Partidos
Luiz Carlos Azedo: A conta do Orçamento
Como a conta não fecha, os cortes nos orçamentos dos ministérios, principalmente nas despesas de custeio, podem paralisar as políticas públicas
Não é de agora que o ministro da Economia, Paulo Guedes, vem sendo fritado em fogo brando no Congresso, com o doce constrangimento do presidente Jair Bolsonaro, que conseguiu desmoralizar seu Posto Ipiranga junto aos agentes econômicos. O mercado só não pede para tirar o ministro porque não sabe o rumo que o substituto adotará. Como Bolsonaro costuma surpreender na troca de ministros, os agentes econômicos preferem não arriscar, e Guedes vai ficando, cada vez mais enfraquecido. Agora, está engolindo um acordo com o Centrão que representa gastos acima do teto do Orçamento de 2021 da ordem de R$ 132,5 bilhões. Publicamente, Guedes minimiza o fato, mas sua equipe e os especialistas sabem fazer as contas.
A narrativa do governo é de que foi preservada a responsabilidade fiscal e o compromisso com a área da saúde. Bolsonaro deve sancionar o Orçamento hoje ou amanhã. A redução de gastos com despesas obrigatórias, que foram subestimadas, e o aumento do valor das emendas parlamentares pelo Senado levaram os técnicos do Ministério da Economia a propor o veto integral ao Orçamento aprovado pelo Congresso, mas Guedes não bancou a posição. Bolsonaro é o grande interessado nas emendas parlamentares destinadas à realização de obras, por razões eleitorais.
A saída que Guedes encontrou para Bolsonaro não ser enquadrado na Lei de Responsabilidade Fiscal foi salomônica: retirar do Orçamento os gastos extras com a pandemia da covid-19, ou seja, R$ 20 bilhões para enfrentamento da doença; R$ 10 bilhões para renovação do Benefício Emergencial; e mais R$ 5 bilhões para o Pronampe, para socorrer pequenas e médias empresas. Com R$ 44 bilhões do auxílio emergencial e outras despesas com a saúde, que foram considerados créditos extraordinários, o rombo pode chegar a R$ 132 bilhões.
Fuga pra frente
O deficit fiscal previsto para 2021 já é de R$ 247,1 bilhões. Com o extra-teto de R$ 132 bilhões, o Orçamento de 2021 será uma grande fuga para a frente, que pode causar mais inflação e redundar numa nova recessão. No fundo, Bolsonaro foi complacente com os seus aliados no Senado, que aumentaram o volume de emendas parlamentares de R$ 16 bilhões para R$ 47 bilhões. Nas negociações, até agora, só se chegou a um acordo para vetar R$ 10 bilhões. Sobram R$ 21 bilhões a serem expurgados pelos vetos de Bolsonaro, nas despesas discricionárias do governo, e pelo contingenciamento de gastos.
Como a conta não fecha, a expectativa em relação aos vetos e contingenciamentos se volta para os cortes que serão feitos nos orçamentos dos ministérios, principalmente nas despesas de custeio, que podem paralisar as políticas públicas. O sinal de que os cortes serão direcionados, principalmente, para a área social foi o cancelamento do Censo Demográfico de 2021, por falta de verbas. Sem estatísticas confiáveis, todo o planejamento do governo fica comprometido. A área de Defesa também será atingida, com cortes de investimento no reaparelhamento de Exército, Marinha e Aeronáutica, originalmente em torno de R$ 8,2 bilhões, porque Bolsonaro considera os militares muito bem contemplados na reforma da Previdência, com os aumentos de salários e a ocupação de cargos no governo.
Não estava nos planos do Executivo que a pandemia da covid-19 chegasse às proporções que atingiu. Mesmo assim, com o negacionismo de Bolsonaro pondo em risco a sua reeleição, essa lógica continua presidindo as ações do governo. Sua aposta é de que a execução orçamentária, com o auxílio emergencial e as obras públicas, alavanque a economia e possibilite a geração de empregos e a retomada da economia informal. O problema é que a vacinação da população está muito atrasada. A variante brasileira da covid-19 tem atingido duramente a população mais jovem e de meia idade, os prejuízos econômicos são imensuráveis. A conta da pandemia, além do grande número de mortos, que já chega próximo dos 400 mil, inclui o desemprego em massa e o apagão de capital de pequenos e médios empreendedores.
Luiz Carlos Azedo: O favoritismo de Lula
Com a CPI da Covid em funcionamento no Senado, o custo político dos desatinos de Bolsonaro na pandemia e da incompetência dos militares na Saúde será altíssimo
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, ontem, a anulação de todas as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por 8 a 3, com base no princípio do “juiz natural”, pedra basilar do chamado devido processo legal, invocado pela defesa do petista desde quando o processo começou a andar na 13a Vara Federal de Curitiba, sob a batuta do então juiz Sergio Moro. Quando a revisão do caso do ex-presidente da República começou a ser ventilada nos bastidores do Supremo, o presidente Jair Bolsonaro imaginava que Lula como adversário seria meia reeleição garantida, mas a vida está mostrando, com a pandemia da covid-19, que a roda da Fortuna girou em favor do petista.
Como já era de se esperar, a reação de Bolsonaro e seus aliados será na direção de contestar a decisão do Supremo e desacreditar os integrantes da Corte, além de intensificar a narrativa de que houve fraude nas eleições passadas e de que o voto eletrônico não é seguro. Os propósitos golpistas dessa narrativa são conhecidos, porém não têm encontrado eco nos meios políticos, nem mesmo entre os aliados do Centrão, e também nas Forças Armadas, apesar das insatisfações com a decisão. A ideia de que a polarização com Lula seria a chave da vitórianas eleições de 2022 está furada.
A decisão do Supremo anulou as condenações de Lula por um aspecto formal, o foro de seu julgamento deveria ser o Distrito Federal, e não Curitiba. Isso não significa que Lula tenha sido inocentado, porque o processo terá que ser reiniciado (há controvérsias sobre a anulação de provas). Entretanto a narrativa de que Lula foi injustiçado por Sergio Moro é cada vez mais robusta, pela revelação de suas conversas com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato e, também, por causa da decisão da Segunda Turma que aprovou a suspeição do ex-juiz na condução do processo, por 3 a 2. Esse é outro assunto que terá de ser examinado pelo plenário do Supremo, podendo ter sérias consequências para o ex-magistrado, um pré-candidato à Presidência ainda encabulado.
