pandemia
Hélio Schwartsman: Bandeiras esmigalhadas
É difícil vislumbrar um futuro tranquilo para o governo Jair Bolsonaro
O governo Bolsonaro é tão “sui generis” que deu férias para a oposição. Ele mesmo se encarrega de sabotar a si próprio. Mas, se tivéssemos uma oposição atuante, ela estaria agora empenhada em explorar ao máximo a notícia, divulgada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, de que Flávio Bolsonaro usou dinheiro vivo supostamente recolhido por Fabrício Queiroz em gastos pessoais.
É uma situação de puro simbolismo. Verbas públicas desviadas para o pagamento de despesas indisfarçavelmente pessoais como a escola das filhas e o plano de saúde da família são, no imaginário popular, a definição mesma de corrupção.
A confirmar-se uma denúncia sólida de envolvimento do filho número um num caso de desvio de dinheiro público, vai-se uma das últimas racionalizações ainda usadas pelo eleitor não arrependido de Bolsonaro: “pelo menos é honesto”. A honestidade, afinal, exigiria do primeiro mandatário, senão que denunciasse o próprio rebento, ao menos que não violasse princípios republicanos para protegê-lo.
Uma a uma, estão caindo todas as bandeiras defendidas por Bolsonaro durante a campanha eleitoral. A retórica antissistema se foi com a aliança com o centrão. O discurso liberal é cada vez mais escanteado, em parte porque a epidemia exige mesmo maior atuação do Estado, em parte porque a conversão de Jair nunca foi autêntica. A promessa de combater a corrupção, que já sofrera abalo com a demissão de Sergio Moro, vira agora migalhas.
É difícil vislumbrar um futuro tranquilo para o governo. Hoje, só temos duas certezas: a economia ainda vai piorar bastante e a epidemia vai fazer muito mais vítimas antes de refluir. Nenhuma delas sugere dias fáceis para Jair Bolsonaro.Hélio Schwartsman
*Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".
Fernando Reinach: Navegar ao sabor do vírus
Abrimos mão de controlar a pandemia e o vírus está nos levando para onde deseja
Navegar ao sabor do vento significa içar vela e deixar que o vento nos leve para onde soprar. É abrir mão de comandar o futuro. O Brasil está navegando ao sabor do vírus. Abrimos mão de controlar a pandemia e o vírus está nos levando para onde deseja. Talvez mais lentamente do que poderia, pois não levantamos completamente a vela: lavamos as mãos, usamos máscaras e fazemos um mínimo de isolamento. Sem dúvida estamos caminhando em direção à tragédia, mas em câmara lenta, e não temos planos para retomar o controle. É a consumação da estratégia que chamei em 9 de maio de imunidade de rebanho por incompetência.
Ao sabor do vírus a pandemia no Brasil só terminará quando atingirmos a imunidade de rebanho, o único mecanismo biológico conhecido que inibe a propagação do vírus sem intervenção humana. Navegar ao sabor do vírus pode custar a vida de até 1% dos contaminados. A imunidade de rebanho geralmente ocorre quando 70% a 80% da população suscetível tiver sido infectada. Talvez ocorra antes, mas chegaremos lá antes de a vacina estar disponível. Isso é quase uma certeza. Quais são as evidências de que navegamos ao sabor do vírus? O gráfico abaixo, cortesia do meu amigo Cal, mostra nossa rota desde a chegada do vírus no Brasil.
No eixo vertical estão os números de novos casos por dia, por milhão de habitantes, em cada um de quatro países. Os dados diários foram plotados como uma média móvel de sete dias. O Brasil registra hoje por volta de 150 novos casos, a cada dia, por milhão de habitantes (sem contar as subnotificações), um número maior que os 90 registrados nos Estados Unidos. No eixo horizontal estão os dias que se passaram desde que cada país registrou um caso por milhão de habitantes. Isso ocorreu quando o Brasil registrou 220 novos casos por dia, os EUA, 330, o Reino Unido, 66, e a Itália, 60.
É fácil observar como a Itália, após um crescimento rápido do número de casos por dia, impôs um lockdown rigoroso após o dia 30 e tomou controle do barco. Passados 90 dias, estava com a pandemia sob controle. O Reino Unido demorou para responder e o lockdown veio mais tarde. Mas desde o dia 60 conseguiu reduzir o número de novos casos por dia. Os EUA também se assustaram com o crescimento rápido dos novos casos, implementaram um lockdown nas principais cidades, conseguiram estabilizar o número de novos casos, mas quando começaram a tomar pé da situação relaxaram o distanciamento social. Os resultados da abertura são gritantes, o crescimento rápido do número de novos casos por dia já está ocorrendo.
O mais impressionante é o barco brasileiro. Medidas brandas de distanciamento social retardaram o crescimento da pandemia, que cresceu lenta e livremente por 80 dias. Quando as medidas estavam começando a fazer efeito, veio o relaxamento do distanciamento social e a pandemia voltou a crescer mais rapidamente do que antes, totalmente fora de controle.
