos teria colocado o Ministério do Turismo na mesa de negociações com o Centrão, convidando para o cargo o deputado Roberto Lucena (Podemos-SP). O ministro ficou sabendo e partiu pra cima do general, acabou demitido por Bolsonaro. O presidente da Embratur, Gilson Machado, assumiu interinamente a pasta. Agora, cogita-se que Ramos vá para Secretaria-Geral da Presidência, entregando a Secretaria de Governo para o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PP),um dissidente do PP e aliado de Rodrigo Maia, que passaria a ser o novo articulador político do governo. Bolsonaro está indo para uma espécie de tudo ou nada no Congresso, que pretende controlar. Contava com a reeleição de Alcolumbre, mas o veto do Supremo Tribunal Federal (STF) à recondução atrapalhou seus planos; em contrapartida, a candidatura de Arthur Lira na Câmara está de vento em popa.

Não foi à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM—RJ), que ainda não tem candidato à própria sucessão, acusou Bolsonaro de estar “desesperado” para controlar o Congresso. A pauta da Câmara é o ponto de partida para a agenda de Bolsonaro, cujo eixo é o desmonte da legislação relativa aos direitos humanos e ao meio-ambiente, e dos instrumentos de controle institucional da sociedade sobre o Executivo. Para levar adiante muitas de suas propostas, o presidente da República precisa do apoio do presidente da Câmara. Quando Maia diz que o Palácio do Planalto está jogando pesado, isso significa que não está economizando cargos e verbas para obter apoio parlamentar, o tradicional toma lá dá cá.

Rolo compressor

Arthur Lira anunciou sua candidatura ontem com apoio dos 135 deputados do Centrão — PL (41)), PP (40), PSD (33), Solidariedade (13) e Avante (8). De imediato, recebeu apoio do PL (41), do PTB (11), do PROS (10), do PSC (9) e do Patriota (6), ou seja, teoricamente, de mais 77 deputados. Tenta montar uma espécie de rolo compressor, já integrado por 205 deputados, aproveitando o fato de que a liderança de Maia se enfraquece, porque ainda não tem um candidato que atraia os votos da oposição e seu mandato está terminando. A expectativa de poder que Lira oferece não é a ocupação de espaços na própria Câmara, moeda de troca com a qual Maia não conta mais, são os cargos e verbas do governo federal, com os quais o presidente da Câmara aí é que não conta mesmo.

Para um presidente da República que chegou ao poder com uma narrativa antissistêmicas, que renegava o jogo parlamentar e o chamado presidencialismo de coalizão, a mudança de rumo só tem uma explicação: o fracasso na implementação da agenda de governo. As reformas de Bolsonaro não foram adiante , com exceção da previdenciária, que já estava com meio caminho andado no governo de seu antecessor, Michel Temer. Ontem, Maia chegou a ironizar o atraso na aprovação da PEC Emergencial, cuja tramitação o governo resolveu iniciar pelo Senado. Disse que vai encomendar um bolo para comemorar um ano de atraso da proposta do governo, que está parada até hoje.

Não se sabe ainda o custo das articulações para garantir a vitória de Lira, as negociações para isso são feitas no âmbito da pequena política, com todos os riscos que isso oferece do ponto de vista republicano. Na grande política, o governo Bolsonaro perdeu completamente o rumo, ninguém sabe em que direção pretende ir. A base que montou no Congresso tem um viés conservador nos costumes e populista na economia, o que vai complicar o enfrentamento da crise.

A propósito, ontem, o Banco Central (BC) manteve a taxa Selic em 2%, apesar da alta da inflação, interrompendo as especulações do mercado. Atribuiu a alta de preços ao impacto do dólar nas exportações e avaliou que a situação é sazonal, ou seja, os preços vão cair. No mercado, porém, as maiores preocupações são com a dívida pública, que chegará a R$ 1 trilhão, e com a segunda onda da pandemia, cujo impacto nas atividades econômicas vai depender da efetividade da campanha de vacinação contra o novo coronavírus.

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Marcus Pestana: As necessárias, mas difíceis fusões partidárias

As eleições municipais cumpriram seu papel de oxigenação do sistema político. Na democracia é assim, cada eleição é mais uma etapa de aprendizagem e amadurecimento. A sociedade brasileira deu mostras que está cansada da radicalização excessiva e com o estresse permanente daí derivado.

