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Fogo matou 17 milhões de vertebrados no Pantanal em 2020
Trinta cientistas de diversas instituições aplicaram modelos matemáticos para estimar mortalidade
WWF-Brasil
Pelo menos 17 milhões de animais vertebrados foram mortos diretamente pelo fogo durante as queimadas que, ao longo de 2020, devastaram 27% da cobertura vegetal do Pantanal brasileiro. A estimativa foi feita por um grupo de 30 cientistas de diferentes instituições, em um estudo inédito coordenado pelo pesquisador Walfrido Moraes Tomas, da Embrapa Pantanal.
A metodologia utilizada na pesquisa incluiu a contagem, em campo, das carcaças de animais mortos em áreas de queimadas, em um período de 24 a 48 horas após a passagem do fogo. O trabalho foi realizado ainda durante a ocorrência das queimadas históricas de 2020.
Os dados obtidos a partir do levantamento em campo foram submetidos a métodos estatísticos e modelagem matemática para estimar quantos animais - e de quais grupos - foram mortos pelo fogo em todo o bioma, de acordo com Tomas. Um trabalho em uma área tão extensa, em período tão curto, em áreas de difícil acesso, sob pressão de grandes incêndios, representou um desafio logístico e científico considerável, segundo o pesquisador.
Para contar as carcaças de animais, aplicando um protocolo rigoroso, os pesquisadores se engajaram em uma extensa força-tarefa que percorreu áreas atingidas pelo fogo em 126 trechos lineares - ou transectos - distribuídos de norte a sul do Pantanal, em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. O trabalho foi realizado entre agosto e meados de novembro de 2020.
Ao avistar as carcaças, os pesquisadores registravam uma a uma, com datas e coordenadas geográficas, além do posicionamento e distância de cada uma delas em relação à linha de referência. Quanto mais longe da linha, menor a chance de enxergar as carcaças de animais, quando presentes. Calculando essa probabilidade de detectar uma carcaça, os cientistas elaboraram um modelo matemático capaz de corrigir o erro de detectabilidade e estimar o número de carcaças presentes em toda a área.
Segundo Tomas, esse tipo de técnica, conhecida como "amostra de distâncias em linhas", é amplamente empregada pelos biólogos na contagem de populações de animais, mas nunca havia sido utilizada para a contagem de animais mortos por incêndios.
"Foi um trabalho pioneiro no mundo com o uso dessa técnica para esse tipo de estudo e conseguimos resultados bastante robustos. O que importa nesse tipo de levantamento é o número de registro de carcaças e nós conseguimos quase 400. Isso permitiu a elaboração de uma estimativa com uma margem de erro bastante pequena e os números são muito confiáveis", explica Tomas.
Como o Pantanal é um bioma variado e estava queimando de norte a sul, a força-tarefa precisou se distribuir em dezenas de transectos. Segundo o protocolo, a contagem deveria ser feita até 48 horas após a passagem do fogo. Para isso, os cientistas monitoravam as novas queimadas por imagens de satélites e enviavam uma equipe para o levantamento.
"Com todo esse esforço conseguimos fazer 126 linhas de contagem, em algumas áreas de acesso dificílimo. Se tivéssemos mais recursos, teríamos incluído um número ainda maior de transectos", diz Tomas. Segundo ele, o levantamento tinha custo elevado, com aluguéis de carros, combustível e alimentação para os participantes.
O estudo teve participação de pesquisadores da Embrapa Pantanal, ICMBio, Ibama, das universidades federais de Mato Grosso, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, do Instituto Smithsonian de Biologia da Conservação, do Instituto de Pesquisa do Pantanal, do Instituto do Homem Pantaneiro (IHP) e de diversas outras instituições de pesquisa.
Na região sul do Pantanal, a maior parte dos recursos foi fornecida pelo Programa Biota-MS, da Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico, Produção e Agricultura Familiar (Semagro) de Mato Grosso do Sul. O WWF-Brasil colaborou com parte dos recursos para a pesquisa em Mato Grosso. Houve também apoio financeiro e logístico de instituições como o Museu Paraense Emílio Goeldi, Embrapa, SESC-Pantanal, ECOA, IHP e Panthera Foundation.