O pior no Brasil é que simplesmente não temos um plano para controlar esse crescimento. O exemplo mais claro dessa atitude é o anúncio da abertura das escolas no Estado de São Paulo. Ele deve ocorrer no início de setembro caso todas as áreas do Estado estejam com níveis de propagação classificadas como verde já no início de agosto. O problema é que não foi anunciado simultaneamente um plano capaz de garantir que o Estado de São Paulo atinja essa a condição no início de agosto. Sem executar algum plano seguramente não chegaremos lá, pois São Paulo está batendo todos os dias os recordes de novos casos por dia e número de mortes por dia. Ou seja, as escolas não abrirão em setembro se o governo cumprir o que decretou.
Até agora as medidas anunciadas são inócuas para controlar a pandemia. Oferecer mais leitos de UTI ajuda os pacientes graves, o que é importante, mas não diminui o número de casos. E esse aumento tem limite, que eram respiradores, mas de agora em diante serão profissionais da saúde capazes de atender um número crescente de leitos. Liberar gradativamente as atividades ao menor sinal de desocupação de leitos vai seguramente na direção oposta do controle, pois cada liberação significa levantar um pouco mais a vela desse barco que navega ao sabor do vírus.
E a testagem em massa? Ela tem sido um fracasso em nosso Estado e em todo o País. Os governos sequer detalham o que significa esse termo e como ele pode levar ao controle da pandemia. O número de testes de RT-PCT, que detectam pessoas durante a fase em que estão transmitindo o vírus, e podem ser usados para isolar pessoas que estão transmitindo a doença, são executados em número ínfimo. Pululam iniciativas governamentais baseadas em testes sorológicos, que, sabemos muito bem, somente identificam pessoas que já passaram pela fase crítica da doença e já contaminaram quem deveriam contaminar. São inúteis para controlar a doença e uma bênção para o vírus.
Em suma, não existe nenhuma medida em andamento que tenha alguma chance de reverter o andamento da pandemia nos próximos meses. Nenhuma.
A impressão é que nossos governantes esperam por algum milagre, alguma intervenção divina que provoque a diminuição do espalhamento da doença de maneira mágica, sem que eles tenham de executar algum plano que tenha embasamento científico. Como a fração da população já infectada ainda é baixa, não existe nada no horizonte que vai conter o crescimento diário do número de novos casos em 2020. Estamos navegando ao sabor do vírus com a vela a meio mastro.
*É BIÓLOGO
Adriana Fernandes: Diálogo da Renda Básica
O tema amadureceu diante do aumento da pobreza e dos milhões de ‘invisíveis’ do País
Ninguém segura mais o debate sobre o fortalecimento dos programas sociais na direção de uma renda básica no Brasil após o fim do auxílio emergencial de R$ 600, criado na pandemia do coronavírus para socorrer a população de baixa renda.
Ele está em pleno voo, como tem mostrado uma série de reportagens do Estadão. O tema amadureceu com velocidade inimaginável há seis meses, diante do aumento da pobreza durante a pandemia, que clareou a fotografia dos milhões de “invisíveis” no País.
Congresso e governo se movimentam para não perder esse bonde que se movimenta em alta velocidade por sobrevivência política. Cada um a seu modo. A questão no momento é como financiar o aumento das transferências sociais num cenário de piora das contas públicas, com a dívida pública no caminho de 100% do Produto Interno Bruto (PIB) e a restrição do teto de gastos.
Se quiser mesmo avançar num programa de fortalecimento dos programas sociais e não ser atropelado, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá de chamar para o diálogo (melhor que seja o mais rápido possível) os parlamentares e os principais especialistas do tema no Brasil envolvidos na elaboração de uma proposta de renda básica.
Eles são muitos e com grande experiência acumulada em quase 30 anos, desde a apresentação do primeiro projeto de lei de garantia de renda mínima, pelo ex-senador Eduardo Suplicy em abril de 1991.
O grupo tem apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que quer ver aprovado o novo programa ainda durante sua gestão no comando da Casa, para deixar sua marca reformista.
Nessa negociação, o governo, que desenha o Renda Brasil (programa que pretende colocar no lugar do Bolsa Família), não poderá fazer o que fez durante a implementação do auxílio emergencial de R$ 600. Não ouviu quem muito sabe do assunto e não deu transparência total aos dados do programa, sobretudo às informações dos pedidos negados e em análise. O auxílio completa 80 dias neste sábado e tem gente que ainda está em análise.
Muitos erros que ocorreram na implementação do benefício foram apontados antes por esse grupo e ignorados pelo Ministério da Cidadania. Agora, a pressão da sociedade civil aumentou para estender o auxílio até o final do ano (ou seja, mais seis parcelas), e o governo tenta organizar e oferecer a prorrogação por mais três parcelas de R$ 500, R$ 400 e R$ 300, resultando num valor total de R$ 1.200.
O governo tenta ganhar tempo para fechar sua proposta. Uma espécie de transição para impedir, na prática, que não só o Congresso amplie muito as parcelas do auxílio (elevando o endividamento público) mas também que o fim do auxílio fique com o carimbo do presidente Jair Bolsonaro.