Problema ainda longe de ser resolvido é a pulverização partidária e suas repercussões negativas no ambiente de governabilidade. Avançamos é verdade. Em 2016, apenas metade dos municípios brasileiros (2.787) ficaram com até seis partidos nas câmaras de vereadores. Em 2020, este número cresceu para 4.506, ou seja, em 81,62% das cidades teremos uma representação política mais racional e menos pulverizada. Isto facilitará o trabalho dos prefeitos e a formação de maiorias e minoritárias estáveis e nítidas. Parece que isto tem correlação direta com o fim de coligações proporcionais.

No plano nacional, o fenômeno poderá se repetir. E haverá ainda a incidência da cláusula de desempenho de 2% dos votos nacionais. É possível que haja reversão da situação presente aonde 24 partidos políticos têm representação no Congresso Nacional, tornando tarefa impossível a formação de uma base sólida de apoio ao governo e, portanto, a implantação do plano de governo eleito. O fim das coligações parece ter atingido seu objetivo racionalizador, mas provocou uma pulverização inédita de candidaturas majoritárias. Talvez uma mudança simples: o candidato majoritário apoiado por coligação ganharia um número diferente de seu partido para não privilegiar a sua chapa de deputados, desestimulando o lançamento de candidaturas não competitivas, apenas com o papel partidário de puxador de votos proporcionais.

A cláusula de desempenho também poderia ser aprimorada melhorando sua eficácia. O ideal é que fosse efetivamente uma cláusula de barreira como na Alemanha ou no texto aprovado no Brasil pelo Congresso Nacional em 1995 para entrar em vigor em 2006, mas derrubado como inconstitucional pelo STF em final de 2006. A atual cláusula de desempenho apenas pune o partido que não alcança-la com a perda do acesso ao Fundo Partidário e do direito ao Horário Partidário da TV, que foi extinto, diminuindo a eficácia da medida.

Diante de tudo isto, seria necessário e desejável um processo de fusões partidárias preparando o terreno para 2022. O atual quadro partidário é, via de regra, inorgânico e sem nitidez política e ideológica. Seria possível imaginar uma fusão entre partidos como PP, Republicanos, PL, PTB que hoje formam o chamado “Centrão” para fundar um partido de índole conservadora e de sustentação a Bolsonaro. Por outro lado, o polo democrático, liberal e progressista formado por DEM, PSDB, MDB, Cidadania, PSD poderia construir um forte partido no centro do sistema político. Também à esquerda poderiam se reaglutinar PSB, PDT, Rede e PV, o que poderia ocorrer também com PT, PCdoB e PSOL, embora as diferenças sejam muitas.

O que impede o Brasil de ter um quadro partidário semelhante aos EUA e à Europa? Primeiro, os fundos financeiros (Partidário e Eleitoral) que são manipulados pelas cúpulas dos partidos menos orgânicos para se perpetuar em seu comando. Segundo, divergências locais e regionais acumuladas ao longo do tempo. Mas não há problema que não tenha solução quando a realidade exige a mudança.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Foto: Beto Barata\PR

Merval Pereira: Com sede ao pote

Nunca houve tantos partidos se considerando em condições de lançar candidatos à presidência da República. Depois das eleições municipais, MDB, PSD e PP, os partidos que mais elegeram prefeitos, sendo que o MDB se mantém como o maior partido em número de prefeituras, começaram já a discutir nomes para 2022, e o que sempre foi uma maneira evidente de ganhar espaço para negociações com partidos maiores, agora ganhou nova roupagem de verdade.

Pelo menos o cacife dos negociadores aumentou. O MDB, que sempre foi um partido auxiliar, sobre o qual diziam que nenhum governo pode governar sem ele, embora o MDB não tenha condição de eleger um presidente, agora já se sente fortalecido, depois da experiência com Michel Temer.

O deputado Baleia Rossi, que é forte candidato à sucessão da presidência da Câmara, citou os nomes da senadora Simone Tebet, dos governadores de Alagoas Renan Filho, e do Distrito Federal Ibaneis Rocha, e do secretário de Fazenda de São Paulo Henrique Meirelles como possíveis candidatos.

