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Foto: Beto Barata\PR

Bela Megale: 'Gabinete do Ódio' da Presidência será alvo de convocação da CPI da Covid

Funcionários do Palácio do Planalto que integram o chamado “gabinete do ódio” serão alvos de um pedido de convocação da CPI da Covid, instaurada nesta terça-feira no Senado. O PT vai solicitar a convocação dos assessores da presidência da República Tércio Arnaud Tomaz, José Matheus Salles Gomes e Mateus Matos Diniz. O trio bolsonarista é apontado como responsável por ataques a adversários do presidente nas redes sociais.

Uma das frentes articuladas pela oposição mira o uso de redes sociais para disseminar fake news que boicotam medidas sanitárias, como uso de máscara, além de ataques a autoridades que decretaram medidas de isolamento social, como governadores e prefeitos. Para isso, os senadores trabalham em um pedido de compartilhamento de dados da CPMI das fake news com a investigação da Covid.

A ideia é saber se houve dinheiro público e até de privado de apoiadores do presidente na disseminação de ataques e notícias falsas relacionadas à pandemia. A avaliação da oposição é que, ao unir a negligência do governo federal sobre a pandemia e o uso de fake news, Bolsonaro terá que lidar com os temas mais espinhosos de sua gestão.

– Se o presidente da CPI da Covid requisitar algum material, não há problema nenhum. O que for pedido sobre fake news relacionadas às vacinas, Covid-19, estamos dispostos a compartilhar – disse o senador Angelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI das fake news.

Os senadores também pretendem explorar investimentos do governo federal em campanhas como “O Brasil não pode parar”, que pregava contra o isolamento social e acabou proibida pela Justiça, a ações de marketing com influenciadores digitais defendendo o tratamento precoce, ou seja, o uso de remédios sem eficácia para tratar a Covid-19.


Pedro Cafardo: O culto à cloroquina e ao teto sacrossanto

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, Brasil se vê envolto na discussão sobre limites fiscais rígidos demais

Uma frase banal - fazer do limão uma limonada - move quem está pensando na economia da era pós-covid. Ainda que as aflições com o desastre humanitário global em andamento desencorajem esse olhar economicista, muitos países já puseram o tema em discussão e tomam medidas olhando para o futuro imediato.

Quem prestou atenção nos discursos da Cúpula do Clima da semana passada viu o “caminho das pedras” da nova economia. A ideia geral é que o principal mecanismo para criar empregos após a pandemia serão os investimentos na economia verde.

O presidente dos EUA, Joe Biden, está presenteando os americanos com um programa econômico que vai muito além do auxílio emergencial. Já aprovou um pacote de estímulos fiscais de US$ 1,9 trilhão e propõe investimentos de longo prazo de até US$ 3 trilhões. Esta segunda parte é a limonada, porque aproveita a crise para sugerir uma grande transformação estrutural da economia americana, ao mesmo tempo em que promete reduzir as emissões de gases-estufa em 52% até 2030. Pode parecer estranho, mas a infraestrutura americana está velha e precisa ser renovada. Não há no país, por exemplo, ferrovias de alta velocidade, coisa comum na Europa. As novas linhas de trens devem substituir transporte aéreo, altamente poluidor.

Então Biden quer renovar a infraestrutura do país e, ao mesmo tempo, descarbonizar a economia, que é para onde vai a fronteira tecnológica em função do aquecimento global. Além disso, ele promete investir em educação e saúde pública com recursos obtidos pela maior taxação dos ricos americanos.

O plano Biden, pela sua enorme dimensão, provoca controvérsias. As declarações que mais preocuparam foram as do ex-secretário do Tesouro Larry Summers, por ser um economista de centro-esquerda, que teoricamente deveria apoiar o investimento público. Summers acha que o pacote fiscal, grande demais, pode gerar inflação de demanda, alta de juros e recessão.

Com ou sem polêmica, o fato é que os americanos já planejam a economia do pós-covid e pouco se lixam com o aumento dos gastos. Europeus vão pelo mesmo caminho. Na França, o ministro das Finanças, Bruno Le Maire, mandou às favas o neoliberalismo e disse que vai proteger a economia francesa “a qualquer custo”. Prometeu investir para garantir soberania e domínio de tecnologias que “moldam o futuro” do país. Vai proteger as empresas com taxações e novos financiamentos. A ideia é “reinventar o modelo econômico do país” com base na inovação e na indústria livre de carbono.

Enquanto o mundo pensa no pós-pandemia, aqui o governo ainda aposta na cloroquina, provocando gargalhadas no exterior. Promessas, como as feitas na Cúpula do Clima, soam falsas. O comando econômico só pensa em conter gasto público. A discussão da política macroeconômica se limita ao teto de gastos, jabuticaba pouco razoável num momento em que mundo decidiu aplicar recursos para combater a doença e renovar a economia nos novos parâmetros.

Nem no incentivo ao carro elétrico, óbvia tendência mundial, estamos pensando ainda, como mostrou Marli Olmos no Valor de ontem. Não se trata de defender a ideia de que o bom para os EUA ou para a Europa é bom para o Brasil. Trata-se de seguir o rumo da economia mundial ou de ficar sentado na sarjeta, chorando e esperando pelos milagres da cloroquina ou do teto de gastos.

José Luis Oreiro, professor da UNB, que acaba de lançar o livro “Macroeconomia da Estagnação Brasileira” em parceria com Luiz Fernando de Paula, anda enfurecido com o que chama de “fé no teto sacrossanto”, que só existe no Brasil com esse rigor, incluído na Constituição e com poucas regras de saída. “Se preservar o teto, a economia cresce; se violar, não cresce”, esse é o dogma. “Por que?”, pergunta.

Em tempo: na opinião de Oreiro, Summers está equivocado e “Biden deve ficar para a história como o novo Roosevelt”.

Pontes abertas

Mudando de assunto, mas nem tanto, os quadrinhos acima, uma velha metáfora comum nas paredes de barbearias dos anos 1960, representam bem o que vêm fazendo as duas forças políticas progressistas do país há quase três décadas. Nunca saíram do primeiro quadrinho e foi preciso aparecer um radical totalitário para desconfiarem que estão no mesmo lado. Ameaçam agora passar para o segundo quadrinho.