Há poucos dias, Bolsonaro disse que não tinha dinheiro para manter o valor do auxílio. Depois voltou atrás, durante a live da última quinta-feira, com a oferta dos R$ 1.200 em três parcelas. O anúncio ocorreu no mesmo dia em que um grupo de 45 parlamentares apresentou projeto de lei para conceder mais seis parcelas e alterar as regras.
A negociação está só começando, e o mais provável é um entendimento no meio do caminho, provavelmente três parcelas de R$ 600. Cada uma delas ao custo de R$ 51,5 bilhões.
A oposição a Bolsonaro já viu que a digital do presidente no programa pode lhe favorecer nas próximas eleições, principalmente em redutos onde não tinha penetração. Com esse perigo, não dá sinais para o diálogo. Pelo contrário, afirmam que Guedes, com sua cartilha liberal, blefa ao falar de aumento dos programas sociais.
Sem o diálogo, as mudanças legais para arrumar o dinheiro que vai irrigar as transferências não serão aprovadas, mesmo com a aliança entre Bolsonaro e as lideranças do Centrão.
A equipe econômica não blefa quando acena com o fortalecimento dos programas por uma simples razão. Não quer perder o teto de gastos e tenta de alguma forma “organizar” as prioridades para conseguir abrir espaço nas despesas para a política social. Para isso, gastos terão de ser revistos e enfrentados pelo Congresso.
Como mostrou o Estadão, cálculos da equipe econômica já apontam a intenção de dobrar o orçamento do Bolsa Família, de R$ 32 bilhões, com remanejamento de despesas de programas ineficientes.
O tempo dirá se é blefe ou necessidade de tomar a dianteira para não ser atropelado pela mudança do teto ainda esse ano, que está na berlinda. A flexibilização do teto parece cada vez mais inevitável, mesmo com a avaliação da equipe econômica de que dá para aumentar os recursos para o programa social sem mexer nele.
O tempo dirá. Maia surpreendeu ao não descartar a mudança no teto em live promovida pela Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado.
Por ora, o que se pode esperar é uma renda mínima que contemple mais pessoas. Não será uma renda básica universal e sem condicionantes. Mas ficará mais próxima dela. Não será pouco garantir essa mudança, diz à coluna o presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, Leandro Ferreira, que reúne 163 organizações da sociedade civil. O diálogo passa por elas.
Benito Salomão: Renovar o auxílio emergencial?
O Brasil caminha para adentrar no quinto mês de Coronavírus e é o atual epicentro mundial da pandemia. O conjunto de erros cometidos pelo governo federal na gestão da pandemia, deu ao Brasil este nefasto status, o Brasil é hoje o exemplo mundial do que não se fazer em termos de medida de combate a uma crise sanitária. Diante da evidente deterioração do panorama econômico, em simultâneo ao descontrole do quadro epidemiológico, a proposta de prorrogar por mais 3 ou 4 meses o auxílio emergencial pago a trabalhadores informais ganha força na Câmara dos deputados.
No começo da crise escrevi o artigo Macroeconomia em Tempos de Coronavírus em que defendi um auxílio emergencial de 1 salário mínimo para as camadas vulneráveis, a ser pago pelo tempo que durasse a quarentena. No meu entendimento, para que o programa cumprisse sua finalidade, deveria o pagamento deveria ser condicionado a uma rigorosa quarentena entre 2 a 3 meses. Os 53 milhões de brasileiros atendidos por um coronavaucher de R$1.000,00/mês, custaria aos cofres públicos cerca de R$212 bilhões em quatro meses. Isto ao lado de outras medidas também adotadas como a antecipação do 13°, a liberação de saques do FGTS, além do pagamento serviriam para arrefecer a ansiedade das populações, sobretudo as mais pobres, para cumprirem seu isolamento social com segurança. Investir R$212 bi na segurança da população não seria um custo, se a quarentena tivesse sido respeitada e talvez hoje tivéssemos 20 ou 25 mil mortos a menos.
Ao contrário da nossa sugestão inicial, Executivo e Legislativo negociaram em conjunto um auxílio emergencial de R$600,00/mês por três meses e o custo total da política foi de aproximadamente R$95,4 bilhões. Entretanto, o isolamento social foi definitivamente abandonado como estratégia sanitária de enfrentamento da proliferação da doença e o Brasil se aproxima de 60.000 óbitos pela síndrome. Ultima vez que um episódio exógeno ceifou a vida de 50 mil brasileiros foi há 150 anos atrás, na guerra do Paraguai que durou 6 anos. Agora que o desastre humanitário já é um fato e a economia vai apresentar uma queda de dois dígitos em 2020, novamente executivo e Legislativo dialogam no sentido de prorrogar o Coronavaucher. Isto deverá causar um gasto primário extra de R$95,4 bi, ou seja, ao final de setembro o Tesouro terá gasto cerca de R$201 bilhões no pagamento do auxílio para os informais.