Já o presidente do PSD Gilberto Kassab avisou que, depois do Carnaval, analisarão uma possível candidatura. Citou alguns nomes: o senador Antonio Anastasia, que classificou como “de muita credibilidade", o governador Ratinho Júnior, do Paraná, o senador Otto Alencar. Para Kassab, o partido já tem uma dimensão nacional para lançar uma candidatura. O PSD chegou a 640 prefeitos, aumentando em 100 as prefeituras sob seu comando.

O Democratas, que reelegeu Rafael Greca em Curitiba, Gean Loureiro em Florianópolis e Bruno Reis para suceder ACM Neto em Salvador, teve um aumento de 70% nos prefeitos, chegando a 458 prefeituras. O PP teve um aumento de 35% no número de prefeituras que conquistou. O PSDB, que, juntamente com o PT dominou a vida partidária por cerca de 20 anos, manteve-se como o partido que governará o maior número de cidadãos, cerca de 34 milhões de brasileiros, embora tenha perdido 16 milhões de 2016 até hoje.

O MDB é o segundo em termos de população, e em seguida vêm o DEM e o PSD. Todos esses números justificam o júbilo dos partidos de Centro que passaram a dominar bases territoriais mais volumosas em votos, e a continuação das cláusulas de barreira, juntamente com o fim das coligações proporcionais, fará com que partidos menores acabem se fundindo com as siglas mais atraentes.

PSD, MDB e DEM já se afastaram do Centrão, embora continuem com praticamente os mesmos pensamentos. O extremismo de Bolsonaro afugentou-os. Kassab não está apoiando a reeleição de Rodrigo Maia, mas se houver um acordo mais amplo, com um candidato de consenso, não é certo que continuará apoiando Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro.

A possibilidade de PSD, MDB, DEM e PSDB se unirem em uma candidatura conjunta para a presidência da República em 2022 é concreta.

O governador paulista João Doria, que, segundo o ex-presidente da República Fernando Henrique precisará se nacionalizar se quiser ter êxito, e o apresentador Luciano Huck, são os candidatos mais visíveis, e até o primeiro semestre de 2021 haverá uma definição sobre se Huck disputará mesmo a eleição.

A saída do ex-ministro Sergio Moro da disputa parece definida com o novo cargo que ocupará na diretoria executiva de compliance da consultoria internacional Alvarez & Marsal. Na esquerda, a derrota acachapante do PT fez com que partidos mais estruturados, como o PDT, se lançassem a uma tentativa de ocupar espaços perdidos pelo PT.

Também o PSOL, que, em termos de estrutura partidária, não pode se comparar com o PT nem com o PDT, ganhou uma liderança emblemática com a atuação de Guilherme Boulos em São Paulo. Já não pode mais ser considerado um mero satélite do PT. O ex-ministro e ex-governador Ciro Gomes se lançou à tentativa que não deu certo em 2018: ser o candidato de centro-esquerda de uma ampla coligação partidária que poderia incluir o DEM.

O jogo está sendo jogado, e o presidente Bolsonaro vai ter que entrar para um dos partidos do Centrão para conseguir legenda para a tentativa de reeleição. O PP já se ofereceu, também o PTB. Se ele escolher, como parece ser seu feitio, um partido menor que possa controlar, vai deixar o Centrão pelo menos com a pulga atrás da orelha. Mas, se for para partidos mais fortes, eles têm dono.


Luiz Carlos Azedo: Esperando Godot

Estragon: O que a gente faz agora?

Vladimir: Não sei.

Estragon: Vamos embora.

Vladimir: A gente não pode.

Estragon: Por quê?

Vladimir: Estamos esperando Godot.

Estragon: É mesmo.

Escrita no pós-Segunda Guerra Mundial, a peça do irlandês Samuel Beckett, que empresta o título à coluna, é uma obra-prima do chamado Teatro do Absurdo. Faz sucesso no mundo desde 1953, quando estreou em Paris. No Brasil, teve duas montagens amadoras na década de 1950, até o estrondoso sucesso de sua montagem profissional, no Teatro TBC, em São Paulo, sob direção de Flávio Rangel, em 1969, com Cacilda Becker no papel de Estragon e seu marido, Walmor Chagas, no de Vladimir. O contexto político da época, em plena vigência do Ato Institucional nº 5 do regime militar, e o fato de Cacilda Becker sofrer um derrame cerebral em pleno palco, numa apresentação para estudantes em São Carlos, agonizando por 38 dias, deram à peça um lugar na história da cultura brasileira.

