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O Globo: Na ONU, Bolsonaro faz discurso radical e repletos de mentiras
Presidente defende tratamento precoce, critica passaporte sanitário e diz que o país estava à beira do socialismo
Julia Lindner / O Globo
BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro, em um discurso radical e repleto de inverdades na abertura da Assembleia Geral da ONU em Nova York nesta terça-feira, defendeu o tratamento precoce contra a Covid-19 — cuja ineficácia é comprovada —, criticou o passaporte sanitário e disse que o Brasil estava à beira do socialismo antes de assumir o governo. Ao contrário do tom moderado adotado na carta em que sinalizou um recuo após os atos antidemocráticos do 7 de Setembro, Bolsonaro fez um discurso forte no qual enalteceu as manifestações. Entre as mentiras, dados errados de desmatamento, que cresce em seu governo, e críticas infundadas ao enfrentamento da pandemia.
BOLSONARO DISCURSA NA ONU
Ele iniciou o discurso de 12 minutos prometendo mostrar um país diferente "daquilo publicado em jornais ou visto em televisões". Em um tom forte, disse que está, desde o início de seu governo "sem casos de corrupção" — ignorando investigações, inclusive de CPIs — e com um presidente que acredita em Deus. Criticou países ricos por questões ambientais e defendeu o agronegócio brasileiro. Na parte da pandemia, contudo, voltou a defender o "tratamento precoce", o uso de medicamentos sem eficácia comprovada pela ciência.
— Estávamos à beira do socialismo, nossas estatais davam prejuízo de bilhões de dólares, hoje são lucrativas — declarou.
Na fala, o presidente destacou contratos fechados no setor de infraestrutura, com leilão de aeroportos e terminais portuários, além de acordos fechados para novas ferrovias.
— Temos tudo o que o investidor procura. Um grande mercado consumidor, excelentes serviços, tradição de respeito a contratos e confiança no nosso governo — afirmou.
Bolsonaro afirmou, ainda, que nenhum país no mundo possui uma legislação ambiental tão completa quanto a do Brasil e que o Código Florestal em vigor deve servir de exemplo para outras nações.
LEIA A ÍNTEGRA DO DISCURSO DE BOLSONARO
— Somente no bioma amazônico, 84% da floresta está intacta, abrigando a maior biodiversidade do planeta — disse.
Ele ressaltou que houve redução de 32% no desmatamento na Amazônia em relação ao ano passado. E convidou os presentes a visitarem a região.
Os números do discurso de Bolsonaro são questionados. Se o desmatamento na Amazônia caiu 32% em agosto, no entanto, os números vistos entre março e junho foram os maiores já registrados. Além disso, segundo a série histórica do sistema Deter do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), os dois primeiros anos do presidente no Planalto registraram os dois piores ciclos de desmatamento na Amazônia.
O presidente cobrou que os países industrializados cumpram o compromisso com o financiamento do clima em volumes relevantes. Ele disse que o futuro do emprego verde está no Brasil.
Bolsonaro afirmou que uma área equivalente a Alemanha e França juntas é destinadas às reservas indígenas, onde, segundo ele, mais de 600 mil indígenas vivem em liberdade e "cada vez mais desejam usar suas terras para a agricultura e outras atividades".
O presidente destacou os resultados da Operação Acolhida, destinada a receber cidadãos venezuelanos em situação de vulnerabilidade, e que o Brasil está aberto para receber refugiados.
Contrariando orientações científicas, Bolsonaro defendeu mais uma vez, como fez diversas vezes na pandemia, o tratamento precoce.
— Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial. Respeitamos a relação médico-paciente na decisão da medicação a ser utilizada e no seu uso off-label. Não entendemos porque muitos países, juntamente com grande parte da mídia, se colocaram contra o tratamento inicial. A história e a ciência saberão responsabilizar a todos.Ele voltou a dizer que brasileiros foram "obrigados" a ficar em casa por decisão de governadores, e por isso, perderam a sua renda. Mas tentou trazer para si o mérito de ter implantado o auxílio emergencial, aprovado pelo Congresso, para amenizar a crise.
Bolsonaro também se colocou contra o passaporte de vacinação, usado para a entrada em determinados locais mediante comprovação da imunização. O passaporte é adotado inclusive em Nova York, onde ocorre o evento. O presidente ainda não tomou a vacina contra a Covid-19.
— Apoiamos a vacinação, contudo o nosso governo tem se posicionado contrário ao passaporte sanitário ou a qualquer obrigação relacionada a vacina. Desde o início da pandemia, apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina.
Bolsonaro falou brevemente sobre a questão racial:
— Ratificamos a comissão interamericana contra o racismo e formas correlatas de intolerância.
Em seguida, falou que "temos a família tradicional como fundamento da civilização", defendendo a "liberdade de culto".
Ao concluir, ele encerrou falando das manifestações do último 7 de setembro, marcada por posicionamentos antidemocráticos:
— No último 7 de setembro, data de nossa Independência, milhões de brasileiros, de forma pacífica e patriótica, foram às ruas, na maior manifestação de nossa história, mostrar que não abrem mão da democracia, das liberdades individuais e de apoio ao nosso governo — afirmou.
O presidente Jair Bolsonaro abre nesta terça, pouco depois das 10h, a 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, mantendo a tradição dos presidentes brasileiros desde 1955. Depois de ganhar notoriedade por ser um dos únicos líderes mundiais que ainda não tomou vacina, o presidente brasileiro, pressionado, prometeu tratar em seu discurso de temas como a pandemia e o meio ambiente.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/mundo/na-onu-bolsonaro-faz-discurso-radical-repletos-de-mentiras-25206021
ONU alerta que pandemia não freou aquecimento global
Chefe das Nações Unidas diz que será impossível alcançar meta do Acordo de Paris sem cortes de emissões imediatos e em grande escala
Um relatório sobre as mudanças climáticas divulgado pela ONU nesta quinta-feira (16/09) alerta que a pandemia de covid-19 não diminuiu o ritmo das mudanças climáticas.
A desaceleração econômica e os lockdowns relacionados ao coronavírus causaram apenas uma queda temporária nas emissões de CO2 no ano passado, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial (OMM).
"Houve quem pensasse que os lockdowns devido à covid teriam um impacto positivo na atmosfera, mas não foi o caso", disse o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, em entrevista coletiva.
O documento reúne os últimos dados científicos e descobertas relacionadas às mudanças climáticas, afirmando que, entre janeiro e julho, as emissões globais de CO2 associadas ao uso de combustíveis fósseis nos setores de energia e indústria já voltaram ao mesmo nível ou estão acima do mesmo período em 2019, antes da pandemia.
O Acordo de Paris sobre mudanças climáticas de 2015 estabeleceu como objetivo limitar o aumento da temperatura global a até 2 °C em relação ao nível pré-industrial, ficando idealmente mais perto de 1,5 °C.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou que essa meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C será impossível sem cortes de emissões imediatos. "Ainda estamos significativamente atrasados para cumprir as metas do Acordo de Paris", disse.
