Parada do Orgulho Gay
Livro Cidadania LGBTI+ escancara preconceitos e destaca avanços
João Vítor*, com edição da Coordenadora de Mídias Sociais Nívia Cerqueira
Em ordem cronológica, o livro Cidadania LGBTI+ aborda o embate no poder Legislativo que resultou na conquista da criminalização da homotransfobia no Brasil em 2019. Uma batalha que ainda não terminou, mas que mostra o quanto avançamos e precisamos ainda lutar para impedir retrocessos. O livro é escrito pelo jornalista Rogério Godinho e editado pela pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Parte crucial da história do livro de 333 páginas, conforme ressalta Godinho, gira em torno do uso do preconceito como ferramenta de pânico moral. “Por entender a importância do tema e por me emocionar com a vitória de seus personagens, tenho enorme orgulho e felicidade de apresentar a vocês este livro”, destaca. Godinho afirma que a sociedade ainda vai precisar evoluir muito para eliminar o preconceito. "É um processo que envolve gerações e ainda estamos no meio dele", explica.
Apesar de ter seu nome na capa do livro, o autor considera-se interlocutor dos verdadeiros heróis desta conquista. “São pessoas que lutaram por meio de argumentos jurídicos, nos tribunais e nas colunas de opinião, no Ministério Público, nas defensorias e até nas delegacias para que isso se concretizasse”, diz.
O jornalista conta que, por vezes, teve que lutar contra as lágrimas ao escrever. “ São centenas que sofrem e morrem neste Brasil a cada ano - eternamente de luto - , uma dor que não é possível colocar em números poque não cabem em uma lista”, lamenta Godinho sobre o preconceito.
O livro foi idealizado pelo psicanalista Eliseu Neto, especialista em Orientação Profissional e defensor dos direitos das pessoas LGBT. Ele confirmou presença no lançamento da obra que acontece no dia 19/10, a partir das 19 horas, em evento online, que será transmitido nas redes sociais da FAP. “Dedico este livro a todas as pessoas que sofrem um preconceito tão arcaico”, diz Neto. Godinho mediará o webinar, que contatará também com a participação da ativista Ananda Puchta, da advogada Maria Eduarda Aguiar; do advogado de Direitos Humanos Paulo Iotti e do diretor-executivo da organização brasileira LGBTQIA+, Toni Reis.
Um levantamento do Grupo Gay da Bahia, organização não governamental voltada para a defesa dos direitos dos homossexuais no Brasil, diz que no primeiro semestre de 2022, 135 pessoas LGBTI + foram mortas no país.
Neto analisa de que forma o preconceito pode ser erradicado. "O caminho é modificar pelo processo civilizatório, pela cultura, pela educação. A gente precisa de escolas inclusivas, escolas que ensinem a lidar com o diferente, a transformar na linguagem e a mitigar os preconceitos”, explica o psicanalista.
Cidadania LGBTI+ registra embate histórico diante de um Legislativo omisso em garantir direitos às minorias. O livro remete à luta da comunidade LGBTI+, que tanto já sofreu, mas que ainda assim não se abala e segue preparando-se para um futuro ainda incerto.
Serviço
Lançamento do livro Cidadania LGBTI+: a criminalização da homofobia no Brasil
Data: 19 de outubro
Horário: 19h
Onde ver: Perfil de Facebook e canal de Youtube da Fundação Astrojildo Pereira
Realização da FAP e do autor Rogério Godinho
*Integrante do programa de estágio da FAP sob supervisão.
Dia do orgulho LGBTQIA+: o que foi a revolta de Stonewall
BBC News Brasil*
Os frequentadores do famoso bar Stonewall Inn, no bairro de East Village, em Nova York, se surpreenderam na virada de 2018 para 2019 ano quando uma mãe e seu filho adolescente subiram ao palco do local após a meia-noite para apresentar um número musical.
Antes de entoar os versos de Material Girl com David Banda, seu filho de 13 anos ao violão, Madonna fez um discurso explicando por que estava ali naquela noite de Réveillon.