A peça somente faz sentido quando serve de analogia para um contexto de incertezas. Sua essência é a espera. É a desconstrução completa do teatro, pois não tem história, as falas não são coesas e nada acontece do ponto de vista da ação dos personagens. Tudo parece obscuro e pessimista, mas provoca uma profunda reflexão sobre a vida e a sua incessante busca por respostas. O palco vazio desconstrói o mundo ao redor, os diálogos repetitivos reproduzem as relações humanas e a inação dos personagens mostra a paralisia que a incerteza provoca. Na espera, nada acontece.

A fábula de Becker tem tudo a ver com o momento que o Brasil está vivendo. Os resultados das eleições municipais, em vez de dissiparem as incertezas, aumentaram-nas. Em 9 de outubro passado, a pouco mais um mês das eleições, segundo a pesquisa Exame-Ideia, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) seria reeleito para um segundo mandato. No primeiro turno, teria 30% das intenções de voto, contra 18% do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e 10% do ex-ministro da Justiça Sergio Moro (sem partido).

A pesquisa mostrava, ainda, Ciro Gomes (PDT), com 9%, Luciano Huck (sem partido), com 5%, e João Doria (PSDB), com 4%. A pesquisa também apontava Luiz Henrique Mandetta (DEM) com 3%, Marina Silva (Rede) com 2%, João Amoedo (Novo) com 1%, e Flávio Dino (PCdoB) com 1%. Brancos e nulos somavam 9%. Os que “não sabiam” eram 10%. Em uma projeção de segundo turno, Bolsonaro venceria Moro com 41% dos votos contra 35% do ex-ministro. Em relação a Lula, Bolsonaro teria 43%, contra 33% do petista. Numa disputa contra Doria, a vantagem do Bolsonaro seria ainda maior: 42% das intenções de voto contra 21%.

Incógnitas
Menos de dois meses depois, Bolsonaro, que venceria em todos os cenários e regiões, sofreu uma derrota acachapante nas eleições municipais. Continua sendo o principal polo de atração de forças políticas, mas viu a extrema-direita que o levou ao poder definhar e tem de disputar o centro político com o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que busca alianças nesse campo, principalmente com o DEM, o MDB e o PSD.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que opera a mesma estratégia de 2018, viu o PT ser volatilizado completamente nas capitais, a ponto de não eleger nenhum vereador em Rio Branco (AC). A nova estrela da esquerda é Guilherme Boulos, do PSol, que não tem o passivo de corrupção petista. O novo líder paulista também é um problema para Ciro Gomes, do PDT, por outros motivos: fecha-lhe a porta do Sudeste.

Restam as duas incógnitas que justificam a analogia: Sergio Moro, que acabou de assinar um contrato milionário de trabalho com um escritório que presta serviços de consultoria à Odebrecht, e o apresentador Luciano Huck, que tem até junho para decidir se mantém seu contrato, também milionário, com a TV Globo. São nomes que podem aglutinar forças de centrodireita e/ou centroesquerda para construir uma alternativa de poder, mas somente serão candidatos se as pesquisas mostrarem que têm chances de vencer. Enquanto isso, o diálogo de nossos personagens reproduz as incertezas:

Vladimir: Amanhã nos enforcamos. (Pausa)

A não ser que Godot venha.

Estragon: E se vier?/

Vladimir: Estaremos salvos.

Estragon: Então, vamos?

Vladimir: Sim, vamos lá.

(Eles não se mexem)

A cortina se fecha.

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Merval Pereira: Partidos em excesso

A fragmentação partidária brasileira resultou em que nada menos que 28 partidos dos 32 que concorreram às eleições municipais elegessem pelo menos um prefeito municipal. Mais que isso: quatro partidos não elegeram nenhum prefeito. Se as cláusulas de barreira fossem usadas para as eleições de vereador, quinze partidos não passariam: PROS, PV, Psol, PCdoB, PRTB, PTC, PMN, DC, Rede, Novo, PMB, UP, PSTU, PCB e PCO.

Basicamente os mesmos que, na eleição de 2018, quando as cláusulas de barreira começaram a vigorar, não conseguiram ter número de votos mínimo exigido pela nova legislação: Rede, Patriota, PHS, DC, PCdoB, PCB, PCO, PMB, PMN, PPL, PRP, PRTB, PSTU e PTC não conseguiram 2% de votos em todo o país, nem eleger pelo menos 11 deputados em pelo menos 9 Estados.

