pandemia

Fernando Gabeira: Bolsonaro perde bonde do corona

Ele apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump

Confesso que não fiquei tão perplexo com a ida de Bolsonaro ao STF levando um grupo de empresários. Acredito que, tanto quanto eu, ele não esperava nenhuma solução para o problema que levantava: a volta às atividades econômicas.

O objetivo de Bolsonaro era mostrar que estava trabalhando pela economia. Para isso, levou uma equipe de TV e transmitiu o encontro ao vivo, para surpresa do próprio STF. Um golpe de propaganda, nada mais. Interessante como Bolsonaro consegue perder os bondes nessa luta contra o coronavírus.

Perdeu o primeiro, quando se isolou, negando a importância da pandemia, criticando o trabalho de governadores e prefeitos. Uma nova oportunidade de liderança e alinhamento se abriria para ele, no processo de volta às atividades. Compete ao presidente unir governadores e prefeitos em torno de um detalhado plano de retomada.

Dois dias antes de Bolsonaro ir ao Congresso, Angela Merkel reuniu as lideranças regionais para definir e modular um plano de volta.

Esses planos são complexos. Não adianta pedir ao Tofolli, porque ele não tem. Implicam a definição dos dados necessários, como número de casos, disponibilidade de hospitais, capacidade de testar.

Implicam também um redesenho das escolas, das fábricas, dos escritórios. Na Alemanha, técnicos foram às escolas para redefinir o espaço, inclusive determinar o novo lugar dos professores na sala.

Em alguns países, houve escalonamento de turmas escolares; em algumas regiões, normas para restaurantes ao ar livre.

Normas para o funcionamento de teatros e casas de espetáculo também estão sendo trabalhadas nos detalhes. Os intervalos, por exemplo, serão suprimidos para evitar aglomeração. O próprio futebol na Alemanha volta no dia 16, mas com portões fechados, sem plateia.

Bolsonaro até o momento apenas falou contra o isolamento. Foi incapaz de apresentar um plano, mesmo um pobre esboço, como Trump.

Essa pressa acaba se estendendo a outros setores. O governador de Brasília queria que a final do campeonato carioca fosse jogada no Estádio Mané Garrincha mesmo com um hospital de campanha instalado ali.

Não sei a que atribuir esta loucura. Nós temos uma singularidade cultural, que é a improvisação. É inegável que ela tem qualidades, no compositor que escreve seus versos num botequim, nos profissionais que driblam a falta de recursos para alcançar um certo resultado.

Na formulação de uma política nacional e solidária contra o coronavírus, é preciso liderança e capacidade de planejamento. Bolsonaro trabalha por espasmos, acorda pensando na briga nossa de cada dia, a quem vai combater e orientar sua galera a chamar de lixo.

O ministro da Saúde tem dito que o Brasil é um país diverso. Todos concordam. Mas é precisamente por ser diverso que necessita de um plano com modulações.

Basta olhar no mapa para ver quantas cidades brasileiras não tiveram casos de contaminação. Até elas precisam ser orientadas a rastrear com rigor caso apareça alguém contaminado por lá.

Na verdade, é um projeto que se enquadra nessa expressão muito usada de nova normalidade. Os Estados Unidos viveram algo parecido de longe com isso, depois do atentado de 11 de setembro.

As circunstâncias agora são diferentes. O redesenho da sociedade não se faz diante de inimigos humanos, mas ameaças biológicas que podem nos dizimar. A etapa final do planejamento seria concluída com a existência de uma vacina, acessível a toda a população.

Mas, no entanto, a existência de uma pandemia como essa abriu os olhos de muita gente para a possibilidade de outras. Algumas delas podem ser favorecidas pelo desmatamento.

Tive a oportunidade de sentir isso quando cobri a volta da febre amarela. Aparentemente, a destruição de algumas áreas de mata acabou expondo os trabalhadores agrícolas e algumas populações rurais.

Estamos trabalhando com algo muito sério para o futuro das crianças. Se não houver uma transformação cultural que nos faça pensar coletivamente e nos convença da necessidade de planos cientificamente adequados, vamos ser uma presa fácil.

Nos anos de política, lamentava que o Brasil era um país onde o principio de prevenção não pegou. Não esperava um governo que, além de imprevidente, desprezasse a ciência. Tudo do que o coronavírus gosta.


Pedro S. Malan: Saltos no escuro

A superação desta crise – de saúde, econômica, social – exige engenho, arte e serenidade

“Com Jânio no poder, o Brasil dá um salto no escuro”, registrou premonitoriamente ao final de 1960 Carlos Castelo Branco, o mais influente jornalista político de sua geração, a propósito da eleição de Jânio Quadros. Como é sabido, o próprio Jânio deu o seu salto no escuro em agosto de 1961, ao que tudo indica, esperando voltar por demanda do povo e/ou das Forças Armadas. A História nunca se repete, mas por vezes rima, com frequência ensina e, de quando em vez, a muitos desatina.

A chegada do coronavírus, com sua exponencial velocidade de disseminação e as exigências que impôs à nossa limitada capacidade hospitalar, representa um tipo de salto no escuro com dor, sofrimento e angústia, especialmente para os mais vulneráveis, que são maioria. A ideologia negativista e o achismo multiplicam, também exponencialmente, custos humanos e sociais da crise, e tornam ainda mais assustador esse salto no escuro.

