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Eliane Brum: Biden ameaça sujar as mãos com Bolsonaro
Ao negociar com o extremista de direita que governa o Brasil, o presidente democrata se arrisca a cometer a maior interferência no destino do Brasil desde a ditadura
O apoio decisivo dos Estados Unidos às ditaduras da América Latina na segunda metade do século 20 é conhecido e bem documentado. O que não se esperava é que, justamente neste momento da história, em que os Estados Unidos acabaram de enfrentar o maior e mais traumático ataque à sua própria democracia, Joe Biden possa decidir fortalecer o autoritário Jair Bolsonaro. Os governos de Bolsonaro e de Biden conversam a portas fechadas sobre um bilionário investimento na Amazônia que poderá ser anunciado na Cúpula de Líderes sobre o Clima promovida na próxima semana, em 22 e 23 de abril, pelos Estados Unidos.
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Amplos setores da sociedade brasileira veem na negociação um movimento inaceitável para legitimar Bolsonaro no momento em que ele é tratado pelo mundo democrático como “ameaça global” e amarga uma queda na sua popularidade devido à media de mais de 3 mil mortes diárias por covid-19. Quem conhece Bolsonaro também tem certeza de que, se Biden botar dólares na conta do Governo brasileiro, o presidente e sua quadrilha encontrarão um jeito de abastecer os bolsos dos depredadores da Amazônia, uma importante base eleitoral para catapultar as chances de uma reeleição em 2022.
O impasse não é confortável para o Governo do democrata Joe Biden. Em seu discurso de posse, ele anunciou o combate à emergência climática como uma de suas maiores prioridades. Ainda na campanha eleitoral, já havia anunciado a intenção de investir 20 bilhões de dólares na proteção da Amazônia. Não há possibilidade de controlar o superaquecimento global, bandeira cara à ala mais progressista do Partido Democrata, sem a maior floresta tropical do mundo. Por outro lado, a deliberada inação do Congresso brasileiro, sentado sobre mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro, torna difícil qualquer ação por parte do líder americano: por um lado, a proteção da Amazônia já se tornou emergencial, dada a crescente savanização da floresta; por outro, a premência obriga o Governo americano a negociar com o principal responsável pela aceleração da destruição.
O que fazer, então? Certamente não negociar a portas fechadas com um Governo que, apenas entre agosto de 2019 e julho de 2020, desmatou mais de 11 mil quilômetros quadrados, o equivalente a riscar do mapa uma área de floresta do tamanho de sete cidades de São Paulo. Os índices de desmatamento de março de 2021, o último mês fechado, já são os maiores dos últimos seis anos, com a extinção de 367 quilômetros quadrados de mata. E, também, não negociar com um extremista de direita denunciado por povos indígenas e outros setores da sociedade brasileira e internacional como “genocida”, em comunicações ao Tribunal Penal Internacional. E, ainda, não negociar com um governante apontado por pesquisas internacionais como o pior gestor da pandemia, cujas ações para disseminar o novo coronavírus com o objetivo de atingir imunidade por contágio ameaçam hoje o controle global da covid-19, ao converter o Brasil num criadouro de novas variantes.
O primeiro a propagandear a surpreendente amizade com o Governo de Biden foi justamente o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, um fraudador ambiental condenado. Salles, que anunciou com orgulho num programa de TV que assumiu a pasta sem nunca ter visitado a Amazônia nem saber quem era Chico Mendes, tem entre suas credenciais uma condenação por fraudar documentos e mapas para beneficiar mineradoras quando era secretário do meio ambiente do Estado de São Paulo. Quando a covid-19 atingiu o Brasil, defendeu numa reunião do governo que deveriam aproveitar que a imprensa estava distraída com a pandemia “para passar a boiada”, o que significava afrouxar ainda mais a legislação ambiental sem se arriscar à reação da sociedade. Em sua gestão, o marco legal de proteção, assim como os órgãos de fiscalização, foram enfraquecidos.
Chamado no Brasil e em parte do mundo de antiministro do meio ambiente ou ministro contra o meio ambiente, Salles estava tão afoito para divulgar as negociações com os americanos que deu uma entrevista à jornalista Giovana Girardi, repórter do jornal O Estado de S. Paulo, na casa da sua mãe. Fez questão de alardear que estava pedindo aos americanos 1 bilhão de dólares a cada 12 meses para reduzir o desmatamento da Amazônia em 40%. A trucagem de Salles não agradou aos negociadores americanos, que foram propositalmente expostos, e moveu uma forte reação contrária de amplos setores da sociedade brasileira.
Na semana passada, 199 organizações, de indígenas a cientistas, de ambientalistas a jornalistas, assinaram uma carta na qual afirmam: “O presidente americano precisa escolher entre cumprir seu discurso de posse e dar recursos e prestígio político a Bolsonaro. Impossível ter ambos”. Entre as várias surpresas da negociação entre os governos Biden e Bolsonaro está o fato de que nenhum dos protagonistas da sociedade civil, os que vêm lutando e morrendo pela Amazônia há décadas, foram chamados para participar.
Na segunda-feira, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou um vídeo em inglês direcionado ao presidente estadunidense: “Caro Joe, nós sabemos que a Casa Branca está fazendo um acordo climático secreto com Bolsonaro. Nós, brasileiros, precisamos te alertar: não confie em Bolsonaro. Não deixe esse homem negociar o futuro da Amazônia. Ele declarou guerra contra nós. Contra os povos indígenas. Contra a democracia. Ele está espalhando covid-19, mentiras e ódio”. E finaliza: “É a Amazônia ou Bolsonaro. Não dá para conciliar os dois. De que lado você está?”.
Diante da reação crítica, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, o texano Todd Chapman, se apressou a tentar virar a maré de constrangimento, afirmando, durante uma reunião virtual privada no domingo, da qual participaram políticos, diplomatas e empresários brasileiros convidados, que o Governo Bolsonaro vai precisar “mostrar preocupação ambiental para recuperar a confiança dos americanos e ampliar as relações com a Casa Branca”. Segundo a Folha de S. Paulo, o embaixador estadunidense classificou a cúpula do clima como “uma oportunidade” para o Brasil virar o jogo e resgatar a preocupação ambiental diante dos olhos do mundo. E aí vem a parte mais interessante. O embaixador afirmou que o país vai “se tornar herói” se fizer uma “declaração contundente”, retomando seu papel de protagonista no debate sobre o meio ambiente.
Como o Brasil hoje é governado e representado por Jair Bolsonaro, Chapman, uma escolha de Donald Trump para a embaixada brasileira, está acenando com um Bolsonaro herói da Amazônia. O problema é que nem na cabeça dos roteiristas mais imaginativos da HBO ou da Amazon essa transmutação soaria remotamente verossímil. O que está se desenhando, ao contrário, é mais um enredo no estilo de Al Capone. Bolsonaro e seu fiel lobista Salles desmontam a legislação ambiental e enfraquecem os órgãos de proteção, estimulam grileiros, madeireiros e garimpeiros a invadir as áreas públicas da floresta, deixam a covid-19 se alastrar pelos territórios indígenas e, quando a pressão internacional aperta, fazem um show pirotécnico com Exército e/ou Força Nacional, escanteando mais uma vez os fiscais do Ibama.
Os resultados estão aí para qualquer americano ver. Com a decisiva colaboração de Bolsonaro e de Salles, as pesquisas mais recentes mostram que áreas da floresta amazônica já começam a emitir mais carbono do que absorvem. Se a destruição da floresta que ainda está em pé continuar e se a floresta degradada não for recuperada, isso significa que em breve a Amazônia vai se tornar parte do problema e não mais parte da solução.
Bolsonaro e Salles destroem a Amazônia e atacam os povos da floresta em proporções só vistas na ditadura civil-militar (1964-1965) e depois pedem dinheiro para parar. Há ainda mais uma malandragem na proposta do também chamado “sinistro do meio ambiente”: apenas um terço dos recursos iriam diretamente para a proteção da floresta. Os outros dois terços seriam investidos em “desenvolvimento econômico” da região. Alguém já viu esse modus operandi em algum lugar? Pois é. Não para por aí o comportamento de gângster. Para alguns negociadores experientes, os Estados Unidos podem estar pagando também para que Bolsonaro não destrua qualquer possibilidade de acordo nas próximas cúpulas do clima.
Ricardo Salles, como alfineta um ambientalista, não levanta da cama pela manhã se não for para botar a mão em dinheiro que possa controlar. Esse foi justamente o problema dele com o Fundo Amazônia, que garantia ao Brasil um volume de recursos na casa dos bilhões da Noruega e também da Alemanha e que acabou sendo congelado porque Salles tentava desvirtuá-lo. Salles queria o que ele mesmo definiu como “uma mudança no modelo de gestão de recursos”. Os europeus desviaram da casca de banana.