As propostas das duas não são conflitantes. Quando governaram, controlaram inflação, buscaram crescimento, reduziram analfabetismo e mortalidade infantil, tiveram a responsabilidade fiscal possível e melhoraram a distribuição de renda. Seria utopia pensar numa aliança progressista entre elas? As pontes estão abertas. Mas será preciso superar ambições pessoais de poder em ambos os lados e alguém tomar a iniciativa de atravessar as pontes. As propostas podem ser mescladas para salvar um país entregue a quem não faz planejamento econômico, ignora a ciência e o desafio ambiental, descuida da educação e da saúde e promove discórdias.

Se não se unirem, as duas forças serão condenadas pela história. Pode dar com os burros n’água a ideia de deixar a centro-esquerda de fora e formar um bloco puro-centro, que é móvel, infiel e fragmentado, como mostrou pesquisa publicada sexta-feira pelo Valor. Também não há como isolar de um acordo a centro-direita, porque a esquerda não forma maioria. Não seria melhor escantear os extremistas, parar, negociar e decidir se vão comer juntos primeiro as mortadelas da esquerda ou as coxinhas da direita?


Andrea Jubé: 'Quantos poderiam ser salvos?'

Atraso nas vacinas foi deliberado, diz governador de Alagoas

O governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), recorreu a uma metáfora futebolística, tão comum na política, para explicar por que a falta de uma coordenação nacional no combate ao coronavírus contribuiu para o recrudescimento da pandemia no Brasil.

“O Ministério da Saúde é fundamental nesse processo, e em meio à crise, tivemos quatro ministros. Imagina a Seleção Brasileira, às vésperas da Copa do Mundo, trocando de técnico quatro vezes, cada um com um time de diferente, um lateral esquerda, outro de direita. Certamente isso dificulta a organização do time”.

O mandatário é filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que ontem teve a nomeação para o cargo de relator da CPI da pandemia impedida por uma liminar da Justiça Federal do Distrito Federal. Nas redes sociais, o senador classificou a decisão como “interferência indevida”, acusou o governo Jair Bolsonaro de orquestrá-la, anunciou que vai recorrer, e provocou: “Por que tanto medo?”

Para Renan Filho, contar com Renan Calheiros na relatoria da CPI não deveria inspirar medo, mas, sim, confiança pela sua experiência política e disposição para conciliação. “Não se encontra no Senado tanta gente com a capacidade dele, experiente, calmo, sereno. O senador Renan é equilibrado e no papel de relator, só vai ajudar”.

O governador acrescenta que o senador seria incapaz de qualquer injustiça na condução dos trabalhos “porque já foi injustiçado, e sabe o que isso significa”. Uma alusão às denúncias contra o senador no âmbito da Lava-Jato. Renan ainda responde a oito processos no Supremo Tribunal Federal, mas dos 17 originais, nove já foram enviados ao arquivo.

Na última semana, Renan Filho recebeu um telefonema do presidente Jair Bolsonaro, que tem o alagoano como único interlocutor entre os governadores do Nordeste. Na conversa, Bolsonaro reafirmou ao governador que o momento é inoportuno para a CPI.

O governador não discordou do presidente naquele momento, porque seria uma descortesia em pleno telefonema com o chefe do Executivo. Ontem, entretanto, Renan Filho disse à coluna que tem outra opinião: “Quem decide o momento ideal para uma CPI é o Congresso Nacional”.

Renan Filho acredita que Bolsonaro lhe telefonou para fazer “um gesto na direção do diálogo”, já que o senador Renan havia sido indicado para relatar a CPI. O governador lembrou que, em entrevistas recentes, Renan Calheiros disse que, como relator, conversaria com todos, “especialmente com o presidente, se ele desejar”.

Até ontem, havia ambiente para o diálogo, mas a ofensiva judicial da deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada de primeira hora do Palácio do Planalto, e que obteve a liminar barrando Renan, tumultuou o jogo. Se a decisão for revogada, Renan assumirá o posto pintado para a guerra, um figurino que ainda não havia exibido.

No fim de semana, Renan foi ao Twitter declarar-se suspeito em relação a qualquer investigação sobre o governo de Alagoas que surgir na CPI. Uma reação à campanha deflagrada nas redes sociais pelos bolsonaristas, que impulsionaram a hashtag #Renansuspeito, já que o relator da CPI é pai de um governador, e os governadores serão investigados quanto à gestão dos recursos federais para o enfrentamento da pandemia.

Renan Filho diz que não teme essa investigação porque Alagoas tem bom desempenho na pandemia. É o terceiro Estado com menos mortes por grupo de 100 mil habitantes, e não foi investigado pela Polícia Federal.

Para conter a covid-19, ele associou medidas de distanciamento social e de restrição de circulação, à ampliação da rede hospitalar. Relata que acelerou a conclusão de quatro hospitais, ao mesmo tempo em que contou com o apoio da Federação das Indústrias e da Associação Comercial em comerciais para a televisão nas medidas restritivas. Está em vigor o toque de recolher a partir das 21 horas, e dias pontuais para o fechamento dos shoppings. A lotação das UTIs está em 76%.

“Por essas ações a rede não colapsou até agora. É possível construir um discurso integrado, mas houve no Brasil uma intenção de dividir o país”.

Renan Filho invoca o infográfico elaborado na semana passada pelo site “Poder360”, que comparou unidades federativas a países. Nesse comparativo, o Distrito Federal e sete Estados brasileiros estariam entre os 10 países com mais vítimas da covid-19. Amazonas, com 2.903 mortes por milhão, desponta acima da República Tcheca, líder do ranking mundial. Alagoas estaria empatado com a Bahia, em 32º lugar, com 1.186 mortes por um milhão de habitantes.

Renan Filho defende que a CPI faça esse modelo de cálculo. “Quantas vidas teriam sido salvas se as medidas corretas de enfrentamento à pandemia fossem tomadas no momento adequado? Essa história também precisa ser contada”, conclamou.

Ele admite que não será possível um cálculo direto ou objetivo, “mas obviamente dará para demonstrar que algumas regiões têm resultados melhores do que outras, e podemos olhar o que levou a isso, podemos fazer discussão com especialistas”, sugeriu.

Num momento em que o Brasil ainda vivencia um platô de 3 mil mortes diárias, o governador considerou “muito grave” a nova revisão do cronograma de imunização, e vê um atraso intencional na busca de imunizantes.

“Nós nos atrasamos deliberadamente na aquisição de vacinas. Em determinado momento, o Brasil era contra a compra de vacinas, e isso se verbalizou por meio de várias autoridades. E não temos um cronograma de vacinação, ele é alterado a cada semana, quinzena ou mês, e é sempre para postergar, nunca para antecipar”.