"Várias das instituições disponibilizaram recursos próprios, como o IHP e o ICMBio, que também disponibilizou um pessoal muito experiente em campo e foram parceiros muito importantes", diz Tomas.
A ideia de realizar o levantamento surgiu ainda durante as queimadas de 2019, segundo o pesquisador, mas naquela época o projeto foi abandonado por questões de segurança. "Quando os incêndios de 2020 começaram ainda mais fortes, decidimos que era preciso cobrir essa lacuna no conhecimento e medir com mais precisão o impacto do fogo sobre a fauna", declara.
"Os números que trouxemos não dão a dimensão exata, mas mostram a magnitude do que deve ter acontecido no Pantanal em 2020. Isso nos dá um termo de comparação para avaliar futuros incêndios como esses, caso eles se repitam ao longo dos anos", diz Tomas.
Impactos desiguais
Segundo Chirstine Strüssmann, professora de Ecologia e Conservação da Biodiversidade na UFMT, que coordenou uma das equipes em campo, o trabalho fornece uma base para novas pesquisas que possam revelar a dimensão do impacto global do fogo no ecossistema. "Nunca havia sido realizado um estudo dessa magnitude, com uma metodologia única, em uma área tão grande do Pantanal", diz ela.
Embora a falta de dados prévios impeça uma análise precisa dos impactos sofridos pela fauna em 2020, os pesquisadores verificaram que algumas populações foram mais atingidas. "O número de serpentes que conseguimos ver foi maior que dos outros grupos. Não temos uma base prévia para comparação - e as populações de serpentes podem ser muito maiores que as de outros grupos. Porém, mesmo entre as serpentes, o impacto foi desigual. As aquáticas foram especialmente atingidas", afirma.
De acordo com o estudo, a taxa de mortalidade foi alta principalmente entre os répteis, concentrando mais de 79% do total de animais mortos. Destes, mais de 95% eram serpentes, sendo que 97% delas eram aquáticas. Os mamíferos foram pouco mais de 15% do total e os anfíbios, 4%. O número de aves mortas encontradas foi relativamente mais baixo.
Christine salienta que o fogo provocado pela estiagem faz parte da dinâmica natural do bioma, cujo equilíbrio depende da alternância entre períodos de alagamento e de seca. As espécies que prosperam na temporada úmida têm estratégias que lhes permitem sobreviver à estação seca, recuperando rapidamente o espaço perdido quando cessam as queimadas e voltam as chuvas.
Esse ciclo de regeneração natural, porém, pode ser comprometido caso queimadas tão intensas quanto as de 2020 ocorram por vários anos consecutivos - um risco bastante real, considerando as mudanças climáticas.
"Muitos animais têm estratégias para escapar, mesmo onde há o chamado 'fogo subterrâneo', que arde sob a cobertura de turfa quando as chamas já parecem ter cessado. O problema é que o tempo de duração do fogo foi muito grande em algumas áreas e, nesses casos, tanto a fauna quanto a flora têm mais dificuldades de recuperação. Em cada área do bioma a resposta é diferente", afirma a professora.
Tomas, o coordenador da pesquisa, afirma que o impacto desigual em diferentes populações de animais pode ter impacto imprevisível nas complexas relações ecológicas entre eles.
"Todos os animais têm funções nos ecossistemas. Os roedores, por exemplo, são presas de carnívoros e dispersam sementes. Quando perdemos as serpentes que se alimentam deles, por exemplo, a população de roedores pode explodir. Isso leva ao fenômeno conhecido como 'ratada', que já está acontecendo em algumas áreas do Pantanal", explica Tomas.
De acordo com ele, porém, é difícil rastrear todos os impactos ecológicos, especialmente porque a densidade de cada população animal antes dos incêndios era desconhecida. "Estimamos que morreram quase 170 mil primatas, 220 mil aves de médio e grande porte e 85 mil jacarés. Mas a densidade desses animais no bioma é variável e muitos, como serpentes e roedores, morreram embaixo da terra e não puderam ser registrados nos levantamentos. Isso indica que, para animais assim, os números foram ainda maiores do que o calculado", diz.