Pode ser um tanto inusitado negociar com tal personagem. A repórter Marina Dias, da Folha de S. Paulo, conta que num dos slides apresentados por Salles em uma reunião com integrantes da equipe de John Kerry, Enviado Especial para o Clima do Governo Biden, havia a imagem do que os brasileiros chamam popularmente de “TV de Cachorro”: um vira-lata esfomeado olhando os frangos assando e girando numa máquina. As aves de Salles tinham cifrões estampados no corpo. Acima, estava escrito: “Payment Expectation” (expectativa de pagamento). É fácil imaginar quem é o cachorro e quem é o franguinho.
Poderia se cogitar que Biden e sua equipe não tenham aprendido o suficiente sobre como funciona a corja de populistas de extrema direita que corroem a democracia mundial, da qual Bolsonaro, depois da derrota sofrida por Trump, é o exemplo mais vistoso. Mas ninguém é ingênuo o suficiente para acreditar na ingenuidade de negociadores americanos. Nessa mesa há ainda muitas cartas nebulosas: entre elas, o temor da China avançando várias casinhas sobre a Amazônia brasileira e outras partes do planeta, o que já está acontecendo, os impasses em torno da tecnologia 5G e também a pressão das grandes corporações, que querem seguir lucrando sem sofrer boicotes por usar matérias-primas originadas no desmatamento. Nesse jogo, o mais lento voa.
É compreensível, necessário e desejável que Biden queira investir na proteção da Amazônia também pelas mais corretas e louváveis razões. É, porém, inacreditável, inaceitável e abjeto que Biden faça isso dando dinheiro ao maior inimigo da Amazônia e de seus povos. Em sua defesa, negociadores americanos têm dito que Bolsonaro foi eleito democraticamente e que é urgente proteger a Amazônia.
Sim, como Donald Trump, Jair Bolsonaro foi eleito democraticamente. Bolsonaro, porém, assim como Trump, não é um democrata, em nenhum sentido que esse termo possa ter. Bolsonaro e sua quadrilha só permanecem no Governo depois de todas as atrocidades que cometeram porque o Congresso é dominado por um grupo de parlamentares de aluguel chamado de “Centrão”. Também porque a massa de pessoas que clama pelo impeachment não pode ir às ruas porque o país está tomado pela covid-19 e, graças à diligência de Bolsonaro, sem garantia de vacinas em número suficiente.
Os olhinhos ávidos de Bolsonaro sempre brilharam diante de Donald Trump. Junto com o ditador norte-coreano Kim Jong-un, o brasileiro foi um dos governantes do mundo que mais demorou para reconhecer a vitória de Joe Biden sobre seu ídolo do topete laranja. Também justificou a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro, sustentando a mentira trumpista de “fraude” na eleição. Trump, porém, sempre afagou a cabeça do seu garoto, mas jamais cogitou dar o que os americanos chamam de “serious money” ―uma quantia decisiva de dinheiro―ao seu Governo. O investimento na Amazônia pretendido por Biden, nos moldes em que está sendo negociado, poderá significar um apoio ao governo Bolsonaro que nem o próprio sonhou.
Se a urgência de proteger a Amazônia não pode esperar o fim do governo predatório de Bolsonaro, é necessário garantir a participação nas negociações de quem realmente protege a floresta ―contra as agressões de Bolsonaro. Como as lideranças indígenas e as organizações socioambientais, essas que Bolsonaro chama de “câncer”. É também obrigatório condicionar a liberação do dinheiro a ações reais e resultados concretos. Fundamentalmente, nos campos da ética, da decência e dos direitos humanos, pouco populares em negociações internacionais, o desafio de Biden é dar uma resposta coerente à pergunta para lá de espinhosa: é possível negociar com um extremista de direita chamado de “genocida” por grande parte do seu povo, responsável por milhares de mortes evitáveis e pela aceleração do desmatamento da Amazônia?
Se as negociações seguirem na toada atual, Biden poderá sujar as mãos logo na arrancada de sua pretensão a liderar o mundo democrático no enfrentamento da crise climática. E, com a justificativa de proteger a Amazônia, realizar a mais decisiva interferência no destino do Brasil por um governo americano desde a ditadura. A Amazônia, cada vez mais perto do ponto de não retorno, precisa ser protegida pela sociedade global com urgência. Mas não se fará isso dando bilhões de dólares para seu maior predador e sua quadrilha de destruidores ambientais.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de ‘Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro’ (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum
NY Times: Comitê da Câmara dos EUA aprova projeto que pode levar a reparações a negros por escravidão
Proposta, porém, pode emperrar, pois nem Câmara nem Senado se comprometeram a levá-la a voto
Nicholas Fandos, THE NEW YORK TIMES
Um comitê da Câmara dos Representantes votou nesta quarta-feira (14) por recomendar, pela primeira vez, a criação de uma comissão para estudar a possibilidade de oferecer reparações a afro-americanos pela escravidão nos Estados Unidos, além de um “pedido nacional de desculpas” por séculos de discriminação.
A votação antecipada no Comitê Judiciário da Câmara representou um marco histórico para os proponentes de reparações, que lutam há décadas para angariar apoio amplo para a proposta de indenizações pelos efeitos persistentes da escravidão. Parlamentares democratas do comitê aprovaram por 25 a 17 votos a legislação que cria a comissão, passando por cima das objeções de republicanos.
Intitulado HR 40 devido à promessa feita na época da Guerra Civil americana e nunca cumprida de dar “40 acres de terra e uma mula” aos ex-escravos, o projeto de lei ainda não tem grandes chances de virar lei.
Com a oposição de alguns democratas e dos republicanos unificados, que argumentam que os americanos negros não precisam de uma esmola do governo para compensá-los por crimes cometidos no passado distante, nem Câmara nem Senado se comprometeram a levar o projeto de lei a voto.
Mas no momento em que o país volta a encarar o racismo sistêmico exposto pela pandemia de coronavírus e pelas mortes de George Floyd e outros homens negros pela polícia, a medida está recebendo o apoio dos democratas mais poderosos do país, incluindo o presidente Joe Biden, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e o senador Chuck Schumer, líder da maioria democrata na Casa. Pesquisas indicam que o apoio público à proposta também vem crescendo, embora ainda esteja longe de ser amplo.
“Estamos pedindo às pessoas que entendam a dor, a violência, a brutalidade do que sofremos, o modo como fomos tratados como propriedade privada”, disse a deputada democrata Sheila Jackson Lee, do Texas, durante debate do comitê na noite desta quarta. “E, é claro, estamos pedindo harmonia, reconciliação, razões para nos unirmos como americanos.”
O interesse renovado por reparações ocorre enquanto Biden tem posicionado a questão da correção das desigualdades raciais no centro de sua agenda política doméstica, propondo bilhões de dólares de investimentos em agricultores, empresários, bairros, estudantes e pobres afro-americanos. A Casa Branca disse que a agenda de empregos de Biden de US$ 4 trilhões (R$ 22,5 trilhões) tem por objetivo em parte “combater o racismo sistêmico e reconstruir nossa economia e nossa rede de segurança social de modo a possibilitar que todos na América alcancem seu potencial pleno”.
A questão das reparações a antigos escravos e seus descendentes é uma que divide e aflige políticos há gerações, envolvendo questões mais amplas sobre o legado do racismo na América e a negação branca dos efeitos deletérios da economia escravista. Ela também encerra problemas práticos espinhosos, tais como quem deveria se beneficiar, que forma as reparações poderiam assumir e como seriam financiadas.
O general do Exército da União William Tecumseh Sherman fez a primeira tentativa ampla de oferecer reparações em 1865, com uma ordem especial dada no campo de batalha de confiscar 400 mil acres de terras costeiras e doá-la em lotes a antigos escravos. Mas após a morte do presidente Abraham Lincoln, mais tarde nesse ano, seu sucessor, Andrew Jackson, prontamente rescindiu a medida. Nenhum plano subsequente jamais chegou perto de colocá-la em prática.
Parlamentares negros no Congresso começaram a trazer a questão à tona outra vez três décadas atrás, quando primeiro propuseram uma comissão para analisá-la.
O projeto de lei submetido ao Comitê Judiciário nesta quarta propõe a criação de um órgão para estudar os efeitos da escravidão e das décadas de discriminação econômica e social que se seguiram a ela, frequentemente com envolvimento do governo, e sugerir maneiras possíveis de corrigir o abismo de riqueza e oportunidade entre americanos negros e brancos. Também propõe a possibilidade de um “pedido nacional de desculpas” pelo mal causado pela escravidão.
