Partido dos Trabalhadores
José Arthur Giannotti: 'Podemos sair da crise, mas não sairemos do século 20'
Filósofo é autor do recém-lançado 'Os Limites da Política - Uma Divergência'
Vítor Marques , O Estado de S. Paulo
A travessia até as eleições de 2018 será árdua e não se sabe até que ponto o atual governo implantará seu projeto. Mas a vantagem do presidente Michel Temer é que a oposição está enfraquecida. A análise é do filósofo e professor emérito da USP José Arthur Giannotti, 87. “A crise da esquerda é profunda”, afirmou Giannotti, em entrevista ao Aliás.
No momento em que os partidos estão em xeque, Giannotti lança novo livro que dialoga com autores clássicos e discute política a fundo. Os Limites da Política - Uma Divergência é, sobretudo, um debate em que Giannotti dá espaço ao também filósofo Luiz Damon Moutinho. Trata-se de uma versão revisitada e ampliada de sua obra anterior, A Política no Limite do Pensar (Cia. das Letras). Abaixo, os principais trechos da entrevista do filósofo.
Qual é o lugar da política neste momento em que predomina o discurso da apolítica?
A política está em todos os lugares. O problema todo está como lidamos ou fugimos dela.
Há saída para a crise política a curto prazo?
Não há. A crise é muito séria porque ela começa com uma crise de representação e depois ela se transforma em uma crise de Estado. Isto é, lembremos uma velha definição de Estado, a instituição que tem o monopólio da violência. Hoje nós já não temos o monopólio da violência. O narcotráfico, por exemplo, se expande, se internacionaliza, começa a organizar a produção, e então temos paralelos que se cruzam diante daquilo que seria o Estado nacional.
A Câmara barrou uma denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer, mas provavelmente teremos um governo sob investigação. O que isso significa?
Estamos com um Estado cujas decisões estão cada vez mais enfraquecidas e vamos ter justamente uma ‘pinguela’, como disse Fernando Henrique. Temos que chegar até a margem nadando. Não se sabe até que ponto o governo Temer vai poder realizar seu projeto. Nas condições antigas, já teríamos uma intervenção militar, mas felizmente isso não está acontecendo.
Nessas condições um governo tem força para sobreviver até 2018?
A grande vantagem do governo Temer é que a oposição está em crise. A crise da esquerda é profunda. Ela não tem como apresentar um projeto pela simples razão que a esquerda, ao se tornar populista, deixou de considerar como a riqueza é produzida e entra em crise sistematicamente. Pelo menos sabemos que, quando a crise financeira não é resolvida pela esquerda, ela vai ser resolvida na direita. E tudo tende a uma solução da nossa crise pela direita.
O senhor fala em uma crise profunda da esquerda. No caso brasileiro, uma eventual candidatura de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na Lava Jato, atrapalha ou ajuda a esquerda?
Atrapalha, porque impede a esquerda de tomar consciência de suas tarefas atuais, de enfrentar o capitalismo tal como ele é não tal como ele foi pensado no século 19. Não adianta nada ter um racha no PT e ter o PSOL, porque aí você tem esquerdistas falantes e mais nada.
Como se explica esse crescimento de candidaturas como a do deputado Jair Bolsonaro com um discurso mais radical?
Não sabemos ao certo o que está acontecendo. Na dissolução dos partidos, vão aparecer pessoas isoladas que furam os partidos. Não podemos esquecer que a primeira vitória do Trump foi contra os republicanos. Quem vai aparecer não vai ser um filhote qualquer de um partido. Vai ser alguém que atravesse os partidos. Quando você não tem uma política que se expõe, a reação das pessoas também é confusa. O quadro é negro.
Como senhor vê partidos que buscam nomes fora da política?
Não adianta aparecerem novas figuras se elas não apresentarem diretrizes para que sejam resolvidas a crise de Estado e de representação. Se o Brasil ainda for seduzido por palavras ocas, ele se tornará um País inteiramente oco. O grande problema nosso é que isso pode acontecer. Nossa situação é muito dramática. As instituições estão funcionando, nós podemos sair da crise econômica, mas não sairemos do século 20. Não teremos um capitalismo realmente competitivo.