Pressão estrutural por gastos públicos foi o título comum a uma série de três artigos que publiquei neste espaço entre março e maio de 2017. Em meio a uma pandemia, o aumento expressivo de gastos e o endividamento público são inevitáveis para salvar vidas e mitigar os efeitos da parada súbita da oferta, da demanda e de suas consequências sobre pessoas e empresas. É também fundamental, embora menos consensual, evitar que se tomem agora decisões de gastos que assumam depois caráter permanente.

O Brasil será, apontei naqueles artigos, um “estudo de caso” de interesse e relevância globais pela rapidez de sua transição demográfica, tanto no crescimento populacional dos anos 1950 aos anos 1990 quanto na redução posterior nas últimas duas décadas. Nosso bônus demográfico está a se exaurir: a população em idade ativa cresce a uma taxa menor que a de crianças e idosos e vai se estabilizar na próxima década. Somos um país que corre sério risco de ficar velho antes de superar a armadilha da renda média. A urbanização (sem paralelo no mundo) que conheceu o Brasil gerou, por outro lado, demandas que exigiram e exigem de governos respostas em três grandes áreas: em infraestrutura física, em infraestrutura humana e, por fim, com especial força após a democratização, respostas com relação à pobreza e distribuição de renda e oportunidades.

O coronavírus, com suas consequências, acentuará a pressão estrutural por maiores gastos públicos nessas três grandes áreas. E o fará com uma força inédita em razão da forma como veio escancarar, como fraturas expostas, nossas enormes carências, pobreza e desigualdade. Na resposta a essas carências reside o risco de que governos extrapolem os limites de suas capacidades – de tributar, de bem gerir seus gastos, de se endividar, de reformar e de investir. O risco de que adotem cursos de ação que agravem os problemas e os transfiram, acentuados, para futuras gerações. É fundamental, ao longo daqui até 2022, que haja debate sério, baseado em evidências, sobre a composição de gasto público, nos três níveis de governo, e sobre sua eficácia operacional, o que exige avaliação rigorosa dos resultados de planos e programas, e não apenas de intenções e promessas.

Há escolhas particularmente difíceis a fazer. Como sabem todos os que tiveram alguma experiência na vida pública, nem tudo é possível, ou factível, porque desejável. Nunca será demais apontar, como fez recentemente o ministro Barroso (citando Holmes), que “políticas e programas se julgam por seus resultados, não por suas intenções”. Entre ambos, com frequência, “desce a sombra”, como disse um poeta, e por vezes “uma sombra ambulante”, como escreveu, sobre a vida, o dramaturgo maior.

A superação desta crise, que é a um só tempo de saúde pública, econômica, social e humana, exigirá serenidade, engenho e arte. Exigirá o exercício da política entendida como a arte de (tentar) tornar possível amanhã o que parece impossível hoje, ou, como gosta de vê-la Paulo Hartung, entendida como a “arte de pensar as mudanças e fazê-las efetivas”. Na difícil quadra em que nos encontramos, parece definição especialmente apropriada.

Em democracias, a frustração com promessas não cumpridas sempre pode ter solução por meio de eleições regulares, nas datas previstas. No período que media uma eleição e outra é comum surgir assimetria importante entre aspirações e a capacidade de materializá-las. Pensar as mudanças e, sobretudo, fazê-las acontecer no mundo real exigem esforço coletivo, capacidade de articulação, coordenação, convencimento, e busca das convergências possíveis. Só por meio de diálogo, compromissos e mediação entre inevitáveis conflitos de interesses será possível avançar. A última coisa que precisa o Brasil é de uma Presidência da República que, em vez de protagonista da solução, seja parte ativa do problema “quase” político-institucional do País.

“O homem sábio ajusta suas crenças às evidências”, escreveu David Hume. Os negacionistas, com dissonância cognitiva, reforçam ainda mais suas crenças diante de quaisquer evidências contrárias a elas. Isso inclui o risco de novos saltos no escuro, além daqueles que já demos. Até quando o faremos?

*Economista, foi ministro da fazenda no governo FHC


Affonso Celso Pastore: O interesse individual e o bem comum

Para um presidente populista de direita, um número enorme de mortes é apenas estatística

Em visita ao CDPP em 2018, o professor Robert Pindik do MIT deu uma palestra sobre o custo social do carbono. Emissões de carbono levam ao aquecimento global, e um aumento de 2 graus na temperatura do planeta acarreta custos gigantescos: regiões férteis tornam-se desertos e o aumento do nível do mar alaga cidades litorâneas.

A forma de evitar tal ocorrência é obrigar todos os países a cobrarem um imposto sobre as emissões. Por que tem de ser cobrado de todos os países? Se apenas um deles tributasse as indústrias que queimam carvão, cairia nesse país o retorno privado dos investimentos nos produtos que utilizam o carvão, as fábricas mudariam para outro país que não tributa as emissões, e a poluição mundial continuaria aumentando.

No primeiro capítulo do seu livro Economics for the Common Good, Jan Tirole, o ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 2014, começa discutindo as relações entre a economia e a sociedade, entre o benefício privado e o “bem comum”, usando o exemplo do custo social do carbono. Seu tema é a diferença de motivação na busca do lucro privado e na busca do bem-estar de todos.

Nas decisões sobre políticas públicas esta última é que deve predominar, e além de considerar o efeito de externalidades, como ocorre nas emissões de carbono, é preciso entender a diferença entre retornos sociais e retornos privados. Os investimentos em saneamento básico – esgoto e tratamento da água – têm um retorno privado dado pela diferença entre os custos e as receitas cobradas de quem utiliza tais serviços, que é internalizado pela empresa que produz o serviço. Para chegar ao retorno social é preciso somar a ele os ganhos vindos da melhoria das condições de saúde. O interesse da empresa é maximizar o lucro privado, mas o interesse da sociedade é maximizar o bem-estar social, o que justifica a cobrança de um preço mais baixo por parte da empresa, com o governo cobrindo a diferença através de um subsídio.