Os proponentes de reparações por parte do governo federal divergem quanto à forma precisa que estas poderiam assumir. Alguns defendem pagamentos diretos de valores diferentes em dinheiro. Outros propõem que o ensino universitário seja gratuito para afro-americanos, e a concessão de empréstimos, sem juros para afro-americanos que querem comprar casa própria.
Evanston, no estado de Illinois, um subúrbio de Chicago, reservou US$ 10 milhões (R$ 56,3 milhões) neste ano para reparações, sob a forma de subsídios habitacionais para afro-americanos que possam comprovar que eles ou seus ancestrais foram vítimas de negação sistemática de bens ou serviços do governo ou setor público ou de discriminação habitacional de outro tipo. Mas qualquer programa nacional seria muito maior, com custos projetados para alcançar bilhões ou trilhões de dólares.
Embora sua administração não use o termo “reparações”, Biden tem abraçado versões de muitas dessas propostas em seus esforços para combater a pandemia de coronavírus e recolocar a economia americana em andamento. Por exemplo, sua lei de estímulo para combater os efeitos do coronavírus, o Plano de Resgate Americano, prevê investimentos de dezenas de bilhões de dólares em programas de assistência alimentar, pagamentos diretos a americanos e ajuda mensal a crianças —programas que se aplicam independentemente da raça dos beneficiados, mas que darão assistência importante a afro-americanos.
O plano também prevê US$ 5 bi (R$ 28,1 bi) em auxílio e alívio de dívida para ajudar agricultores negros para mitigar anos de discriminação nas políticas de crédito agrícola a subsídios a agricultores negros.
“Entendemos que não precisamos de um estudo para adotar ações agora, já, contra o racismo sistêmico”, disse em fevereiro a secretária de imprensa da Casa Branca, Jen Psaki. “Então, enquanto isso, o presidente quer adotar ações dentro do próprio governo.”
As propostas de Biden para os empregos e a infraestutura, que agora estão no topo da pauta do Congresso, preveem ir além, alocando centenas de milhões de dólares para negros, pardos e outras “comunidades carentes” por meio de formação profissional, investimentos em escolas, subsídios a financiamentos imobiliários, crédito a empresas, substituição de tubulações de chumbo e limpeza de resíduos tóxicos.
Uma medida proposta prevê US$ 20 bilhões (R$ 112,5 bilhões) para reconectar bairros, muitos deles historicamente negros, destruídos por rodovias interestaduais; outra prevê a alocação de US$ 20 bilhões para aprimorar as capacidades de pesquisa de faculdades e universidades historicamente negras.
Os republicanos rejeitaram muitos dos programas, tachando-os de desnecessários, impopulares ou caros demais, e parecem estar se mobilizando para fazer oposição direta a eles no Congresso, a não ser que os democratas concordem em reduzi-los substancialmente.
Mesmo que os programas sejam promulgados em lei, acadêmicos que se destacaram na discussão sobre reparações insistem que os planos de Biden não constituem um substituto para reparações. William Darity, da Universidade Duke, professor de políticas públicas e autor de um livro sobre reparações, disse que propostas como as de Biden não enfrentam o problema diretamente.
“Se estamos falando das consequências plenas sobre a riqueza afro-americana, sobre a destruição de empresas ou bairros inteiros, sobre a miséria e a perda de terras, estamos falando em cifras que estão muito além do alcance dessas iniciativas programáticas de âmbito relativamente restrito”, falou Darity.
Sua visão de reparações foca em primeiro lugar a redução da disparidade de renda entre afro-americanos e brancos, algo que ele estima que exigiria US$ 10 trilhões (R$ 56,3 trilhões) ou mais em fundos governamentais —um valor enorme que é rejeitado por parlamentares de ambos os partidos.
“A reparação é divisiva. Ela indica que seríamos uma raça infeliz e sem esperança que nunca fez nada senão esperar que brancos viessem nos ajudar —e isso é uma falsidade”, disse durante o debate nesta quarta o deputado republicano Burgess Owens, de Utah, que é descendente de escravos. “É degradante para a geração dos meus pais.”
Owens comparou a ideia de reparações a “uma redistribuição de riqueza ou socialismo” e argumentou que o que os afro-americanos precisam é que o governo saia de seu caminho enquanto eles se esforçam para subir na vida com seu próprio trabalho, como fizeram gerações anteriores.
Alguns democratas compartilham essa visão. Outros hesitam em apoiar um projeto de lei que temem que os republicanos possam usar como arma contra eles, retratando-o como um esforço radical para usar o governo para implementar uma agenda politicamente correta.
Tradução de Clara Allain
Folha de S. Paulo: Mulheres representam 72% dos influenciadores brasileiros, mostra estudo
Eduardo Marini, Folha de S. Paulo
O influenciador médio brasileiro é uma mulher cisgênero (que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu), possui entre 25 e 34 anos de idade, nasceu no estado de São Paulo e publica conteúdo sobre maquiagem e cosméticos.
Segundo levantamento feito pela Squid, empresa especializada em marketing de influência, as mulheres são maioria no ramo: representam 72,2% dos influenciadores cadastrados em sua base de clientes, que hoje conta com mais de 50 mil nomes. Homens correspondem a 24,1% e outros gêneros a 3,3% do total.1 5
Infográfico sobre influenciadores da Squid - Dezembro de 2020
O percentual de influenciadores e influenciadoras trans é muito baixo: 0,1% no caso das mulheres, e 0,05% no caso dos homens. De acordo com Rafael Arty, diretor comercial da Squid, esses números devem-se ao fato de que as ferramentas de autodeclaração são muito recentes, além da falta de visibilidade desses grupos dentro da sociedade, incluindo não-binários e outras identidades de gênero.
Neste estudo, a Squid não comparou aspectos étnico-raciais, como a quantidade de influenciadores brancos e não-brancos, mas uma pesquisa de agosto de 2020 da Black Influence, Sharp, Site Mundo Negro, Squid e YOUPIX constatou algumas desigualdades, como no caso dos criadores de conteúdo pretos, que recebem cachês menores mesmo possuindo base e engajamento similares aos brancos e ainda são menos contratados para ações publicitárias, além dos ataques racistas que recebem constantemente.
Ainda assim, diversidade e empoderamento têm sido alguns dos temas que mais cresceram nos últimos anos, em especial durante a pandemia, de acordo com a Squid. Apesar de o carro chefe dos influenciadores ainda ser ligado à estética (maquiagem, moda e beleza detêm quase 28% deles), os temas e nichos estão se diversificando. Feminismo e literatura negra são dois assuntos que são mais fáceis de encontrar conteúdo atualmente. 1 9
A pesquisa abordou ainda a faixa de seguidores dos influenciadores. Na Squid, 77% dos cadastrados têm até 30 mil seguidores, e menos de 1% possuem mais de 500 mil. Esses dados indicam uma mudança no marketing de influência, segundo Rafael Arty.
“Antes, no que a gente chama de marketing de influência 1.0, costumava-se pegar um influenciador macro, alguém que tivesse um número enorme de seguidores, e colocar como representante de certa marca. Depois, começamos a olhar melhor para as métricas de engajamento, não só as expostas publicamente no perfil. Hoje, muitas empresas já preferem fazer campanhas com vários microinfluenciadores ao mesmo tempo, que mesmo pequenos, conversam bem com seu público e conseguem passar a mensagem da empresa de maneira mais assertiva do que um macro influenciador faria com um público massivo.”, conta o diretor da Squid.
Cida Bento: Tiro no IBGE atinge a população
Esvaziamento do Censo inviabilizas políticas públicas de combate às desigualdades
Finalmente eles resolveram acabar com as desigualdades na sociedade brasileira. Como??? Esvaziando o Censo do IBGE, que traz os dados sobre a população e que permite conhecer as desigualdades, possibilitando a elaboração de políticas públicas. Esse processo conta agora com a cumplicidade do Parlamento.
Se, há alguns anos, um de nossos desafios era como manter o dado cor/raça no Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), para poder entender e interferir na situação da população negra no mundo do trabalho, e se em 2020 muito esforço foi despendido para manter e assegurar o preenchimento do dado cor/raça nos cadastros sobre a Covid-19, mais recentemente a mobilização vem sendo contra o esvaziamento do Censo do IBGE, o que favorecerá o ocultamento de dados sobre a população brasileira, acabando por inviabilizar as políticas públicas de combate às desigualdades.1 8
No Caged, algumas mudanças ocorreram, como destaca Thais Carrança, na BBC Brasil, chamando a atenção para o fato de que, no auge do desemprego, o Brasil enfrenta falhas nas estatísticas do mercado de trabalho que confundem e desorientam. Os dados sobre cor/raça na pandemia igualmente continuam com baixa taxa de preenchimento.
Diante do Censo do IBGE, inúmeras organizações brasileiras têm explicitado publicamente seus posicionamentos contrários a esse esvaziamento, e essa mobilização precisa continuar viva.