Renan Filho lembra que defendeu a urgência de uma coordenação nacional de combate à pandemia, com a integração de esforços entre as três unidades da federação na reunião de governadores, ministros e chefes das Casas Legislativas no Palácio da Alvorada há um mês. “Governo federal e Congresso concordam com essa falta de coordenação, por isso criaram o comitê [nacional de combate à pandemia], mas de lá pra cá, não teve ação nenhuma”.


Eliane Cantanhêde: Na CPI, guerra é guerra

Bolsonaro quer impor roteiro, desqualificar Calheiros e dar Pazuello aos leões, mas os fatos o condenam

Com a instalação da CPI da Covid, começa hoje uma nova fase do governo Jair Bolsonaro, que, além de já estar em campanha eleitoral antecipada para 2022, vai estar muito ocupado em tentar explicar o inexplicável numa tragédia histórica que já levou 390 mil vidas no Brasil. Bolsonaro vai passar a ter oposição real e muita visibilidade negativa.

A CPI é como o coronavírus: desconhecida, altamente contagiosa e potencialmente letal. Se Bolsonaro reagir a ela com o negacionismo com que trata o próprio vírus, ficará em maus lençóis. Mas, se ele é incompetente como presidente, é esperto como candidato e na relação com o Centrão. Suas três prioridades: impor o roteiro da CPI, desqualificar o senador Renan Calheiros como relator e manter controle sobre o general e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello.

Quanto ao roteiro, o Planalto fez 23 perguntas a ministros sobre os erros mais gritantes, mas tem muito mais. Exemplos: por que tratar a pandemia até hoje como “gripezinha”? E por que Bolsonaro jogou no lixo documentos do Exército e da Abin sobre isolamento? Nenhum ministro tem resposta para isso, assim como ninguém sabe que tipo de motivações, ou interesses, estão por trás da posição sobre isolamento, máscaras e vacinas – e sem pôr nada no lugar, além de cloroquina...

Atacar Calheiros é fácil, pelos processos no Supremo e por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho, como acatou ontem a Justiça Federal no DF. Mas Renan pode ser tudo, menos bobo. É experiente, tem liderança e, depois de tanto tempo recolhido, sabe bem o que o esperava e espera ao voltar aos holofotes.

Quanto a Pazuello, ele é um risco para Bolsonaro. Como ministro, já se atrapalhava todo com jornalistas, mentindo, apresentando previsões irreais de vacinas, tirando onda de irritado. Já imaginaram numa CPI com raposas, maioria oposicionista, montanhas de erros e nenhuma defesa?

Até na véspera da CPI, Pazuello e o sucessor, Marcelo Queiroga, continuaram errando. Um ex-ministro da Saúde passeando sem máscara num shopping logo de Manaus? E o atual tentando culpar o Butantan por falta de segundas doses? De Pazuello não se espera muito e o próprio Exército não sabe o que fazer com ele. Mas Queiroga? Está mal informado, ou entrou na dança política?

Ontem, Queiroga jogou para governadores, Butantan e Coronavac a culpa por muitos brasileiros, sabe-se lá quantos, não conseguirem tomar a segunda dose. Se há vacinas, o Brasil deve à Coronavac. E por que não há segunda dose? Porque, em 21 de março, dois dias antes da nomeação de Queiroga, o Ministério da Saúde liberou Estados e municípios a gastarem todo o estoque na primeira. É mais uma irresponsabilidade criminosa, até porque as previsões de doses nunca foram confiáveis. O ministro não sabia?

Foi também o Ministério da Saúde quem confiscou toda a produção nacional do kit intubação, mas, quando os insumos e medicamentos começaram a faltar e o governo de São Paulo mandou nove ofícios pedindo envio urgente de kits, o que Queiroga respondeu? Mandou os “Estados ricos” comprarem seus próprios kits. Comprar onde, se todo o estoque foi requisitado pelo governo federal?

A estratégia do governo é jogar Pazuello aos leões e deixar os demais ministros na fila da jaula, inclusive Paulo Guedes e o ex-chanceler Ernesto Araújo. Todos, porém, só cumpriram ordens. Um manda, os outros obedecem. O presidente Jair Bolsonaro é o grande responsável, cometeu os grandes erros, é o grande alvo. A intensa articulação do Planalto para esvaziar a CPI, atacar Calheiros e usar Pazuello de escudo esbarra numa antiga verdade: contra fatos, não há argumentos. Nem articulação que dê jeito.


Carlos Andreazza: O movimento de Ciro

Ciro Gomes está com o bloco na rua. Sua margem de manobra é estreita. Estreitou-se ainda mais com Lula habilitado a concorrer. Mas ele a tem explorado — até aqui — ao estado da arte. Merece atenção. Merece igual atenção o “até aqui”; dado não terem sido poucas as vezes em que uma boa posição lhe serviu de altura para um tombo mais doído adiante. Sua estratégia é clara; também lhe é a única disponível. Daí por que a advertência: não poderá errar; não lhe sendo pequeno o histórico de equívocos em campanhas. A seu favor: não errou em 2018, jornada de que saiu maior.

Jornada de que saiu maior — e bem posicionado para o jogo que ora faz com vistas a 2022. A recente entrevista ao GLOBO é aula de discurso político. E não apenas porque precisa na mensagem. Ciro foi exato — falou o que pretendia, para quem mirava, conforme planejara —, porque consciente do campo que lhe resta. Não lhe é grande o campo; nem plano. Mas já o identificou. Não lhe é vasta a chance; que só há, porém, porque mapeou a pinguela. Joga bem. Com pouco.

Parte da constatação de uma evidência: Lula, uma vez no tabuleiro, expande-se para ocupar todos os espaços à esquerda — o que tende a interditar o terreno a, por exemplo, Flávio Dino. O ex-presidente maximiza a natureza hegemônica do PT; aos demais restando a velha condição de satélites. Surge, então, o Ciro de centro. Um deslocamento que já iniciara em 2018; e que é consistente com o lugar em que se apregoa faz tempo: centro-esquerda.

(Ciro é de esquerda — assim o situo. Eleição, contudo, é convencimento. É percepção. Percepção do outro. Da sociedade. Vale não necessariamente o que o sujeito é; mas o que consegue representar — o chão que consegue ocupar na leitura, no imaginário, do receptor. Não custa lembrar que Bolsonaro, o suprassumo do corporativismo, dependurado havia 30 anos nas tetas do Estado, logrou convencer como liberal-reformista.)