Deixaram de ter acesso ao fundo partidário, e direito a tempo de rádio e televisão na propaganda eleitoral. Esta foi também a primeira eleição em que a coligação proporcional foi proibida, o que dificultou ainda mais os partidos mais frágeis.

Justamente por isso, já existe um movimento de bastidores para a legislação voltar a permitir as coligações proporcionais, o que pode retardar a reorganização partidária, que seria fundamental para dar mais lógica às eleições. Cerca de 15 partidos estariam aptos integralmente a participar das eleições e das atividades congressistas, e não 32 como hoje.

As eleições de domingo sinalizaram muitas coisas para 2022, sobretudo que o extremismo de Bolsonaro não tem espaço hoje como teve em 2018. Ele terá que reforçar sua aparente inclinação recente para o centro, para obter o apoio dos partidos do Centrão que saíram vitoriosos, mas não acredito que consiga apaziguar os ânimos, porque é uma pessoa do embate.

Bolsonaro perdeu o timing ao não conseguir montar seu próprio partido político quando estava no auge da popularidade. Se a economia não melhorar, vai, no próximo ano, perder a capacidade de agregar apoios, e, com os resultados das eleições municipais, os partidos que ele esnobou no inicio de seu governo estão hoje mais robustos e não abrirão mão de seus controles internos para ceder a legenda ao presidente.

Os partidos do centro-direita ficarão no governo enquanto tiverem alguma coisa para ganhar, mas na hora H não irão apoiar um candidato que seja impopular, que esteja fora do espírito do tempo. Esses partidos do centrão são fisiológicos, muitos estão envolvidos na corrupção do petrolão e, antes, do mensalão, mas não são extremistas de direita.

Bolsonaro pode se transformar em um fator fora do clima geral e, apesar da força da presidência, uma aliança tóxica. A não ser que a economia dê um salto formidável, o que parece improvável a esta altura. Entre os partidos independentes do centrão e que têm uma posição crítica ao governo Bolsonaro, PSDB, MDB e DEM ganharam muita força e serão fundamentais para apoiar uma candidatura viável, que pode ser a do governador João Doria ou a de Luciano Huck.

O ex-ministro Sérgio Moro parece ter se decidido pela vida fora da política, tornando-se vice-presidente executivo da consultoria internacional Alvarez & Marsal. Não creio que o fato de a empresa estar contratada para a recuperação judicial da Odebrecht e OAS, empreiteiras que foram os principais alvos da Operação Lava-Jato, seja um empecilho ético. Ao contrário, o que as empreiteiras estão buscando é uma reorganização nos termos exigidos pela legislação, que evite justamente os esquemas de corrupção descobertos.

Se Luciano Huck decidir entrar realmente na vida partidária, será difícil haver apenas uma chapa do centro-direita na disputa presidencial, a não ser que o governador João Doria desista. Isto porque não há indicação de que Huck aceitaria ser vice de alguém.

A esquerda sofreu derrota fragorosa, está com grandes dificuldades, e será incomodada com a ascensão de Boulos como líder político nacional. Apesar da derrota acachapante, o PT continua sendo o mais organizado partido da esquerda, e vai insistir com Lula, se ele conseguir deixar de ser ficha-suja, o que é necessário, mas não suficiente, para ele ser candidato de união da esquerda.


Luiz Carlos Azedo: Quem larga na frente?

Bolsonaro saiu do pleito muito menor do que entrou, embora os partidos de Centrão, principalmente o PP e o PSD, tenham revelado um excelente desempenho eleitoral

Quando começa a próxima campanha eleitoral? Para a maioria dos políticos, quando a última eleição termina. Se tiver juízo, porém, o presidente Jair Bolsonaro, que tirou o gênio da garrafa antecipando sua estratégia de reeleição, levará em conta o resultado das eleições municipais e puxará o freio de mão nas articulações eleitorais para 2022, para acelerar as reformas. Do jeito que as coisas vão, não terá nenhuma grande realização para entregar no terceiro e quarto anos de governo, apenas obras iniciadas por seus antecessores e ainda em fase de conclusão.