"A menos que haja reduções imediatas, rápidas e em grande escala nas emissões de gases de efeito estufa, será impossível limitar o aquecimento a 1,5 ºC, com consequências catastróficas para as pessoas e o planeta do qual dependemos", acrescentou o chefe da ONU. "Este é um ano crítico para a ação climática", disse, avisando que os resultados do estudo trazem uma "avaliação alarmante de quão longe estamos do rumo".
Intitulado Unidos na Ciência 2021, o relatório foi publicado por várias agências da ONU e parceiros científicos poucas semanas antes da reunião de cúpula do clima COP26. O texto alerta também que a mudança climática e seus impactos estão acelerando.
Pausa pandêmica foi breve
A OMM disse que as reduções de emissões durante a primeira onda de covid-19, no início do ano passado, representaram um "breve lapso".
"As reduções gerais de emissões em 2020 provavelmente reduziram o aumento anual das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa de longa duração, mas esse efeito foi muito pequeno para ser distinguido da variabilidade natural", concluiu o relatório.
Neste ano, embora as emissões de CO2 provenientes do tráfego rodoviário tenham ficado abaixo dos níveis anteriores à pandemia, as concentrações dos principais gases de efeito estufa que contribuem para o aquecimento global continuaram a aumentar, de acordo com o relatório.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/onu-alerta-que-pandemia-n%C3%A3o-freou-aquecimento-global/a-59202494
Comida, gasolina, conta de luz: por que está tudo tão caro no Brasil?
Comida, gasolina, a conta de luz. Tudo está mais caro no Brasil
Camilla Veras Mota / BBC Brasil
Em agosto, mais uma vez, a inflação oficial do país veio acima do esperado. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, medido pelo IBGE, acelerou para 9,68% no acumulado em 12 meses, levando a uma onda de revisões entre os economistas.
Nesta segunda-feira (13/9), o Boletim Focus do Banco Central, que colhe estimativas entre dezenas de consultorias e instituições financeiras, registrou a 23ª alta consecutiva da mediana das projeções para o IPCA no fim de 2021, que agora está em 8%.
O aumento generalizado de preços é um produto de diferentes causas, muitas delas combinadas. A BBC News Brasil explora algumas por meio da trajetória dos três elementos que mais têm empurrado a inflação para cima nos últimos meses: combustíveis, alimentos e energia elétrica.
O efeito cascata da gasolina
O preço médio da gasolina comum no país chegou a R$ 6 na semana até 11 de setembro, conforme os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP). O preço máximo, ainda de acordo com a base, passa de R$ 7 em alguns locais.
O preço dos combustíveis no Brasil segue o comportamento dos preços lá fora. Desde 2016, a Petrobras se orienta pelo Preço de Paridade Internacional (PPI), que leva em consideração a cotação do barril de petróleo e o câmbio. Assim, esses dois fatores explicam boa parte do aumento dos combustíveis nos últimos meses.
O preço do barril de petróleo vem em uma sequência de alta forte desde o início deste ano. De um lado, por conta da maior demanda, depois da abertura de muitos países que começaram a vacinar contra a covid. De outro, por conta da própria dinâmica da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).
Ela concentra cerca de 40% da produção global da commodity e às vezes segura os estoques para valorizar o barril. Em julho, a organização comunicou que voltaria a ampliar gradativamente a oferta, dado o crescimento expressivo dos preços neste ano.
Como a cotação é feita na moeda americana, o dólar também tem impacto direto — e o real segue perdendo valor.
A questão do dólar é um capítulo à parte, que tem inclusive confundido os economistas nos últimos meses, como retratado recentemente pela BBC News Brasil.
De forma resumida, a forte desvalorização do real é reflexo de fatores externos, como a expectativa de crescimento dos Estados Unidos e de aumento dos juros no país, mas também da forte instabilidade interna que o Brasil atravessa.
Os conflitos do presidente Jair Bolsonaro com os demais poderes e a antecipação do debate sobre as eleições de 2022 têm contribuído para construir um ambiente de incerteza que afasta investidores, que preferem levar seus dólares para mercados mais seguros.
De volta aos combustíveis, o impacto do aumento vai bem além de quem precisa encher o tanque. O efeito cascata pressiona custos como o do transporte público e do frete, com reflexo sobre os preços de uma miríade de produtos.
Conta salgada também no supermercado
Inclusive nos preços dos alimentos, que também vêm numa trajetória de alta há meses.
Neste caso, mais uma vez o dólar influencia, e com um duplo efeito. Como as commodities agrícolas — milho, açúcar, carne, café, trigo, laranja — são cotadas em dólar, sempre que ele sobe, o preço delas em real tende a subir também.
Em paralelo, o dólar alto incentiva o produtor a exportar em vez de vender para o mercado interno. Isso reduz a oferta doméstica e também ajuda a empurrar os preços para cima.
Aos dois fatores se soma um outro que tem contribuído para diminuir a disponibilidade interna de alimentos: a seca histórica que afetou o Sudeste e o Centro-Oeste.
A falta de chuvas provocou quebra de safra em importantes regiões produtoras e afetou a cultura do café, da laranja, do milho, da soja, do açúcar, como explicou o gerente de consultoria Agro do Itaú BBA, Guilherme Bellotti.
O milho e a soja, por exemplo, têm uma espécie de efeito cadeia. Eles são matéria-prima para a ração usada na indústria de aves, suínos e bovinos — ou seja, também pressionam o preço das carnes.
O açúcar, por sua vez, é matéria-prima para a produção do etanol — que também é usado na composição da gasolina vendida nos postos.
Mais cara e mais escassa
Para além dos alimentos, a seca também ajuda a explicar o aumento da energia elétrica. Com a redução dos níveis dos reservatórios em hidrelétricas importantes neste ano, foi preciso acionar usinas termelétricas, movidas a gás natural, óleo diesel, biomassa e carvão, para compensar a redução da oferta pelas hidrelétricas e, mais recentemente, importar energia de vizinhos como Argentina e Uruguai.
A energia termelétrica não é apenas mais poluente, é também mais cara, daí a razão porque a conta de energia tem vindo com um adicional, a bandeira escassez hídrica, anunciada pelo governo no último dia 31 de agosto.
Até então, o maior valor previsto pelo sistema de bandeiras tarifárias era a bandeira vermelha patamar 2, que estava vigente. A bandeira escassez hídrica vai ser cobrada pelo menos até abril do próximo ano, adicionando R$ 14,20 às contas de luz a cada 100kW/h consumidos. O valor é cerca de 49% maior que o da bandeira vermelha patamar 2, que previa pagamento extra de R$ 9,49 a cada 100kW/h.