Como avaliar o custo social do carbono? Como avaliar o benefício social de um investimento em saneamento básico? Os economistas dispõem dos modelos apropriados, mas para encaminhar a resposta tenho de voltar ao tema de meu último artigo discutindo o papel da taxa de desconto, cujo valor difere entre governos populistas e altruístas.

Governos populistas preferem ganhos imediatos de popularidade e, por isso, suas taxas de desconto são muito altas, o que reduz o valor presente dos benefícios auferidos por gerações futuras. Tais governos não se interessam por investimentos em saneamento, e esta é uma das razões pelo desprezo que o governo populista de Donald Trump tem sobre o custo social do carbono.

Tirole também argumenta que todos nós somos vítimas de falhas de percepção. Os empresários dão maior peso às condições que afetam o seu lucro, o que é importante, mas a maximização do lucro não pode ser o único critério utilizado nas decisões sobre políticas públicas. É compreensível que quem trabalhou por décadas a fio para construir uma empresa se revolte contra uma medida do governo que em uma pandemia impõe restrições que derrubam sua receita e colocam em risco a sobrevivência da empresa. Cabe ao governo deixar claro por que impôs aquela restrição, e garantir que na medida do possível compensará a empresa através de transferências de renda. A percepção de um empresário é obtida pela história de construção de sua empresa, enquanto a percepção do governo tem de ser motivada pela busca do bem comum que, neste caso, justifica a transferência.

Falando sobre percepções Tirole usa o exemplo da fotografia de Ailan Kurdy, um menino sírio de 4 anos encontrado morto em uma praia turca em 2015, que simboliza a tragédia dos que migram para a Europa em condições precárias. O impacto da foto excedeu o da informação sobre as centenas de mortes na travessia do Mediterrâneo. Cita uma frase atribuída a Stalin: “A morte de uma pessoa é uma tragédia, mas a morte de 100 mil pessoas é uma estatística”. Stalin nunca se preocupou com as mortes dos prisioneiros nos Gulags. Ao insistir em sua campanha contra o isolamento social, Bolsonaro revela desprezo pelo número de mortes, atuando para que tudo volte ao normal, ignorando a pandemia. Sem surpresas. Afinal, para um ditador comunista e para um presidente populista de direita, que não respeita as instituições e os valores democráticos, um número enorme de mortes é apenas uma estatística.


Hélio Schwartsman: Voltamos ao normal

Fenômenos como Jair Bolsonaro são só manifestação paroxística dessa enfermidade coletiva

“Quando as coisas vão voltar ao normal?” é a pergunta que não quer calar. A palavra “normal” é traiçoeira, já que encerra tanto uma dimensão moral, designando algo nas proximidades de “aceitável”, como uma mais estatística, quando assume o significado de “corriqueiro”. Se nos centrarmos na segunda acepção, a resposta é: “acabamos de voltar”.

Doenças não apenas são uma constante na história da humanidade como também constituem uma das principais forças a modular a evolução das espécies. Elas estão por trás de algumas das mais dramáticas transformações da vida no planeta, como o advento da reprodução sexuada.

Se há uma parcial exceção a essa regra são as últimas sete ou oito décadas, quando uma feliz conjunção de desdobramentos da ciência —a difusão do tratamento de água e esgoto, das vacinas e de agentes antimicrobianos— fez com que os países desenvolvidos experimentassem a sensação de que as doenças infecciosas haviam sido derrotadas.

Com efeito, conseguimos extinguir a varíola e, nas nações mais avançadas, praticamente zerar as mortes por pólio, sarampo, raiva, arboviroses e helmintíases. Países em desenvolvimento iam na mesma trilha.

Essas poucas décadas de sucesso nos deixaram mal acostumados. Perdemos a sensação de angústia que as doenças infecciosas produziam em nossas mentes. Esquecemos que, oito décadas atrás —a geração de meus pais—, ainda se morria por causa de um corte bobo que infeccionasse e as diarreias faziam com que enterrar bebês fosse coisa absolutamente normal.

Paradoxalmente, essa dessensibilização para a gravidade das infecções nos leva a atitudes que ficam entre as suicidas, como deixar de vacinar as crianças, e as temerárias, como não investir em vigilância epidemiológica e no desenvolvimento de novas classes de antibióticos. Fenômenos como Jair Bolsonaro são só uma manifestação paroxística dessa enfermidade coletiva.


Míriam Leitão: O mal avança nas sombras

Riscos ao meio ambiente e aos direitos indígenas aumentam enquanto o país está concentrado na luta contra a pandemia do novo coronavírus

Na calada desta nossa noite em que a dor da pandemia se soma às ameaças do presidente Jair Bolsonaro à democracia, outras áreas correm extremo perigo. Em abril, o desmatamento na Amazônia foi de 406 km2, 64% a mais do que no ano passado, segundo o Deter. Nos quatro primeiros meses, a alta foi de 55,5%. Portarias, MPs, instruções normativas dão forma ao projeto de perdoar grileiros e enfraquecer órgãos ambientais. Terras indígenas são ameaçadas e seus líderes correm riscos. O governo conta com as atenções do país concentradas na crise da saúde para avançar com o projeto de reduzir direitos indígenas e legitimar o ataque ao meio ambiente.