A estratégia de Bolsonaro nas eleições municipais fracassou: esperava conquistar as prefeituras de São Paulo, com Celso Russomano (Republicanos), que nem chegou ao segundo turno, e do Rio de Janeiro, com Marcelo Crivella (Republicanos), que não conseguiu se reeleger. Saiu do pleito muito menor do que entrou, embora os partidos de Centrão, principalmente o PP e o PSD, tenham revelado um excelente desempenho eleitoral. Para manter sua base no Congresso, Bolsonaro terá de fazer mais concessões a esses aliados.

Os partidos do grupo saíram muito fortalecidos, principalmente o PP, que venceu em 685 municípios; o PSD, com 655; e o PL, com 345 prefeituras. Com as demais legendas, o Centrão controla cerca de 2,4 mil cidades, nas quais residem 35% da população: PTB, 212; Republicanos, 211; PSC, 115; Solidariedade, 94; Avante, 82; Patriotas, 49; e PROS, 41. Os líderes desses partidos pressionam Bolsonaro para fazer mudanças na Esplanada, na qual desejam ocupar mais espaços, sobretudo os ministérios de Minas e Energia e da Saúde.

João Doria

Enquanto Bolsonaro precisa reorganizar suas forças, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), e o ex-governador do Ceará Ciro Gomes saem na frente, embalados por vitórias eleitorais dentro de casa. Com a vitória de Bruno Covas, em São Paulo, o PSDB manteve seu poder de fogo, sob controle dos tucanos paulistas. Dória tem dois trunfos na manga: o vice Rodrigo Garcia (DEM), que assumiria o Palácio dos Bandeirantes; e a aliança com o deputado Baleia Rossi (SP), que preside o MDB, e pode vir a ser o futuro presidente da Câmara. O que perde em números absolutos na eleição, Doria pode ganhar com a política de alianças, se atrair o MDB e o DEM.

O MDB continua sendo o maior partido do país, com 766 prefeitos, 7.300 vereadores e 10,9 milhões de votos. O partido teve um desempenho excepcional nas capitais, aumentando de três para cinco o número de prefeitos, sendo duas cidades polos regionais importantes: Porto Alegre, (RS), no Sul; e Goiânia (GO), no Centro-Oeste. O problema é que o MDB tem tradição de se dividir e/ou cristianizar os aliados, principalmente os paulistas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, macaco velho em disputas nacionais, já advertiu Doria de que ele precisa se “nacionalizar”. O DEM também foi um campeão nas eleições municipais, vencendo em quatro capitais, sendo duas entre as mais populosas do país: Rio de Janeiro (RJ), com Eduardo Paes, e Salvador (BA), com Bruno Reis.

Ciro e Boulos

Com sua vitória em Fortaleza, Ciro Gomes também larga na frente, pois o PDT manteve Fortaleza (CE), com Sarto Nogueira, e Aracaju (SE), com Edvaldo Nogueira. Mas a grande aposta de Ciro, a delegada Marta Rocha (RJ), no Rio de Janeiro, não se materializou. Ocorreu no Rio o que pode vir a acontecer em nível nacional, um confronto com o PT. Os trabalhistas perderam votos na eleição (6,4 milhões para 5,3 milhões). A candidatura de Ciro, para se consolidar como alternativa de poder, precisaria ao menos de uma coligação com o PSB, cujas contradições com o PT se aprofundaram por causa da disputa no Recife (PE), na qual João Campos (PSB) consolidou-se como herdeiro do espólio do pai, Eduardo Campos, mas dividiu a base eleitoral do clã com a petista Marília Arraes, numa disputa familiar sangrenta.

Outro que larga na frente é Guilherme Boulos (PSol), com um desempenho espetacular em São Paulo, com 40% dos votos, o que praticamente consolida sua candidatura à Presidência pela legenda. O PSol elegeu o prefeitos de Belém, Edmilson Rodrigues, e a maior bancada de vereadores do Rio de Janeiro, mas não teve um grande desempenho nacional em termos de prefeituras. Mesmo assim, Boulos ganhou projeção nacional e pode ameaçar os demais candidatos de esquerda.

O PT precisa resolver o que deseja fazer em 2022. A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é inviável, embora exista esperança de que sua condenação na Lava-Jato no caso do triplex de Guarujá seja anulada. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad, que seria a opção, está sendo desidratado.