Em paralelo, a situação crítica dos reservatórios acendeu um debate sobre os riscos de apagão e de racionamento — e a demora do governo para reagir.
Desde maio, quando o cenário de restrição de chuvas começou a ficar mais claro, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tem repetido que não existe possibilidade de apagões e racionamento no país. No fim de agosto, quando anunciou a bandeira mais cara, o governo lançou um programa para redução voluntária do consumo de energia.
Dias antes, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informara que, a partir de outubro, a geração seria insuficiente para fazer frente à demanda, sendo necessário aumentar o nível de importação e acionamento de térmicas para evitar apagões.
Mais inflação, menos crescimento
Ao contrário de outros ciclos inflacionários pelos quais o Brasil passou, este não é puxado por uma alta da demanda por parte dos brasileiros, mas por choques do lado da oferta — a seca, o dólar, o petróleo, etc.
De forma geral, os choques causam um aumento de preços temporário e se dissipam. Desta vez, contudo, eles têm sido persistentes e vêm contaminando outros preços, como observou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco Lima Gonçalves. Em relatório enviado a clientes, ele avalia que a inflação, que até o início da pandemia vinha em uma trajetória benigna, "mudou de patamar".
Como resultado, o Banco Central vem apertando cada vez mais os juros. A Selic mais alta eleva o custo do crédito e contribui para reduzir ainda mais a demanda e desacelerar a economia.
É por isso que, em paralelo às revisões das estimativas para a inflação, os economistas também estão revendo para baixo suas previsões para o PIB (Produto Interno Bruto) de 2022. Entre as casas que reduziram as projeções nesta semana estão J.P.Morgan, de 1,5% para 0,9%; Itaú, de 1,5% para 0,5% e XP, de 1,7% para 1,3%.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58575812
‘Urna eletrônica é motivo de orgulho para todos nós’, diz Jairo Nicolau
Autor de livros sobre política brasileira, professor da UFRJ e da FGV critica ataques de Bolsonaro
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), o cientista político Jairo Nicolau critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e ao processo eleitoral brasileiro. Ele concedeu entrevista exclusiva à revista Política Democrática online de setembro (35ª edição), lançada nesta sexta-feira (3/9).
“Esse sistema foi colocado em xeque pelo senhor Jair Bolsonaro. Poderá ser um período grande de desconfiança, de crises políticas graves”, afirmou ele. A revista é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. O conteúdo pode ser conferido, gratuitamente, na versão flip, no portal da entidade.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de setembro (35ª edição)
Nicolau é autor de vários livros sobre a política brasileira, como História do Voto no Brasil (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002) e Sistemas Eleitorais. (Rio de Janeiro: FGV Editora, 2004). O último deles, publicado já durante a epidemia, é “O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018”.
Mestre e doutor em Ciências Políticas no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), com pós-doutorado na Universidade de Oxford e no King’s Brazil Institute, Nicolau diz que o processo político eleitoral brasileiro é um dos mais eficientes do mundo. “Continuo otimista com relação a nossa urna eletrônica e, agora, com o voto biométrico. É, sem dúvida, motivo de orgulho, não de polêmica, para todos nós, brasileiros”, asseverou.
"A urna eletrônica foi um grande passo para aperfeiçoar o processo de votação no Brasil. É, assim, um sucesso tanto contra a corrupção como na adulteração da vontade do eleitor no momento da votação e, claro, depois na contagem dos votos", avaliou o cientista político, na entrevista à Política Democrática online de setembro.
Segundo o entrevistado, estima-se que a militância do presidente da República, na suspeição do voto digital, possa ter contaminado cerca de um terço do eleitorado. "O estrago é tão lastimável como irreversível. Poderá ser um período grande de desconfiança, de crises políticas graves", lamentou.
Nicolau lembrou que, até há pouco tempo, as fraudes ocorriam em dois momentos. O primeiro deles era na votação propriamente dita. “Todos aqui somos da época da urna de lona, da cédula de papel, e nos lembramos de como era difícil controlar as fraudes, mesas sendo arranjadas para facilitar que certas forças políticas comparecessem para encobrir o comparecimento de uma pessoa, votar no lugar de outra”, afirmou.
A fraude, de acordo com o professor, também ocorria na hora da apuração, quando todas as cédulas eram depositadas sobre mesas situadas em ginásios esportivos. “Pegava-se um uma cédula, lia-se o nome de um e cantava-se o nome de outro. Se não tivesse um fiscal ali, na hora de transformar os votos contados para os boletins de urna, ninguém detinha as fraudes. Fui presidente de sessão eleitoral durante muitos anos e acompanhei as apurações e lembro bem de alguns casos”, afirmou.
Na entrevista à revista Política Democrática online, Nicolau também comentou temas como o sistema político brasileiro, reforma política, fragmentação partidária e processo eleitoral, entre outros.
A íntegra da entrevista pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Reforma do IR pode custar quase R$ 30 bi no próximo ano, diz IFI
IFI alerta que o impacto fiscal negativo da reforma no IR pode exceder o volume total de investimentos do Poder Executivo previsto na LOA, que é de R$ 24,1 bi
Pillar Pedreira/Agência Senado
A reforma do Imposto de Renda pode custar R$ 28,9 bilhões aos cofres públicos em perda de arrecadação tributária já em 2022. Essa é a avaliação da Instituição Fiscal Independente (IFI) em nota técnica publicada nesta sexta-feira (3), um dia depois da aprovação do projeto pela Câmara dos Deputados (PL 2.337/2021). O texto agora será analisado pelo Senado.
“A não neutralidade da proposta, sob o aspecto fiscal, é preocupante, notadamente em um contexto de fragilidade das contas públicas, com deficit primário ainda elevado e dívida pública bastante superior à média dos países comparáveis”, conclui a IFI.
Apesar de a proposta trazer medidas com potencial arrecadatório, como a revisão de benefícios tributários e a criação do imposto sobre lucros e dividendos, o saldo final permanece no vermelho. Para efeito de comparação, o impacto fiscal negativo excede o volume total de investimentos do Poder Executivo previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) para 2022, que é de R$ 24,1 bilhões.
O custo poderá ser maior caso as previsões do governo para a reversão dos gastos tributários (que é a revogação de benefícios) não se confirmem. Essa reoneração é projetada como o principal ganho arrecadatório da reforma. A sua frustração poderia, em último caso, agravar ainda mais o resultado já em 2023.
“Os gastos tributários são calculados sob metodologia que pode superestimar os valores informados. A reversão de certos benefícios poderá não produzir, automaticamente, um aumento de arrecadação nas proporções indicadas. Sem contabilizar a reversão do gasto tributário, o efeito da proposta em 2023 poderia chegar a R$ 33,3 bilhões”, alerta a nota técnica.