Mudança de cenário
A presença de Lula na disputa mudou completamente o cenário eleitoral de 2022. A expectativa de poder que a possibilidade de reeleição garante aos ocupantes do Palácio do Planalto, no caso de Bolsonaro, está sendo volatilizada pela pandemia da covid-19, a recessão econômica e o mau desempenho do governo federal em muitas frentes. As políticas públicas que contavam com certo consenso nacional e reconhecimento internacional foram substituídas pela improvisação, pelo obscurantismo e pela incompetência administrativa, além de um viés ideológico reacionário. Isso correu na política externa, no meio ambiente, nos direitos humanos, na cultura e na educação, mas é na saúde pública que o desastre pôs no telhado a reeleição de Bolsonaro em 2022.
Cada dia que passa, as consequências da má gestão do ex- ministro da Saúde Eduardo Pazuello mostram-se mais graves, com o agravante de que o novo ministro, Marcelo Queiroga, embora tenha flexibilizado a narrativa governista, está capotando na área administrativa da pasta. Hoje, é o principal responsável pelo colapso do fornecimento de insumos para tratamento dos casos graves da doença, principalmente os kits de intubação. Como o Ministério da Saúde requisitou toda a produção nacional e não consegue atender à demanda, hospitais de vários estados estão entrando em colapso. Pacientes estão sendo amarrados nas UTIs para não retirarem os tubos de respiração ou deixando de ser intubados, por falta de analgésicos adequados e outros recursos, o que acaba aumentando o número de óbitos.
Com a CPI da Covid em funcionamento no Senado, o custo político dos desatinos de Bolsonaro na pandemia e da incompetência dos militares na Saúde será altíssimo e se prolongará para além da pandemia, por causa do grande número de mortos. Isso significa que Bolsonaro está derrotado e Lula com o caneco na mão? Não, ninguém ganha eleições de véspera. Lula já foi favorito antes e perdeu a eleição, em 1994, para Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
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A decisão do Supremo terá efeito catalisador no processo político, pode contribuir para transferir expectativas de poder do presidente Jair Bolsonaro para a oposição
A maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu levar a plenário, hoje, a anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela 13a Vara Criminal de Curitiba, ou seja, pelo ex-juiz Sergio Moro, a pedido do relator da Operação Lava-Jato, ministro Edson Fachin, autor da liminar que livrou o petista da inelegibilidade. Fachin entendeu que o foro natural do processo deveria ser o Distrito Federal, por não se tratar de processo diretamente vinculado ao escândalo da Petrobras. Com a decisão de ontem do Supremo, por 9 a 2, tanto Lula quanto Moro voltam ao centro do noticiário, como possíveis adversários do presidente Jair Bolsonaro, ambos com muita força.
Esse julgamento no Supremo terá um efeito catalisador no processo político, contribuindo para transferir expectativas de poder de Bolsonaro, candidato à reeleição, para a oposição. A Lava-Jato ainda tem um grande apelo popular e é a principal face de desgaste
da candidatura de Lula à Presidência, mas, sem o julgamento, o petista não seria candidato. Entretanto, Bolsonaro se descolou da bandeira da ética por causa do escândalo das “rachadinhas” da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e de suas manobras para proteger o filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), um dos principais investigados no caso.
Moro, principal responsável pela condenação de Lula, também sofre desgastes. É acusado de ser parcial e ter usado recursos inadmissíveis durante a investigação para condenar Lula e afastá-lo da disputa eleitoral de 2018, beneficiando Bolsonaro. Ao aceitar o convite para ser ministro da Justiça do atual governo, de certa forma, o ex-juiz corroborou as acusações da defesa de Lula. Seu estridente rompimento com Bolsonaro, acusando-o de tentar usar a Polícia Federal em benefício próprio, manteve a bandeira da ética nas suas mãos, mas sua atuação como magistrado acabou fragilizada por gravações feitas por hackers de suas conversas com integrantes do Ministério Público que comandavam as investigações, desnudando sua parcialidade.
Por isso mesmo, o julgamento do mérito da liminar de Fachin, que anulou as condenações de Lula, abrirá espaço, também, para a discussão sobre a atuação de Moro, cuja suspeição foi aprovada pela Segunda Turma do STF. Não sem razão, o julgamento terá repercussão eleitoral, tanto do ponto de vista legal — Lula estará livre ou não para concorrer às eleições — quanto midiático. O Supremo pode jogar o petista para cima nas pesquisas, mas também alavancará Moro, que passa de algoz a vítima, como paladino da ética e dos bons costumes, a não ser que o ex- juiz seja punido severamente e impedido de concorrer.
Decantação
Quem mais perde com o julgamento é Bolsonaro, que tenta fazer do limão uma limonada. Ao atacar o Supremo e a decisão de liberar Lula para disputar as eleições, o presidente da República mantém em sua esfera de influência os setores mais radicalizados do antipetismo. A aposta do chefe do Planalto é que esse sentimento garanta o seu lugar no segundo turno das eleições, mas não é bem assim. A queda dos seus índices de aprovação em razão da crise sanitária e da recessão e a perda da bandeira da ética podem abrir espaço para uma candidatura robusta do chamado polo democrático, capaz de capturar o eleitor mais conservador, porém, insatisfeito com o desempenho do governo e de Bolsonaro.
O julgamento de Lula será o primeiro grande momento de decantação do processo eleitoral. Outro momento será a decisão do apresentador Luciano Huck (sem partido) sobre a proposta de renovação de contrato com a TV Globo, como substituto do Faustão nas tardes de domingo. O terceiro grande lance no xadrez eleitoral é a prévia do PSDB, marcada para outubro, na qual o partido escolherá seu candidato. Disputam a vaga os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Restarão ainda as definições do DEM, em relação ao ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta e do próprio Moro, que não se comporta como candidato.
Maria Cristina Fernandes: Contra CPI, Bolsonaro ameaça sócios
São 90 dias regulamentares, mas a única certeza sobre a CPI da Pandemia é de que ninguém sabe quando esta termina. Ainda não está composta, mas já produziu, sobre o Senado, o ajuntamento de duas de suas três forças. Os que querem o cargo do presidente Jair Bolsonaro uniram-se àqueles que se contentam com sua caneta. É a junção dessas duas forças que esticará a CPI até 2022. A pauta vai muito além da incúria bolsonarista na pandemia ou de sua consequência para os Estados. O que estará em jogo é a ocupação do governo, do Judiciário e do próprio Senado.
A CPI já começou a se definir pelo parto. A anexação das duas propostas foi resultado do jogo duplo que marcou a gestão do ex-presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), colocou o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no cargo e continua a operar no varejo da sustentação bolsonarista na Casa, a um alto custo para o erário, como se viu no relatório do Orçamento do senador Márcio Bittar (MDB-AC).