É desde esse lugar central, em que tenta se plantar, que Ciro quer se viabilizar como alternativa nem-nem — nem Bolsonaro, nem Lula. Espaço desde o qual, mesmo que ainda não tomado, lança iscas para a centro-direita. Sua presença como signatário da carta assinada também por João Doria, Luiz Henrique Mandetta, Luciano Huck, Eduardo Leite e João Amoêdo é o grande fato político da iniciativa — que seria óbvia, previsível, sem ele. Só Ciro extrai ganhos de constar no polo que se proclama democrático, um grupo de — em graus variados — bolsonaristas arrependidos.

Só Ciro dialoga com novos eleitores integrando o conjunto. Que compõe sem deixar de estigmatizar os demais. Por exemplo: classificou Doria como alguém que “não conhece o Brasil”; e Huck como “animador de auditório”. Somente a Mandetta faz deferência — talvez porque lhe fosse bom vice: “bem-intencionado”.

Ao mesmo tempo, não tendo jamais sido bolsonarista, Ciro é também aquele que, ante a perspectiva de trabalhar pela eleição de Haddad, preferiu viajar a Paris. Um acerto. Para seu plano de sobrevivência, de desvinculação da esquerda, de deslocamento ao centro, um acerto. É importante refletir, a propósito, sobre como se refere a Lula na entrevista: “tomado de ódio”. Essa definição — que, creio, repetirá com frequência — é essencial à compreensão de sua tática. Que se quer antecipar a uma possível reedição do Lulinha Paz & Amor. E que certamente se antecipa à tentativa de cooptação do centro que também o ex-presidente empreenderá. A Ciro, então, toca pintar um Lula que, depois de mais de 500 dias preso, virá para a forra. Considerada a vitalidade (subestimada) do antilulismo entre nós, não será ineficaz associar um Lula reabilitado ao desejo de se vingar.

Não é à toa que Ciro — contra o cenário hoje mais provável — força a mão para projetar um segundo turno sem Bolsonaro em 2022. Quer que o cidadão que rejeita o PT — a fatia não bolsonarista de eleitores do presidente em 2018 — habitue-se a ele como elegível, palatável, contra Lula.

Ciro Gomes tem um projeto de Brasil. Não faz minha cabeça, mas tem. O de um Estado indutor da economia, que esteja mais presente na vida das pessoas. Um programa desenvolvimentista, que se casa ao que será a demanda da sociedade — por ajuda, por estímulo — no pós-pandemia. Não me parece o mais provável; mas não podemos desconsiderar a hipótese de que o eleitor — depois da peleja entre rejeições de 2018, e depauperado pela peste — procure por algum norte em 2022 que não derivado de personalismos.

Advirta-se — já que falei em erros, e em não poder errar — que norte não virá com João Santana como marqueteiro. É equívoco. Contradição, se o deslocamento tem por trilho afastar-se do petismo. Santana é olhar para trás e para fórmulas de sucesso eleitoral pagas na Suíça; fórmulas de sucesso objetivo que, na prática, plantaram as piores práticas de campanha, como aquelas, mentirosas, aplicadas contra Marina Silva.

Sim. O eleitor — é possível (com fé) — quererá propostas; quererá, com sorte, algum projeto de país. Mas será excessivo supor que se transforme tanto a ponto de não considerar o combate à corrupção — grande eleitor em 2018 — entre as prioridades. E Santana é memória. Não será banal Ciro acusar a roubalheira petista — dizer que alertou Lula — tendo um marqueteiro outrora pago pelo esquema.


Ricardo Noblat: Bolsonaro escolhe perder para Renan a primeira batalha da CPI

Que vantagem Maria levou? Nenhuma!

Deu-se com prova de esperteza e de jogo de cintura do presidente Jair Bolsonaro seu telefonema recente para o governador Renan Calheiros Filho (MDB), de Alagoas. Por meio dele, Bolsonaro tentava apaziguar suas relações com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que será o relator da CPI da Covid-19.

Renan, pai, e Bolsonaro jamais foram próximos à época em que se cruzaram como deputados na Câmara. Houve uma chance de os dois se entenderem quando Bolsonaro se elegeu presidente, e Renan disputou a reeleição para presidente do Senado. Mas aí, Bolsonaro ajudou Davi Alcolumbre (DEM-AP) a derrotar Renan.

Depois de ouvir de Renan, o governador, que o pai não guardava mágoas dele e que se comportaria com equilíbrio como relator da CPI, que fez Bolsonaro? Autorizou a deputada Carla Zambelli (PL-SP), uma bolsonarista de quatro costados, a acionar a justiça para que impedisse Renan de ser o relator.

Um juiz federal de Brasília decidiu que Renan não poderá ocupar a função. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, respondeu que a decisão não tem cabimento e que por isso será simplesmente ignorada. A instalação da CPI se dará, hoje, em sessão marcada para às 10h. E Renan será ungido relator.

Que vantagem Maria leva? O que Bolsonaro imaginou ganhar com uma manobra destinada ao fracasso? O despacho do juiz parece uma peneira cheia de rombos. Ele afirma, por exemplo, que Renan não poderá ser votado para relator. Não haverá votação. O presidente da CPI indica o relator de comum acordo.

Bolsonaro conseguiu uma coisa que parecia impossível: tornar Renan um político menos controverso do que sempre foi.

Pazuello, um general ruim de serviço até quando mente

Caiu a máscara

Neste governo, só o presidente Jair Bolsonaro deve sentir-se livre para mentir mesmo quando tudo o que diga possa soar como inverossímil do começo ao fim. Não é o cargo que lhe confere tal direito, mas o número de vezes que desrespeitou a verdade. Seus devotos e adversários se acostumaram e não ligam. Os mais tolerantes entre eles até acham graça.

O general Eduardo Pazuello, especialista em logística militar de fama duvidosa e desastrado ministro da Saúde, não aprendeu a lição e deu-se mal. Foi flagrado passeando sem máscara em um shopping de Manaus. Indagado por uma fotógrafa por que não usava máscara, retrucou: “Onde vende a peça?” Em seguida, foi socorrido por uma mulher que lhe deu uma de presente.

A foto viralizou nas redes sociais e um dia e meio depois ele decidiu se explicar ao invés de manter o silêncio porque o estrago estava feito. E o que disse por meio de sua assessoria? Que entrou no shopping justamente para comprar uma máscara, o que fez depois de caminhar apenas cinco metros. Falta credibilidade a Pazuello para mentir, o que deixa Bolsonaro muito assustado.