A reforma mexe em impostos que representaram, em 2020, cerca de 36% de toda a arrecadação federal. O projeto atualiza a tabela do imposto de renda da pessoa física (IRPF), aumentando a faixa de isenção e expandindo a declaração simplificada (que possibilita descontos), e reduz as alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Segundo os cálculos da IFI, que simulam as novas regras sobre números colhidos em nove bases de dados federais, essas medidas teriam um custo de R$ 87,5 bilhões em 2022. Esse custo se aproximaria de R$ 100 bilhões já em 2024.
Entre as medidas compensatórias do projeto estão a tributação da distribuição de lucros e dividendos, o fim da dedutibilidade de juros sobre capital próprio (que são uma forma de distribuição de rendimentos antes da aferição do lucro) no IRPJ e a revisão de benefícios tributários. Também está previsto um aumento na alíquota da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem).
A revogação de benefícios envolve os setores de gás natural canalizado, carvão mineral, produtos químicos, farmacêuticos e hospitalares. Ela é a medida mais significativa, com uma expectativa arrecadatória superior a R$ 20 bilhões. No entanto, os números reais são de difícil estimativa.
A cobrança sobre lucros e dividendos também pode gerar valores expressivos para os cofres públicos, segundo a IFI, mas apenas a partir de 2023, segundo a IFI. Essa modalidade de tributação é sujeita a práticas de elisão fiscal, que é o uso de manobras legais ou de brechas da lei para reduzir o imposto devido.
“É razoável supor que se o projeto de lei for aprovado em 2021, as empresas adaptarão seu comportamento. A resposta provável será distribuir o máximo possível de resultados ainda em 2021, sem o alcance da nova tributação”.
Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/09/03/reforma-do-ir-pode-custar-quase-r-30-bi-no-proximo-ano-diz-ifi
Evandro Milet: O rei da confusão sem máscara em um domingo no parque
O estilo sabe-com-quem-está-falando continua atuante e o negacionismo do uso de máscara e distanciamento social continua ajudando a propagar o vírus
Evandro Milet / A Gazeta
O senhor está sem máscara. Aqui no Parque Manolo Cabral (também conhecido como Parque da Petrobras em Vitória) a regra exige o uso de máscara, avisava educadamente o funcionário a um senhor com a mulher, a filha e netinho no carrinho(todos sem máscara) em um belo domingo de sol ao meio-dia.
Isso é uma imbecilidade desse prefeito do PT, isso é coisa do PT, coisa de comunista, gritava o senhor. Não vou colocar máscara e quero ver o macho que vai me tirar daqui.
Desculpe, dizia o funcionário, mas meu papel é fazer cumprir o que é determinado.
Não vou colocar e está errado. Eu sou médico do Ministério da Saúde, continuava o senhor em altos brados.
A sua mulher rapidamente se afastou, certamente envergonhada, em direção à saída, enquanto a gritaria continuava. Ele foi atrás dela, chamando para voltar, sem sucesso.
Regra é regra, disse ela, incomodada e continuou indo embora enquanto ele andando mais rápido a alcançou com a filha e o carrinho.
Passaram por mim, já calados, sem máscara, em direção a um almoço em algum lugar, segundo o que ouvi enquanto, de máscara, eu continuava minha caminhada.
Várias conclusões se pode tirar do episódio. O estilo sabe-com-quem-está-falando continua atuante e o negacionismo do uso de máscara e distanciamento social continua ajudando a propagar o vírus. Até hoje o Governo Federal não lançou uma campanha incentivando as atitudes que o mundo inteiro adotou sobre isso, até porque o governante principal discorda, como o senhor do parque, e nem dá o exemplo.
Certamente teríamos menos milhares de mortos a essa altura, mesmo que não se fizesse lockdown, como muitos outros países fizeram com sucesso.
O episódio serve também para esclarecer porque as pesquisas de opinião para Presidente em 2022 apresentam uma diferença significativa entre o percentual de apoio masculino ao candidato incumbente e o apoio feminino, muito menor. A truculência é um hábito mais popular no universo masculino.
Outra conclusão é a ignorância ideológica que, aliás, grassa nos sites negacionistas. O Prefeito Pazolini, de Vitória, não tem nada a ver com PT. Nesses sites, quem não apoiar as teses negacionistas é de esquerda, comprado pela China e partidário de Cuba e Venezuela. Teorias da conspiração populares ali ignoram a realidade, como um delírio paranoico estacionado em 1989, antes da queda do muro de Berlim.
As pessoas ali se autodenominam conservadores, porém o conservadorismo moderno foi movimento surgido na Inglaterra para se contrapor às práticas da Revolução Francesa. Significa basicamente evoluir preservando as instituições democráticas. A democracia tem mecanismos de pesos e contrapesos para corrigir eventuais excessos dos poderes ao longo do tempo. Não se pode chamar de conservador quem defende intervenção militar, fechamento do Congresso ou do STF embora, surpreendentemente, digam que lutam pela democracia. Serão apenas golpistas.
Interessante observar que Brasil e Venezuela são os únicos países da América do Sul onde existe ainda um movimento envolvendo militares na política. Onde políticos fazem romaria aos quartéis para perguntar se vai haver golpe. Onde tanques fumacentos tentam meter medo nas instituições democráticas.
Não estamos em boa companhia. Porém, tranquilizador é ver o Presidente usando máscara e ouvindo discurso de defesa das instituições proferido pelo Comandante do Exército na sua presença. Menos mal. Melhor obedecer as regras para passear no parque.
Fonte: A Gazeta
https://www.agazeta.com.br/colunas/evandro-milet/o-rei-da-confusao-sem-mascara-em-um-domingo-no-parque-0921
Benito Salomão: Crescimento e confiança no mundo real
Benito Salomão / Correio Braziliense
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE) divulgou, recentemente, os dados do Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira, referente ao segundo trimestre de 2021. O resultado põe fim ao frenesi dos crentes na tese de que a economia poderia apresentar um crescimento sustentado, alheia ao que acontece no front da política nacional. A queda de 0,1% reflete, objetivamente, dois problemas: o péssimo ambiente político e institucional do governo brasileiro, representado em seus Três Poderes, e a ausência de políticas de estímulo ao crescimento econômico.
No que se refere à instabilidade institucional, é preciso deixar claro que, enquanto as autoridades brasileiras perdem tempo e se desgastam com teses irrelevantes como voto impresso, as coisas acontecem (ou deixam de acontecer) no mundo real. As decisões econômicas, dentre elas a de investir na produção, tida como a principal decisão de uma economia capitalista, dependem das expectativas quanto às condições futuras da economia. Para Keynes, essas expectativas dependem do estado de confiança dos empresários quanto à possibilidade de seus investimentos retornarem na forma de lucro. Em outras palavras, uma economia empresarial moderna precisa de estabilidade para que investimentos ocorram.