Com os governadores e prefeitos na roda, ainda que de forma mitigada, os aliados de Bolsonaro que hoje comandam o Senado lhe deram a chance de barganhar o avanço da investigação sobre seu governo. Foi esta a porta que se abriu com a possibilidade de serem investigados não apenas o labirinto das verbas federais nos Estados como a alocação de recursos das emendas parlamentares nos municípios. Ambas passam pelas planilhas da Secretaria de Governo, ocupada até outro dia pelo ministro da Casa Civil, Luiz Eduardo Ramos.
A CPI ainda avançará sobre as brasas que restaram nas relações entre Ramos e o ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Ontem o Ministério Público Federal no Amazonas adiantou-se à CPI e denunciou Pazuello por improbidade administrativa decorrente da crise de oxigênio naquele Estado. O processo correrá em primeira instância e pode levar à primeira condenação dos generais do governo. Com um adendo: Pazuello ainda está na ativa.
Com este caldeirão sob fervura, o presidente jogou com a ameaça de implodir a sociedade nada anônima em que se transformou seu governo. O sucesso de sua estratégia dependerá não apenas da composição da CPI mas dos senadores que virão a ocupar a relatoria e a presidência. A meta é reproduzir a CPI dos Correios, tida até hoje como aquela que produziu mais resultados, mas o cenário parece interditado pela força governista na Casa.
Aberta no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, esta CPI entregou a relatoria à oposição. Depois daquela comissão, os parlamentares descobriram meios para assar o porco sem queimar a cabana e os inquéritos mais efetivos passaram para o Ministério Público. A dupla Pacheco-Alcolumbre, estreante na matéria, tenta controlar a labareda mas, uma vez instalada, é a CPI quem manda.
No voto de ontem, respaldado por nove de seus pares, o ministro Luis Roberto Barroso sugeriu que as manobras protelatórias estarão sob a vigilância do Supremo: não cabe ao Senado definir se e quando a CPI será instalada, apenas como procederá, se por videoconferência, presencialmente ou por ambos os meios.
É o MDB o partido que hoje mais se arvora a tomar assento num cargo de comando da CPI e, a partir dele, ganhar terreno. Em 36 anos desde a redemocratização, o MDB mandou no Senado ao longo de 30. Perdeu para o DEM em 2019, graças a uma aliança de Alcolumbre com o grupo lavajatista do Senado. Dois desse grupo são os primeiros signatários das CPIs fundidas na Casa. O senador Eduardo Girão (Podemos-CE), autor do requerimento de ampliação do escopo, continua a gravitar sob a mesma órbita, e o senador Randolfe Rodrigues (Psol-AP) aliançou-se com o MDB.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) foi convidado ao Palácio do Planalto na próxima semana numa operação que visa a tornar palatável, para o presidente, sua escolha para um dos cargos da CPI. A ambição emedebista não se restringe aos domínios do DEM no Senado, mas também sobre o governo.
Os ministros políticos da gestão Bolsonaro são ou foram deputados: Flávia Arruda (Secretaria de Governo), João Roma (Cidadania), Onyx Lorenzoni (Secretaria Geral da Presidência), Teresa Cristina (Agricultura) e Fabio Faria (Comunicações). A ambição primeira dos senadores é o Ministério das Minas e Energia, foco histórico de disputa entre MDB e DEM. Contra todos, Bolsonaro reforça a ala ideológica do governo. Não apenas tirou o almirante Flávio Rocha da Secretaria de Comunicação, como mantém o ex-ministro Ernesto Araújo como entreposto entre si e o novo chanceler, Carlos França.
O Senado, porém, também ganhará força na queda de braço que hoje antagoniza a Câmara e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A instalação da CPI eleva o preço de quaisquer das decisões de Bolsonaro sobre o Orçamento. As ambições no Senado estendem-se ainda à vaga do ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal. O passado lavajatista do preferido de Bolsonaro, o advogado-geral da União André Mendonça, o condena no Senado.
A operação, porém, tem três obstáculos. O primeiro é que o posto de governista-mor de Alagoas está hoje ocupado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O segundo é que a ampliação do escopo colocou todos os governadores sob a mira da CPI, entre os quais o de Alagoas, Renan Filho (MDB). E, finalmente, o terceiro é que a nomeação de Renan para um cargo na CPI deixaria em maus lençóis dois de seus correligionários, os líderes do governo no Senado, Fernando Bezerra (PE) e no Congresso, Eduardo Gomes (TO).
Quem quer que ambicione o cargo de relator ou presidente na CPI se transformará num pivô do cenário de 2022. A dominância do MDB fortaleceria o partido na disputa pela vice do PT. Em meio às disputas intestinas, um presidente menos imiscuído, como o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), seria uma solução tão desejável quanto improvável.
No pior das hipóteses, às pilhas de cadáveres se juntarão os áudios de whatsapp, comuns entre integrantes deste governo, que a CPI não custará a obter. É a espetacularização da tragédia que vai entrar no ar. Ambas poderiam ter sido evitadas se a apuração das responsabilidades tivesse começado junto com a incúria.
Gil Alessi: Governadores preparam carta a Biden para driblar protagonismo negativo de Bolsonaro
Com presidente e seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, alvo de críticas pelo aumento do desmatamento no país, chefes dos executivos estaduais querem acesso aos recursos dos EUA
Em meio à lentidão do processo de imunização contra a covid-19 no Brasil, e com o pedido feito por ONGs para que o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, não negocie “a portas fechadas” questões ambientais com Jair Bolsonaro, governadores brasileiros lançarão nos próximos dias iniciativas nestas duas frentes em busca de protagonismo —e de resultados concretos. Chefes de 23 Executivos estaduais formaram um bloco chamado “Coalizão Governadores Pelo Clima”, que assina uma carta endereçada ao mandatário americano.
O documento será entregue ainda este mês ao embaixador dos Estados Unidos no Brasil. Na mensagem de três páginas eles divergem de Bolsonaro ao defender o Acordo de Paris —que o presidente já falou em abandonar— e “o cumprimento do Código Florestal para a conservação das florestas e da vegetação nativa” —outro contraste com o Planalto, cujo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, defende a flexibilização das leis para “passar a boiada”.
A carta é assinada por governadores de oposição a Bolsonaro, como João Doria (SP), Flávio Dino (MA) e Fátima Bezerra (RN), mas também por simpatizantes do presidente, como Romeu Zema (MG) e Cláudio Castro (RJ). Na mensagem eles se dizem preocupados com a situação e “conscientes da emergência climática global”. Também se colocam como atores capazes de contribuir com a solução caso tenham acesso aos recursos necessários, preenchendo um certo vácuo diplomático deixado pelo Governo Federal. “Nossos Estados possuem fundos e mecanismos criados especialmente para responder à emergência climática, disponíveis para aplicação segura e transparente de recursos internacionais, garantindo resultados rápidos e verificáveis”, diz o texto.