A adoção do parlamentarismo no Brasil pode ser uma solução?
Parlamentarismo ou não, o que importa é como vão funcionar os partidos e como os partidos vão encontrar suas identidades. Depois se for parlamentarismo ou não, vai depender dessa identidade partidária. Insisto: enquanto não tivemos uma esquerda renovada, não teremos uma direita renovada. Temos simplesmente uma renovação de esquerda que eu diria geriátrica.
Como o senhor avalia o movimento de partidos que tentam obstruir ou dificultar investigações da Lava Jato para salvar a classe política?
A Lava Jato nasceu de um pequeno processo de denúncia e de repente a denúncia se mostrou contra os maiores próceres do Estado brasileiro. Obviamente era previsto que a classe política iria reagir. A vantagem do grupo da Lava Jato, apesar das suas loucuras, é que teve uma ação política inicial. Em vez de fazer como a operação ‘Mãos Limpas’ na Itália, que metralhou todo o sistema político (ao mesmo tempo), (a Lava Jato) foi metralhando aqueles que estavam no Governo e ampliando. Chegou um momento que toda a classe política está contra a Lava Jato. Então é um momento decisivo dessa luta. Não sei quem vence, espero que seja o pessoal da Lava Jato.
O Estado de São Paulo: A soberba de Lula
Ao se descortinar os fatos graves contra o ex-presidente, ficou demonstrado que o mito do herói petista serve melhor à literatura do que à política
O Estado de S.Paulo
O oportunismo que marcou a trajetória política do ex-presidente Lula da Silva, desde sua ascensão como líder sindical, foi tomado durante muito tempo como uma das virtudes capazes de levar um ex-metalúrgico a ocupar a Presidência da República. A realidade dos fatos, sobejamente documentada nos autos de um número constrangedor de processos judiciais a que responde, encarregou-se de demonstrar que o mito do herói serve melhor à literatura do que à política. Ao descortinar aos olhos dos cidadãos minimamente informados fatos graves que só a fé cega em um demiurgo é capaz de obliterar, as investigações sobre a conduta do ex-presidente revelaram que de virtuoso o oportunismo não tem nada.
Em evento de posse da nova direção do Partido dos Trabalhadores (PT) no sábado passado, na Assembleia Legislativa de São Paulo, Lula se apresentou como o único cidadão capaz de tirar o País da crise. Trata-se da imodéstia de quem se vê acima de qualquer responsabilidade que possa recair sobre seus atos, alguém ungido por um especial desígnio que justificaria qualquer desvario político. “Se o PT deixar, serei candidato para voltar a ver uma sociedade mais igual”, disse o ex-presidente. Poucas vezes uma afirmação de Lula soou tão embusteira. O PT é Lula, o rumo do partido é a expressão máxima de sua vontade. Portanto, o PT não tem qualquer ingerência sobre sua eventual candidatura à Presidência em 2018. Aliás, ainda que tivesse, esta prerrogativa, hoje, é exclusiva do Poder Judiciário, que pode torná-lo inelegível pela Lei da Ficha Limpa.
Durante o discurso, Lula mostrou que além de soberbo é incapaz de compreender a grandeza do cargo que ocupou e que sonha em voltar a ocupar. Afirmando que para voltar à Presidência “não precisa convencer os não convencíveis”, pois lhe bastariam “50% mais um” dos eleitores, Lula deixou clara a visão mesquinha que tem da Presidência da República, como se uma vez eleito estivesse comprometido apenas com o destino daqueles que o apoiam, e não com o de todos os brasileiros.
Ao arvorar-se em único capitão habilidoso o bastante para conduzir um navio à deriva, Lula esconde o papel determinante que teve na construção da pior crise política, econômica e moral da história recente, o mais eloquente atestado do desastre que o lulopetismo representou para o País. Em um misto de vaidade e desfaçatez, o ex-presidente afirmou em seu discurso na Assembleia Legislativa que “a melhor experiência de governança neste país foi do PT”. Para ele, a profunda recessão econômica e os 14 milhões de brasileiros desempregados são “fatos alternativos”.