No livro Animal Spirits, os Prêmio Nobel de economia Robert Shiller e George Arkelof discorreram sobre fatores que afetam a confiança: corrupção, injustiça, falta de transparência por parte das autoridades causando ilusão monetária, típica de economias com inflação elevada, são fatores que afetam a confiança e os investimentos. É importante salientar, que, em momentos de elevada instabilidade, as políticas macroeconômicas perdem a eficácia, em outras palavras, é difícil estimular a economia com quedas na taxa de juros ou expansão dos gastos públicos se os agentes não confiam na retomada. Diante disso, os autores argumentam acerca da importância de guiar a economia de um equilíbrio inicial de baixa confiança para um novo equilíbrio de alta confiança.PUBLICIDADE
Para Arkelof e Shiller, a confiança (ou a falta dela) se espalha em uma economia aos moldes de uma epidemia, isto é, quanto mais pessoas confiam que a economia irá crescer, mais pessoas tendem a também confiar e a confiança se espalha. Este ciclo de otimismo desencadeia novos investimentos, ampliando o produto e a renda. O inverso também é verdadeiro, quanto mais pessoas deixam de confiar no desempenho da economia, mais esse pessimismo contagia outras tantas pessoas, e os investimentos não ocorrem. Sem confiança não há investimento e, portanto, os dados do PIB tendem a seguir uma trajetória modesta. Sob predominância de pessimismo, a crença em um mau desempenho na economia coloca os agentes em posições defensivas tornando a esperança de recessão uma profecia autorrealizável.
O outro ponto a ser levantado para explicar o baixo crescimento econômico verificado no Brasil nos últimos anos é a escassez absoluta de políticas econômicas capazes de estimular o crescimento. As agendas apresentadas até aqui, apelidadas de reformas, têm pouco, ou nenhum, efeito sobre o crescimento econômico de curto e de longo prazos. Se, no campo da macroeconomia, não é possível haver grandes estímulos à economia, porque a inflação elevada requer aperto na política monetária e os níveis elevados da dívida pública sugerem restrições fiscais que inviabilizam a expansão do gasto público. Do lado da microeconomia, os estímulos ao crescimento podem se dar em duas frentes: medidas pró-concorrência e medidas pró-competitividade.
Pode-se detalhar melhor as agendas pró-concorrência e pró-competitividade em artigo futuro. No que se refere à primeira, medidas no sentido de redução de barreiras à entrada em mercados oligopolizados, abertura econômica, incentivo à inovação e diversificação em pequenas e médias empresas são bons exemplos. No que tange à segunda agenda, simplificação tributária, investimento em ciência de fronteira e capital humano, melhora do ambiente regulatório estimulando segurança jurídica, estímulo ao capital físico, sobretudo na área de logística e energia, são soluções que podem contribuir.
Na ausência de medidas efetivas de estímulo ao crescimento, que não devem ser pautadas no curto prazo, a harmonização institucional e política do país já traria enormes ganhos para a economia pelo canal da confiança e da previsibilidade. A convivência harmônica entre os Poderes tem que ser o foco das autoridades para que a população não pague o preço na forma de baixo crescimento e elevada inflação, ou seja, estagflação.
*Economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4947598-crescimento-e-confianca.html
Estudos: Covid afeta testículos reduzindo a qualidade dos espermatozoides
Apesar de ser um teste inicial, espermograma de pacientes tem indicado que capacidade de espermatozoides se moverem caiu para entre 8% e 12%
Elton Alisson, Agência Fapesp
Ao acompanhar, desde o ano passado, pacientes homens que tiveram covid-19, o andrologista Jorge Hallak, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, começou a observar que os resultados de exames de fertilidade e hormonais deles permanecem alterados por muitos meses após se recuperarem da doença.
Apesar de ser um teste inicial e não ter condições de diagnosticar fertilidade ou infertilidade, o espermograma de vários pacientes tem indicado, por exemplo, que a motilidade espermática – a capacidade de os espermatozoides se moverem e fertilizarem o óvulo, cujo índice normal é acima de 50% – caiu para entre 8% e 12% e permaneceu nesse patamar quase um ano após terem sido infectados pelo SARS-CoV-2. Já os testes hormonais apontam que os níveis de testosterona de muitos deles também despencaram após a doença. Enquanto o nível normal desse hormônio é de 300 a 500 nanogramas por decilitro de sangue (ng/dL), em pacientes que tiveram covid-19 esse índice chegou a variar abaixo de 200 e, muitas vezes, ficou entre 70 e 80 ng/dL
“Temos visto, cada vez mais, alterações prolongadas na qualidade do sêmen e dos hormônios de pacientes que tiveram covid-19, mesmo naqueles que apresentaram quadro leve ou assintomático”, diz Hallak à Agência Fapesp.
Alguns estudos feitos pelo pesquisador em colaboração com colegas do Departamento de Patologia da FM-USP, publicados nos últimos meses, têm ajudado a elucidar essas observações feitas na prática clínica. Os pesquisadores constataram que o SARS-CoV-2 também infecta os testículos, prejudicando a capacidade das gônadas masculinas de produzir espermatozoides e hormônios.
“É muito preocupante como o novo coronavírus afeta os testículos, mesmo nos casos assintomáticos ou pouco sintomáticos da doença. Entre todos os agentes prejudiciais aos testículos que estudei até hoje, o SARS-CoV-2 parece ser muito atuante”, afirma Hallak. “Cada patologia tem particularidades que a prática e a experiência nos demonstram. O SARS-CoV-2 tem a característica de afetar a espermatogênese de formas que estamos descobrindo agora, como motilidade progressiva persistentemente muito baixa, sem alteração da concentração espermática significativa”, diz.
Em um estudo com 26 pacientes que tiveram covid-19, os pesquisadores verificaram por meio de exames de ultrassom que mais da metade deles apresenta inflamação grave no epidídimo – estrutura responsável pelo armazenamento dos espermatozoides e onde eles adquirem a capacidade de locomoção.
Os pacientes têm idade média de 33 anos e são atendidos no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e no Instituto Androscience. Os resultados do estudo, apoiado pela Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), foram publicados na revista Andrology.
“Ao contrário de uma infecção bacteriana clássica ou por outros vírus, como o da caxumba, que causa inchaço e dor nos testículos em um terço dos acometidos, a epididimite causada pelo novo coronavírus é indolor e não é possível de ser diagnosticada por apalpamento (exame físico) ou a olho nu”, explica Hallak.
Por isso, segundo ele, seria interessante ensinar o autoexame dos testículos como política de saúde pública no pós-pandemia. “É ideal que os adolescentes, adultos jovens e homens em idade ou com desejo reprodutivo, após serem infectados pelo SARS-CoV-2, procurem um urologista ou andrologista e façam uma consulta com mensuração do volume testicular, dosagem de testosterona e de outros hormônios, além de análises do sêmen com testes de função espermática, seguidos de um exame de ultrassom com Doppler colorido, para verificar se apresentam algum tipo de acometimento testicular que pode afetar a fertilidade e a produção hormonal”, sugere Hallak.