Em mais uma GLO na Amazônia, os militares estão sendo escalados para conter o que tem sido estimulado pelo próprio governo. A operação das Forças Armadas cria uma situação difícil. O Ibama, que já é cerceado, passa a ser subordinado aos militares. Seus quadros técnicos terão que seguir ordens de oficiais que não têm a mesma qualificação e experiência no combate ao desmatamento. Isso num momento em que os servidores que cumprem a lei na fiscalização são punidos. Os que destroem equipamentos, que é a arma mais poderosa para combater o crime, são exonerados.

O ministro Ricardo Salles, enfraquecido, mudou de tática. Agora, trabalha em silêncio. No dia 6 de abril, um despacho do Ministério do Meio Ambiente criou uma ameaça direta à Mata Atlântica. O ato administrativo recomenda ao Ibama e ICMBio que esqueçam a Lei da Mata Atlântica e se guiem pelo Código Florestal, que tem regras mais brandas. Isso na prática cancela multas, desobriga o proprietário de recuperar áreas de proteção permanente e reconhece as propriedades rurais instaladas em áreas de proteção ambiental antes de 2008.

A Lei da Mata Atlântica foi uma conquista de duas décadas de luta no Congresso. Nesse bioma moram 150 milhões de brasileiros e os remanescentes de mata têm sido protegidos principalmente por particulares. Quem preserva ou se esforçou nos últimos anos para cumprir a lei se sente tolo. O que dá certo no Brasil é ser ilegal e esperar pela anistia. O Ministério Público Federal, a SOS Mata Atlântica e a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público do Meio Ambiente entraram com uma Ação Civil Pública contra o despacho de Salles.

A Amazônia é ameaçada diretamente pela MP da Grilagem. A MP 910, em vigor desde dezembro, está para ser votada com várias aberrações. Na primeira versão do projeto, permitia-se regularizar terra ocupada até dezembro de 2018. Na versão mais recente, quem tiver invadido terra até 2014 pode ter título de propriedade. Áreas de até 15 módulos fiscais podem ser regularizadas sem vistoria de campo. Em alguns lugares isso significa até 2.500 hectares. A luta está sendo para reduzir o tamanho da terra que pode ser legalizada sem o poder público conferir. E por fim, a MP estabelece que multa ou qualquer irregularidade não impedem o processo de legalização. Só será impedida a emissão de título de propriedade quando o processo estiver transitado em julgado.

A questão indígena sempre foi tratada com desprezo pelo governo Bolsonaro. Na gestão Sérgio Moro, a Funai foi aparelhada com a nomeação de pessoas totalmente estrangeiras à causa indígena. Nada indica que haverá mudança agora. O Ministério devolveu à Funai 17 processos de demarcação de terras indígenas, alguns já prontos para a homologação. Uma portaria recente da Funai reduziu os poderes do próprio órgão para conter o avanço da grilagem em terras indígenas. Há lideranças sob ameaça, e os criminosos aproveitam a confusão da Covid-19 para praticar seus crimes. No dia 17 de abril foi morto um jovem líder, de 34 anos, Ari Uru-eu-wau-wau, em Rondônia. Ele passou meses sendo ameaçado por grileiros. Ari tinha como foco do seu trabalho denunciar extração ilegal de madeira, ou seja, ele protegia o patrimônio público. Seu corpo foi encontrado na beira da estrada, com sinais de que havia sido arrastado depois de morto. Tinha sangramento na boca e na nuca decorrente de pancada forte na cabeça e a causa da morte foi sangramento agudo. Era pai de dois meninos, de 10 e 14 anos. Nas sombras da pandemia e do ataque de Bolsonaro às instituições, outros perigos rondam o país.


Merval Pereira: Luvas de pelica

Bolsonaro não realizou o churrasco devido à péssima repercussão do gesto de indiferença à morte

A decretação pelo Congresso e Supremo Tribunal Federal de luto oficial por três dias por termos atingido a fatídica marca de mais de 10 mil mortos devido à Covid-19 é o segundo tapa com luva de pelica que o presidente Bolsonaro recebe esta semana. Enquanto isso, ele andava de jet ski no Lago Paranoá.

O primeiro desferiu o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, que se portou com altivez diante da afronta que o presidente fez ao praticamente invadir a sede do STF para pressioná-lo pelo fim do isolamento, justamente no dia em que o país registrava mais de 700 mortes por dia e chegava ao número macabro de 10 mil mortos, indiferentes para o presidente.

Toffoli salientou o bem que o isolamento social tinha trazido ao país, reduzindo o número de mortes, e sugeriu com enorme presença de espírito que o governo coordenasse uma ação conjunta de diversos ministérios para traçar planos de combate à Covid-19 juntamente com Estados e Municípios que, pela Constituição, são os responsáveis pelas ações regionais.

Bolsonaro, como sempre, fez aquela exibição para tirar de seu colo os mortos que seu egocentrismo provocou. Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e o do Senado, Davi Alcolumbre, fizeram o que os que dirigem o país sem olhar apenas seus umbigos devem fazer em momentos de comoção nacional.

Nada mais do que prestar solidariedade à família dos mortos, em vez de programar churrasco que, se realizado, seria mais afrontoso ainda por usar um imóvel do Estado brasileiro para uma confraternização aviltante.

O presidente acha que o povo que deveria presidir é composto de imbecis, pois desmente até mesmo o que os vídeos com suas falas atestam. Dizer que o churrasco era uma fake news de “jornalistas idiotas” é típico de uma pessoa com comportamento antissocial e amoral, incapaz de aprender com as próprias experiências.