Não é sobre gastar ou poupar recursos públicos, é sobre qualidade do gasto público. Ao final o Brasil gastará em 6 meses um montante muito próximo do que gastaria em 4 meses pagando minha proposta inicial de 1 salário mínimo. No entanto, o pagamento do auxílio na ausência da obrigação de uma quarentena efetiva gerou a despesa, mas não evitou os 60 mil óbitos. Como sempre gasto público no Brasil é empenhado em função das suas intenções e não em função dos seus resultados e a prorrogação do coronavaucher por mais três meses novamente vai se orientar por esta lógica. A pergunta é, qual o motivo de se ampliar o tempo do benefício sem a exigência de uma contrapartida da população? Defendo até que dadas as condições socioeconômicas vigentes o auxílio seja estendido, no entanto, isto precisa estar atrelado a outras políticas e a resultados, não pode ser apenas um benefício.
Mas não foi apenas no pagamento do Coronavaucher que a política pública fracassou, praticamente todas as medidas de enfrentamento ou foram tímidas, ou foram concebidas com atraso, ou simplesmente não existiram. O SUS foi realmente fortalecido? O número de leitos ampliados de forma não apenas a socorrer neste momento de pandemia, mas de suprir deficiências históricas que o sistema apresentava? Tais como filas em cirurgias eletivas, falta de leitos, insuficiência de insumos e equipamentos descoordenação?
E a educação? Em todos os seus níveis parada sob pretexto de que uma porção relevante dos seus alunos não dispõem de instrumentos básicos como computadores e acesso à internet para acompanhar o ensino remoto, ou ainda que parte expressiva dos professores não domina o uso de tecnologias que já apontam para o futuro da docência no século XXI. Tal constatação é perfeitamente pertinente, mas as crianças do resto do mundo estão tendo aula remotamente mesmo diante da pandemia. Por que o MEC não aproveitou o pretexto da pandemia para lançar um amplo programa de inclusão digital das famílias e regiões mais pobres do Brasil? Utilizando bancos públicos para subsidiar parte dos equipamentos adquiridos por estes alunos e vinculando inclusive (e apenas neste caso já que se trata de um subsídio) a compras de computadores e tablets produzidos pela indústria doméstica?
Muito se argumentou que “iriam morrer mais pessoas de fome do que pelo Coronavírus”, de repete se descobriu que na maior potência produtora de alimentos do mundo, existem pessoas que passam fome. Por que não se criar consórcios públicos de compra de alimentos da agricultura familiar e utilizar o exército ou até mesmo a expertise dos Correios (uma das poucas empresas de logística no mundo com estas características) para distribuir alimentos nos subúrbios das grandes cidades? Ou mesmo nos rincões do país? E o envio através do exército de caminhões pipas para que os 39 milhões de brasileiros desabastecidos de água tratada pudessem se higienizar nas periferias das grandes capitais?
O Brasil vai ter um déficit primário de 12% do PIB este ano, deve se desfazer ainda de uns 4% do PIB em reservas internacionais com impacto fiscal e a sensação que se tem é a de onde está sendo empregado este dinheiro? Não se vê o emprego destes recursos acontecendo na prática. Se o déficit era inevitável que ao menos fosse utilizado salvando a população e construindo um novo Brasil.
Benito Salomão é doutorando em Economia UFU e visiting researcher na UBC.
‘Witzel poderá ser primeiro governador do Rio a sofrer impeachment’, analisa Paulo Baía
Em artigo publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online, sociólogo diz que governador também implantou política de extermínio do ‘tiro na cabecinha’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O sociólogo e cientista político Paulo Baía, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), diz que o comportamento inefável do governador Wilson Witzel (PSC) contaminou todos os níveis da administração pública do Estado. “O ex-juiz federal apostou na grave crise de violência, expondo o abismo da segregação que os moradores das favelas vivenciam, ao implantar uma política de extermínio do ‘tiro na cabecinha’”, diz, em artigo de sua autoria publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online. “O ex-juiz federal poderá ser o primeiro governador do Rio a sofrer impeachment”, afirma, em outro trecho.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com o autor do artigo, Witzel incentivou ações ilícitas de agentes públicos das forças policiais e, para completar, acabou com a corregedoria externa e a ouvidoria das polícias. “Uma de suas medidas centrais foi desfazer a Secretaria de Segurança Pública, recriando as fracassadas Secretarias de PM e de PC, que funcionaram de 1983 até 1994”, lamenta o sociólogo.
No artigo publicado na revista Política Democrática Online, Baía lembra que as demais secretarias foram assumidas, com raras exceções, por pessoas sem lastro administrativo, escolar e acadêmico, evidenciando a ausência de pessoas com expertise em governança pública. “Desde que tomou posse, em janeiro de 2019, o governador passou a ser protagonista de uma ‘ópera bufa’, com atitudes e falas capazes de demonstrar o quanto ter poder era seu maior objetivo, com atitudes espalhafatosas e comportamento de líder que pretendia fazer história com bravatas e mortes”, critica.