A Agência Alma Preta faz um destaque em reportagem de dezembro de 2020, a partir de posicionamento da Assibge, associação nacional que representa os servidores do IBGE, destacando que: “A questão de fundo, nesse caso, é a orientação do governo de não criar políticas públicas e programas para combater a desigualdade no Brasil, sobretudo para a população negra”.PUBLICIDADE
Assim é que o corte de 90% da verba do orçamento federal foi aprovado pelo Congresso em março de 2021, tornando impossível a realização do Censo.
Ou seja, o Congresso Nacional torna-se cúmplice desse ataque às políticas públicas de combate às desigualdades. Temos que reconhecer que a crise sanitária tem tornado visível o imenso desconforto que vinha sendo nutrido por alguns segmentos da sociedade brasileira nas últimas duas décadas, diante da implementação de políticas públicas de combate às desigualdades, particularmente as políticas no campo da equidade racial e de gênero.
Assim, deram um tiro no IBGE, mas atingiram em cheio as populações mais fragilizadas quanto ao exercício de direitos sociais. Dificultaram as condições para o diagnóstico que possibilitam a concepção de políticas públicas e privadas de toda ordem, em particular aquelas que promovem equidade.
Foram as estatísticas de sexo, cor/raça produzidas pelo IBGE que revelaram, por exemplo, que, durante a pandemia, a população negra foi a mais afetada pelo desemprego, a que mais foi a óbito pela Covid-19, a que tem menor percentual de vacinados, a que menos pode cumprir o distanciamento porque é majoritária nos serviços essenciais das cidades.
Ao revelar em âmbito municipal quantos são, onde moram e em que condições vivem brasileiros e brasileiras, o Censo é fundamental para subsidiar as mais diversas políticas públicas do país. As informações sobre a população definem o repasse de verbas entre esferas governamentais, por meio dos fundos de participação dos estados e municípios e dos fundos que destinam recursos à educação e à saúde.
Vale salientar que, no cenário da atual crise sanitária, o Censo pode oferecer informações valiosas para contribuir na estratégia de vacinação dos municípios e nas políticas de assistência social para atender à população mais vulnerável. E isso agora é inadiável.
*Cida Bento é diretora-executiva do CEERT (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades), é doutora em psicologia pela USP.
Bruno Boghossian: Guedes perdeu a chave do cofre
Ministro acumulou adversários e aprofundou processo de esvaziamento político
Paulo Guedes nunca foi conhecido pela habilidade política. Antes de tomar posse, o ministro despertou a má vontade dos parlamentares ao sugerir que daria "uma prensa" no Congresso para aprovar suas propostas. Já no cargo, ampliou esses atritos e passou a sofrer oposição de outros integrantes do próprio governo. Agora, ele também parece ter perdido a chave do cofre.
A disputa pelo controle do Orçamento é o capítulo mais recente do processo de esvaziamento político de Guedes. Na competição por recursos e emendas, o ministro acumulou adversários dentro e fora do governo. Até aqui, a maior parte desses rivais obteve mais sucesso do que o chefe da equipe econômica.
Dependente do Congresso, o governo fez concessões aos parlamentares na distribuição da verba deste ano. Mas tudo indica que Guedes prometeu mais do que estava disposto a cumprir. O ministro abriu mão do controle de uma fatia adicional de R$ 16,5 bilhões no Orçamento, mas os deputados e senadores aumentaram esse valor para R$ 26,5 bilhões.
Emparedado, o ministro fez uma cobrança ao Congresso. Os parlamentares aceitaram recuar para os R$ 16,5 bilhões originais, mas Guedes pediu mais, sob o argumento de que o valor não cabia nas contas. Ninguém engoliu a manobra. O presidente da Câmara afirmou que o ministro "se excedeu no seu acordo".
Além de ter criado um impasse com o Legislativo, Guedes também foi obrigado a assistir ao fortalecimento de um de seus principais desafetos. Em dobradinha com o Congresso, o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) triplicou a previsão de despesas de sua pasta. O chefe da equipe econômica quer cortar parte desse ganho.
Agora, Guedes precisa convencer Jair Bolsonaro a vetar os aumentos. Ainda que consiga, o chefe da equipe econômica sai desgastado dessa novela. Depois de contratar brigas com o presidente da Câmara, o presidente do Senado, caciques do Congresso e outros ministros, ele já deve ter percebido que está em minoria.
Ricardo Noblat: Bolsonaro está no limite de suas forças
O presidente dá sinais de esgotamento
Bolsonaro disse que não nasceu para ser presidente da República. Ninguém nasce. Presidência da República é destino. Até levar a facada em Juiz de Fora, ele ainda duvidava que se elegesse. Na noite da sua vitória, depois dos discursos de praxe, da confraternização com assessores e coisa e tal, na presença apenas dos filhos e de um amigo, ele chorou copiosamente.
Seu projeto inicial, uma vez cansado de quase 30 anos como deputado federal, era concorrer à presidência para alavancar a carreira política dos três filhos zero – Flávio, então deputado estadual no Rio, Carlos, vereador e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Derrotado, iria curtir a vida com sua mulher, Michelle, e a filha. Não lhe faltaria dinheiro para isso.
Dois anos e pouco depois e em meio a uma pandemia que não soube combater, ou que apostou que passaria se morressem os que tivessem de morrer, está à beira da exaustão e não esconde os sinais disso. Era evidente o prazer que sentia nos encontros diários com grupos de devotos à saída do Palácio da Alvorada para ir trabalhar e à chegada. Nos últimos dias, não disfarça sua irritação.
Reclamou de perguntas que lhe fizeram. Reclamou de uma mulher que interrompeu a sua fala e de outra que lhe pediu uma foto. Reclamou de um homem que quis saber o que ele poderia fazer para tirar seu Estado, o Rio de Janeiro, da pobreza. Ontem, sem que ninguém o tivesse provocado para isso, renovou as ameaças que costuma fazer com as mesmas palavras de sempre.
“O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência, eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria e o desemprego estão aí”, afirmou. “Tem um barril de pólvora aí e tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar. Acho que em breve teremos um problema sério no Brasil.” E voltou a se queixar do Supremo Tribunal Federal.
Quem parece estar no limite é ele. Embora não admita, e jamais admitirá, é suficientemente inteligente para ver que seu governo é um fracasso, e que seu poder de mando só diminui. Montou um comitê para cuidar da pandemia, mas hoje é o ministro Ricardo Lewandowski quem dá as cartas como relator das ações sobre a crise sanitária que dão entrada no Supremo.
O ministro Luís Roberto Barroso empurrou por sua goela abaixo a CPI da Covid. Bolsonaro ainda luta para não digeri-la, mas pouco tem a fazer, salvo abrir os cofres para a compra futura de votos que se disponham a socorrê-lo. Os bolsonaristas radicais, esses continuam sob o jugo do ministro Alexandre de Moraes, presidente do inquérito que investiga seu mau comportamento.
O país segue sem Orçamento, o ministro Paulo Guedes, da Economia, capenga sob fogo amigo, e o Centrão não abre mão dos bilhões de reais reservados para o pagamento de emendas parlamentares e construção de obras em redutos eleitorais de deputados e senadores. O que Bolsonaro pode fazer? Pedalar a Lei de Responsabilidade Fiscal? Arriscar-se a ser pedalado?
Algo como um terço dos brasileiros eleitores ainda se dizem fiéis a ele, mas segundo a mais recente pesquisa do Poder Data, se o segundo turno da próxima eleição presidencial fosse agora, Lula derrotaria Bolsonaro por 52% dos votos a 34%, e ele também perderia para Luciano Huck por 48% a 35%. Contra João Doria, Ciro Gomes e Sérgio Moro, empataria.
O Supremo, logo mais à tarde, julgará ações que definirão o futuro de Lula. É certo que confirmará a suspensão de suas condenações, o que lhe assegura o direito de candidatar-se no ano que vem. É provável, apenas provável, que mantenha a decisão da Segunda Turma que considerou Moro suspeito na condução dos processos que envolveram o ex-presidente. A conferir.
A certa altura do ano passado, Bolsonaro torcia em silêncio para enfrentar Lula em 2022. Nos seus cálculos, seria reeleito com a ajuda do antipetismo. O agravamento da pandemia e da crise econômica obrigou Bolsonaro a refazer os cálculos. Lula é seu mais poderoso adversário. O antipetismo perdeu fôlego. E o centro está fragmentado, o que facilitará a vida de Lula.
Um prato cheio para empurrar o governo contra as cordas
Chovem contribuições à CPI da Covid
Salivam os senadores dispostos a acuar o governo tão logo a CPI da Covid seja instalada. De todos os lados, voluntariamente ou não, lhes chegam contribuições preciosas.