Ele não realizou o churrasco porque foi obrigado a cancelá-lo devido à péssima repercussão de mais esse gesto amoral de indiferença diante da morte de brasileiros que, infelizmente e muito por causa dele, está longe do fim. Até mesmo porque o presidente da República se esmera em dar exemplos cotidianos que incentivam o não cumprimento das medidas de proteção recomendadas pelas autoridades médicas do Brasil e do mundo.

Com isso, dá margem a que aliados seus como o pastor Valdomiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, venda por mil reais sementes de feijão supostamente milagrosos contra a Covid-19. Mais ou menos o que Bolsonaro fez irresponsavelmente durante semanas seguidas ao receitar a cloroquina como a solução para os pacientes da pandemia, que se demonstrou inócuo em testes científicos.

Não há um governante sério no mundo que assuma posição tão absurda quanto Bolsonaro. Iguala-se a ele o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko, que prescreve vodka e sauna para combater a Covid-19, enquanto exige que todos trabalhem normalmente.

Mas Lukashenko é um ditador há 26 anos à frente da presidência da Bielorrússia, e Bolsonaro é um aspirante a ditador num país em que as instituições democráticas vão resistindo às suas investidas cada vez mais frequentes.

A sorte dos democratas, que são a maioria da população, é que Bolsonaro e seus seguidores mais fanáticos cometem tantos erros que eles mesmos vão criando obstáculos em seu caminho insensato. Nossa situação é tão dramaticamente ridícula que vizinhos como o Paraguai, Uruguai e Argentina fecham-nos suas fronteiras para evitar o contágio.

No meio médico internacional já somos classificados como o país que mais fica a dever no combate à Covid-19, e estamos atingindo recordes trágicos de mortes, com uma previsão de superarmos até os Estados Unidos em número de mortos este ano.

Ao mesmo tempo em que nossa imagem como país vai ladeira abaixo, Bolsonaro volta-se para fazer acordos ilegítimos que tentam salvar seu pescoço. Os manifestantes, bizarros mas perigosos, que mais uma vez aviltaram o Congresso e o Supremo na Praça dos Três Poderes, e o notório Roberto Jefferson bancando o xerife com uma espingarda em punho, defendendo o fechamento do Supremo e o controle de empresas jornalísticas, é o fim que Bolsonaro merece. Sua tábua de salvação é o lumpesinato e o baixo clero do Congresso, onde ele e seus filhos sempre chafurdaram.

Talvez as luvas de pelica sejam insuficientes para contê-los.


Cineclube Vladimir Carvalho indica filmes sobre isolamento social e epidemias

Propostas mostram interação entre ficção e realidade no momento em que o mundo é acometido pela pandemia da Covid-19

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Apesar de ter atividades suspensas por causa da pandemia do coronavírus, o Cineclube Vladimir Carvalho passou a indicar filmes aos quais o público pode assistir de casa. O intuito é contribuir para que a população mantenha o hábito de apreciar a cultura por meio de obras cinematográficas.
Segundo a coordenação do cineclube, cuja estrutura física é mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em cima da Biblioteca Salomão Malina, em Brasília, os filmes levam a reflexão sobre viver em isolamento social ou tem histórias diretamente relacionadas a epidemias. É uma forma de interação entre ficção e realidade, já que o mundo tem passado por uma crise sanitária global.

A seguir, veja a lista de seis filmes indicados:

1 – O menino do pijama listrado
Sinopse: Alemanha, Segunda Guerra Mundial. O menino Bruno (Asa Butterfield), de 8 anos, é filho de um oficial nazista (David Tewlis) que assume um cargo importante em um campo de concentração. Sem saber realmente o que seu pai faz, ele deixa Berlim e se muda com ele e a mãe (Vera Farmiga) para uma área isolada, onde não há muito o que fazer para uma criança com a idade dele. Os problemas começam quando ele decide explorar o local e acaba conhecendo Shmuel (Jack Scanlon), um garoto de idade parecida, que vive usando um pijama listrado e está sempre do outro lado de uma cerca eletrificada. A amizade cresce entre os dois e Bruno passa, cada vez mais, a visitá-lo, tornando essa relação mais perigosa do que eles imaginam.
Duração: 1h 30min / Drama
Direção: Mark Herman
Elenco: Asa Butterfield, Vera Farmiga, David Thewlis
Nacionalidades: EUA, Reino Unido


2 – Enigma de Andrômeda
Sinopse: Um satélite espacial cai em uma pequena cidade na Terra. Por causa da colisão, uma bactéria fatal que veio do espaço começa a dizimar a população. Enquanto isso, uma equipe de cientistas trabalha em um laboratório no subsolo tentando encontrar a cura. Eles descobrem que entre os infectados, apenas sobreviveram um bêbado e uma criança. A solução precisa ser encontrada antes que toda a humanidade seja exterminada.
Duração: 2h 11min / Ficção científica, Suspense
Direção: Robert Wise
Elenco: Arthur Hill, David Wayne, James Olson
Nacionalidade: EUA


3 – A Vida é Bela
Sinopse: Durante a Segunda Guerra Mundial, na Itália, o judeu Guido (Roberto Benigni) e seu filho Giosué são levados para um campo de concentração nazista. Afastado da mulher, ele tem que usar sua imaginação para fazer o menino acreditar que estão participando de uma grande brincadeira, com o intuito de protegê-lo do terror e da violência que os cercam.
Duração: 1h 57min / Drama, Comédia
Direção: Roberto Benigni
Elenco: Roberto Benigni, Horst Buchholz, Marisa Paredes
Nacionalidade: Itália