“Esses indivíduos devem ser acompanhados por um a dois anos após a infecção, pelo menos, pois ainda não sabemos como a doença evolui”, aponta.
Invasão de células testiculares
Outro estudo recém-publicado pelo mesmo grupo de pesquisadores e também apoiado pela Fapesp indicou que o SARS-CoV-2 invade todos os tipos de células testiculares, causando lesões que podem prejudicar a função hormonal e a fertilidade masculina. Por meio de um projeto coordenado pelos professores da Faculdade de Medicina da USP Paulo Saldiva e Marisa Dolhnikoff, foram empregadas técnicas de autópsia minimamente invasivas para extrair amostras de tecidos testiculares de 11 homens, com idade entre 32 e 88 anos, que morreram no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP em decorrência de covid-19 grave.
Os resultados das análises indicaram uma série de lesões testiculares que podem ser atribuídas a alterações inflamatórias que diminuem a produção de espermatozoides (espermatogênese) e hormonal. “O que nos chamou a atenção de imediato nesses pacientes que morreram em decorrência da covid-19 foi a diminuição drástica da espermatogênese. Mesmo os mais jovens, em idade fértil, praticamente não tinham espermatozoides”, conta Amaro Nunes Duarte Neto, infectologista e patologista da Faculdade de Medicina da USP e do Instituto Adolfo Lutz e coordenador do estudo.
Segundo o pesquisador, algumas das prováveis causas da diminuição da espermatogênese nesses pacientes foram lesões causadas pelo vírus nos vasos do parênquima testicular, com a presença de trombos, que levaram à hipóxia – ausência de oxigenação nos tecidos –, além de fibroses que obstruem os túbulos seminíferos, onde os espermatozoides são produzidos.
Uma das razões prováveis para a diminuição hormonal é a perda de células de Leydig, que se encontram entre os túbulos seminíferos e produzem testosterona. “As funções dos testículos de produzir espermatozoides e hormônios sexuais masculinos são independentes, mas há uma interconexão entre elas. Se a produção de hormônios pelas células de Leydig estiver prejudicada, a fertilidade também será diminuída”, afirma Duarte Neto.
Alguns dos sintomas da deficiência de testosterona (hipogonadismo) são perda muscular, cansaço, irritabilidade, perda de memória e ganho de peso, que podem ser confundidos como efeitos de longo prazo da covid-19. “Uma parte importante desse quadro clínico seguramente está relacionada a uma baixa função testicular. Mas isso ainda não tem sido abordado porque os pacientes não têm dor e não se costuma dosar os hormônios e nem fazer análise dos espermatozoides após eles se recuperarem da covid-19”, alerta Hallak.
Os pesquisadores pretendem realizar um estudo de acompanhamento de pacientes homens que tiveram a doença com o objetivo de avaliar em quanto tempo as lesões testiculares causadas pelo SARS-CoV-2 podem ser revertidas naturalmente ou por meio da administração de medicamentos. “Ainda não sabemos se essas lesões testiculares poderão ser revertidas e quanto tempo levará para isso acontecer”, afirma Hallak.
As principais preocupações do pesquisador são em relação a homens em idade reprodutiva, adolescentes e pré-púberes, sobre os quais ainda não há dados sobre lesões testiculares causadas pela covid-19. Não se sabe quais serão os impactos na puberdade em relação à capacidade fértil, se a produção de hormônios será afetada de forma transitória, prolongada ou definitiva e qual o grau de lesão residual irreversível.
Como não há dados de pré-infecção pelo SARS-CoV-2 de cada indivíduo, os estudos prospectivos deverão incluir um grupo controle para efeitos de comparação, sugere Hallak. “Esses indivíduos podem ter problemas de infertilidade e alterações hormonais no futuro e não saberem que isso pode ter sido causado pela infecção pela covid-19, porque apresentaram sintomas leves ou foram assintomáticos”, pondera.
Aumento da infertilidade masculina
O pesquisador estima que a covid-19 poderá causar um aumento na infertilidade masculina. Atualmente, entre 15% e 18% dos casais enfrentam dificuldades para conceber – por problemas masculinos em 52% dos casos.
Esse cenário pode desencadear uma busca maior por técnicas de reprodução assistida que, de acordo com ele, é realizada por vezes de forma apressada no Brasil para causas masculinas, sem avaliação inicial adequada e padronizada e, muitas vezes, sem que seja estabelecido o diagnóstico causador inicial e sem tempo hábil para se propor condutas com base em melhor custo-benefício e a aplicação de tratamentos específicos que podem curar a causa ou restabelecer a capacidade fértil natural.
“Será preciso tomar muito cuidado com a reprodução assistida pós-pandemia de covid-19, pois não se sabe as consequências disso nos meses subsequentes à infecção”, ressalta Hallak.
Uma vez que o SARS-CoV-2 tem sido detectado em todos os tipos de células dos testículos, que participam de todas as etapas da espermatogênese, não se sabe se o vírus também pode estar presente em espermatozoides de pacientes que tiveram covid-19 meses depois de terem se recuperado da doença.
Esses espermatozoides podem ter sido afetados pelo vírus e, idealmente, deveria preventivamente se esperar, no mínimo, um ciclo de espermatogênese – ao redor de 90 dias – para que seja feita nova avaliação investigativa andrológica, indica Hallak. “Temos visto lesões de DNA causadas pelo novo coronavírus altíssimas, ao redor de 80%, enquanto o normal é de até 25% e, o aceitável, até 30%”, compara.
Outra preocupação do pesquisador é com a reposição de testosterona nesses pacientes que tiveram covid-19 e queda hormonal, que, segundo ele, é uma medida desnecessária. “A reposição de testosterona em um paciente já afetado vai inibir ainda mais a função testicular. Os testículos têm mecanismos de reparação para voltar a produzir hormônios e existem tratamentos medicamentosos que aumentam a produção natural dos hormônios esteroidais, restabelecendo progressivamente a função testicular intrínseca do indivíduo. Isso também vai depender se houve lesão às células de Leydig e em qual grau, que é algo que não sabemos ainda”, pondera.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,sars-cov-2-afeta-testiculos-reduzindo-hormonios-e-a-qualidade-dos-espermatozoides-apontam-estudos,70003830650
RPD 35 || Leonardo Ribeiro: Um meteoro no país das pedaladas
Bolsonaro aposta na legalização de pedaladas fiscais com a PEC 23, que traz mudanças sobre a forma de pagamento de precatórios
O orçamento federal será atingido em cheio por um meteoro na forma de precatórios, e um míssil precisa destruí-lo antes do vultoso impacto fiscal. Foi dessa forma que o Ministério da Economia anunciou um passivo de R$ 90 bilhões em 2022, valor bem superior aos R$ 55,0 bilhões do ano corrente. Ato contínuo, o Governo apresentou solução heterodoxa para destruir o tal meteoro: uma Proposta de Emenda Constitucional – a PEC 23 – para parcelar pagamentos de precatórios acima de determinado valor, criando modalidade de ajuste fiscal do tipo “devo, não nego, pago quando puder”. Análise menos ligeira das entranhas da proposta revela negligências e boa dose de irresponsabilidade fiscal por parte das lideranças do Poder executivo, que parecem apostar na legalização de pedaladas fiscais para enfrentar as eleições no ano que vem.