A articulação acontece às vésperas da Cúpula dos Líderes sobre o Clima, que será realizada de forma virtual em 22 e 23 de abril e para qual o Governo Joe Biden convidou Bolsonaro. Durante a campanha eleitoral em 2020 Biden chegou a dizer que poderia aplicar sanções contra o Brasil caso o país não controlasse o desmatamento. Depois de eleito, o tom de ameaça foi suavizado apesar dos recordes de devastação da floresta, e o enviado especial do Clima da Casa Branca, John Kerry, chegou a realizar uma videoconferência com o ministro Ricardo Salles e o então chanceler Ernesto Araújo para tratar do tema.
Todo o interesse não é em vão. A proteção dos biomas brasileiros é um negócio que movimenta bilhões de dólares. Desde o início do Governo Bolsonaro diversos fundos europeus ameaçaram suspender repasses destinados à preservação da floresta até que o Brasil mostrasse comprometimento com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e também em outros biomas. Noruega e Alemanha, por exemplo, bloquearam no final de 2019 o envio de recursos para o Fundo Amazônia, um dos principais do setor. Até o acordo comercial entre União Europeia e o Mercosul, assinado em junho de 2019, tem sua implementação arrastada à medida em que países como França e Áustria resistem a que ele saia do papel alegando preocupações ambientais.
O anúncio do contato dos governadores com Biden também ocorre uma semana após um grupo com mais de 200 ONGs ligadas a questões ambientais ter enviado ao presidente americano uma carta na qual criticam eventuais negociações “a portas fechadas” feitas entre os dois mandatários sobre a Amazônia sem a inclusão da sociedade civil. “Não é razoável esperar que as soluções para a Amazônia e seus povos venham de negociações feitas a portas fechadas com seu pior inimigo [Bolsonaro]”, afirmam em um trecho da mensagem, que também defende a participação dos Estados e comunidades locais nas tratativas. “Bolsonaro (...) compromete os Acordos de Paris ao retroceder na ambição da meta climática brasileira. Negacionista da pandemia, transformou seu país num berçário de variantes do coronavírus, condenando à morte parte da própria população”, conclui o texto.
Novos focos de atrito entre governadores e Planalto
A iniciativa dos governadores de contactar diretamente Biden tem potencial para provocar ainda mais atrito entre eles e o presidente. Ambas as partes já vivem uma relação bastante conturbada, erodida desde o início da pandemia quando Bolsonaro passou a atacar os executivos estaduais por tentarem controlar a crise sanitária com isolamento e restrições. Posteriormente, acusou os governadores de fazerem uso político da covid-19 e desviar recursos do Governo Federal destinados à Saúde.
Indagado sobre a possibilidade de conflitos com o Planalto, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), um dos signatários da carta, é taxativo: “Não estamos defendendo uma posição política individualista, e sim a posição do Brasil. Ela não foi alterada, apesar de verbalização [de Bolsonaro] no sentido diferente, as regras continuam as mesmas, não houve alteração da Constituição ou no Legislativo e Judiciário com relação à necessidade de proteger o Meio Ambiente”. Segundo ele, a ideia é que “Biden atente ao fato de que a posição no Brasil precisa ser uma posição que envolva os três poderes, e não apenas um”.
A carta dos Governadores pelo Clima não é a única iniciativa destes políticos que pode afrontar Bolsonaro. Nesta sexta-feira integrantes do Fórum Nacional de Governadores irá realizar por videoconferência uma reunião com a secretária-geral adjunta da Organização das Nações Unidas, Amina Mohammed. Na pauta, o pedido por “ajuda humanitária ao Brasil” em função da situação de descontrole da pandemia do novo coronavírus no país. “Queremos a sensibilização da ONU para que a Organização Mundial da Saúde agilize a entrega de vacinas para o Brasil”, afirmou Dias, referindo-se às doses do consórcio capitaneado pela entidade.
O protagonismo dos governadores na pandemia é uma questão crucial para Bolsonaro. Até o momento o Planalto ficou a reboque de iniciativas estaduais quando o assunto é imunização: boa parte das doses aplicadas nos mais de 23 milhões e brasileiros até esta terça-feira foi produzida no Instituto Butantan, em uma iniciativa do Governo paulista. Desde fevereiro outros governadores já iniciaram tratativas com laboratórios estrangeiros em busca de mais vacinas —algumas ainda sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, como é o caso do imunizante russo Sputnik V, adquirido por Camilo Santana (CE) e Flávio Dino (MA).
Piauí: Os números chocantes da desigualdade vacinal
Imunização brasileira é lenta e discriminatória. País é o 73º em proporção de vacinados. E regiões pobres, com menos idosos, ficam no fim da fila. Em SP, distritos mais protegidos são 8 vezes mais ricos que os com menos doses aplicadas
Por Antonio S. Piltcher, Amanda Gorziza e Renata Buono, na Piauí
A vacinação contra a Covid-19 no Brasil caminha a passos lentos. Em relação à proporção da população vacinada, o país está na 73ª posição do ranking mundial. Alguns locais do Brasil são mais impactados pela falta de vacinas e pela distribuição desigual do imunizante. Na cidade de São Paulo, os distritos mais vacinados têm renda média oito vezes maior e vacinam quatro vezes mais que os distritos menos vacinados. Na cidade do Rio, um morador do Baixo Leblon tem três vezes mais chance de ter recebido a primeira dose da vacina contra Covid que um morador do Vidigal. Municípios com maior proporção de população indígena estão com taxas de vacinação maiores. Na Paraíba, uma cidade de maioria indígena aplicou quinze vezes mais doses que o município vizinho. Para realizar as comparações, foram utilizados os microdados do Open Data SUS, que permitem mapear a imunização dentro dos municípios, pois incluem os primeiros cinco dígitos do CEP de cada pessoa vacinada. Assim, foi possível estimar a proporção de habitantes imunizados em cada bairro. Os números foram compilados pelo Pindograma, site de jornalismo de dados.
O Mato Grosso do Sul é o estado que mais aplicou doses de vacina contra a Covid-19 proporcionalmente à sua população – 18 doses a cada 100 habitantes até 9 de abril. O ideal é que se tenham 200 doses a cada 100 indivíduos, já que são necessárias duas aplicações para a completa imunização. Por outro lado, o Mato Grosso, estado vizinho, aplicou metade das doses – apenas 9 a cada 100 pessoas. Ambos têm proporções semelhantes de idosos em sua população: MS com 13% e MT com 12%.