4 – Er Ist Wieder Da
Sinopse: Baseado no livro de mesmo título, Adolf Hitler acorda em um terreno baldio em Berlin, no ano de 2011, sem memória alguma do que aconteceu depois de 1945. Perdido, ele se vê em uma sociedade completamente diferente, onde não há partido nazista, a guerra e o país é governado por uma mulher. Ele é reconhecido pelas pessoas que acreditam que seja apenas um artista que não consegue sair do seu personagem. Mas, um discurso de Hitler é viralizado na internet, e a partir daí todos querem ouvi-lo, saber sobre ele, até que ganha um programa de televisão onde propaga suas ideias ao mesmo tempo em que tenta convencer a todos que ele é quem realmente diz ser.
Duração: 1h 56min / Comédia
Direção: David Wnendt
Elenco: Oliver Masucci, Christoph Maria Herbst, Fabian Busch
Nacionalidade: Alemanha


5 - Contágio
Sinopse: Contágio segue o rápido progresso de um vírus letal, transmissível pelo ar, que mata em poucos dias. Como a epidemia se espalha rapidamente, a comunidade médica mundial inicia uma corrida para encontrar a cura e controlar o pânico que se espalha mais rápido do que o próprio vírus. Ao mesmo tempo, pessoas comuns lutam para sobreviver em uma sociedade que está desmoronando.
Duração: 1h 46min / Drama, Ficção científica, Suspense
Direção: Steven Soderbergh
Elenco: Marion Cotillard, Matt Damon, Laurence Fishburne
Nacionalidades: EUA, Emirados Árabes Unidos


6 – Gripe
Sinopse: Bundang, no subúrbio de Seul, está passando por uma epidemia devastadora . Byung-woo (Erik Scott Kimerer) morre em decorrência de um vírus desconhecido. No início, o vírus não recebe importânica, e a população não se previce. Em pouco tempo, centenas de moradores da região são atingidos pelo vírus. O caos de instaura. O governo do país pede isolamento da área. Enquanto isso, um especialista procura o sangue que será capaz de desenvolver a vacina contra o vírus.
Duração: 1h 57min / Terror
Direção: Sung-Soo Kim
Elenco: Hyuk Jang, Soo Ae, Andrew William Brand
Nacionalidade: Coréia Do Sul


Coronavírus: Mundo vai para barbárie ou civilização?, pergunta Eduardo Rocha

Em seu artigo publicado na revista Política Democrática Online, economista aponta cenário pós-pandemia da Covid-19

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O coronavírus abriu nova página da história e desafia o gênero humano a escrevê-la e apontar para onde ir: barbárie ou civilização?”. A pergunta é do economista Eduardo Rocha, pós-graduado em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp (universidade de Campinas), em artigo que publicou na 18ª edição da revista Política Democrática Online. Apublicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, e pode ser acessada de graça no site da entidade.

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Em seu artigo, Rocha diz que o futuro das relações capital-trabalho dificilmente reeditará o formato delas antes da pandemia, que, segundo ele, nada mais é do que a “expressão superestrutural de relações de produção de um mundo que está ruindo aos olhos de todos”. “É ilusão querer que o mundo ‘volte à normalidade do passado’. Não há volta. Aquele mundo não existe mais. O caminho terminou, a viagem começa, diria Georg Lukács (1885-1971)”, diz ele, referindo-se a uma frase do filósofo e crítico literário.

O economista observa que dar respostas rápidas para salvar vidas e manter a produção e serviços é o principal desafio enfrentado em todos os países por conta da pandemia do coronavírus e da Covid-19. De acordo com ele, a violência meteórica da pandemia global do coronavírus em todo o sistema de reprodução social do gênero humano irrompe nova época histórica, cujo enigma desafia a inteligência a decifrá-la de modo a dar respostas às exigências emergenciais – salvar vidas em risco e manter a produção e serviços –, e futuras da humanidade.

“O infarto econômico mundial reconfirmou ontologicamente o trabalho – este eterno e necessário intercâmbio entre o gênero humano e a natureza para a reprodução da vida – como a força material fundante na gênese e no desenvolvimento do ser social, e revelou a necessidade de nova crítica de toda economia política vigente e a reinvenção das relações capital-trabalho”, escreve Rocha.

No Brasil e no mundo, conforme escreve no artigo da revista Política Democrática Online, surgiram excelentes estudos explicativos sobre as recentes medidas governamentais para atenuar os efeitos recessivos da pandemia que mundialmente coexiste agora com a quarta revolução industrial. “Dois fenômenos que intensificam uma conexão histórico-universal nunca vista, realçam velhas e novas contradições, operam e operarão transformações na totalidade do ser social e demandarão a criação inédita de uma governança global para a construção de uma nova sociabilidade humana ao longo do século XXI”, afirma.

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Coronavírus: Cidadania é remédio para enxergar o outro na pandemia, diz Gloria Alvares

Jornalista escreve sobre a importância de compartilhar atos do bem em meio à crise provocada pela Covid-19

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Em artigo publicado na 18ª edição da revista Política Democrática Online, a jornalista Gloria Alvarez, voluntária da Obra do Berço do Rio de Janeiro, diz que, na pandemia da Covid-19, só há uma esperança para quem se sente como “pessoa que não existe”. “Uma radical mudança no comportamento do ser humano, adotando o ato de compartilhar tempo ou dinheiro como uma ação civil transformadora e construtiva”, escreve ela. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, e pode ser acessada de graça no site da entidade.