Destruição de refúgios
Para o biólogo Danilo Bandini Ribeiro, professor da UFMS que não participou do estudo, uma das consequências mais dramáticas das intensas queimadas de 2020 no Pantanal é que elas atingiram áreas de formação florestal que normalmente não queimam - e isso reduziu drasticamente a disponibilidade de refúgios para os animais, limitando suas estratégias de sobrevivência.
"Embora o fogo faça parte da dinâmica do Pantanal, a extensão das queimadas em 2020 foi anormal. Quase 30% do bioma foi atingido pelas chamas. Isso não seria tão grave se uma área tão extensa queimasse pouco a pouco. Mas tivemos mega incêndios com frente de fogo de até 20 quilômetros. Nessas condições, o fogo se espalha rápido demais, impedindo que se formem refúgios para os animais", explica Ribeiro.
Ribeiro é coordenador do Projeto Noleedi (fogo, no idioma Kadiwéu), que estudo o efeito do fogo na biota do Pantanal Sul-mato-grossense e sua interação com os diferentes regimes de inundação. O projeto, que é uma parceria da UFMS com o Prevfogo-Ibama, teve apoio do WWF-Brasil.
"Estamos estudando o efeito do fogo na biota, a fim de estabelecer, entre outras coisas, qual é a melhor época do ano para fazer o manejo do fogo, qual o efeito disso em alguns grupos da biodiversidade que estamos monitorando e qual o efeito histórico do fogo em uma perspectiva de longo prazo", conta Ribeiro.
Manejo do fogo
Ele explica que o Pantanal tem ciclos plurianuais de seca e cheia - e por isso é importante estudar os impactos a partir de uma perspectiva de longo prazo. Segundo Ribeiro, não se sabe ainda se essa sequência de anos secos no Pantanal é resultado de mais um ciclo plurianual, ou se é reflexo das mudanças climáticas.
"Podemos estar entrando em um ciclo de vários anos de seca, como ocorreu na década de 1970. Mas não temos certeza, porque além das variações anuais e dos grandes ciclos plurianuais, temos a influência das mudanças climáticas, que estão contribuindo para tornar os ambientes mais secos e quentes, com extremos mais pronunciados", diz Ribeiro.
Para ele, enquanto não há uma conclusão sobre a origem das secas, o melhor caminho a seguir é o aprimoramento do manejo do fogo controlado. "De todos os recursos de que dispomos, em termos de políticas públicas, o manejo do fogo é o que reúne mais evidências científicas de sua eficiência. Acredito que é necessário também aumentar o investimento na prevenção - não apenas montando brigadas para o combate de incêndios, mas termos brigadas o ano inteiro realizando o manejo do fogo", frisa.
O biólogo afirma que banir o uso do fogo é uma estratégia contraproducente, já que faz parte da dinâmica do bioma. Se não houver fogo controlado, a biomassa seca se acumula e, quando ele ocorre, fica completamente fora de controle. "As queimadas prescritas são a maneira mais eficiente de impedir grandes incêndios descontrolados. Com o manejo da quantidade de biomassa seca, a tendência é que essas áreas manejadas não queimem, ou queimem menos, reduzindo a cicatriz do fogo", diz o pesquisador.
Fonte: WWF Brasil
https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?80028/Fogo-matou-17-milhoes-de-vertebrados-no-Pantanal-em-2020
RPD || Reportagem especial: Destruição do Pantanal confirma desmonte de política ambiental no governo Bolsonaro
Discurso de ministros sobre boi bombeiro não sinaliza para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país
Cleomar Almeida
Quase quatro milhões de hectares já foram destruídos por incêndios no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, com 65% de seu território concentrados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Além de deixar a vegetação em cinzas e o céu do país tomado por fumaça e fuligem, as queimadas são consideradas a maior da história pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o que, para especialistas, refletem o desmonte das políticas ambientais em menos de dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A dimensão exata da destruição da fauna e flora ainda é incerta diante da imensidão das queimadas que aumentam a área devastada a cada dia. A Polícia Federal suspeita que fazendeiros provocaram os incêndios criminosos para transformar a área em pasto, seguindo uma linha do próprio governo federal. Em audiência no Senado, no dia 9 deste mês, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o boi é o “bombeiro do Pantanal” e, segunda ela, as queimadas e o “desastre” na região poderiam ter sido menores se houvesse mais gado no bioma.