No Rio Grande do Sul, 14% da população recebeu a primeira dose da vacina contra Covid-19, enquanto o Acre vacinou apenas 8% de seus habitantes até o dia 9 de abril. No entanto, a proporção de gaúchos idosos é de 19%, enquanto a de acrianos é de 8%, ou seja, a população do Acre é majoritariamente jovem. O PIB per capita dos estados também difere: R$ 15 mil no Acre e R$ 37 mil no Rio Grande do Sul.
Dois municípios com porte parecido, Santos e Carapicuíba, no estado de São Paulo, têm níveis distintos de vacinação contra a Covid-19. Em Santos, 13% dos 433 mil habitantes já tomaram a primeira dose da vacina. Já em Carapicuíba, na região metropolitana, apenas 3% dos 403 mil habitantes foram vacinados. Os PIBs per capita dos municípios são bastante desiguais: aproximadamente R$ 52 mil em Santos e R$ 14,4 mil em Carapicuíba.
Na cidade de São Paulo, a vacinação dos distritos mais ricos e mais pobres difere significativamente. Nos cinco locais mais vacinados até 25 de março – Pinheiros, Jardim Paulista, Alto de Pinheiros, Campo Belo e Vila Mariana –, a primeira dose foi aplicada em 17% da população, e a renda média é de R$ 9.230. Já nos cinco menos vacinados – Anhanguera, Parelheiros, Jardim Ângela, Perus e Cidade Tiradentes –, apenas 4% dos habitantes foram vacinados, e a renda média de R$ 1.167.
Até 25 de março, Marcação, na Paraíba, administrou 73 doses de vacina contra Covid-19 a cada 100 habitantes. A vizinha Cuité de Mamanguape distribuiu apenas 5 doses a cada 100 habitantes. Ambas as cidades têm PIB per capita baixo, R$ 10 mil em Cuité de Mamanguape e R$ 9 mil em Marcação, que tem população majoritariamente indígena, o que não é o caso de Cuité.
Na região do Parque Bom Jesus, na periferia de Goiânia, 2% dos moradores foram vacinados até 25 de março. Nessa região, 70% das pessoas se autodeclaram negras. Já no Setor Marista, no centro da cidade, onde menos de 20% da população é preta e parda, foram vacinados 13% dos habitantes com a primeira dose até a mesma data.
A desigualdade na vacinação também está presente dentro da favela. Na cidade do Rio de Janeiro, no CEP 22452, que cobre metade da favela do Vidigal, apenas 4% dos moradores foram vacinados com a primeira dose. A renda média dos habitantes do Vidigal é de R$ 1.789. Já no Baixo Leblon, 13% da população recebeu a primeira dose, e 4%, a segunda dose. A renda média dos moradores do bairro Leblon é de R$ 11.311.
Nota metodológica: As comparações do Open Data SUS limitam-se a dados de ao menos duas semanas antes da data de publicação do =igualdades e não comparam UFs distintas, pois há atraso na importação das informações das secretarias estaduais de Saúde para a plataforma federal, o que gera distorções para datas mais recentes.
Fonte: Dados do Open Data Sus, IBGE, Bacen e Secretarias Estaduais de Saúde via coronavirusbra1/Giscard, compilados pelo Pindograma
Luiz Carlos Azedo: Cenário ruim para 2022
Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, como o desemprego
Com a leitura do requerimento da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), consolidou-se uma das principais linhas de força da disputa eleitoral de 2022, a crise sanitária. Mesmo que a pandemia venha a ser controlada, suas consequências políticas se farão sentir durante a campanha eleitoral, devido ao agravamento do desemprego, que não se resolverá facilmente, e o presidente Jair Bolsonaro será responsabilizado pela oposição, não somente pelo número muito alto de mortes. Os dois problemas ainda se somarão à disputa em torno da Operação Lava-Jato, mesmo que seus processos sejam concluídos ou arquivados, e à defesa da democracia, uma pauta que Bolsonaro reiteradamente põe na ordem do dia ao atacar o Supremo Tribunal Federal (STF), além de os partidos de oposição e a imprensa.
Não foi à toa que Bolsonaro tentou melar a CPI e orientou seus aliados a ampliarem o escopo das investigações, para chegar a governadores e prefeitos, o que somente é possível, constitucionalmente, seguindo o dinheiro destinado ao Sistema Único de Saúde (SUS) pelo governo federal. Pacheco, cumprindo determinação do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, apensou o requerimento da CPI apresentado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE) para investigar a responsabilidade de estados e municípios em más condutas no enfrentamento da pandemia, ao pedido original do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), unificando as duas CPIs requeridas.
Segundo Pacheco, “estão excluídos do âmbito de investigação das comissões parlamentares de inquérito do Poder Legislativo federal as competências legislativas e administrativas asseguradas aos demais entes federados”. A guerra de narrativas entre Bolsonaro e a oposição marcará o funcionamento da comissão, mas são os fatos que determinarão o rumo das investigações.
No dia em que CPI passou a existir de fato, o Brasil registrou 3.808 óbitos por covid em 24 horas e mais 82.186 novos casos, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 358.425, e o total de casos aumentou para 13.599.994. Na segunda-feira, foram registrados 1.480 óbitos e 35.785 novos casos. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, reconheceu, ontem, que o Brasil tem 1,5 milhão da segunda dose de vacina em atraso. Ou seja, o cobertor está curto: muitas pessoas não estão recebendo o reforço adequado porque o fluxo de produção de vacinas, principalmente na Fiocruz, não acompanhou a escala da imunização pela primeira dose e houve uma opção de reduzir os estoques de segunda dose para aumentar o número de vacinados parcialmente.
Inflação
Enquanto a pandemia não é controlada, o cenário econômico continua sendo de muitas incertezas e agravamento dos problemas sociais do país, que registra uma de suas maiores taxas de desemprego da história, em torno de 14,5% neste ano, ultrapassando a de países como Colômbia, Peru e Sérvia, e caminha na contramão da taxa média global, cuja estimativa é de recuo para 8,7% este ano, ante 9,3% em 2020. Uma das consequências do desemprego é a fome, que atinge seis de cada 10 domicílios brasileiros; no Nordeste, são sete em cada 10 domicílios, segundo pesquisa das universidades federais de Brasília e Minas Gerais, e a Universidade de Berlim.
Ciente do problema, Bolsonaro tenta culpar governadores e prefeitos. A falta de comida na mesa é leve em 32% das casas, moderada em 13% e grave em 15% (nada pra comer). Além disso, a qualidade da alimentação piorou: queda superior a 40% no consumo de carnes e frutas e de 37% no consumo de verduras e legumes. A pesquisa mostra, ainda, que, em 63% dos domicílios, o auxílio emergencial ser- viu para comprar cesta básica. É um cenário perigoso, porque o auxílio emergencial e o Bolsa Família estão sendo insuficientes para resolver o problema alimentar das famílias de baixa renda por causa da inflação dos alimentos. Nos dois primeiros anos do atual governo, o custo da cesta básica subiu 32%.