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De acordo com Gloria, a ação civil transformadora e construtiva é possível se as pessoas deixarem de querer só para si e conseguirem enxergar quem está ao seu lado, implorando para deixar de ser invisível. A autora observa que, da noite para o dia, milhões de brasileiros ficaram desamparados, sem alternativa para substituir o desemprego ou o subemprego.

“A chegada da pandemia provocada pelo novo coronavírus fora determinante e desesperante, especialmente para aqueles milhões que não pertencem ao Cadastro Único do Ministério da Cidadania, não têm Bolsa Família, muito menos FGTS, RG, título de eleitor e um simples CPF regularizado”, lamenta a jornalista.

Um desses brasileiros, respondendo a um repórter, definiu-se como “uma pessoa que não existe”. “Foi quebrada a rotina diária de passar a montar a barraquinha de biscoitos, balas e chocolate, e ficar sob sol e chuva à espera do resultado de suas vendas”, escreve Gloria, no artigo da revista Política Democrática Online.

No final do dia, depois das contas com o “empresário” (o dono da barraquinha e dos produtos), mal ou bem, restava algum para gastar na vendinha comprando a refeição das crianças e da mulher. “Agora, nem pensar”, observa a autora. “A barraca não podia mais ser montada. O negócio terceirizado dessa ‘pessoa que não existe’ fora fulminado pelas ações preventivas para conter o vírus”, afirma.

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Coronavírus: ‘Trump não esconde sua decepção com pandemia’, diz Ricardo Tavares

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, consultor analisa impacto da Covid-19 na corrida eleitoral norte-americana

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O novo coronavírus pode ter paralisado a sociedade e a economia norte-americanas, mas a política continua sua dinâmica intensa”. A avaliação é do consultor internacional de empresas de tecnologia, Ricardo Tavares, mestre em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e membro do Council on Foreign Relations (CFR), em artigo que produziu para a 18ª edição da revista Política Democrática Online. “Trump não esconde sua decepção com a pandemia”, afirma.

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Tavares lembra que, nos Estados Unidos, os conflitos políticos estão no centro da gestão da pandemia, que está influenciando decisivamente a preparação para as eleições presidenciais em novembro deste ano. “O presidente Donald Trump faz coletivas de imprensa diárias sobre a pandemia com longas digressões que muitas vezes contradizem seus técnicos também presentes. Esta alta exposição à mídia, apesar do gerenciamento desastrado da crise, fez crescer sua popularidade”, escreve o consultor.

O mestre em ciência política observa, ainda, que, no Partido Democrata, a pandemia resolveu a disputa entre o vice-presidente Joe Biden e o senador Bernie Sanders. Segundo o artigo publicado na revista Política Democrática Online, Sanders finalmente reconheceu que não tem chance alguma de ganhar as primárias contra Biden e encerrou sua campanha. Biden é o candidato democrata à presidência.

“O Partido Republicano continuou sua trajetória de desencorajar eleitores a votarem, uma estratégia que assegura a predominância do partido na política americana, apesar de a maioria ter votado democrata em eleições recentes”, escreve Tavares. “No estado de Wisconsin, os Republicanos forçaram o voto presencial, descartando o adiamento das primárias até junho”, continua.

De acordo com o consultor, Trump não esconde sua decepção com a pandemia porque esperava fazer campanha para a reeleição em cima de seu desempenho econômico.  Em fevereiro, conforme observa o autor, a taxa de desemprego nos EUA era de 3.5%, a mais baixa das últimas décadas. Hoje, há 17 milhões de desempregados e, nas próximas duas semanas, devem ser 20 milhões, uma taxa de desemprego de 15% da força de trabalho.

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Elio Gaspari: Bolsonaro semeia a anarquia militar

Para quem vive uma pandemia e uma recessão, essa encrenca não era necessária

Quando Jair Bolsonaro falou que “o povo está conosco. As Forças Armadas, ao lado da lei, da ordem, da democracia, da liberdade e da verdade, também estão ao nosso lado”, não disse coisa nenhuma.

Foi apenas uma construção astuciosa, mas, como o capitão não consegue parar, acrescentou: “Não tem mais conversa. Daqui para frente, não só exigiremos. Faremos cumprir a Constituição. Será cumprida a qualquer preço”. Logo ele, que se julga “realmente, a Constituição” e se referiu às “minhas Forças Armadas”. Ganha um resfriadinho em Caracas quem não conseguir juntar lé com cré.

Para quem vive uma pandemia com a marca dos 10 mil mortos batendo à porta e uma inédita recessão já instalada na economia, esse tipo de encrenca não era necessária.

O capitão passou mais tempo no baixo clero da Câmara do que no Exército, onde conheceu melhor as sendas da indisciplina do que as normas da corporação. Nelas, também não se enquadrava, por exemplo, o major e ex-deputado Curió do Araguaia. Levado ao Planalto por um sentimento antipetista, Bolsonaro flerta com a anarquia militar.

Essa anarquia, resultante de divisões dentro das Forças Armadas, se fez sentir na política brasileira do século passado, até que perdeu ímpeto em 1977 e desapareceu com a redemocratização.
Na crise que Bolsonaro incentiva, misturam-se ingredientes tóxicos. O primeiro deles é a influência de sua família no governo.