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Luiz Carlos Azedo: Einsten explica

A única relação mecânica entre os resultados das eleições de hoje e as próximas é a seguinte: a campanha eleitoral de 2022 já começou

A teoria da relatividade de Alberto Einstein revolucionou o século passado, estando mais ostensivamente presente no nosso cotidiano do que outra de suas descobertas, o efeito fotoelétrico, que possibilitou o desenvolvimento da bomba atômica, aplicação que nunca passou por sua cabeça. Einstein sempre foi um pacifista. Empregada duas vezes, pelos Estados Unidos, em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, a bomba continua sendo um espectro da política mundial. A Coreia do Norte e Israel, por exemplo, sociedades militarizadas, são temidos porque têm a bomba.

No Brasil, durante o regime militar, a Marinha e a Aeronáutica desenvolveram secretamente um programa nuclear paralelo, cujo objetivo era dominar a tecnologia e produzir uma bomba atômica. Cerca de 700 militares e técnicos civis foram enviados pelo governo para estudar na França, na Inglaterra, na Alemanha e nos Estados Unidos, em 1979, o que resultou na formação de 55 doutores, 396 mestres e 252 especialistas em segurança de reatores, materiais nucleares, ampliação de técnicas nucleares, infra-estrutura de pesquisa e desenvolvimento, além de recursos humanos.

O presidente José Sarney, quando assumiu o poder, mandou encerrar o programa. Já havia até um buraco de grande profundidade na Serra do Cachimbo, construído pela Aeronáutica, para testar a bomba. Após o Brasil assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, restou do projeto o programa do submarino nuclear da Marinha. Isso possibilitou uma mudança da água para o vinho nas relações com os nossos vizinhos, principalmente a Argentina. Quando o presidente Jair Bolsonaro fala em “pólvora” como fator determinante de nossa independência — e sinaliza que o Brasil será o último a reconhecer a eleição do presidente Joe Biden e somos o único país a votar com Donald Trump contra a Organização Mundial de Saúde(OMS) na Organização das Nações Unidas (ONU) —, penso com os meus botões: “Será o Benedito?” Se pudesse, com certeza, Bolsonaro voltaria no tempo.

Felizmente, a teoria da relatividade tem aplicações muito mais úteis para a sociedade. O GPS, por exemplo, utiliza mecanismos advindos da relatividade para determinar com alta precisão as posições na Terra. Os celulares dependem de 24 satélites em órbita ao redor da Terra para determinar a nossa localização. Se não fosse a relatividade, por exemplo, não seria possível a existência do Uber e do iFood, que são a salvação da lavoura para muita gente nesta pandemia. A fórmula mágica de Einsten — E(energia) = m(massa)c2(velocidade da luz elevada ao quadrado) — é necessária para calcular as distâncias e fazer correções, porque os satélites percorrem a órbita da Terra a uma velocidade de 14 mil km/h. É menor do que a velocidade da luz (cerca de 300 mil km/s), mesmo assim, a fórmula possibilita os cálculos necessários.

Eleições

O tempo também é relativo na política, tanto como num parque de diversões meia hora antes de fechar. Passa diferentemente para o avô que brinca com a netinha, o jovem apaixonado que espera a namorada e o pipoqueiro metódico, que confere o faturamento e arruma sua carrocinha. Os militares britânicos têm uma teoria interessante sobre isso: “a sombra do futuro”, uma sacada dos seus estudos de estado-maior sobre a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), uma guerra de posições. Os soldados ingleses e alemães se confraternizaram no Natal de 1914, na cidade de Ypres, na Bélgica. Mas não foi só isso, também houve cooperação tácita em outros momento ao longo dos fronts, quando se atirava no mesmo lugar já conhecido da trincheira inimiga. A “sombra de futuro” dos soldados, que queriam sobreviver e voltar à vida civil, era maior do que a dos seus generais.

A “sombra de futuro” dos que serão eleitos hoje —como os que o foram no primeiro turno — é maior do que a de deputados estaduais e federais, senadores no sexto ano de mandato e governadores, além, é claro, a do presidente Jair Bolsonaro. A única relação mecânica entre os resultados das eleições municipais e as próximas é a seguinte: a campanha eleitoral de 2022 já começou. No mais, tudo é relativo, inclusive os efeito da derrota dos aliados do presidente Jair Bolsonaro, que tem a maioria dos prefeitos eleitos na dependência de financiamentos e outros recursos federais, inclusive os dos partidos de oposição.