Afinal, o que o general poderá dizer quando for convocado para depor diante dos 11 senadores que formam a CPI da Covid-19? Haverá treinamento suficiente para tornar convincentes as respostas que dê sobre as mais delicadas questões que desafiarão sua argúcia? Não poderá ignorar as perguntas por mais capciosas que sejam, nem pedir para respondê-las depois por escrito.

Nos anais do Congresso não há registro sobre depoimentos de generais da ativa prestados em comissões parlamentares de inquérito. Pazuello será o primeiro. Terá essa elevada honra!


Míriam Leitão: Governo afastado dos brasileiros

O governo Bolsonaro está descolado dos brasileiros na área ambiental e climática. Empresas anunciam compromissos de zerar emissões, de fiscalizar sua cadeia produtiva, porque isso é um diferencial competitivo. Governadores fazem pontes com governos e empresas. Bolsonaro estrangulou o orçamento dos órgãos ambientais, um dia depois de dizer ao mundo que os fortaleceria. Ontem, na Câmara dos Deputados, o delegado Alexandre Saraiva, da Polícia Federal, mostrou provas explícitas da ilegalidade da madeira que o ministro Ricardo Salles diz que é legal. “O ministro tornou legítima a ação de criminosos”, disse Saraiva, que foi exonerado da Superintendência.

O engenheiro Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, observou esse descolamento entre o governo e a sociedade.

— Temos algo acontecendo aqui. A sociedade está fervilhando, o mundo inteiro está olhando para isso. No setor empresarial, do segundo semestre do ano passado para cá, todos os conselhos passaram a falar sobre o tema, querendo entender. Saiu do nível de gerente, foi ao CEO e chegou ao conselho. Várias empresas estão assumindo compromissos e alguns são bem fortes — diz.

Está curioso ver, exemplifica Tasso, a corrida entre as três maiores empresas produtoras de proteína animal, JBS, Marfrig e Minerva:

— Parece que as três estão disputando quem acaba primeiro com as suas emissões. A carta dos 200 CEOs pedindo mais ambição nas metas, tudo está indo nessa direção.

Algumas empresas sempre estiveram nessa trilha, como a Natura. Mas são muitas as companhias que sabem que precisam anunciar metas, verificáveis, prestar contas do esforço que estão fazendo.

O governo federal, apesar do que Bolsonaro disse na reunião de cúpula, segue o seu projeto de desmonte do Ibama, do ICMBio, e até da PF. No Congresso, tramitam projetos perigosos, como o que enfraquece o licenciamento ambiental e regulariza terras roubadas. O depoimento do delegado Saraiva mostra que 70% da madeira apreendida na operação Handroanthus, que Salles diz ser madeira legal, não apareceu nem o suposto dono para reclamar. Há casos de falsificações grosseiras nos documentos. Esse é o projeto do governo Bolsonaro de legalizar o crime. Mas não é o da maioria do povo brasileiro, não é o das grandes empresas, nem dos grandes bancos. O capital converteu-se? Não. Ele está falando de negócios, como sempre. No mundo de hoje, produção ambientalmente suja não é financiada, não tem clientes, perde a competição.

Os governadores fizeram dois movimentos inteligentes. Primeiro, na carta ao presidente Biden lembraram que construíram mecanismos em suas administrações para a cooperação internacional. Segundo, o consórcio dos estados da Amazônia celebrou a divulgação da Leaf Coalition, tão logo foi lançada. Essa iniciativa vem sendo costurada há algum tempo por um grupo de países — Estados Unidos, Reino Unido e Noruega — e de empresas internacionais.

— O Leaf começou em várias frentes e a Amazon esteve bem envolvida no começo. Foi montado um grupo de trabalho. A plataforma se parece com a do Fundo Amazônia, mas em escala global. Cria-se uma linha de base para mostrar a partir desse ponto a queda do desmatamento e há um conselho independente para acompanhar os compromissos. Os países podem se inscrever, mas também os estados, as regiões, para angariar fundos. Os estados brasileiros estão fazendo isso. Vale a partir de 2022, mas em comparação com os cinco anos anteriores — diz Tasso.

Pelo que se sabe, já foi fixado até o preço da tonelada de carbono, num valor acima do que era calculado o Fundo Amazônia. Uma empresa como a Microsoft, por exemplo, que quer zerar suas emissões — não apenas as de agora, mas as que emitiu ao longo da sua história — tem muito a comprar nesse mercado.

Os governadores da região Norte já estavam em contato com os organizadores e por isso no próprio dia do anúncio o governador Flávio Dino, presidente do Consórcio dos Estados da Amazônia Legal, saudou o lançamento da “nova aliança público-privada Leaf Coalition”.

A sociedade, as empresas, os bancos, os governos estaduais estão se conectando com o mundo e a agenda da preservação ambiental. Bolsonaro e seu ministro fazem seu trabalho de demolição das florestas tropicais, e de legalização do crime, descolados do mundo e do próprio Brasil.


Rubens Figueiredo: CPI da Covid tem potencial explosivo contra o Planalto

Comissão nem foi instalada, mas os movimentos de aquecimento prometem; Bolsonaro já mostrou que vai para o confronto e saiu em defesa de Pazuello

Se o futebol é considerado uma caixinha de surpresas, imagine o que nos reserva uma CPI da Covid que vai investigar principalmente as ações do Executivo federal, que é comandado por um presidente negacionista em atrito permanente com os outros dois Poderes da República. As informações chegarão à sociedade via redes sociais de eleitores radicais (muitos quase psicopatas) ou através da mídia convencional, enxovalhada quase diariamente pelo principal investigado.

Galões de nitroglicerina pura chacoalhando na carroceria de um caminhão sem amortecedores têm menos potencial explosivo do que isso. A comissão nem foi instalada, mas os movimentos de aquecimento prometem. Bolsonaro já mostrou que vai para o confronto e saiu em defesa do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, aquele do “é simples assim: um manda, outro obedece”. 

Outra pitada de gasolina na fogueira foi a curiosa entrevista do ex-secretário de Comunicação do governo federal Fábio Wajngarten, atestando “incompetência e ineficiência” da área da Saúde na compra de vacinas. Wajngarten isentou de qualquer responsabilidade o presidente da República, tentando colocar a culpa apenas no ministro Pazuello e seus colaboradores. Mas se um faz o que o outro manda...