O que restava do prestígio militar do marechal Henrique Lott, poderoso ministro da Guerra de 1954 a 1959, esvaiu-se em 1962, quando sua filha Edna elegeu-se deputada estadual. Com 3 dos 5 presidentes-generais (Castello Branco, Emílio Médici e Ernesto Geisel), a história foi outra, e seus familiares não se metiam no governo. Castello demitiu um irmão porque aceitou um presente e não moveu um dedo quando a Marinha negou ao seu filho a promoção a almirante.

O segundo ingrediente tóxico vem a ser o “núcleo militar” formado no Planalto. É composto por militares da reserva e por um general da ativa agregado. Governos que não tiveram essa bizarrice funcionaram: José Sarney, Fernando Henrique Cardoso e Lula. Os que a tiveram: Costa e Silva e, de certa forma, Figueiredo, deram-se mal. Fora da linha de comando, só há a bagunça.

O terceiro ingrediente é a simpatia de Bolsonaro pela opinião de sargentos e suboficiais, somada ao expresso apoio dado a policiais militares amotinados. A ele se junta uma militância parruda e agressiva.

Nos últimos 50 anos, o Brasil teve dois tipos de chefes militares no Exército: aqueles de quem se sabia o nome e aqueles de quem não se sabia. Orlando Geisel e Leônidas Pires Gonçalves estiveram no primeiro grupo. Um enquadrou os generais depois da anarquia de 1969, na crise da doença de Costa e Silva. O outro, comandou-os no governo Sarney, quando baixou o chanfalho no capitão Bolsonaro.

Depois, no segundo grupo, vieram dois chefes que comandaram a força por 13 anos. Deles não se fala e eles também não falam. Quem cruzar com os generais Gleuber Vieira e Enzo Peri na rua, não saberá quem são.

A ambos aplica-se a lição que Ernesto Geisel deu a um paisano que lhe perguntou quem era um general que ele promoveu à quarta estrela. “Um grande oficial, e a prova disso é que você não sabe quem é.” Chamava-se Jorge de Sá Pinho.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


Vinicius Torres Freire: Más notícias sobre o tamanho da crise

Indústria cai mais que previsto; ritmo ainda forte da epidemia trava mais o PIB

Aos poucos, as notícias da epidemia caem pelas tabelas. São substituídas pelo conta-gotas dos vazamentos do "caso Moro", pelas ameaças semanais de golpe presidencial e pelas evidências diárias de tutela militar. Sim, tutela, pois os generais soltam comunicados em que pressupõem seu poder moderador e afirmam em público e oficialmente o que entendem ser a justa medida das relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

Parece até que a epidemia se tornou uma rotina inevitável de morte e destruição econômica. Foi para escanteio o debate das medidas extras para atenuar a crise. Foi para a lateral a conversa sobre a necessidade de mais UTIs, ventiladores, testes.

A economia afunda? Quanto? Não se sabe bem, e pouca gente parece querer saber. Em março, a produção da indústria caiu mais de 9% ante fevereiro. A estimativa média era de queda de uns 4%. Parece faltar informação sobre o tamanho da desgraça e, portanto, medida razoável da reação necessária para atenuá-la.

Abril deve ter sido pior na indústria, pois foi um mês inteiro de paradão da pandemia. Projeção preliminar de economistas do Bradesco indica uma baixa de outros 6%, sobre março. Despiora? Ressalte-se: é queda sobre queda, cava-se dentro de um buraco.

Os serviços são um setor muito maior na economia; pode ser que uma despiora salve abril de um desastre geral maior. Mas não sabemos.

Os economistas do departamento de pesquisa macroeconômica do Bradesco também fizeram um primeiro exercício sobre o que pode ser a queda da renda em meses de epidemia. Isto é, o que dá a soma dos rendimentos totais do trabalho, dos benefícios sociais habituais e os benefícios sociais específicos para os tempos de epidemia?

No exercício, é considerada a massa mensal dos rendimentos do trabalho (soma de todos os "salários"). Supõe-se que o rendimento médio dos trabalhadores formais caia 25%; o dos informais, 50%. Haverá compensação parcial dessa perda, com seguro-desemprego extra e o auxílio emergencial para os informais. Os benefícios sociais rotineiros continuam na mesma.

A perda total de massa de rendimentos seria então de pouco mais de 8% por mês, neste exercício ainda muito preliminar e pouco balizado por dados reais de salários, que tão cedo não vão existir, aliás. Caso essa situação se estendesse para o ano todo, o consumo das famílias cairia quase 6%. O PIB, mais de 6%.

Não é o cenário desses economistas, que ora preveem queda de 4%, pois imagina-se alguma recuperação na segunda metade do ano.

A gente só pode imaginar, porém. O ritmo da economia depende também do ritmo da epidemia, com ou sem isolamento social. Faz mais de dez dias que há dúvidas sobre o ritmo do espalhamento da doença e suas mortes. Não sabemos desde fins de abril se o ritmo da doença parou de fato de desacelerar (se a taxa de crescimento de mortes está caindo).

Caso a epidemia não desacelere de modo relevante, medidas de isolamento e o medo recessivo da doença vão durar por mais tempo: mais mortes por mais tempo, mais meses desespero nos hospitais, mais medo nas ruas e nos negócios, mais dificuldade de retomada de alguma vida normal. Mais do que a pior da história conhecida, a recessão seria convulsiva.

Como se diz faz dois meses, a desaceleração da epidemia depende de isolamento e outras políticas de contenção do espraiamento da doença, para qual não há plano do governo federal, que sabota de resto as medidas regionais e locais mais sensatas. Pouca gente ainda parece ligar.