Para começar, é importante reconhecer o tamanho do meteoro anunciado pela equipe econômica. O Poder Executivo conta com R$ 95 bilhões para manter programas governamentais – as chamadas despesas discricionárias. Isto quer dizer que a conta de precatórios a ser paga pelo Governo equivale a um novo orçamento discricionário. Para quem não sabe, despesas discricionárias são aquelas que podem ser cortadas no curto prazo, diferentemente daquelas ditas obrigatórias (previdência social e salários de funcionários públicos, por exemplo). E precatórios nada mais são do que títulos emitidos pelo Governo para atestar a obrigação de se pagar uma quantia de valores a pessoas, ou empresas, que ganharam na justiça o direito de receber do poder público um quinhão de recursos: é uma dívida do Estado.
Sabe-se também que desde 2016 vigora na administração pública federal regra fiscal que impede o crescimento das despesas públicas a taxas superiores à da inflação. Tal regra é conhecida como Teto de gastos. Matematicamente, é fácil demonstrar que o Governo não conseguirá quitar as dívidas com precatórios sem comprometer o funcionamento da máquina pública. Isto porque não há espaço fiscal para acomodar tantas despesas no mesmo orçamento.
Diante desse dilema – pagar precatórios ou manter em operação a máquina pública -, o Governo encaminhou para o Congresso a PEC 23 com objetivo de parcelar o pagamento dos precatórios devidos. A estratégia é clara: postergar o pagamento de despesas obrigatórias para não efetuar cortes no orçamento discricionário em magnitudes que paralisariam a máquina pública. Pode-se dizer que tal medida envolve negligências e irresponsabilidade fiscal.
Negligência por que não fica claro nessa barafunda o motivo pela qual os relatórios oficiais do Governo não identificaram no radar a chegada deste meteoro na forma de precatórios. O anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), por exemplo, não traz análises prévias sobre o crescimento sideral das despesas com precatórios e seus impactos no financiamento das políticas públicas. É impensável imaginar esse tipo de negligência em uma empresa privada de grande porte; porém, é ainda mais espantoso o Ministro da Economia - acostumado a lidar com riscos no mercado financeiro - não ter farejado o aerólito fiscal a tempo. Ou se o fez, não deu a devida importância à transparência de eventos que podem afetar o equilíbrio das contas públicas.
A essa negligência soma-se também boa dose de irresponsabilidade fiscal. O parcelamento de precatórios se resume a uma medida que esconde a situação real das contas públicas, na medida em que posterga o pagamento de despesas obrigatórias. Esse tipo de prática lembra as pedaladas fiscais praticadas nas eleições de 2014: atos ilegais que serviram para gerar resultados fiscais fictícios. Se aprovada a PEC 23 do jeito que foi apresentada pelo Governo, manobras fiscais estariam sendo constitucionalizadas, sinalizando que o Governo federal não honra as dívidas com precatórios, que nada mais são do que obrigações financeiras decorrentes de sentenças judiciais.
De todo modo, o Poder judiciário vem sinalizando caminhos alternativos ao propor teto para pagamento de precatórios - medida similar à proposta do Poder Executivo, mas que dispensaria a necessidade de PEC. No entanto, a participação do Congresso Nacional será fundamental para trazer segurança jurídica. Uma solução poderia ser desenhada no sentido de excluir do Teto de gastos o excesso de gastos com precatórios, fortalecendo-se a governança em torno da gestão fiscal e sentenças judiciais. O parcelamento deve ser evitado a todo custo, pois não se trata de um meteoro no país das pedaladas.
*Leonardo Ribeiro é analista do Senado Federal e especialista em contas públicas. Foi pesquisador visitante da Victoria University, Melbourne, Austrália.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
RPD 35 || Arlindo Fernandes de Oliveira: O que se pode esperar de uma CPI
CPIs têm o poder fiscalizatório sobre aquilo que tem a ver com o trato da coisa pública. Algumas balançaram o país, como a do PC Farias e a CPMI dos Correios
São recorrentes os questionamentos quando alguma casa legislativa institui uma comissão parlamentar de inquérito, a CPI. Um deles é sobre se Comissão vai produzir os resultados que dela se espera ou se “vai dar em pizza”. É tema legítimo e vale a pena comentar. O Congresso Nacional, suas Casas, assim como as instituições do poder legislativos dos estados e municípios têm três funções básicas: legislar, fiscalizar o Poder Executivo e servir de espaço para o debate público. A primeira função é a definida pelo seu nome: “poder legislativo” e as demais lhe são vinculadas.
As comissões existem para dar funcionalidade à Casa, a organização do trabalho parlamentar em comissões se dá por razões práticas. E, numa democracia, cabe a quem venceu as eleições, a maioria, governar. E à minoria cumpre fazer oposição. Assim, as CPIs são a expressão constitucional do direito e do dever da minoria.
Por isso, como reiterou o Supremo Tribunal Federal, o requerimento de uma CPI subscrito por um terço da Casa Legislativa, cria a comissão, e deve implicar sua instalação, desde que fundado em fato determinado e por prazo certo. Como enfatizou o STF, pela voz do Ministro Celso de Mello:
Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subsequentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não se revestindo de legitimação constitucional o ato que busca submeter, ao Plenário da Casa legislativa, quer por intermédio de formulação de Questão de Ordem, quer mediante interposição de recurso ou utilização de qualquer outro meio regimental, a criação de qualquer comissão parlamentar de inquérito. (...)."[1]
Uma CPI dispõe de poderes semelhantes àqueles que as leis endereçam ao Poder Judiciário no momento da instrução processual penal. Por conta deles, e de seu natural apelo mediático, é comum que se exija de uma CPI alcançar propósitos, alguns alheios à sua natureza, como colocar as pessoas investigadas na cadeia ou aplicar as punições que são de competência de outra instituição. Para cobrar de nossos representantes que atuam em CPI as atitudes que constitucionalmente lhe cabem, cabe recordar isso.
Para que a cidadania democrática cobre de uma CPI aquilo que ela pode e deve dar, o Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, que investigou o chamado Mensalão, é didático:
“Os objetivos de uma CPI devem ser claramente definidos e proclamados, até para que não se estimulem ilusões, e não se pretenda alcançar objetivos que não lhe dizem respeito.