CPIs são situações nas quais se medem forças; são processos mais políticos que jurídicos. Buscar a verdade é um instrumento, não o objetivo. São ajustes de contas entre o Legislativo – parlamentares, blocos, partidos – e o Executivo. É sabido que Bolsonaro vive uma relação tensa com o Congresso e a maioria esmagadora de seus ministros não foi indicada pelos partidos. O Senado, sem nenhum titular entre as pastas, é um “pote até aqui de mágoas”. Vale lembrar que até Dilma Rousseff, que não chegava exatamente a ser um primor em termos de habilidade política, em certo momento reservou dois ministérios para cada casa Legislativa. Mesmo assim, deu no que deu.

CPIs existem para dar voz às minorias do Parlamento. Tanto que é necessário apenas um terço de assinaturas (no caso do Senado, 27) para abrir os trabalhos. Um governo forte se blinda, garantindo a maioria dos integrantes da comissão e a titularidade dos cargos estratégicos, como a presidência e a relatoria. Bolsonaro não tem maioria (perde de 7 x 4) e os protagonistas do processo serão senadores independentes. De previsível, só o comportamento imprevisível de Bolsonaro.

*Rubens Figueiredo é cientista político pela USP

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O Globo: Senado inicia os trabalhos da CPI da Covid nesta terça-feira; conheça os integrantes

Sessão inaugural vai eleger o presidente, vice-presidente e relator da Comissão Parlamentar de Inquérito

BRASÍLIA — O Senado inicia na manhã desta terça-feira os trabalhos da CPI da Covid, comissão que vai investigar as ações e possíveis omissões do governo federal durante a crise sanitária no Brasil. Após ter a instalação adiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), serão eleitos na sessão o presidente, vice-presidente e relator da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Há um acordo feito por senadores independentes e da oposição para eleger o senador Omar Aziz (PSD-AM) como presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) como vice-presidente e Renan Calheiros (MDB-AL) como relator. Entretanto, a Justiça Federal do Distrito Federal determinou nesta segunda-feira que Renan não poderá assumir o cargo. A decisão liminar em primeira instância atendeu a um pedido feito pela deputada Carla Zambelli (PSL-SP), aliada do presidente Jair Bolsonaro, e ainda cabe recurso. A expectativa é que o Senado deve ignorar a decisão da Justiça após parlamentares considerarem que a decisão não tem embasamento jurídico por citar uma regra inexistente no regimento interno sobre a indicação no colegiado (a eleição do relator).

Apesar das incertezas sobre os nomes que ocuparão os principais cargos na CPI, o Senado já havia oficializado todos os integrantes do colegiado, designados por seus partidos há quase duas semanas. As indicações confirmaram que os críticos ao governo serão maioria entre os 11 membros titulares e 7 suplentes que vão participar das investigações.

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Governistas chegaram a ensaiar um movimento para tentar retardar as indicações, mas, por estarem em minoria, não tiveram sucesso na empreitada. Era necessária apenas a indicação da maioria absoluta da CPI, ou seja, seis senadores, para que ela pudesse funcionar. Do total, oposicionistas e independentes somam sete membros titulares.

Conheça os integrantes da comissão:

Renan Calheiros (MDB-AL) deve ser escolhido relator da CPI da Covid. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Ala independente

Os senadores Eduardo Braga (MDB-AM), Renan Calheiros (MDB-AL), Omar Aziz (PSD-AM) e Tasso Jereissati (PSDB-CE) foram os escolhidos por cada partido e são considerados da ala independente. Líder do MDB, Eduardo Braga esteve mais próximo ao governo no ano passado, mas se distanciou após a disputa pela presidência do Senado, no início deste ano.

O senador Renan Calheiros, que chegou a chamar Bolsonaro de charlatão recentemente, também afirmou, em março, que é preciso defender os governadores, alvo de críticas do presidente da República. O filho do senador é o governador de Alagoas. Omar Aziz, cotado para a presidência da CP, tem postura independente, mas intensificou críticas ao governo após o colapso do sistema de saúde em seu estado, Amazonas.

Outro integrante é o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) que, embora independente, já fez duras críticas ao governo federal. Em entrevista ao GLOBO, em fevereiro, Tasso defendeu a CPI e disse que "alguém  governo tem que ser responsabilizado para que isso não volte a se repetir".

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Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi o autor do requerimento de criação da CPI da Covid. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Oposição

Um dos líderes da oposição, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) foi o autor do requerimento de criação da CPI da Covid. Recentemente, ele foi alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro, durante conversa gravada e divulgada pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO). O presidente chamou Randolfe de “bosta” e disse que teria de "sair na porrada" com o congressista.

Adversário declarado do governo, o senador Humberto Costa (PT-CE) afirmou que o Brasil não tem vacinas suficientes porque Bolsonaro teria se recusado a comprá-las. Para Costa, "o resultado disso é um recorde consecutivo de mortes pela covid, que vemos todos os dias".

O senador Otto Alencar (PSD-BA), por sua vez, que é presidente da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, é crítico ao governo e tem cobrado a disponibilização de mais vacinas. Em março, após a troca no comando do Ministério da Saúde, ele defendeu que o governo federal precisa estabelecer uma relação de cooperação com os estados, o que não ocorreu até o momento.

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Base governista

Senador Ciro Nogueira diz julgar importante investigar também Estados e municípios Foto: MARCOS OLIVEIRA/AGÊNCIA SENADO
Senador Ciro Nogueira diz julgar importante investigar também Estados e municípios Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

O senador Ciro Nogueira (PP-PI) é um dos principais líderes do centrão e deve ajudar o Planalto na articulação política da comissão. Em suas redes sociais, o parlamentar defende a vacinação em massa. Ao GLOBO, em março, ele já afirmou que "todos são culpados, inclusive o Congresso", ao falar de eventuais erros na pandemia.

Aliado próximo de Bolsonaro, o senador Jorginho Mello (PL-SC) esteve com o presidente em diversas visitas recentes ao seu estado. Na última delas, o mandatário do país aproveitou para reforçar a defesa ao tratamento precoce e criticar medidas restritivas. Outro nome governista, o senador Marcos Rogério (DEM-RO), também é próximo ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, seu correligionário. Ele considera que “falta transparência na aplicação dos recursos e sobram indícios de irregularidades" sobre os repasses federais a estados e municípios.

O senador Eduardo Girão (Cidadania-CE), outro membro titular, foi o autor do requerimento de criação da CPI que incluiu repasses federais a estados e municípios nas investigações sobre a conduta da União. Ele alega que a comissão deixa de ter foco exclusivo no governo federal e passa a ter um escopo "amplo, irrestrito e independente".