Procuradores da República do Amazonas apontam a omissão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello na escalada da pandemia naquele Estado, e se preparam para processá-lo.
Segundo eles, no final de dezembro último, Pazuello foi informado da gravidade da situação, e nada fez, salvo recomendar o tratamento precoce da doença.
O ministro Benjamin Zymler, relator no Tribunal de Contas da União do processo sobre a conduta do Ministério da Saúde durante a pandemia, se diz convencido de que ocorreram muitos erros.
Do mesmo tribunal, o ministro Bruno Dantas admitiu que há provas para “impor condenações severas” a Pazuello. Ainda não foram porque ministros governistas pediram vista do processo.
Dos 11 titulares da CPI, seis são de partidos da oposição ou que se dizem independentes. Os independentes serão alvo de assédio financeiro por parte do governo.
Mesmo assim, quanto mais mortes colecione o vírus por falta de vacinas, mais se agravará o estado do governo. O loteamento de cargos seguirá a pleno vapor.
O Estado de S. Paulo: STF derruba condenações de Lula e torna o petista elegível
Em julgamento fatiado, ministros analisam se a 13ª Vara Federal de Curitiba tinha competência para julgar petista. Placar provisório é de 8 a 2 a favor de decisão que anulou condenações de Lula e tornou o ex-presidente apto a disputar eleições de 2022
Rafael Moraes Moura e Paulo Roberto Netto
Por 8 a 3, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (15) derrubar as condenações impostas pela Operação Lava Jato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o que deixa o petista elegível e apto a disputar as próximas eleições presidenciais. Na prática, o plenário manteve a decisão do ministro Edson Fachin, que considerou que a Justiça Federal de Curitiba não era competente para investigar Lula, já que as acusações levantadas contra o ex-presidente não diziam respeito diretamente a um esquema bilionário de desvio de recursos na Petrobrás. Ainda está em aberto se as quatro ações penais que miram Lula (do triplex do Guarujá, do sitio de Atibaia e duas que miram o Instituto Lula) vão ser encaminhadas para a Justiça Federal do DF ou de São Paulo.
Apenas o presidente do STF, Luiz Fux, o decano do Supremo, Marco Aurélio Mello, e o ministro Kassio Nunes Marques se posicionaram a favor do recurso da Procuradoria-Geral da República (PGR) para manter válidas as decisões tomadas pela Justiça Federal de Curitiba contra o ex-presidente da República. Pelo voto dos três, Lula ficaria inelegível e impossibilitado de concorrer ao Palácio do Planalto em 2022.
No entanto, prevaleceu o entendimento de Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso e Cármen Lúcia, que votaram a favor da decisão do relator da Lava Jato, que beneficiou Lula e o tornou elegível. Em um momento histórico, Barroso não votou por videoconferência, do seu gabinete ou residência. O ministro utilizou o celular para dar o voto, enquanto acompanhava a sua mulher, em um hospital.
O julgamento será retomado na próxima quinta-feira (22), quando o plenário vai analisar um outro ponto delicado: se a suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro vai ser arquivada ou não. Pelo raciocínio de Fachin, se a condenação que Moro impôs a Lula na ação do triplex do Guarujá não existe mais, não faz mais sentido discutir a atuação do ex-juiz federal no caso. Mesmo assim, a Segunda Turma decidiu, no mês passado, por 3 a 2, declarar Moro parcial no caso. Agora, a palavra final será do plenário, que deve se dividir sobre o tema.
A suspeição de Moro é uma questão-chave pro futuro da Lava Jato e de Lula, porque os ministros vão decidir se as provas coletadas pelo ex-juiz poderão ser reaproveitadas ou não pelo futuro juiz que assumir os casos do ex-presidente. Um dos temores de investigadores é a de que haja um efeito cascata, contaminando outros processos da Lava Jato nos quais Moro atuou.
“O Ministério Público acabou colocando em todas as denúncias o nome da Petrobrás e pedia a prevenção da 13ª Vara Federal de Curitiba, exatamente como no caso em questão. Em nenhuma das denúncias, seja no sítio Atibaia, seja no triplex do Guarujá, seja no Instituto Lula, em nenhuma delas, nem o Ministério Público nem o juiz Sérgio Moro, quando condenou, em nenhuma delas apontou que o dinheiro veio da OAS, ou da Odebrecht, ou de alguém, ou contrato da Petrobrás. Não”, disse Moraes.
“O que não significa que os fatos ocorreram ou não, mas cada fato deve ser analisado dentro das suas características”, acrescentou o ministro.
O julgamento sobre Lula foi retomado nesta quinta-feira, após os ministros decidirem ontem que o caso deve ser examinado pelo plenário, e não pela Segunda Turma, como pretendia a defesa do petista.
Os ministros decidem agora se mantêm ou se derrubam, na íntegra ou parcialmente, todos os pontos levantados na decisão que o relator da Lava Jato no STF proferiu há cerca de um mês: a anulação das condenações de Lula no âmbito da operação; o envio dos processos – triplex do Guarujá, sítio de Atibaia, terreno do Instituto Lula e doações da Odebrecht ao mesmo instituto – à Justiça Federal do DF; e o arquivamento da suspeição do ex-juiz federal Sérgio Moro.
“Do enredo narrado, extraio uma ligação muito distante entre as condutas imputadas e sua repercussão sobre o patrimônio da Petrobrás, insuficiente paras atrair a incidência das regras de conexão. Não há margem para a reforma da decisão do eminente relator”, observou Rosa Weber.
Em seu voto, Kassio afirmou que a competência da 13ª Vara Federal de Curitiba se dá por conexão, ou seja, os atos narrados pela Lava Jato que teriam sido praticados por Lula seriam conexos aos desvios da Petrobrás. O ministro também afirmou que os processos não poderiam ser anulados.
“Verifica-se que os fatos versados nas ações penais descritas estão, de fato, associados diretamente ao esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro investigado no contexto da Operação Lava Jato cuja lesividade veio em detrimento exclusivamente da Petrobras. E assim sendo, a competência, a meu sentir é da 13ª Vara Federal”, disse Nunes Marques.
“Ocorre no caso tanto a conexão subjetiva como o motivo para a conexão das ações. Foi uma investigação dos primeiros crimes que coletou provas que levaram ao conhecimento da segunda onda de crimes”, acrescentou.
Mais cedo, o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, votou para negar um recurso da PGR e manter a decisão que anulou as condenações impostas pela Operação Lava Jato ao ex-presidente Lula. Na prática, a decisão do ministro tornou Lula elegível e o habilitou a disputar as próximas eleições presidenciais.
Neste momento, os ministros analisam o recurso da PGR contra a anulação das condenações de Lula e a transferência dos casos de Curitiba para a Justiça Federal do DF. “A competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba foi sendo entalhada à medida em que novas circunstâncias fáticas foram trazidas ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal que, em precedentes firmados pelo Tribunal Pleno ou pela Segunda Turma, sem embargo dos posicionamentos divergentes, culminou em afirmá-la apenas em relação aos crimes praticados direta e exclusivamente em detrimento apenas da Petrobras S/A”, observou Fachin, ao elencar uma série de decisões anteriores do Supremo em que foi delimitada a atuação da Justiça Federal de Curitiba na Lava Jato.
O ministro destacou que, em setembro de 2015, o plenário do STF firmou o entendimento de que “nenhum órgão jurisdicional pode-se arvorar de juízo universal de todo e qualquer crime relacionado a desvio de verbas para fins político-partidários, à revelia das regras de competência”.
Segundo Fachin, as acusações levantadas contra Lula apontam a existência de um grupo criminoso em cargos estratégicos na estrutura do governo federal, não sendo restrita à Petrobrás, mas abrange, incluindo “extensa gama de órgãos públicos em que era possível o alcance dos objetivos políticos e financeiros espúrios”. Em casos que envolviam discussão semelhante, o STF acabou decidindo que Curitiba não era competente para investigar os acusados.
“Para decidir situações semelhantes, de forma semelhante, independentemente da capa ou do nome dos autos, é forçoso reconhecer que o caso não se amolda ao que se tem decidido majoritariamente no âmbito do plenário da Segunda Turma e ao que veio sendo decidido em 2015 a despeito de diversos votos divergentes que proferi”, frisou.https://www.youtube.com/embed/uMwRtZv92hE?feature=oembed&enablejsapi=1&origin=https%3A%2F%2Fpolitica.estadao.com.br
A análise do caso pelo teve início na última quarta, 14, após o plenário da Corte referendar a decisão do ministro Luís Roberto Barroso que determinou a instalação da CPI da Covid-19 no Senado.