Citado na delação superpremiada do empresário Joesley Batista como beneficiário de uma conta milionária abastecida com dinheiro de propina, Lula não se deu por constrangido e lançou mão de seu conhecido senso de humor rasteiro. “Estou quase fazendo delação para pegar os meus US$ 82 milhões”, ironizou. O problema seria encontrar um possível delatado, já que as investigações realizadas até agora colocam Lula no topo do esquema de corrupção engendrado para pilhar os recursos do Estado.
Mas não foi só a soberba, a imodéstia e a desfaçatez que marcaram o discurso de Lula na posse da nova direção de seu partido. O cinismo também deu as caras quando o ex-presidente afirmou que “o País nunca precisou tanto do PT como agora”. Prometendo resgatar o “Lulinha Paz e Amor”, o ex-presidente disse que “o PT é o único capaz de devolver a alegria ao povo brasileiro”. Lula é o grande artífice da grave crise por que passa o Brasil e por meio de seu discurso agressivo e excludente disseminou a cizânia e implodiu todas as pontes para uma reconciliação nacional em torno de um projeto de retomada do crescimento econômico, do desenvolvimento social e do debate de ideias próprio da democracia em um ambiente menos anuviado.
Se em meio à crise paira a incerteza sobre qual caminho o País deverá seguir em 2018, o lulopetismo já apresentou razões mais do que suficientes para a Nação saber qual deve ser evitado.
Editorial - O Estado de São Paulo
Entrevista com o jornalista Breno Altman: onde Dilma, Lula e o PT erraram?
Neste 20 de agosto, dia em que o PT e algumas entidades anunciam mobilizações e passeatas como contraponto às manifestações populares e da oposição ao governo Dilma no domingo, 16 de agosto, o #ProgramaDiferente, da TVFAP.net, ouve uma das vozes que representam este movimento de resistência do petismo.
O jornalista Breno Altman, diretor editorial do site Opera Mundi, militante do PT, amigo pessoal de Lula e José Dirceu, vinculado a organizações políticas de esquerda no Brasil e no mundo, fala sobre a situação do país e a crise do governo petista nesta entrevista exclusiva. Assista.
Chamado nas redes sociais com as hashtags #NãoVaiTerGolpe e #EmDefesaDaDemocracia, o movimento desta quinta-feira tem à frente, além do PT, também a CUT, a UNE e o MTST. Os discursos são contra "a onda golpista que assola a política brasileira". Vamos acompanhar.
Porém, mesmo dentro deste movimento há divergências. Ainda que todos eles defendam a permanência da presidente Dilma Roussef no governo, a maioria ataca a política econômica e o ministro Joaquim Levy.
Na entrevista, Breno Altman chega a comparar a situação de Dilma à do ex-presidente soviético Mikhail Gorbachev. Durante seu governo, as tentativas de reforma, tanto no campo político, representadas pela Glasnost(abertura política), como no campo econômico, através da Perestroika (abertura econômica), deram fim ao poder do Partido Comunista, levando à dissolução da União Soviética.
"Sem uma mudança na política econômica, a presidente não se reconcilia com a base social petista, e sem se reconciliar com a base social petista ela corre o risco de viver uma situação parecida com o Gorbachev", afirma Breno Altman.
"Qual era a situação do Gorbachev? Ele já não interessava mais a nenhuma classe social. Os setores que defendiam a manutenção do socialismo, viam no Gorbachev um homem que desmontava o socialismo. E os setores desejosos de restaurar o capitalismo, viam o governo Gorbachev como tímido, medroso para as medidas restauradoras que eles desejavam. Era um governo na zona fantasma, e é um governo que vai se desidratando. Sua queda foi um peteleco."
"Não estou dizendo que isso vai acontecer com o governo Dilma, estou dizendo que, quando um governo progressista rompe com a sua base social, aprova uma política econômica que se confronta com a sua base social, esse é o risco que corre."
Assista a íntegra da entrevista com Breno Altman. É bastante reveladora da mentalidade do petismo em crise e dos movimentos partidários que vem sendo executados. Nesse sentido, recomendamos também as entrevistas comLeonardo Attuch (Brasil 247) e com o ex-deputado petista Adriano Diogo, o debate "O PT matou o petismo?" e a cobertura do 1º Ato do PT e do PCdoB "em defesa da democracia e contra o golpismo".