Merval Pereira: Uma assombração

O presidente Bolsonaro, em seu modo radicalizado de fazer política, sobretudo acuado como está agora pela CPI da Covid, volta a usar o Exército como mero instrumento de sua ação e, por meio de metáforas rotas pelo mau uso, diz que “está chegando a hora de o Brasil dar um novo grito de independência”.

Poderia estar se referindo às eleições presidenciais e, com isso, já nos daria indicações de como se sentirá respaldado para sua ação devastadora da cidadania se for reeleito. Mas estava mesmo reafirmando que “o seu Exército”, como a cavalaria dos velhos filmes de caubóis, chegará para salvar o povo brasileiro de “pseudos” governadores que querem “impor a ditadura no meio de vocês, usando do vírus para subjugá-los”.

Num português trôpego e com sua visão peculiar do que seja uma democracia, Bolsonaro definiu: “É inconcebível os direitos que alguns prefeitos e governadores tiveram por parte do STF. É inconcebível. Nem estado de sítio tem isso”.

No seu raciocínio torto, que só faz enredá-lo mais ainda, como se afundasse na areia movediça a cada vez que tenta se safar da culpa, declarou na Bahia: “Não foi o governo federal que obrigou vocês a ficarem em casa. Não foi o governo federal que fechou o comércio. Não foi o governo federal que destruiu milhões de empregos. Pode ter certeza: este suplício está chegando ao fim. Brevemente, voltaremos à normalidade, com o apoio de todos”.

Não estava falando da campanha de vacinação, que continua precária por falta de doses. Voltar à normalidade, nesse ritmo, demorará muito, e também a recuperação dos milhões de empregos que foram destruídos pela incapacidade de gestão do governo federal. Bolsonaro mais uma vez soltava uma bazófia para estimular seus militantes. São confissões, melhor dizendo, e suas palavras, acusações prontas para a CPI da Covid. Assim como as perguntas enviadas pela Casa Civil para os ministérios arrolam uma série de fatos que são justamente os motivos de a CPI ter sido criada.

O governo está formando um grupo de trabalho que busca respostas técnicas aos questionamentos da CPI da Covid, com o objetivo de neutralizá-la, mas a cada dia nutre a comissão, que ainda nem se formou, com informações novas e desorganização. A pressão política sobre os integrantes da comissão, especialmente o relator, senador Renan Calheiros, é previsível, como indica a aproximação do presidente Bolsonaro do governador de Alagoas, Renan Filho, e do ex-presidente José Sarney, hoje ainda uma força política dentro do PMDB.

O governo terá trabalho, mas pode até conseguir neutralizar a CPI, pois sua capacidade de resolver problemas de aliados, ou dar compensações a eles, é grande. O senador Renan Calheiros não é uma figura incontroversa. Tem muitos inimigos, mas é um político habilidoso, que desaparece quando sabe que a derrota não pode ser revertida. Perdeu a eleição para a presidência do Senado para Davi Alcolumbre e volta agora, dois anos depois, com muita sede ao pote, enquanto o ex-presidente do Senado não tem peso político como Renan continua tendo. Por culpa de Alcolumbre, não de Renan.

Vamos ver como reagirá às pressões sobre o governo de seu filho ou sobre os processos que estão correndo na Justiça. Não está descartada a possibilidade de que essa CPI acabe não produzindo muita coisa importante. A decisão judicial do Distrito Federal proibindo Renan de assumir a relatoria da CPI, que deve ser montada hoje, é um sinal claro de que a pressão política do governo será forte e usará todos os meios ao alcance da maioria. Renan deve resolver o caso com um recurso, que será aceito por outro juiz, mas a pressão sobre ele será grande.

Vamos saber, com o começo dos trabalhos, que senadores são realmente independentes, qual o tamanho do “acordão” que está sendo montado nos bastidores e qual a força política real do Palácio do Planalto. Isto é, se os políticos do Centrão ainda apostam na expectativa de poder de Bolsonaro ou se já enxergam uma luz no fim do túnel com a confirmação de que Lula está liberado para se candidatar em 2022.

Não esquecendo que o PT, assim como o PSDB em 2005 em relação a Lula, prefere ver Bolsonaro sangrando até a eleição do que impedi-lo agora. O ex-presidente Fernando Henrique defendeu naquela época o “sangramento” com a tese de que não poderiam criar um Getúlio vivo. Resultado: Lula foi reeleito em 2006, e o Getúlio vivo reapareceu, agora como uma assombração.


'Elite consome muito o que vem da periferia', diz coordenador cultural do Slam-DéF

Organizador do Slam-DéF realizará encontro online de jovens artistas da periferia, no dia 28 de abril, com transmissão ao vivo pela internet

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Músicas, sons, ritmos e toda forma de manifestação artística têm sido usados por jovens da periferia do Distrito Federal para se integrarem, por meio de encontros virtuais, durante a pandemia, e manterem o distanciamento social. Em eventos online, eles fazem até batalha de poesias para amenizar um pouco a solidão do isolamento.

Palco de batalhas de arte falada, poesia viva, encenação com muito carão e entonação de voz, o Slam-DéF realiza, no dia 28 de abril, para mais uma competição de poesias criadas pelos próprios participantes.

Assista ao vivo!

O evento será realizado em parceria com a Biblioteca Salomão Malina, mantida, em Brasília, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), localizada na capital federal.

Feridas escancaradas

Os artistas anônimos usam suas vozes e seu corpo para escancarar feridas que seguem abertas no país, como a pandemia, o racismo, o machismo, a homofobia, entre outros. (Veja mais detalhes do evento ao final desta reportagem).

Na mesma linha de um movimento nacional que reúne jovens autores de poesias e que ainda estão no anonimato, o Slam-DéF é um dos grupos que possibilitam a integração do público por meio da internet, de forma dinâmica e interativa. Em cada encontro, segundo o coordenador Will Júnio, fica a certeza de que a cultura da periferia segue cada vez mais empoderada.

“Devido ao crescimento e estilos musicais originados na periferia, como funk e hip hop, a própria elite consome muito o que vem da periferia”, afirma o coordenador, que também é professor de língua portuguesa em escola pública.

"Periferia também é arte"

Segundo ele, o empoderamento da periferia é um passo muito importante na luta por direitos. “Antigamente não era assim, houve todo um processo de luta, engajamento e discernimento, por parte da periferia, para entender que o que produzimos na periferia também é arte, como qualquer outra, e muito rica. Se não nos dão oportunidade, nós a criamos”, ressalta.