"Estou aqui orgulhosamente no lugar onde o Orgulho começou, o lendário Stonewall Inn, no nascimento de um novo ano. Unimo-nos esta noite para celebrar os 50 anos da revolução!", falou, gravada por muitos celulares. "Nunca vamos nos esquecer dos motins de Stonewall e daqueles que se levantaram e disseram 'Basta!'"
E prosseguiu: "Nossos irmãos e irmãs antes de nós não eram livres para celebrar como estamos fazendo hoje à noite, e nunca devemos esquecer isso. Stonewall foi um momento decisivo na história, catapultando os direitos LGBT em conversas públicas e despertando o ativismo gay".
O orgulho o qual a cantora se referia era o gay e a revolução, a revolta de Stonewall.
Esse evento ocorrido no bar Stonewall Inn em Nova York, nos EUA, em 28 de junho de 1969, é considerado o marco do movimento de liberação gay e o momento em que o ativismo pelos direitos LGBT ganha o debate público e as ruas.
É por causa da revolta de Stonewall que o orgulho LGBT (Lésbico, Gay, Bissexual, Transexual, Travesti) é celebrado em junho — o Dia do Orgulho é na mesma data em que aconteceu o levante em Nova York, em 28 de junho.
Entre junho e julho, as principais cidades do mundo realizam suas paradas gay, com multidões nas ruas levantando a bandeira do arco-íris (símbolo do orgulho LGBT).
No primeiro ano da revolta de Stonewall, houve manifestações LGBT em Nova York, Los Angeles, San Francisco e Chicago, para relembrar a data. Em Nova York, os manifestantes caminharam 51 quarteirões, do East Village até o Central Park. No ano seguinte, a marcha para relembrar Stonewall chegaria à Europa, acontecendo também em Londres, em Paris, na parte ocidental de Berlim e em Estocolmo.
"Stonewall funda um novo tipo de movimento LGBT. Criou essa ideia do orgulho, das pessoas LGBT ocupando o espaço público, assumindo suas identidades e se orgulhando dessas identidades e de práticas de sexualidade e de gênero", afirma à BBC News Brasil Renan Quinalha, professor de Direito da USP (Universidade Federal de São Paulo), ativista de direitos humanos e um dos autores do livro A História do Movimento LGBT no Brasil.
Mas o que foi a revolta ou rebelião de Stonewall?
O bar Stonewall Inn
Na Nova York daquele ano de 1969, o bar Stonewall Inn, no East Village, era ponto de encontro dos marginalizados da sociedade — em sua maioria, gays.
Até 1962, relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime em todos os Estados americanos. Naquele ano, pela primeira vez, um Estado, o de Illinois, alterou seu Código Penal e a homossexualidade deixou de ser crime. Apenas em 1972 outros Estados começaram a fazer a mesma coisa. Em Nova York, isso aconteceria nos anos 1980. Somente em 2003 essa lei seria abolida de vez.
Nos anos 1960, o Stonewall Inn era um dos mais conhecidos bares gay de Nova York.
Diferentemente de outros lugares que também recebiam o público LGBT na cidade, ali a maioria dos frequentadores eram jovens da periferia, sem-teto (muitos que haviam deixado suas famílias por causa de preconceito, segundo relatos em livros) e drag queens.
A polícia fazia vista grossa ao estabelecimento porque seus donos, que tinham relação com a máfia, pagavam propina para que ele funcionasse. Os proprietários também aproveitavam para chantagear os frequentadores famosos ou com mais dinheiro.
O local não tinha licença para a venda de bebida alcoólica e não respondia a uma série de outras regulamentações como ter saída de emergência. E várias batidas policiais estavam sendo feitas em bares naquela época, principalmente para controlar quem podia vender álcool.
Revolta ou Rebelião de Stonewall
Na madrugada do dia 28 de junho de 1969, a polícia resolveu fazer mais uma batida no bar. Era a terceira vez em um espaço curto de tempo que policiais faziam essa ação em bares gays daquela área.