A crise sanitária da Covid-19, de acordo com o cientista político, escancarou o descalabro das violências policiais e milicianas contra jovens pretos, pobres, favelados e moradores das periferias. “De tal forma que o ministro Edson Fachin, em ato judicial inédito, concedeu liminar proibindo as ações policiais em favelas, sem justificativa prévia informada ao MPE e ao Poder Judiciário”, escreve.
Apesar de o ex-juiz querer ser o representante de uma renovação política, com as vistas postas no Planalto, conforme analisa o artigo, Witzel cometeu erros crassos por não fiscalizar medidas fundamentais, como a contratação milionária com empresas sem tradição e de baixíssimo capital social.
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Humberto Saccomandi: Uma epidemia de ódio ameaça EUA e Brasil
O ódio político pode afetar a economia pois leva ao impasse
Cuidado com a sua raiva. Raiva do presidente Jair Bolsonaro, do PT, do STF, do MST, da mídia, do movimento LGBT, dos ambientalistas, do seu colega evangélico, do seu primo que pede intervenção militar. A raiva política, que parece ter o efeito positivo de ressaltar nossas convicções e/ou indignações, provavelmente está trazendo prejuízos a todos. É um epidemia para a qual não existirá vacina tão cedo.
Essa é, adaptada ao Brasil, a tese de Steven Webster, professor de Ciências Políticas na Universidade de Indiana (EUA), que lancará em setembro o livro "American Rage", a raiva americana. Há uma extensa literatura recente que tenta lançar luz sobre o crescente fenômeno da polarização política nos EUA. Webster disse ao Valor que se concentrou nas consequências sistêmicas.
Para ele, a raiva ao oponente político virou a força dominante da política americana. E essa extrema polarização está destruindo a confiança das pessoas nas instituições, o que leva a um governo disfuncional, ameaça a democracia e causa prejuízos à economia. Isso parece ocorrer no Brasil também.
A disfunção ficou evidente na reação catastrófica dos dois países, na área da saúde, à epidemia. Para os apoiadores de Donald Trump/Bolsonaro, a cloroquina era uma solução, apesar da evidências científicas de que o medicamento não funciona. Os presidente não buscaram políticas de consenso nem colaboração com os Estados. Agora, ambos ignoram a disparada no número de casos.
Sempre houve raiva política na história dos EUA. O que há de novo nos últimos 25 anos, diz Webster, é a extensão da raiva dos americanos e a frequência com que eles estão dispostos a expressá-la.
Ele atribui isso a três fatores principais: um é o casamento da identidade partidária com a identidade racial, cultural ou ideológica. “Cada vez mais os republicanos são o partido dos brancos, e os democratas são uma coalizão multiétnica. Essa diferente composição influencia as políticas que os partidos acabam defendendo.”
Os outros dois fatores são: as mudanças na mídia, com a importância crescente da mídia explicitamente partidária; e as novas tecnologias de internet, que facilitam a expressão do ódio. É mais fácil ser agressivo com alguém numa rede social, sentado no sofá de casa, do que fazê-lo socialmente, num bar.
“Trata-se cada vez mais de um jogo de soma zero. Minha vitória é a sua derrota, e vice-versa. Houve uma transição de eu perceber que há pessoas que discordam de mim para eu achar que essas pessoas são oponentes a serem derrotados”, diz Webster. “A raiva leva as pessoas a enxergar os outros pela lente da política, e não como pessoas, numa espécie de desumanização política. Os apoiadores do outro lado são vistos cada vez mais como uma ameaça ao bem-estar do país e até como menos inteligentes.”
Essa polarização pela raiva não foi criada nem por Trump nem por Bolsonaro. Ela os precedeu e é provável que continuará depois deles. Mas ambos deliberadamente a fomentam e se nutrem dela.
Webster diz que os dois principais partidos americanos mudaram e rumam para os extremos. Mas ele condivide a teoria da polarização assimétrica, isto é, que os republicanos foram mais para a direita do que os democratas para a esquerda. E, para se justificarem, precisam tentar colar no oponente a pecha de extremista. Trump repete todo dia que os democratas foram tomados por radicais. No Brasil, qualquer um que se oponha a Bolsonaro vira instantaneamente socialista ou comunista.
“O ódio político pode afetar a economia porque leva ao impasse. Se os eleitores estão com raiva do partido rival, isso cria o incentivo para as autoridades eleitas não façam acordos com membros do outro partido. E sem esse entendimento suprapartidário, é difícil enfrentar grandes questões nacionais”, disse.
O Medicare, o programa de saúde público para pessoas com mais de 65 anos, criado em 1965, no governo do democrata Lyndon Johnson, só passou no Congresso dos EUA graças ao voto favorável de 13 senadores republicanos, pois 7 senadores democratas votaram contra. Quando o Obamacare, seguro saúde compulsório com ampla participação privada, foi aprovado em 2010, nenhum deputado ou senador republicano votou a favor. Trump não conseguiu derrubar o programa, mas o desidratou. Com isso, dezenas de milhões de americanos enfrentam agora a epidemia sem plano de saúde.