“O boi é o bombeiro do Pantanal, porque é ele que come aquela massa do capim, seja ele o capim nativo ou o capim plantado, que foi feita a troca. É ele que come essa massa para não deixar como este ano nós tivemos. Com a seca, a água do subsolo também baixou os níveis. Essa massa virou um material altamente combustível", afirmou Tereza Cristina. Seu discurso foi criticado por especialistas e segue na linha do que já havia sido defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e por Bolsonaro.
A versão do governo não sinaliza, positivamente, para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país. No Pantanal, animais foram carbonizados ou severamente feridos pelas chamas, que também jogaram inúmeras árvores chão abaixo e destruíram quase todo o Parque Estadual Encontro das Águas, refúgio de onças pintadas no Mato Grosso, e o famoso Ninho do Tuiuiú. Organizações não-governamentais (ONGs) e voluntários atuam para socorrer animais, enquanto brigadistas, bombeiros e integrantes da Marinha tentam combater os incêndios.
Até o dia 3 de outubro, 2.160.000 hectares já haviam sido destruídos no Pantanal mato-grossense e outros 1.817.000 hectares em Mato Grosso do Sul. O total de área devastada entre os dois estados é de 3.977.000 hectares, o que representa 26% de todo o Pantanal. Os dados são do levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) Prevfogo e do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado no dia 6 deste mês, antes do fechamento desta edição. Toda essa área devastada equivale a quase 20 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.
O Pantanal arde em chamas desde julho e, em menos de três meses, o Inpe identificou cerca de 16 mil focos de calor no bioma. É o maior número desde 2015, quando foram contabilizados 12.536 focos de calor. A região enfrenta a maior seca em 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadene), e a longa estiagem faz os incêndios avançarem ainda mais. A falta de chuvas ajuda na propagação do fogo subterrâneo, o que, segundo o instituto, só poderiam ser controlados efetivamente por chuvas constantes.
Com a estiagem, a navegabilidade também fica ainda mais prejudicada na região, que carece de estradas. Para ter uma ideia, o nível do Rio Paraguai já atingiu o marco zero em régua de porto em Mato Grosso do Sul, onde o governo federal decretou estado de emergência, assim como em Mato Grosso. No entanto, de acordo com o Observatório do Clima, o Ministério do Meio Ambiente não gastou nem 1% da verba de preservação.
Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram, ainda, que o Pantanal sofreu redução de 50% nos registros de chuva em relação à média histórica. De acordo com o órgão, um dos principais indicadores da forte estiagem é o Rio Paraguai, que, segundo levantamento oficial, também atingiu o nível mais baixo desde os anos 1960. Além disso, técnicos reforçam a suspeita de que a propagação dos incêndios pode ter relação com o uso do fogo para fins agropecuários, utilizando-o para limpeza ou renovação da pastagem do gado.
Os efeitos devastadores dos incêndios no Pantanal têm consequências em todo o país, que vem registrando aumento das temperaturas e baixa umidade do ar nos 26 Estados e no Distrito Federal. Em algumas regiões, como no Rio Grande do Sul, já houve chuva preta, consequência da grande quantidade de fumaça das queimadas na atmosfera.
A organização não-governamental Greenpeace, que atua em defesa do meio ambiente, lamentou a destruição do Pantanal e informou, em nota, que o argumento da ministra da Agricultura sobre boi bombeiro foi “equivocado”. Disse, ainda, que o governo promoveu um desmonte na gestão ambiental, o que, conforme acrescentou, provocou as queimadas descontroladas no bioma.
“Diante de um cenário já previsto de seca severa, com focos de calor muito superiores à média desde março de 2019, não foram tomadas medidas efetivas de combate e prevenção aos incêndios, necessárias desde o primeiro semestre. Se não tivesse ocorrido um desmonte da gestão ambiental no Brasil, a situação não teria chegado a este nível de gravidade”, afirmou o Greenpeace na nota. A Presidência da República e os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente não se pronunciaram.