Os ministro estão examinando pontualmente cada questão levantada por Fachin. O primeiro ponto, discutido ainda na sessão de ontem, foi um recurso apresentado pela defesa de Lula que contestava o envio da decisão do relator da Lava Jato no STF para referendo dos 11 integrantes da Corte, ao invés da Segunda Turma.
A manutenção do julgamento no Plenário do STF
Em uma análise de uma questão preliminar, por 9 a 2, o STF decidiu que caberá aos 11 ministros do plenário analisar se mantém cada um dos pontos da decisão do ministro Edson Fachin que anulou as condenações de Lula. Os ministros discutiram se caberia à Segunda Turma julgar o caso, como queria a defesa do ex-presidente, ou o plenário, como se posicionou Fachin. Ao fim, o relator da Lava Jato venceu a primeira disputa.
“Por que justamente no caso do ex-presidente? Será que o processo tem nome e não capa. A última vez em que se fez, isso custou ao ex-presidente 580 dias de prisão, e causou a impossibilidade de se candidatar a presidente a República”, criticou Ricardo Lewandowski, ao defender a análise do caso pela Segunda Turma.
Marco Aurélio também indicou que não concordaria com o envio do caso ao plenário. “O ex-presidente tem prerrogativa de só ser julgado pelo plenário?”, questionou o decano do STF.
Além de Fachin, o presidente do STF, Luiz Fux, Nunes Marques, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Alexandre de Moraes votaram pela análise do caso no plenário, formando a maioria pela manutenção do caso no plenário.
“Não existem três Supremos, existe um, que por questões, ao longo do tempo, de excesso de trabalho, foi dividido, formando as suas turmas, a partir disso. Não consigo enxergar afirmação de que o julgamento pelo plenário do Supremo significa desrespeito ao juízo natural. Não encontro na Constituição Federal a expressão ‘turmas do Supremo Tribunal Federal”, encontro ‘STF’. Não posso acreditar que qualquer seja o paciente, pode achar que vai ser prejudicado porque o julgamento será feito no plenário da Suprema Corte”, observou Moraes.
Entenda os recursos contra a decisão de Fachin
Tanto a Procuradoria-Geral da República como a defesa de Lula apresentaram recursos contra o entendimento de Fachin. A estratégia do ministro com a decisão era tentar reduzir danos, tirar o foco de Moro e evitar a implosão da Lava Jato.
Segundo o Estadão/Broadcast apurou, Fachin deve rejeitar os recursos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e da defesa de Lula contra a sua polêmica decisão, assinada no mês passado.
No recurso ao Supremo, a PGR fez uma fez uma série de pedidos, trabalhando do ‘melhor’ par o ‘pior’ cenário. A solicitação principal é para que os casos de Lula permaneçam em Curitiba, ou seja, que as condenações contra o ex-presidente sejam mantidas. Caso o Supremo não atenda esse ponto, a PGR pediu que o tribunal confirme a validade de todos os atos já tomados nas ações contra Lula, inclusive os tomados pelo ex-juiz Sérgio Moro, ou ainda para que as investigações sejam enviadas à Justiça Federal de São Paulo, e não para Brasília, como determinou Fachin.
Por outro lado, a defesa de Lula alega que a competência analisar os processos do petista é da Segunda Turma da corte, e não do Plenário. A defesa do ex-presidente chegou a pedir que o grupo presidido pelo ministro Gilmar Mendes reafirmasse tal competência para evitar ‘alterações abruptas do órgão julgador após já iniciado o julgamento’. Além disso, os advogados do ex-presidente questionam a parte da decisão de Fachin que declarou a extinção de uma série de recursos da defesa, entre eles o que pedia a suspeição de Moro.
A decisão do Supremo sobre o caso pode resultar em um impacto – maior ou maior – nos processos contra Lula. Além disso, vai determinar os caminhos para a tramitação das ações envolvendo o petista e consequentemente as estratégias da Procuradoria e da defesa. Enquanto a cúpula da PGR vê espaço para que a suspeição de Moro no caso triplex seja revista no Plenário do Supremo, a defesa de Lula já pediu a extensão da decisão para os outros dois casos contra o petista em que o ex-juiz da Lava Jato atuou, o do sitio de Atibaia e do terreno do Instituto Lula.
William Waack: Mentalidade do cercadinho
Mesmo as ameaças do presidente estão perdendo credibilidade
Por ser o STF uma instância política, preocupada com política, e tomando decisões políticas, não é surpresa que esteja dando aulas de política para Jair Bolsonaro, aquele que assumiu recusando-se a fazer política. O próprio Bolsonaro acha que não, que está fazendo política, atividade que ele confunde com esbravejar declarações desconexas para grupelhos de apoiadores, proferir bobagens em lives e postar falsidades em redes sociais, além de vociferar ao telefone com senadores.
Algumas decisões do STF são para lá de exóticas (para se usar linguagem diplomática) e geram enorme insegurança jurídica, mas o ponto principal é que o conjunto da Suprema Corte tem um entendimento mais apurado do que Bolsonaro do que é o jogo institucional, o papel dos seus atores, seus limites políticos e legais. É esse jogo que o voluntarioso Jair disse que ia liquidar no gogó. Não conseguiu, e está perdendo de lavada do STF, mas não só.
Alguns feitos políticos de Bolsonaro são notáveis – pela ironia dos fatos. Ao seguir adiante com um Orçamento inexequível, mas que negociara com o Congresso, pois precisa gastar para se reeleger, acabou permitindo que os profissionais do Centrão carimbassem na testa do ministro que já foi estrela, Paulo Guedes, a expressão “fura-teto”. Outra ex-estrela, Sérgio Moro, o paladino da luta anticorrupção, Bolsonaro já tinha empurrado para uma espécie de vala comum de malfeitores (sob aplausos de ministros do STF, no único elogio que destinam a Bolsonaro).
Há dúvidas se Bolsonaro se deu conta do “golpe” que o Centrão lhe aplicou na esteira dessa ainda não resolvida confusão do Orçamento. O Centrão se recusou a votar uma PEC que, para acomodar interesses, declararia algumas despesas como fora dos limites hoje vigentes. O Centrão declarou que não aprova medidas “fura-teto”. Mas o motivo principal para a recusa é outro, e se constitui em mais uma aula de política: o Centrão não quer abrir mão de suas prerrogativas de determinar alocação de recursos via Orçamento, um clássico instrumento de poder que o presidente cedeu.
A dor de cabeça de uma CPI no Senado é real, porém pequena se comparada à dor de cabeça de uma economia que teima em não deslanchar. O problema para o governo é que não adianta dizer, como Guedes insiste, que o “Brasil estava decolando” e a economia “se recuperava em V” quando ocorreu uma segunda onda do vírus. Os fatos na cabeça das pessoas são preços em subida, inflação voltando, desemprego persistente, e economia andando devagar.
Nem todos os acontecimentos da economia são negativos para os planos do governo e o País, conforme atesta o sucesso dos leilões de concessão de portos, ferrovias e aeroportos. Porém, a inequívoca aposta de investidores na obtenção de bons retornos via concessões é coisa de longo prazo, e as questões emergenciais de pandemia e economia são no curtíssimo – as consequências políticas idem. A confiança de varejo, indústria e setor financeiro está sendo demolida pelo cenário político de instabilidade e imprevisibilidade.
Dedicado dia e noite a acelerar e piorar o que sozinha já seria uma tempestade perfeita, Jair Bolsonaro está perdendo a credibilidade até quando faz ameaças do tipo “aguardo sinal do povo para tomar providências”. O PT foi apeado do poder quando achava que era dono das ruas, mas não era. Vivendo na bolha peculiar de sites, portais e redes sociais amigas, Bolsonaro confunde esse tipo de espuma em meios digitais com “povo”.
A expressão “mentalidade do bunker” se consagrou para descrever o governante que perde a noção da realidade, pois vive distante dela. No caso de Bolsonaro, deveria ser trocada por “mentalidade do cercadinho”. Fica do mesmo jeito em um outro universo, paralelo.
Malu Gaspar: Povo, Bolsonaro? Que povo?
‘O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria, o desemprego estão aí, pô. Só não vê quem não quer’, afirmou o presidente Jair Bolsonaro, na manhã da quarta-feira, à sua claque de plantão na porta do Palácio da Alvorada. “Esse pessoal, amigos do Supremo Tribunal Federal… Daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui”, continuou. “Parece que é um barril de pólvora que está aí. E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar.”
Tudo o que Bolsonaro disse ali, ele já falou com outras palavras, em outras ocasiões. O golpismo continua, mas há algo diferente. O tom beligerante de um ano atrás deu lugar à desorientação e ao cansaço, e até o apelo ao povo sai sem muita convicção.