É possível inferir das eleições municipais algumas tendências para 2022, do tipo “a extrema-direita foi isolada”, “o centro recuperou suas posições”, “o PT está renascendo das cinzas”, “surge uma nova esquerda”, “a reeleição de Bolsonaro está em risco”, “existe menos espaço para aventureiros”. Essas tendências, porém, podem se afirmar ou não, dependendo da real situação da economia, da superação da crise sanitária com a chegada das vacinas e das entregas administrativas a partir do terceiro ano de mandato de Bolsonaro. Obviamente, o tempo — o recurso mais escasso de seu mandato — vai passar mais rápido para o governo do que para a oposição; para os eleitores descontentes, porém, será uma eternidade. Einstein explica.

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Marcus Pestana: Assim é, se lhe parece: a inconsistência dos partidos no Brasil

Amanhã teremos o 2º. turno das eleições municipais em 57 capitais e grandes cidades. Os resultados acentuarão as cores das interpretações e análises, mas diversas leituras já foram feitas a partir do que aconteceu no primeiro turno. Algumas delas tirando conclusões precipitadas sobre o “recado das urnas” e suas consequências em 2022.

Na última semana, procurei mostrar que é preciso ir “devagar com o andor” neste esforço de interpretação. Primeiro, porque as eleições municipais tem conteúdo eminentemente local e elementos ideológicos pesam marginalmente nas grandes cidades e principalmente na polarização de segundo turno, como é o caso dos confrontos entre Bruno Covas versus Boulos ou Eduardo Paes versus Crivela. A variação aritmética entre os resultados de 2016 e 2020 diz pouco ou quase nada sobre o futuro.

Por outra lado, chamei atenção para a diversidade presente entre regiões, municípios de diferentes portes e partidos razoavelmente programáticos e a maioria deles, pragmáticos.

Hoje temos 35 partidos registrados no TSE e 24 deles presentes no Congresso Nacional. Vejo análises que a partir da variação aritmética da votação e do número de prefeitos e vereadores eleitos por cada partido, começam a cravar: o “Centrão” saiu fortalecido, a esquerda caiu, Bolsonaro foi derrotado, MDB e PSDB perderam espaço. Nada mais enganoso.

Os partidos políticos brasileiros se dividem, grosso modo, em dois grupos: os que procuram ter alguma organicidade e identidade ideológica, e os que tem perspectiva pragmática, funcionando mais como cartórios para registro de candidaturas e como administradoras dos fundos eleitoral e partidário e sempre disponíveis a negociar apoio a governos díspares como os de Itamar Franco, FHC, Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro. Dos vinte e quatro partidos hoje presentes no Congresso têm perfil razoavelmente ideológico e projeto nacional PT, PSDB, DEM, PSOL, PcdoB, PDT, PSB, CIDADANIA, REDE, PV e NOVO. Os outros atuam conforme os ventos políticos conjunturais. Um caso a parte é o MDB, que é um partido importante, mas que oscila entre o pragmatismo e a consistência.

Há um problema central na maioria das análises: o fato de não se conhecer prefeitos de carne e osso e sua lógica. Os deputados, prefeitos e vereadores têm, em geral, baixíssima fidelidade às direções partidárias. Se a direção nacional do partido X apoiar Bolsonaro, Dória, Luciano Huck, Ciro Gomes ou Haddad não quer dizer que haverá alinhamento geral da estrutura partidária. Os prefeitos e vereadores no interior são espertos e pragmáticos, querem melhorias em seus municípios. Evitam partidos com identidade muito forte. Em Minas, nos 12 anos recentes em que houve a presença do PSDB no governo estadual e do PT no nível federal, era mais cômodo para as lideranças locais se refugiarem em legendas sem marca forte para buscar recursos nas duas esferas de poder. Imaginem os prefeitos da Bahia com o governo estadual em mãos petistas e Bolsonaro na Presidência. Na hora da eleição a história é outra.

Fica para outra oportunidade discutir o papel dos fundos, a repercussão dos “padrinhos” nas eleições locais, a cláusula de desempenho e o fim das coligações proporcionais e os sinais de esgotamento da polarização nos EUA e no Brasil.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)