Luiz Carlos Azedo: A CPI não sabe como começar
CPIs bem focadas promovem ampla exposição de fatos até então encobertos por silêncio, dissimulações e fraudes. Algumas CPIs fracassaram por má condução
Um velho jargão parlamentar, atribuído a Ulysses Guimarães, sustenta que todos sabem como começa uma comissão parlamentar de inquérito, mas ninguém sabe como termina. A CPI da Covid-19 do Senado, porém, nem sabe ainda como vai começar, embora já esteja no centro das tensões entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, em razão da divulgação de uma gravação da conversa entre o senador Kajuru (Cidadania-GO) e o presidente da República.
Na conversa, o presidente Jair Bolsonaro orienta o parlamentar a protegê-lo e direcionar a investigação contra governadores e prefeitos. De quebra, pede para Kajuru pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) a decidir sobre seu pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes. Quem mais se beneficia dessa confusão é o presidente Bolsonaro. A Executiva do Cidadania, partido envolvido na polêmica, apoia a instalação da CPI e saiu em defesa do senador Alessandro Vieira(SE), mas não endossa que se investigue governadores e prefeitos. Além disso, repudiou a conversa de Kajuru com Bolsonaro e solicitou que o parlamentar deixasse a legenda.
CPIs bem focadas promovem ampla exposição de fatos até então encobertos por silêncio, dissimulações e fraudes. Algumas CPIs fracassaram por má condução, como a do Futebol (2007) e a dos Cartões (2008). Outras foram bem-sucedidas, como as CPIs da Corrupção (1988), do PC Farias (1992), dos Anões do Orçamento (1993), do Judiciário (1989), do Banestado (2003), dos Correios (2005), dos Bingos (2006), dos Sanguessugas (2006), do Apagão Aéreo (2007) e do Cachoeira (2012). Às vezes, são algozes de seus protagonistas.
A CPI do Orçamento acabou cassando os mandatos do presidente da Câmara, Ibsen Pinheiro (MDB-RS), injustamente, e do líder do MDB, Genebaldo Correia (BA), entre outros. A CPI dos Correios, em 2005, fruto de uma denúncia do presidente do PTB, Roberto Jefferson (RJ), resultou na sua própria cassação, e de outros parlamentares, como o então deputado José Dirceu (PT- SP). Desfecho surpreendente teve a do Judiciário, em 1989. Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), no segundo mandato como presidente do Senado, protagonizou a abertura da CPI, contra a corrupção, o tráfico de influências, a má gestão
e o nepotismo no Judiciário.
Renúncias
Alguns senadores à época, como Marina Silva (PT), Geraldo Melo(PSDB) e Roberto Freire (PPS), temiam o risco de confronto entre os Poderes. Para o ministro Carlos Velloso, então vice-presidente do STF, “uma CPI desse tipo, generalizando acusações contra juízes, simplesmente expõe o Judiciário à execração pública, levando o descrédito às suas decisões”. A própria OAB, que defendia desde a Constituinte a criação de mecanismos de controle externo do Judiciário, repeliu a iniciativa. Para então presidente, Reginaldo de Castro, estaria “se criando no Brasil um tribunal de exceção”.
A CPI não desmoralizou o Judiciário nem provocou abalos institucionais. Apurou denúncias de crimes e corrupção que impactaram a opinião pública, com destaque para a ligação do senador Luiz Estevão (MDB-DF, cujo mandato foi cassado em 2000) com o desvio de R$ 169 milhões das obras de construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, onde pontificava a figura do “Juiz Lalau”: Nicolau dos Santos Neto, presidente da Corte, que foi condenado a 26 anos de prisão pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva.
ACM emergiu da CPI do Judiciário como paladino do combate à corrupção, porém não conseguiu manter a presidência do Senado em 2001, sendo substituído por Jader Barbalho (MDB). Os dois senadores viviam se digladiando e acabariam envolvidos no escândalo do Painel do Senado. ACM havia revelado a lista de todos que votaram contra e a favor de Luiz Estevão na sessão secreta que resultou na cassação do mandato do ex-senador, em junho de 2000. A crise culminou com as renúncias de Antônio Carlos Magalhães e José Roberto Arruda, na época líder do governo no Senado.
Luiz Carlos Azedo: Duas derrotas num só dia
Bolsonaro anunciou um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama
O presidente Jair Bolsonaro sofreu duas derrotas ontem, ambas no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma foi a decisão acachapante do plenário da Corte em favor de governadores e prefeitos que determinarem o fechamento temporário de templos religiosos para combater a propagação da pandemia da covid-19, durante os períodos de rígido distanciamento social, cujo resultado foi 9 a 2. A outra, a liminar do ministro do STF Luís Roberto Barroso a favor do mandado de segurança dos senadores Alessandro Vieira (SE) e Jorge Kajuru (GO), do Cidadania, determinando a imediata instalação da CPI da Covid-19 pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que vinha empurrando o assunto com a barriga há 65 dias.
CPIs são uma prerrogativa da oposição, desde que tenham número mínimo de subscrições para instalação, o que é o caso. O que muda com a instalação da CPI é que o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga e, principalmente, seu antecessor, o general Eduardo Pazuello, passarão a ter muitas dores de cabeça em razão de tudo o que ocorreu durante a pandemia até agora. Na lógica da oposição, a CPI é a banda de música dos pedidos de impeachment. O negacionismo de Bolsonaro tem um histórico de atitudes e medidas contra a política de isolamento social, mas também contra a compra e produção de vacinas, o uso de máscaras etc. É um prato cheio para a responsabilização criminal pelo elevado número de mortes que vem ocorrendo.
Rodrigo Pacheco segurou a instalação da CPI enquanto pôde, pressionado por Bolsonaro e pelo Centrão, mas contrariou os seto- res da oposição, inclusive os que o apoiaram. Com seu estilo conciliador e habilidoso, manobrou demais e acabou provocando mais uma intervenção do Supremo no Congresso. Agora, a oposição tem prerrogativas constitucionais e regimentais para fazer uma devassa no Ministério da Saúde. Como a base do governo é majoritária no Senado, o Palácio do Planalto tentará controlar a CPI, voltando-a contra governadores e prefeitos, mas isso fará com que o cacife dos partidos de Centrão aumentem nas negociações com o presidente da República.