Nove policiais entraram no local e, sob a alegação de que a venda de bebida alcoólica era proibida ali, prenderam funcionários e começaram a agredir e a levar sob custódia alguns frequentadores travestis e ou drag queens que não estavam usando ao menos três peças de roupa "adequadas" a seu gênero, como mandava a lei.
Treze pessoas foram detidas. Algumas, ao serem levadas para a viatura, decidiram provocar os policiais fazendo caras e bocas para a multidão. A polícia então começou a usar de mais violência para fazê-las entrar nos carros.
A partir daquele momento, a multidão fora do Stonewall Inn começou a jogar moedas nos policiais e, em seguida, garrafas e pedras. Também tentaram virar de cabeça para baixo uma viatura.
Os policiais fizeram uma espécie de barricada para se defender dos manifestantes e acabaram sendo encurralados dentro do bar.
Alguém atirou um pedaço de jornal com fogo dentro do Stonewall Inn, e começou um incêndio. Os policiais, que usavam uma mangueira para conter as chamas, decidiram também usar aquela água contra a multidão.
A partir deste momento, parte da comunidade gay de Nova York, que até então se escondia, foi às ruas protestar nos arredores do Stonewall Inn durante seis dias.
Pela manhã, quando o último policial deixou o Stonewall Inn, a gerência do bar colocou um aviso de que o local voltaria a funcionar normalmente, e assim o fez. Mas os manifestantes foram para as ruas novamente protestar por seus direitos naquela e nas noites seguintes.
Os manifestantes demonstravam orgulho de ser quem eram e provocavam a ordem e a polícia, como relata o jornalista Lucian Truscott IV, na reportagem sobre a revolta publicada no jornal Village Voice. "Mãos dadas, beijos e poses acentuavam cada um dos aplausos com uma libertação homossexual que havia aparecido apenas fugazmente na rua antes", escreveu ele.
Em 2015, a Prefeitura de Nova York tornou o bar monumento histórico da cidade. Um ano depois, o ex-presidente Barack Obama decretou que o bar seria o primeiro monumento nacional aos direitos dos LGBTQ.
Importância para o movimento LGBT
A revolta ou rebelião de Stonewall foi um momento decisivo para o movimento de liberação gay. Seis meses após ela ocorrer, surgiriam as primeiras organizações nos EUA, como a Frente de Libertação Gay.
"Essa revolta acabou assumindo a imagem de um mito fundador pro movimento LGBT", diz Renan Quinalha, da USP.
"Não foi a primeira vez que houve assédio e violência policial contra a população LGBT. Esse é um problema crônico. É constitutivo da identidade LGBT essa relação com a violência de Estado, a violência LGBTfóbica diluída na sociedade."
Segundo Quinalha, o contexto histórico daquele momento nos Estados Unidos contribuiu para o levante em Stonewall.
"Stonewall reúne singularidades importantes. Acontece em 1969 após o movimento de libertação sexual, com uma série de condições específicas de Nova York, uma sociedade extremamemnte desenvolvida com uma série de contradições naquele momento. E acontece numa região do East Village que de fato era um bolsão, onde havia uma diversidade grande de pessoas, de migrantes, de latinos. Havia também (à época) um caldeirão em relação à desigualdade. Teve também a questão da mobilização contra a Guerra do Vietnã", explica.
"Uma série de condições faz com que Stonewall vire um episódio signficativo e bastante singular em relação ao que havia antes (no movimento LGBT). Havia lutas e resistência anteriores, havia o Mattachine Society, em São Francisco."
Stonewall repercutiu no Brasil?
Quando a revolta de Stonewall aconteceu, o Brasil passava por um dos piores momentos da ditadura militar. Menos de um ano antes, em dezembro de 1968, havia sido outorgado o Ato Institucional nº 5, que retirava uma série de liberdades civis e de direitos individuais e que fez aumentar a censura.