Nem todo o mundo é assim, claro. A Dinamarca aprovou nesta semana um ambicioso plano de cortar as emissões de carbono em 70% até 2030. A proposta teve o apoio de mais de 95% do Parlamento. Os principais lobbies empresariais defendem o plano, ainda que ele possa levar a um aumento de impostos para financiar a conversão energética.
No Brasil e nos EUA, esse consenso é impossível. Temas de ambiente e aquecimento global foram colocados no escaninho da esquerda. Viraram não-assunto para a direita. Do mesmo modo, limitar a imigração é tema ignorado pela esquerda, apesar de ser demanda legítima de parte da população.
O candidato democrata, Joe Biden, pode não alimentar o ódio na sua campanha, mas ele quase não precisa disso, pois boa parte do país já tem tanta raiva de Trump e só a presença do presidente nas eleições já basta. “E é muito provável que grupos democratas explorem essa raiva.”
Ainda que a raiva possa ajudar os democratas nas eleições, ela é um risco à democracia, diz Webster. “Quanto mais os EUA ficarem polarizados, mais difícil se tornará manter a democracia. A democracia requer confiança, fazer concessões, um equilíbrio delicado, cada vez mais raro.”
Há saída para essa epidemia de ódio? “Espero, mas sou pessimista”, diz Webster. “Acho que será preciso algo grande e que afete todo o país para fazer as pessoas deixarem de lado a sua natureza partidária. Há evidência de que, quando algo as fazem se enxergar como americanos, e não democratas ou republicanos, isso reduz a hostilidade. Foi o que ocorreu no 11 de Setembro. A confiança no governo aumentou, o presidente George W. Bush teve a sua maior aprovação e muita gente trabalhou junto para um objetivo comum. É difícil saber se isso é factível sem que algo terrível aconteça. E ninguém deseja um ataque terrorista.”
Ele recomenda conter a raiva. “Uma dose de raiva é bom, pois eleva a participação na politica. Precisamos de uma quantidade saudável de raiva, não demais”.
*Humberto Saccomandi é editor de Internacional
Fernando Gabeira: Uma pausa para avançar
Além da pandemia, por décadas vamos sentir os efeitos da passagem de Bolsonaro pelo pode
A leitura da História da Europa nos anos 30 mostra uma longa tensão bélica entrecortada por pausas que enchiam de esperança os que sonhavam com a paz. Poucos percebiam, como Winston Churchill, quão importante era aproveitar os momentos de tensão para se preparar para um confronto inevitável.
Guardadas as proporções, o Brasil entra numa pausa com a prisão de Fabrício Queiroz. Jogado na defensiva pelos diferentes processos no Supremo, um contra fake news, outro contra manifestações com bandeiras ilegais, Bolsonaro tende a se acalmar por alguns dias.
Toda a sua energia certamente estará concentrada em se defender do pepino do tamanho de um cometa que ronda seu governo. A presença de Fabrício Queiroz na casa do advogado da família Bolsonaro levou, de novo, não só os problemas de Flávio Bolsonaro, mas a incômoda questão das milícias cariocas para o terceiro andar do Palácio do Planalto.
Dificilmente, nesse período, crescerão as manifestações pedindo o fechamento do Congresso e do STF. Muito menos Bolsonaro, Mourão e o ministro da Defesa devem lançar novas notas afirmando que as Forças Armadas não aceitam julgamentos políticos. Isso agora soaria como um blefe.
Muito possivelmente Bolsonaro perdeu terreno nas Forças Armadas e também na faixa de seu eleitorado que esperava a luta contra a corrupção. Nesta última ele já havia perdido com a saída de Sergio Moro do governo denunciando suas tentativas de intervir na Polícia Federal do Rio. E as perdas se acentuaram quando firmou aliança com o Centrão, uma espécie de seguro contra o impeachment, que nem sempre é honrado pelos contratantes.
Quando a prisão de Queiroz apertou o botão “pausa” a sociedade estava se organizando para deter o golpe e fazer frente à política nefasta de Bolsonaro. Manifestações de rua surgiram aos domingos e manifestos brotaram de vários setores, indicando a possibilidade de uma frente democrática em gestação.
Nesse momento também a pandemia atingia seu auge, ultrapassando a casa de 1 milhão de contaminados e 50 mil mortos. O Brasil tornou-se um país a ser evitado. O fracasso no combate à pandemia, impulsionado pelo negativismo de Bolsonaro, afasta os potenciais visitantes.
A destruição da Amazônia, que pode alcançar 16 mil km2 no prazo de um ano, por sua vez, afasta os investidores. Fundos de pensão responsáveis por investimentos gigantescos podem voltar as costas ao Brasil, por causa da destruição da floresta e a cruel política para os povos indígenas.
Bolsonaro não torna o País inviável apenas simbolicamente, arrasando a cultura e atropelando nosso patrimônio histórico. Ele nos coloca nas piores condições possíveis para superar a profunda crise econômica, agravada pela pandemia. Embora o ministro Paulo Guedes veja um futuro brilhante pela frente, grandes economistas brasileiros, ao contrário, veem no horizonte uma das grandes privações por que passará o Brasil em sua História.