Vacinas
Em sua live semanal, ontem, Bolsonaro voltou a criticar o isolamento social e defendeu “outras medidas” para combater a pandemia do novo coronavírus. Aproveitou para anunciar um novo remédio para o tratamento da covid-19, a proxalutamida, medicamento utilizado para tratamento de câncer de próstata e de mama. “É uma possibilidade. Um outro possível remédio que estará à disposição de todo o Brasil. Esperamos que dê certo”, disse. Também defendeu o exercício físico, que segundo ele, aumenta em oito vezes a velocidade de recuperação da doença.
Enquanto Bolsonaro flerta com o curandeirismo, a covid- 19 continua avançando no Brasil. Registrou 4.249 óbitos e 86.652 novos casos nas últimas 24 horas, segundo o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Com isso, o número de mortos pela doença chegou a 345.025, e o total de casos aumentou para 13.279.857. Na quarta-feira, foram registrados 3.829 óbitos e 92.625 novos casos. Ou seja, por falta de vacinas e isolamento social adequado, a escalada da pandemia continua.
Para complicar a situação, há 12 dias o Instituto Butantan não produz novas vacinas por falta de insumos. Ontem, reconheceu que a remessa de matéria-prima da CoronaVac está atrasada, mas anunciou que já foi liberada na China e deverá chegar a São Paulo até 20 de abril. O princípio ativo da vacina era para ter chegado ontem. De acordo com o Butantan, o lote de 3 mil litros de insumos é suficiente para a produção de 5 milhões de doses da vacina. Uma segunda remessa, com mais 3 mil litros, está prevista para chegar até o final do mês. O atraso não vai impactar as entregas previstas ao Ministério da Saúde: 46 milhões até o final de abril. O Butantan já disponibilizou 38,2 milhões de doses ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e ainda possui cerca de 3,2 milhões de vacinas no controle de qualidade, que devem ser liberadas até o dia 19 de abril.
Cristovam Buarque: Olhe a responsabilidade, gente
Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo
Nesta semana, a reforma ministerial mostrou que Bolsonaro já está trabalhando para o pós-segundo turno, enquanto os líderes e partidos de oposição continuam no pré-primeiro. Com o novo Ministro da Defesa, ele deseja controlar as Forças Armadas; com o novo Ministro da Justiça busca o controle sobre as polícias estaduais; com a liberação da compra e porte de armas, equipa sua milícia paralela. Com Forças Armadas, polícias e milícias, Bolsonaro passa a ter forças armadas nas ruas, para contestar derrota por pequena margem de eleitores, caso não consiga argumento para contestar o resultado na Justiça Eleitoral.
Enquanto isto, as oposições continuam divididas entre os possíveis candidatos que depois disputarão entre eles qual vai ao segundo turno. Estes embates deixam marcas que poderão levar outra vez a abstenções e votos nulos no segundo turno, como aconteceu em 2018. Difícil imaginar os eleitores do PT votando em Ciro ou outro candidato, e eleitores do Ciro e de outros candidatos votando no Lula ou outro do PT, salvo se fosse construída uma aliança ampla de todos desde o primeiro turno.
Felizmente, tudo indica que o exército não está aceitando o papel de milícia do Bolsonaro, e alguns dos candidatos pela oposição assinaram um manifesto conjunto em defesa da democracia. Mas todos que percebem as consequências da reeleição do atual governo sobre o futuro do Brasil, deveriam se encontrar em um debate franco sobre qual deles tem mais chance de vencer a eleição; também quais as qualidades, erros e méritos que se reconhecem; em que princípios estariam unidos no governo seguinte. Esta reunião poderia ter a participação de entidades da sociedade civil, como ocorreu em momentos decisivos da história. Poderia inclusive ser presidida por uma ou mais destas entidades.
Pena que a política é mais dominada pela arrogância do otimismo do que pela consciência dos riscos. Cada candidato já se considera com um pé no segundo turno, e tem confiança que unirá os eleitores dos que ficaram para trás. Imaginaram isto em 2018, mas nem a boa qualidade do candidato do PT foi suficiente para evitar a rejeição que o partido tinha. Pode ser diferente agora, se o candidato for Lula e o PT tiver rejeição menor, sobretudo depois da anulação Lava Jato de Curitiba; ainda mais com o reconhecimento oficial de que houve parcialidade do juiz contra Lula. Mesmo assim, não é claro se ele e o PT teriam menos rejeição. É possível que mesmo sabendo o que Bolsonaro representa, muitos eleitores ficarão em casa, ou viajarão para não votar, ou votarão nulo, induzidos pela ideia divulgada pela própria oposição, de “nem Bolsonaro, nem PT”. Possível também que eleitores do PT façam agora o que foi feito com Haddad em 2018, anulando o voto e se abstendo.
Estes líderes precisam entender que, divididos, dificilmente qualquer deles tomará o lugar do candidato do PT, mas o PT deve entender que, solitário, dificilmente ganhará no segundo turno se não tiver o apoio dos outros candidatos e partidos. Sem o PT, pode não chegar ao segundo turno, só o PT, pode não ganhar no segundo.
Os candidatos e líderes de partidos que se opõem à estratégia da reeleição de Bolsonaro têm diante deles a imensa responsabilidade de não falharem por arrogância, por vaidade, preconceito. Não podem neste momento colocar seus partidos e suas propostas na frente do interesse maior da democracia e do futuro do país. É preciso unidade com um candidato de baixa rejeição que leve a uma vitória expressiva, cale os fanáticos e desarme as milícias, oficiais ou não.
*Cristovam Buarque foi senador, governador e ministro
Luiz Carlos Azedo: A Páscoa na pandemia
O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos
Antes de mais nada, feliz Páscoa para todos. É uma data ecumênica por sua própria origem, pois foi ressignificada pelos cristãos como um momento de renovação das esperanças. A origem da Páscoa é o Pesach, a comemoração judaica da libertação dos hebreus da escravidão do Egito. Narrada nos Pentateucos, os primeiros cinco livros da Bíblia, em hebraico, a palavra significa “passagem” e faz menção ao anjo da morte no Egito — a décima praga, conforme a narrativa bíblica. A festa foi reinventada pelos cristãos, passando a se remeter à crucificação e à ressurreição de Cristo.
“E, se Cristo não ressuscitou, logo logo é vã a nossa pregação, e também é vã a vossa fé”, diz o apóstolo Paulo, em I Coríntios 15:14. Na fé católica, foi por meio da ressurreição que a humanidade teve a redenção de seus pecados. Jesus Cristo sacrificou-se para redimir o povo e dar-lhe uma nova chance de salvação. No seu sacrifício, o poder de Deus teria se manifestado.