Naquele momento, Stonewall não fazia sentindo nenhum para o Brasil, segundo Quinalha. "A ditadura acabou atrasando em dez anos a emergência do movimento LGBT no Brasil", fala.
"Era um período de emergência de movimentos LGBT em países latinos e o Brasil também poderia (fazer parte), porque tinha condições pra que emergissem esses grupos, mas isso acaba não acontecendo por conta da repressão"
O autor e ativista diz que apenas em 1978 começa uma organização mais efetiva do movimento LGBT no país, no período de afrouxamento da ditadura.
Quinalha também conta que não havia um local no Brasil como o Stonewall Inn, que reunisse a comunidade daquela maneira. "Havia lugares de sociabilidade LGBT, de pegação, de interação, mas não havia um lugar que centralizasse tudo isso."
Do ponto de vista simbólico, no entanto, ele acredita que alguns episódios ocorridos no país possam ter uma espécie de vínculo com Stonewall. Por exemplo: quando no Dia do Trabalho de 1980, um grupo LGBT se une à classe trabalhadora num ato do movimento sindical, que estava sob intervenção da ditadura, na Vila Euclides, em São Bernardo do Campo (SP).
O outro aconteceria em 13 de junho de 1980, quando várias pessoas protestaram contra a violência policial e o delegado José Wilson Richetti, que comandava ações de repressão. "Foi uma aparição pública forte do movimento LGBT."
'Pequeno Stonewall Inn' brasileiro
Quatorze anos depois da revolta de Stonewall haveria uma relação mais direta daquele evento com o movimento LGBT brasileiro. Em 19 de agosto de 1983, um protesto que ocorreria em um bar frequentado por mulheres gay em São Paulo, o Ferros's Bar, ganharia o nome de "O pequeno Stonewall Inn" brasileiro.
Na véspera, o dono do bar no centro de São Paulo (anos depois o local abrigaria outro famoso ponto da noite paulistana, o Xingu), que era referência para a comunidade lésbica, havia chamado a polícia e impedido algumas mulheres de vender no local uma publicação chamada "ChanacomChana", porque esta "atentava contra os bons costumes".
No dia seguinte, várias frequentadoras e ativistas invadiram o Ferro's para ler ali um manifesto em defesa dos direitos das lésbicas.
Em 2003, a data deste protesto, 19 de agosto, se tornaria o Dia do Orgulho Lésbico no Brasil.
*Texto publicado originalmente em BBC News Brasil: Título editado.
Na semana da 20ª Parada do Orgulho Gay em São Paulo, o rapper Rico Dalasam fala de música e preconceito no #ProgramaDiferente
Na semana da 20ª , em São Paulo, e também do lançamento de "Orgunga", o novo disco de Rico Dalasam, o #ProgramaDiferente entrevista este que é o primeiro rapper assumidamente gay na cena musical brasileira.
Muito elogiado por estrelas da MPB como Caetano Veloso e Gilberto Gil, "Orgunga" é um nome inventado por Rico que significa a junção de "orgulho negro" e "orgulho gay". Aliás, o próprio nome Rico Dalasam é uma invenção de Jefferson Ricardo da Silva. D.A.L.A.S.A.M é a abreviação da frase "Disponho Armas Libertárias a Sonhos Antes Mutilados".
Negro, gay e nascido na periferia de São Paulo, em Taboão da Serra, Rico Dalasam - citado também pela revista Vogue americana como referência de moda - lança este novo CD após o sucesso de "Modo Diverso", trabalho autoral que bombou na internet com hits como "Aceite-C", "Riqúíssima", "Honestamente" e "Deixa".
Aos 26 anos, Rico Dalasam despontou para a música há pelo menos dez, ainda adolescente, nas batalhas de MCs no Metrô Santa Cruz, de onde também surgiram os rappers Rashid, Projota e Emicida. Inspirado pelo trabalho de Sabotage, assassinado em 2003, e com referências e influências de vários estilos, ele conta a sua história e fala de sucesso, preconceito, sonhos e ideais. Assista.