Embora o discurso para as redes bolsonaristas ainda seja triunfante e desafiador, o presidente no fundo sabe que não há nada de tão explosivo para acontecer, afora a tragédia sanitária da Covid-19, que já fez mais de 360 mil vítimas fatais. O capitão percebe, também, que seu “povo” não lhe dará nenhuma mostra de apoio mais enfática do que as já prestadas em manifestações de rua e buzinaços.
Não que elas tenham sido desprezíveis. O “mito” não deixou de ter seu público cativo. Até agora, porém, esse contingente não foi capaz de evitar a crise em que Bolsonaro se afundou.
O que o presidente da República mais precisa agora é de uma solução para o impasse em torno do Orçamento para 2021, que veio do Congresso com previsão de gastos acima do teto legal permitido, a maior parte com emendas parlamentares. Se não cortar despesas, Bolsonaro corre o risco de ser processado por crime de responsabilidade e de sofrer impeachment. Mas, se cortá-las, entra em colisão com o Congresso, que acaba de abrir uma CPI para apurar responsabilidades pelos erros na condução do governo na pandemia.
Na guerra feroz dos bastidores, líderes do Parlamento e ministros palacianos não aceitam cortes além de certo limite, considerado o mínimo necessário para deputados e senadores gastarem no “Orçamento da reeleição”. A equipe econômica defende os cortes, mas tem em Paulo Guedes um chefe politicamente cambaleante, que sofre ataques e humilhações de todos os lados, mas justifica o apego ao cargo com variações do “ruim comigo, pior sem mim”.
Embora já tenha enfrentado outras crises, Guedes nunca pareceu tão vulnerável. E não só aos olhos dos colegas de Esplanada, mas também aos dos operadores do mercado, que já especulam quem pode vir a substituí-lo. Isso diz muito não só sobre o ministro, mas também sobre o próprio presidente. Se Bolsonaro manteve o “posto Ipiranga” até hoje, foi por acreditar que abrir mão dele seria admitir uma derrota política de que talvez não pudesse se recuperar. Ele sabe que o Centrão está à espreita, esperando a vaga abrir para ocupá-la.
Nesse contexto, a fala de Fernando Collor de Mello contra a CPI da Covid, na sessão do Senado que a instalou, na última terça-feira, ganha contornos especialmente simbólicos. “Temos que ter consciência do momento que vivemos. Falo isso como alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional”, disse o ex-presidente, afastado depois que uma CPI desnudou as relações espúrias de seu operador, PC Farias, com a elite empresarial da época.
Há muitas diferenças entre a situação de Bolsonaro e a de Collor pré-impeachment, até porque, em 1992, a ameaça à sobrevivência dos brasileiros era “só” a inflação alta. Escândalos de corrupção abalavam o país, mas não havia centenas de milhares de mortes assombrando o Planalto.
Mas há também semelhanças. A primeira é um governo em frangalhos, com os ministros que realmente importam se unindo em torno do presidente por poder e dinheiro. A segunda é uma CPI com maioria de membros da oposição, prestes a dar o bote.
Por fim, há um presidente acuado, que convoca o povo para ir às ruas apoiá-lo usando verde e amarelo. “Vamos mostrar a essa minoria que intranquiliza diariamente o país que já é hora de dar um basta a tudo isso”, disse Collor em agosto de 1992. “A sociedade quer tranquilidade para poder trabalhar.” Em resposta, o povo foi às ruas de preto, e Collor saiu do Planalto pelos fundos semanas depois.
Não há, por ora, sinais de que o destino de Bolsonaro será o mesmo. Mas já está claro que esse povo de quem o presidente espera sinais pouco pode fazer para salvá-lo. A esta altura, o único “povo” que pode tirar o presidente do corner é justamente essa gente que está de paletó e gravata, cercando seu gabinete em Brasília. Resta saber se ela o fará.
Adriana Fernandes: Briga de galos
Bolsonaro, Guedes e Congresso brigam pelo Orçamento, enquanto Brasil padece com a covid
Encontraram a solução para o Orçamento? Essa é a pergunta que mais fazem em Brasília nos dias de hoje, esquecendo que os principais problemas a serem solucionados para o enfrentamento do combate da pandemia (ampliados todos os dias) continuam à espera de resposta.
Governo, equipe econômica e o Congresso se meteram numa guerra de versões e pareceres jurídicos para sustentar, cada um, a sua verdade dos fatos, e não se tem a mínima noção de como vai terminar essa briga de galos em torno da sanção da lei orçamentária.
Mais uma semana de agonia até o prazo final para o presidente Bolsonaro sancionar o Orçamento aprovado em março, já com três meses de atraso.
Nem parece que o País padece com a pandemia e que as mortes continuam em patamar inaceitável, enquanto o governo e o Congresso arrumam confusão na base do quem pode e manda mais na República - provando mais do que nunca que é de bananas.
Estão todos perdidos em discussões eternas de regras fiscais (pode isso, não pode aquilo), desconfianças mútuas, medos de traição mais à frente e ameaças de retaliação nas votações num ambiente conturbado pela CPI da Covid.
Alô!!! Tem uma pandemia aí. As falas em defesa de vacinas e súplicas de parlamentares não adiantam mais a essa altura do caos.
A nova medida que saiu da cartola do governo foi uma PEC para delimitar o alcance dos gastos para a renovação dos programas de emprego, o BEm, o Pronampe (crédito para micro e pequenas empresas) e gastos para o Ministério da Saúde.
Essa PEC não deveria nem estar na mesa de negociação agora. O governo conseguiu aprovar em março uma PEC justamente para permitir que os gastos da calamidade fossem feitos com segurança jurídica. Por que não se resolveu ali todo o enrosco jurídico para as despesas extras da covid-19?
Naquele momento, já se sabia que seria preciso mais dinheiro para a covid-19. Quando a PEC emergencial foi aprovada, o BEm já estava desenhado, como também já havia um acordo com o Congresso para renovar o Pronampe, programa que tem custo para o Tesouro que precisa repassar recursos para um fundo como garantia para os casos de calote dos empréstimos.
Empresários que seguram as demissões já avisaram que vão demitir. E os R$ 44 bilhões aprovados para o auxílio emergencial também não serão suficientes porque ele não comporta nem mesmo aqueles vulneráveis que são elegíveis ao benefício. Até as portas dos ministérios da Esplanada sabem disso.
Pipocam denúncias de que o governo está cortando os beneficiários do auxílio sem explicação. Portanto, esse corte não é sustentável por muito tempo, porque as pessoas vão provar que têm direito ao auxílio. Não dá para fazer vista grossa ao problema. Ele vai estourar.
Mas o temor de o gasto explodir e a tentativa de fazer um “combo” para resolver o impasse do Orçamento via essa PEC levou o Ministério da Economia a preferir não acionar o botão da calamidade. Faltou confiança do time econômico no próprio governo e no Congresso.
Em vez de descomplicar, mais regras aparecem para complicar. A versão da nova PEC, antecipada pelo Estadão, deixava fora do teto de gastos (sempre ele) os programas da covid-19, além de um “jabuti” de mais R$ 18 bilhões para acomodar uma parte das emendas parlamentares do Orçamento.
Foi mal recebida e, aí, mais versões de quem era o culpado pelo jabuti ou “variante que escapou do laboratório”, na fala do ministro Guedes a interlocutores, virou o tema central da discussão nos últimos três dias em Brasília.
Apelidada de fura-teto, a PEC com esse jabuti acabou alimentando outro erro. O dinheiro para os programas da covid-19 não pode ser considerado um fura-teto.
Para chegar ao acordo, alguém precisa ceder. O presidente da Câmara, Arthur Lira, dá sinais que não pretende recuar e mandou a consultoria da Câmara preparar um segundo parecer mostrando que é possível sancionar o Orçamento sem vetos. Ele foi eleito como aquele que cumpre acordos. E precisa das emendas.
No lado oposto do Congresso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, está ouvindo lideranças e dá sinais de que pode aceitar o veto parcial. É preciso restaurar um mínimo de confiança entre as partes para sair dessa encrenca que não ajuda em nada nessa hora tão difícil para o País.
El País: França suspende voos com o Brasil para evitar variante brasileira do coronavírus
Com a medida, que não tem prazo para acabar, país busca impedir a entrada da cepa de Manaus no país. “Notamos que a situação está piorando”, afirmou o primeiro-ministro francês
A França suspenderá “até novo aviso” todos os seus voos com o Brasil devido a preocupações geradas pela variante brasileira da covid-19, anunciou o primeiro-ministro Jean Castex nesta terça-feira. “Notamos que a situação está piorando e, portanto, decidimos suspender todos os voos entre o Brasil e a França até novo aviso”, disse. A medida vale tanto para voos que partem do Brasil como para os que saem do território francês e atende a pedidos de especialistas do país europeu, que alertavam para o perigo da entrada do vírus no país.