Estamos encerrando a Semana Santa sem procissões nem missas campais, porém, plena de simbolismo. O Brasil vive uma das maiores tragédias de sua história, com uma média de mais de 3 mil mortos por dia nas últimas semanas, em razão do descontrole da pandemia da covid-19. Existe uma energia humana nos subterrâneos dessa tragédia social que, em algum momento, transbordará para as ruas. Essa resiliência, que seria traduzida nas cerimônias religiosas tradicionais, de alguma forma, acabará se transformando em manifestação política.
Além do agravamento da crise sanitária, também há desorganização da economia. Não estamos falando da redução das atividades econômicas em razão do distanciamento social, mas da desestruturação das contas públicas e da falta de um projeto de retomada do crescimento econômico. É um problema anterior à pandemia, mas que se agravou com ela, principalmente agora, com a aprovação de um Orçamento da União completamente fora da realidade, que agrava as dificuldades já existentes e cria novos problemas, contratados para o pós-pandemia.
Perda de tempo
Há um estresse político criado por arroubos autoritários e tentativas de ruptura do pacto federativo da Constituição de 1988. À época da Constituinte, como tudo estava em discussão, havia moedas de troca suficientes para construção dos acordos entre União, estados e municípios. Agora, uma das dificuldades para aprovação da reforma tributária, por exemplo, é a escassez dessas moedas. O xis da questão acaba sendo sempre a polêmica sobre a arrecadação do ICMS na origem ou no destino das mercadorias, além dos termos da partilha das receitas dos impostos entre os entes federados.
O presidente da República desperdiça seu ativo mais valioso: o tempo do mandato. É impressionante como a falta de foco e o empenho em desconstruir certos consensos políticos — na política externa e na Defesa, no meio ambiente e na segurança pública, no respeito aos direitos humanos e às minorias —, desloca a ação do governo dos verdadeiros problemas do nosso desenvolvimento. A janela de oportunidade das reformas, o primeiro ano de mandato, foi desperdiçada. Agora, em plena pandemia, antecipou-se a disputa eleitoral, porque Bolsonaro conseguiu fazer com que sua reeleição subisse no telhado.
A expectativa de poder está se deslocando de Bolsonaro para a oposição. Mesmo com os desgastes causados pela Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se coloca na arena em vantagem, ao comparar suas realizações de governo com as de Bolsonaro. A última proeza do presidente da República foi unir os demais pré-candidatos, no episódio de demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa e dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. O governador paulista João Doria (PSDB), o ex-governador cearense Ciro Gomes (PDT), o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM), o empresário João Amoedo (Novo) e o comunicador Luciano Huck (sem partido) mandaram o recado: Bolsonaro, não! Podem não se unir no primeiro turno, mas estão contra a reeleição.
Luiz Carlos Azedo: O principe audacioso
A reeleição de Bolsonaro subiu no telhado. Além da pandemia e da recessão, agora tem um adversário calejado e com sangue nos olhos: o ex-presidente Lula
Nicolau Maquiavel, o fundador da ciência política moderna, viveu o esplendor da República Florentina (fundada em 1115), durante o governo de Lorenzo de Médice (1449 1492), antes de ser transformada num ducado hereditário pelo papa Clemente II, em 1532. Não há texto mais lido pelos políticos do que O Príncipe, sua obra-prima. A razão é simples: Maquiavel trata da conquista e da preservação do poder. Uma de suas edições mais interessantes, por exemplo, é a comentada por Napoleão Bonaparte (Ediouro), que esbanja bom humor e ironias. Nem por isso deixou de perder a guerra contra Rússia e, depois, contra os ingleses, em Waterloo, na Bélgica.
Uma das lições de Maquiavel é sobre os príncipes que chegam ao poder mais pela sorte (Fortuna) do que por suas virtudes (Virtù). Esses são os que têm mais dificuldade para se manter no poder quando as circunstâncias mudam. Parece o caso do presidente Jair Bolsonaro. Não se pode dizer que sua ascensão ao poder não teve grande preparação. Teve, sim; por anos a fio, Bolsonaro cultivou a representação política de certas corporações e grupos de interesse — militares, policiais, agentes de segurança, milicianos, grileiros e madeireiros — , além de ruralistas.
Mesmo assim, isso não seria suficiente para chegar à Presidência, embora lhe garantisse uma base de apoio muito ativa. Foi fundamental também o apoio das igrejas evangélicas, capturando o sentimento de preservação da família unicelular patriarcal ameaçada pela renovação dos costumes, e de setores reacionários e conservadores da classe média tradicional, insatisfeita com a insegurança e perda de poder aquisitivo causadas, respectivamente, pela revolução tecnológica e recessão econômica. Um episódio imprevisto praticamente decidiu o rumo da campanha eleitoral de 2018: a facada que levou em Juiz de Fora. O atentado tresloucado praticamente zerou a rejeição que sofria em certos segmentos, que o demonizavam, e reforçou o sebastianismo salvacionista de quem já o considera um mito.
Havia também um cenário internacional muito favorável à eleição de Bolsonaro, com Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos e outros líderes de direita em países importantes da América Latina e da Europa. Todos surfavam a crise das democracias representativas e o aprofundamento das desigualdades provocadas pela globalização. A situação agora é completamente diferente. A pandemia de covid-19 virou tudo de pernas para o ar. Trump perdeu a reeleição para o democrata Joe Biden, outras lideranças conservadoras se reposicionaram em relação à crise sanitária e às políticas econômicas ultraliberais.
Reeleição
A pandemia nos revela que Bolsonaro tem mais dificuldades para se manter no poder num cenário adverso do que teria se tivesse chegado ao governo pela Virtù. Seu governo é um fracasso sanitário e econômico. Sustenta-se pelas regras do jogo democrático e pela opção inteligente dos generais do Palácio do Planalto, que operaram a aliança com o Centrão, em favor de Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG), na disputa das Mesas da Câmara e do Senado, respectivamente. Também puxaram o freio de mão no confronto com o Supremo Tribunal Federal (STF).
A reeleição de Bolsonaro subiu no telhado. Além da pandemia e da recessão, agora tem um adversário calejado e com sangue nos olhos: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A anulação de suas condenações pelo ministro Edson Fachin, fez de Lula uma alternativa de poder, repercutindo em todo o cenário político. O que pode mudar esse jogo é o surgimento de um príncipe audacioso, que rompa a polarização entre Bolsonaro e Lula, o que não é nada fácil. As alternativas são o governador de São Paulo, João Doria (PSDB); o ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT); o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro; o ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta (DEM); e o apresentador da TV Globo Luciano Huck. O problema é que isso não depende só da vontade de cada um; na democracia, quem escolhe o príncipe audacioso é o povo.