Pode-se exigir de uma CPI: que contribua para a transparência da Administração Pública, à medida em que revela, para a cidadania, fatos e circunstâncias que, de outra forma, não seriam de conhecimento público; Que, na qualidade de órgão do Poder Legislativo, possibilite o exame crítico da legislação aplicável ao caso sob investigação; que proponha à Casa respectiva do Congresso Nacional, sempre que cabível, a abertura de processo contra Senador ou Deputado Federal – ou outro agente político - quando o nome desse parlamentar estiver vinculado a fatos ou atos que possam implicar prejuízo à imagem do Congresso Nacional, ou seja, sempre que ali se possa identificar possível quebra do decoro parlamentar; que interceda junto aos órgãos responsáveis da Administração Pública para sustar as irregularidades e/ou práticas lesivas que suas investigações identifiquem; que aponte ao Ministério Público os fatos que possam caracterizar delitos ou prejuízos à Administração Pública para que esse órgão estatal possa promover a responsabilidade civil e penal correspondente; e que proponha modificações no arcabouço legal e institucional, de forma a contribuir para o aperfeiçoamento constante da democracia no País, evitando a reincidência no fato determinado objeto de investigação.”
[1] MS 26.441, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 25-4-2007, Plenário, DJE de 18-12-2009.
* Arlindo Fernandes de Oliveira é consultor legislativo do Senado Federal e especialista em direito constitucional e eleitoral.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
RPD 35 || JCaesar: Charge
* JCaesar, autor da charge da Revista Política Democrática Online, é o pseudônimo do jornalista, sociólogo e cartunista Júlio César Cardoso de Barros. Foi chargista e cronista carnavalesco do Notícias Populares, checador de informação, gerente de produção editorial, secretário de redação e editor sênior da VEJA.
** Charge produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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RPD 35 || Sergio Denicoli: Já é 2022 na internet
Bolsonaristas e lulistas já deram início não-oficial à campanha eleitoral para 2022 e estão praticamente sozinhos no campo virtual de batalha
Não se engane com o calendário eleitoral oficial. Nas redes sociais, 2022 já se iniciou. Os candidatos mais atentos estão atuando na velocidade das fibras óticas. Mesmo porque, como a internet é fragmentada em bolhas, o período de campanha determinado pelo TSE é extremamente curto para alavancar uma candidatura. Muito deferente dos nostálgicos anos analógicos, quando a sociedade era pautada pelos jornais, rádios e TV, e o horário eleitoral gratuito marcava de fato o início da disputa.
O curioso desse contexto é que o ano eleitoral realmente começou, mas não para todos. Bolsonaro e Lula já estão confortavelmente em campanha, abarcando 82,9% do total das menções aos presidenciáveis, no Twitter, segundo dados da AP Exata Inteligência Digital, medidos em agosto. O presidente conta com uma fatia maior de menções, atingindo 54%, ao passo que o ex-presidente alcança 28,2% das menções.
Os demais pré-candidatos têm participações residuais. Vez ou outra conseguem polemizar algum tema e aparecem um pouco mais, só que rapidamente voltam a uma expressividade de figurante. Estão nesse patamar Ciro Gomes, João Dória, Eduardo Leite, Rodrigo Pacheco e Sérgio Moro. Os demais nomes, até o momento, são redondamente inexpressivos nas redes.
Bolsonaristas e lulistas, portanto, estão praticamente sozinhos no campo virtual de batalha, que, hoje, é a principal arena da disputa. Bolsonaro atua para desviar o foco dos problemas reais do país e cria uma agenda própria de temas, fazendo com que internautas e a imprensa o sigam.
Assim, conseguiu transformar em amplo debate nacional a questão do voto impresso e agora coloca como prioridade na política brasileira as decisões do Supremo Tribunal Federal, apimentando a cortina de fumaça com o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Morais. É estratégico. Ao pautar a nação de acordo com os temas de seu interesse, o presidente deixa em segundo plano questões como a inflação galopante, a crise energética e o desemprego. Se não agisse proativamente, certamente seria engolido pela agenda baseada nos resultados negativos de setores importantes da gestão federal.
Já Lula evita a agenda ditada por bolsonaristas e busca reforçar sua liderança pessoal, tentando se livrar da imagem de corrupto, que o acompanha desde a Lava Jato. Tem apelado para o lado emocional das redes e busca passar imagem de vigor físico, mostrando as coxas e a jovem namorada, e também esbanja sorrisos, banhos de mar e atitudes conciliadoras. Assim, além de tentar impor a ideia de pertencer a uma esquerda muito próxima do centro, também fecha o espaço para críticas de que, aos 75 anos, já não teria o vigor necessário para comandar o país. Ou seja, mistura vitalidade e diplomacia.
Mas, se as duas principais lideranças políticas do país conseguem dar um banho nos adversários na internet, elas também sofrem para ultrapassar barreiras e falar para além dos convertidos. Romper a bolha de influência é algo extremamente difícil, uma vez que ambos apresentam rejeições bastante altas. Também de acordo com dados de agosto da AP Exata, 60% das menções a Lula no Twitter são negativas. Índice muito próximo do de Bolsonaro, que abarca 62% de menções negativas.
Teoricamente, haveria espaço para uma terceira via. No entanto, para que o eleitor escolha um caminho novo, é preciso que ele enxergue a estrada. E o problema do chamado “centro” é que os nomes que se apresentam não estão sendo vistos como alternativas capazes de romper a polarização.
O mais curioso é que, dominando quase que a totalidade das conversações nas redes, petistas e bolsonaristas dominam também as ruas. Assim, tornam concreta a percepção de que seus líderes têm apoio popular. O centro ainda patina nesse sentido. Tem buscado ocupar espaços de rua e já marcou uma manifestação para o dia 12 de setembro. Mas ainda não entendeu que lideranças abstratas não significam muita coisa. É preciso se libertar das amarras partidárias, das articulações em Brasília, e focar na arena rede. Hoje a terceira via é fatalmente composta por retardatários com dificuldades em alcançar os reais protagonistas do processo.
Desde que a internet se consolidou como o principal meio de debate político, os que não perceberam a mudança e se focam em cartas de protesto divulgadas pela imprensa e entrevistas metódicas, com palavras bonitas bem colocadas, estão sendo excluídos do processo a olhos vistos. Internet é “tiro, porrada e bomba”, mas há ciência por trás, e o mapa a mina são os dados. Lula e Bolsonaro sabem disso, por isso avançaram um ano à frente dos concorrentes.
*Sérgio Denicoli é pós-doutor em Comunicação pela Universidade do Minho (Portugal) e Westminster University (Inglaterra), e também pela Universidade Federal Fluminense. Autor dos livros “TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias”, e “Digital Communication Policies in the Information Society Promotion Stage”. Foi professor na Universidade do Minho, Universidade Lusófona do Porto e Universidade Federal Fluminense. Atualmente é sócio-diretor da AP Exata, empresa que atua na área de big data e inteligência artificial.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de setembro (35ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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