A crise de saúde no Brasil não para de se agravar desde fevereiro, especialmente pelo aparecimento da variante de Manaus do vírus, conhecida como P1, considerada mais contagiosa e perigosa. O país tem batido seguidos recordes de mortes diárias e já acumula 354.617 óbitos e 13,5 milhões de casos confirmados desde o início da pandemia. Nesta terça, é possível que um novo recorde de mortes seja registrado, já que houve represamento de informações por parte de Estados nesta segunda.
A nova variante brasileira já se tornou fator de preocupação em outras partes do mundo, como o Canadá, que registra o maior número de casos da P1 fora do Brasil. Na França, ainda que a variante brasileira seja minoritária, os profissionais de saúde vêm alertando há alguns dias para a disseminação da cepa. A oposição chegou a exigir que o Governo interrompesse os voos com o Brasil.
De acordo com informações do jornal Le Monde, na segunda-feira o ministro dos Transportes, Jean-Baptiste Djebbari, afirmou que o Governo havia decidido manter algumas linhas com o Brasil por respeito à liberdade de ir e vir dos franceses. Os viajantes que chegavam ao país vindos do Brasil tinham que apresentar um teste PCR negativo e se isolar por dez dias.
A situação de descontrole da pandemia vivida no Brasil causa preocupação no mundo não apenas pela existência da variante de Manaus. Mas a grande replicação do vírus torna o terreno fértil para o aparecimento de novas variantes cada vez mais contagiosas e, possivelmente, resistentes à vacina —o que a P1 ainda não é.
El País: 'Não estudo nada há um ano. Fico em casa limpando e cozinhando'
Covid-19 arrasou a vida e os sonhos das meninas e jovens de lares pobres. Muitas tiveram que deixar os estudos de lado para se dedicar aos afazeres domésticos. A paulistana Stephany Rejani é uma delas
Felipe Betim, El País
A rotina atual de Stephany Rejani é bem diferente do que era há um ano. Antes da pandemia de covid-19, esta paulistana, de 20 anos e semblante adolescente, conciliava as aulas do ensino médio com os afazeres domésticos. Mas desde que o Governo paulista fechou as escolas públicas ela largou totalmente os estudos para se dedicar exclusivamente ao lar. “Não estudo nada há um ano. Fico em casa o dia todo limpando e cozinhando. Enquanto minha mãe trabalha, cuido do meu irmão, de 12 anos, e do meu filho, de 3”, conta Rejani, moradora do Jardim Lapena, um bairro periférico da Zona Leste de São Paulo. A crise sanitária a empurrou a cumprir um papel que historicamente coube às mulheres: o de dona de casa.
Rejani não está sozinha. Como ela, milhares de meninas e adolescentes pobres das periferias do Brasil foram obrigadas a deixar seus estudos, e seus sonhos, para se dedicarem ao trabalho doméstico durante a pandemia. A ONG Plan International Brasil, que tem programas voltados para os direitos da infância, fez uma pesquisa com 98 garotas que participam de algum de seus projetos. “98% delas estão fazendo algum trabalho doméstico em casa. Antes da pandemia, eram 57%”, diz Nicole Campos, gerente de Estratégia de Programas da entidade.
A Uneafro, um movimento social centrado na educação de jovens negros e das periferias, oferece aulas um cursinho pré-vestibular gratuito, que serve para complementar a formação muitas vezes precária do ensino médio nas escolas públicas. “As mulheres adolescentes são as que mais se interessam e se comprometem com as atividades. Sempre estiveram mais presentes que os homens”, diz Arlene Ramos, coordenadora do Núcleo Digital do grupo.
Esse núcleo nasceu durante a pandemia pela necessidade de manter as aulas à distância. Ramos define a iniciativa como “montar um avião com ele voando”. Mas o grupo não se limitou a dar aulas online de matemática ou química. Ao longo de 2020, observou-se a necessidade de manter sessões de debate por videoconferência como forma de aproximação com os alunos. Durante essas reuniões, foram abordados temas como feminismo e saúde mental. “E o trabalho doméstico se intensificou demais e é um dos principais obstáculos para o acompanhamento das classes e o desempenho acadêmico, sobretudo no caso das meninas. Elas ficam confinadas em casa, e as demandas do lar ficam mais visíveis”, explica Ramos.
Essa realidade ocorre muitas vezes de forma natural, levando-se em conta que as atividades domésticas historicamente nem são consideradas um trabalho. “Quando perguntamos aos nossos alunos quem trabalha e por quantas horas, as pessoas com tarefas no lar respondem que não trabalham. Estão cozinhando, cumprindo as obrigações dos adultos, cuidando dos seus irmãos, mas não entendem isso como um trabalho.”
Se para os alunos das escolas privadas o ensino à distância já é uma realidade, nos centros públicos —frequentados pela imensa maioria destes jovens— sua implantação é muito desigual. “A exclusão digital é uma realidade nos lares mais vulneráveis. Nesses ambientes, os garotos costumam ter mais acesso à Internet que as garotas. Sua socialização e educação dentro das famílias são menos prioritárias”, afirma Campos, da Plan International Brasil. A Unicef (agência da ONU para a infância) calcula, a partir de dados públicos, que 5,5 milhões de meninos e meninas tiveram seu direito à educação negado durante a pandemia no Brasil. Stephany Rejani está entre elas. Antes da covid-19, já enfrentava problemas estruturais, como a falta de professores. “Quando a pandemia começou, a escola não formou grupos de estudo online nem ofereceu uma plataforma com aulas. E ninguém mais queria estudar”, conta. “Na minha casa não temos computador, só dois celulares. É muito difícil fazer as tarefas dessa maneira.”
A maternidade na adolescência é uma realidade nas favelas e periferias brasileiras. Rejani deu à luz aos 17 anos. O pai do seu filho está ausente e lhe paga uma pensão de apenas 250 reais por mês. O pai dela própria também está ausente, e sua mãe trabalha como faxineira numa creche. O que ganha —cerca de 1.100 reais— é insuficiente para pagar a luz, a Internet, a comida e manter a família. Assim, além das atividades domésticas que já devia cumprir e dos seus estudos, ela também se viu obrigada a fazer alguns bicos para complementar a renda mensal. Os estudos então deixaram de ser prioridade.
Soma-se a isso que, na pandemia, o fechamento das escolas representou um golpe para muitas famílias vulneráveis que precisavam deixar seus filhos menores nos centros educacionais para poder trabalhar. Em muitos casos coube às filhas mais velhas cuidar dos seus irmãos. “Limpo a casa e cozinho o básico, como arroz e feijão”, conta Rejani. O resultado de tudo isso é que, aos 20 anos, a jovem não terminou o ensino médio. “Precisamos aprender e desenvolver nossas capacidades, mas fica muito difícil com um ensino médio precário”, argumenta. Tem o desejo de, um dia, entrar na universidade e estudar Pedagogia. “Eu gosto de crianças”, justifica.
Manter a motivação dessas jovens é um dos principais desafios na pandemia. “O desinteresse ou a renúncia às aulas acontece porque é difícil manter uma rotina de estudos dentro de casa. Além do trabalho doméstico, há a falta de apoio familiar. Os pais e mães delas são trabalhadores com um passado educativo muito duro. Muitos vislumbram para seus filhos que trabalhem e tenham suas próprias famílias”, afirma Ramos, da Uneafro. Em 2020, o movimento assinou um acordo com uma universidade privada para que os alunos de psicologia formassem grupos de escuta e amparo a esses jovens que se preparavam para o ENEM e o vestibular. “As garotas se sentem muito ansiosas por terem que manter essa rotina de estudos com toda a carga de trabalho doméstico. Têm que cumprir vários papéis em casa sem que, em muitos casos, seus pais lhes deem amparo familiar”, diz Ramos.
A ONG Plan Internacional, que antes da pandemia mantinha contato com quase 10.000 famílias através de seus projetos presenciais, também mantém seus programas de forma online. “Tratamos de violência infantil, de empoderamento das garotas, falamos de direitos sexuais e reprodutivos”, conta Campos. É uma forma de manter essas jovens motivadas e amparadas. “É preciso lembrar também que a violência sexual e doméstica acontecem dentro de casa. Com a quarentena, aumentaram as denúncias, mas também a depressão e a ansiedade. Ouvimos inclusive relatos de automutilação”, relata.
Stephany Rejani ainda não voltou à escola em 2021. E está certa de que, depois da pandemia, não voltará a fazer atividades “de jovens” na sua comunidade. Num passado recente, teve aulas de futebol, xadrez, percussão e circo, oferecidas por organizações sociais que atuam no Jardim Lapena. “Não acredito que eu tenha a chance de voltar a essas atividades”, diz. “É hora de fazer coisas de adulto, como estudar informática e inglês.”