Quem se preocupa com a democracia apenas quando se aquecem os motores dos tanques militares pode ter uma falsa sensação de alívio. A democracia continuará exposta a pequenos golpes cotidianos Além disso, quanto menos margem de manobras Bolsonaro encontrar, mais possibilidade de buscar ações desesperadas.
Enquanto a sociedade se move, ainda lentamente por causa da pandemia, o confronto com as aspirações golpistas concentrou-se na reação do Supremo Tribunal Federal. Infelizmente, o Congresso recuou para segundo plano, talvez temeroso da agressividade da militância bolsonarista.
É preciso que os deputados e senadores superem a fixação numa salvação individual nas eleições. Os deputados da extrema direita, segundo a PGR, usam verbas parlamentares para mobilizar o fechamento do próprio Congresso. Não há como se esconder atrás das togas negras do Supremo. É necessária uma frente democrática no próprio Congresso.
“Somos poucos”, dirão os deputados. Mas não importa tanto o número, o importante é começar. Se a pausa acionada com a prisão de Queiroz for entendida como um momento de distensão, uma época para simplesmente deixar andar o processo judicial, ela pode trazer surpresas desagradáveis…
Naturalmente, os processos legais têm de ser acompanhados. Mas os danos ao País continuam a ocorrer. E a chegada de momentos mais dramáticos da crise econômica pede a construção de redes de solidariedade.
Diz a OMS que o mundo sentirá por décadas os efeitos da pandemia de coronavírus. No caso brasileiro, além da pandemia, vamos também sentir por décadas a passagem de Bolsonaro pelo poder.
No trabalho de reparo dos estragos e reconstrução do futuro não pode haver pausa. Mesmo porque as desgraças não nos abandonam nem no cotidiano. O mínimo que esperamos de novo, nessa pausa, é uma voraz nuvem de gafanhotos que nos invade pelo sul do País.
Um aumento de chances de vitória é uma razão suficiente para intensificar a luta. Quanto menos nos preparamos para ela, mais difícil será o desfecho. Sem necessariamente estabelecer um paralelo com o nazismo, a História dos anos 30 é uma aula sobre as hesitações da democracia diante de um perigo no horizonte.
*Jornalista
‘Não há solução econômica sem solução sanitária’, diz economista Benito Salomão
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, pesquisador aponta ‘recuperação econômica errante’
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Não há solução econômica sem prévia solução sanitária, de acordo com o economista Benito Salomão, doutorando em Economia pela UFU (Universidade Federal de Uberlândia) e pesquisador visitante da University of British Columbia. Em artigo de sua autoria que publicou na 20ª edição da revista Política Democrática Online, ele critica o governo. “O Brasil fracassou ao lidar com a pandemia quando o presidente [Jair Bolsonaro] se aliou ao vírus e sabotou as medidas de isolamento social”, afirmou.
Acesse aqui a 20ª edição da revista Política Democrática Online
De acordo com Salomão, a postura do governo brasileiro, fatalmente, levará ao fracasso da recuperação econômica. “Não existe retomada sem a construção de um estado de confiança prévio, capaz de induzir agentes econômicos a consumir e investir”, observa. “Sob este aspecto, a incapacidade do governo em lidar com as medidas de isolamento social criou ambiente de desconfiança, alimentado interna e externamente, que se estende também à sua capacidade de lidar com as pautas necessárias para reaquecer a economia”, afirma.
Duas preocupações preponderam no caso brasileiro, de acordo com o economista. “A primeira diz respeito à visão equivocada do Ministério da Economia acerca da natureza da crise e dos instrumentos necessários para enfrentá-la”, diz ele. Na avaliação do autor, a mescla da visão liberal antiga com um fiscalismo exagerado pode ser perigosa neste momento; será preciso certo nível de pragmatismo para passar por este momento com danos minorados.
“Não é possível delegar a recuperação à simples trajetória do ciclo econômico”, escreve Salomão, para continuar: “A dívida pública vai crescer, estimativas apontam para uma necessidade de financiamento do setor público de R$ 800 bilhões, em 2020. Ora, se este passivo é inevitável, é importante que cada real empenhado neste contexto cumpra seu papel de salvar vidas, empregos e empresas. Infelizmente, não é o que acontece”, analisa.
A segunda preocupação, segundo o economista, é com o que ele chama de “recuperação econômica errante”, que é reflexo da letargia das ações”. “O governo não só se empenha em insistir em uma agenda que não cabe no contexto, mas também demora em implementá-la”, afirma. Segundo ele, o mundo começa a se preparar para o relaxamento das medidas de isolamento social e discutir as medidas de estímulo econômico que envolvem equilíbrio macroeconômico, desenvolvimento social e humano, redução das desigualdades e deslocamento da fronteira tecnológica.