De acordo com Will, a cultura é muito importante para a periferia porque, como ele observa, quem mora nelas vive à margem da sociedade. Dessa forma, segundo o professor, nos encontros online, essas pessoas encontram alternativa para expor seu sofrimento, sua luta, seu dia a dia.

“Muitos desses jovens encontraram na música, como funk e hip hop, e no grafite uma maneira de mostrar o que vêm passando no seu dia a dia. A cultura para esse pessoal é o seu grito para a sociedade ouvir”, destaca Will.

SERVIÇO

Batalha de Poesias Slam-DéF
Dia: 28/4/2021
Horário da transmissão: das 19h às 20h30
Onde: portal da FAP, redes sociais da entidade (Youtube e Facebook) e página da Biblioteca Salomão Malina no Facebook.
Realização: Slam-DéF, em parceria com Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)

Observação: Os arquivos dos eventos ficam disponíveis para o público no portal e nas redes sociais da entidade, por tempo indeterminado

 

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Rubens Barbosa: Em busca do ouro

O Brasil tornou-se o centro das facilidades da lavagem de dinheiro com o minério ilegal

Uma das afirmativas do presidente Jair Bolsonaro na conferência do clima foi a de “eliminar o desmatamento ilegal da Amazônia até 2030”. O combate às práticas ilícitas na região incluem as queimadas e o garimpo. A intenção presidencial foi considerada “encorajadora” pelo presidente Joe Biden, e “construtiva” por John Kerry, mas ambos dizem aguardar medidas concretas e “sólidas” nesse sentido.

O governo Bolsonaro poderia iniciar o cumprimento dessa promessa com ações para reprimir a exploração de ouro e diamantes, uma das atividades mais lucrativas e que mais prejuízos trazem à floresta e às comunidades indígenas. A busca pelo ouro na Amazônia está enraizada em práticas ilegais, que hoje respondem por cerca de 16% da produção do País, com a extração em áreas proibidas e sem nenhum tipo de controle. Essa ilegalidade pode ser muito maior, já que não há como contabilizá-la com exatidão. Cerca de 320 pontos de mineração ilegal foram identificados em nove Estados da região. A área para a pesquisa de ouro já ocupa 2,4 milhões de hectares. Desde 2018 houve um aumento no número de solicitações nesses territórios, com um recorde de 31 registros em 2020.

Em unidades de conservação, os pedidos para a pesquisa de ouro já ocupam 3,8 milhões de hectares. No total são 85 territórios indígenas afetados pelos pedidos de pesquisa para o ouro e 64 unidades de conservação. Só na Terra Indígena Yanomami, entre os Estados do Amazonas e de Roraima, são 749 mil hectares sob registro. Na Terra Indígena Baú, no Pará, a segunda em extensão de processos, 471 mil hectares estão registrados, ocupando um quarto de seu território.

Os municípios da Amazônia Legal arrecadaram em 2020, pela extração de ouro, 60% mais do que em todo o ano de 2019 e 18 vezes acima do valor registrado há dez anos. Em Rondônia acaba de ser aprovada lei que legaliza 200 mil hectares de terras griladas em duas unidades de conservação, Jaci-Paraná e Guajará-Mirim.

Os Institutos Escolhas e Igarapé acabam de divulgar importantes estudos sobre a exploração do ouro na Amazônia. Os resultados desses trabalhos mostram corrupção, desmatamento, violência, contaminação de rios e destruição de vidas, sobretudo de populações indígenas. A extração desses minérios não é capaz de transformar a realidade local no longo prazo e manterá a região pobre, doente e sem educação. Ao não trazer desenvolvimento econômico, a exploração de ouro e diamantes abre a discussão sobre as alternativas econômicas que poderiam gerar riqueza e bem-estar duradouros.

O trabalho do Escolhas foi enviado à Comissão de Valores Mobiliários e ao Banco Central, que lançou um conjunto de ações de responsabilidade socioambiental, para responder à pressão de investidores e instituições financeiras no Brasil e no exterior por incentivos que favoreçam negócios sustentáveis e combatam o desmatamento. Esse compromisso do setor financeiro nacional pode ajudar a limpar o setor de mineração de ouro no Brasil e fazer que esse metal ilegal não consiga ingressar no mercado. Exigir lastro de origem legal e de conformidade ambiental é um imperativo constitucional e deve ser um compromisso ético e moral do setor financeiro nacional.

De acordo com a Constituição federal, pelos artigos 176 e 231, a mineração em terras indígenas só pode ser feita mediante lei do Congresso Nacional e com consulta às comunidades, mas hoje não existe legislação que regulamente a atividade dentro dos territórios. Por iniciativa do senador Fabiano Contarato, o Projeto de Lei 836/2021 prevê a criação de um sistema de validação eletrônica para comprovar a origem do ouro adquirido pelas instituições financeiras e permitirá o cruzamento de informações com outras bases de dados, como a de arrecadação de impostos e de produção da Agência Nacional de Mineração (ANM). Pretende-se que, para efetivar a transação, seja exigida a comprovação de que o ouro tenha sido extraído de área com direito de lavra concedido pela ANM e que a pessoa física ou jurídica que estiver fazendo a comercialização seja titular do direito de lavra ou portadora de contrato com quem tenha esse direito. Além disso, o vendedor terá de apresentar a licença ambiental da área.

A criação de um marco de controle sobre a atividade de exploração de ouro ganha ainda mais urgência quando se observam tentativas de regulação da atividade contrárias à Constituição, como é o caso da Lei 1.453, de 8 de fevereiro de 2021, sobre o licenciamento para a atividade de lavra garimpeira no Estado de Roraima, ou a aprovada em Rondônia. A norma estadual dispensa a apresentação do estudo de impacto ambiental e relatório de impacto ambiental (EIA/Rima), em violação de preceitos constitucionais (artigos 23, 24, 223), para favorecer a continuidade das atuais práticas danosas à sociedade, aos povos indígenas e ao meio ambiente em geral.

O Brasil tornou-se o centro das ramificações criminosas e das facilidades da lavagem de dinheiro com o ouro ilegal. As terras indígenas e as unidades de conservação na Amazônia Legal estão ameaçadas pela busca do ouro, apesar de a atividade ser proibida. O ilícito na Amazônia tem de ser coibido pelos governos federal e estadual e o Congresso tem de fazer a sua parte.

*Presidente do IRICE