Comissão quer bioma no Conselho Nacional da Amazônia Legal
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) começou a ser pressionado para responder a um requerimento da comissão que acompanha ações contra as queimadas no Pantanal sobre a inclusão do bioma no Conselho Nacional da Amazônia Legal pelos próximos cinco anos. Assim como ele, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram criticados por especialistas por deferem “mito do boi-bombeiro”.
Em relação ao requerimento da comissão, o colegiado quer que o governo federal assuma sua responsabilidade e garanta uma estrutura de enfrentamento a futuras queimadas no Pantanal. A medida inclui mais recursos financeiros e estrutura logística, com aparato de combate a incêndios, como helicópteros e apoio da Força Nacional e da Defesa Civil.
A ação da comissão também poderá fazer o governo repensar sua defesa sobre o “boi bombeiro” no pantanal, que, segundo ambientalistas, é um mito. Bolsonaro e seus ministros endossam uma tese do agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Evaristo de Miranda, que é chefe da Embrapa Territorial. Em entrevista à imprensa, Miranda culpou o declínio da pecuária no Pantanal e a criação de reservas ambientais na região pelo fogo.
“Quando a pecuária declina, por razões econômicas, de competitividade, quando se retira o boi, como se retirou de grandes reservas que se criaram na região, reservas ecológicas, a RPPN [Reserva Particular do Patrimônio Natural] do Sesc Pantanal, o que acontece nesses lugares, tirando o gado e cercando? O capim cresce muito e acumula muita massa vegetal. Na hora em que pega fogo, é um fogo muito intenso”, disse ele.
Pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil afirmaram que o gado criado solto ajuda, de fato, a reduzir a quantidade de matéria prima disponível para queima, mas, segundo eles, não é a redução na pecuária que explica os incêndios deste ano. Essa falta de correlação também é apontada em dados da Pesquisa Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre os rebanhos bovinos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul nas últimas décadas e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Além disso, o rebanho bovino no Pantanal tem aumentado nos últimos anos, ao invés de diminuir. De 1999 a 2019, segundo levantamento do projeto Mapbiomas, a cobertura de vegetação nativa no Pantanal caiu 7%, reduzindo de 13,1 milhões de hectares, para 12,2 milhões de hectares. “Já a área de pastagem exótica cresceu 64% sobre áreas naturais, passando de 1,4 milhões de hectares, para 2,3 milhões de hectares. Nesse mesmo período, o rebanho de bovinos no Pantanal aumentou 38%, de 6,9 milhões para 9,58 milhões de cabeças”, afirmou o coordenador de inteligência territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinícius Silgueiro, à BBC Brasil.
Cinzas de animais deixa fauna enlutada
Animais mortos pelos incêndios no Pantanal têm suas amostras coletadas por força-tarefa que busca levantar o impacto das labaredas na fauna. Animais menores, como pequenos mamíferos e serpentes, foram carbonizados facilmente em razão de terem deslocamento curto e lento. Também já foram encontradas cinzas de jacarés, onças e antas.
O Pantanal tem cerca de 2 mil espécies de plantas, 580 de aves, 280 de peixes, 174 de mamíferos, 131 de répteis e 57 de anfíbios. O número de invertebrados é desconhecido. O bioma também é refúgio para espécies ameaçadas de extinção que vivem em outras regiões. Considerando levantamentos anteriores, o projeto Bichos do Pantanal estima que entre 30% e 35% das espécies de flora e cerca de 20% de mamíferos foram atingidos pelos atuais incêndios.
Os animais de maior porte têm maior chance de fugir. Se não forem cercados pelas chamas ou queimados nas patas pelo fogo que arde por baixo da vegetação, conseguem ir para áreas úmidas ou próximas aos rios. No entanto, em áreas em que há pouca água, praticamente nenhuma espécie consegue escapar.
Além de ter representantes do projeto Bichos do Pantanal, a força-tarefa conta com apoio da ONG Panthera, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP).
Também participam dos trabalhos profissionais do Instituto Homem Pantaneiro, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), entre outras instituições. A unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Pantanal tem atuado na elaboração dos protocolos e na análise dos dados coletados.