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Luiz Carlos Azedo: A praga e a peste
A pandemia da covid-19 atingiu 57 mortes por hora, quase uma por minuto. O relaxamento do isolamento social e a imunização de rebanho caminham de mãos dadas
Uma nuvem de gafanhotos ronda a fronteira do Brasil com a Argentina, ameaçando as lavouras do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, depois de atacar as do Paraguai, onde os insetos destruíram plantações de milho. As principais regiões atingidas na Argentina são as províncias de Santa Fé, Formosa e Chaco, onde existe produção de cana-de-açúcar e mandioca e a condição climática é favorável. Uma nuvem de gafanhotos, em um quilômetro quadrado, pode ter até 40 milhões de insetos, que consomem, em um dia, pastagens equivalentes ao que 2 mil vacas ou 350 mil pessoas consumiriam.
Na Bíblia, nuvens de gafanhotos são uma das 10 pragas do Egito (Êxodus), lançadas por Deus para obrigar o faraó a libertar os hebreus. Moisés foi o portador da mensagem divina: “Assim diz o Senhor, o Deus dos hebreus: ‘Até quando você se recusará a humilhar-se perante mim? Deixe ir o meu povo, para que me preste culto. Se você não quiser deixá-lo ir, farei vir gafanhotos sobre o seu território amanhã. Eles cobrirão a face da terra até não se poder enxergar o solo. Devorarão o pouco que ainda lhes restou da tempestade de granizo e todas as árvores que estiverem brotando nos campos. Encherão os seus palácios e as casas de todos os seus conselheiros e de todos os egípcios: algo que os seus pais e os seus antepassados jamais viram (…)”.
Mas o Senhor disse a Moisés: “Estenda a mão sobre o Egito para que os gafanhotos venham sobre a terra e devorem toda a vegetação, tudo o que foi deixado pelo granizo”. Moisés estendeu a vara sobre o Egito, e o Senhor fez soprar sobre a terra um vento oriental durante todo aquele dia e toda aquela noite. Pela manhã, o vento havia trazido os gafanhotos, os quais invadiram todo o Egito e desceram em grande número sobre toda a sua extensão. Nunca antes houve tantos gafanhotos, nem jamais haverá. Eles cobriram toda a face da terra de tal forma que ela escureceu. Devoraram tudo o que o granizo tinha deixado: toda a vegetação e todos os frutos das árvores. Não restou nada verde nas árvores nem nas plantas do campo, em toda a terra do Egito.
Em julho do ano passado, uma nuvem de gafanhotos invadiu Las Vegas, nos Estados Unidos. Simultaneamente, no Iêmen, devastado pela fome e pela guerra civil, outra nuvem de gafanhotos destruiu as plantações. Os gafanhotos circularam por mais de 60 países, principalmente na África, no Oriente Médio e na Ásia Central. Os cientistas acreditam que as mudanças climáticas estão fazendo os insetos agirem de maneira mais destrutiva e imprevisível. Estudo publicado por cientistas americanos na revista Science mostrou que o clima mais quente torna os gafanhotos mais ativos e reprodutivos.
Um gafanhoto adulto é capaz de comer o equivalente ao seu peso corporal por dia. Plantações de trigo, arroz e milho são um banquete para os insetos. Um ataque de gafanhotos à nossa agricultura em plena pandemia pode ser um desastre. O agronegócio é o setor mais dinâmico da nossa economia. Em 2004, na África, os insetos causaram danos no valor de US$ 2,5 bilhões para as lavouras. O historiador romano Plínio, o Velho, registrou a morte de 800 mil pessoas na região que atualmente engloba Líbia, Argélia e Tunísia por causa da devastação das lavouras por essa praga bíblica. A China acaba de Anunciar a mobilização de 100 mil patos para combater uma nuvem de 400 bilhões de gafanhotos que se aproxima da fronteira com a Índia e o Paquistão.
A pandemia
Já nos basta a peste. Aqui no Brasil, a pandemia da covid-19, ontem, atingiu a marca de 57 mortes por hora, ou seja, quase uma por minuto. O relaxamento precoce do isolamento social e a política de imunização de rebanho não-declarada caminham de mãos dadas, estamos longe do pico. Ontem, em audiência no Congresso, o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pozuello, garantiu que o governo dará “transparência infinita” às informações e anunciou que o Ministério da Saúde passará a considerar o diagnóstico dos médicos, e não apenas os testes, para contabilizar os casos confirmados. Ou seja, jogou a toalha em relação à política de testagem em massa para monitoramento dos infectados.
Os números oficiais de ontem são 52.645 mortes e 1.145.906 casos confirmados, sendo 1.374 mortes e 39.436 novos casos nas últimas 24 horas. Segundo o Ministério da Saúde, há 479.916 pacientes em acompanhamento, enquanto 613.345 foram recuperados, o que não deixa de ser uma boa notícia. A notícia pior é a queda de anticorpos em pacientes assintomáticos dois meses após a infecção por covid-19. Em artigo publicado pela Nature Medicine, o cientista Ai-Long Hua, da Universidade Médica de Chongqing, na China, constatou em 37 pacientes assintomáticos com o Sars CoV-2 que, oito semanas depois, os níveis de anticorpos neutralizantes diminuíram 81,1%. O estudo não é conclusivo, mas acendeu uma luz amarela para a possibilidade de as pessoas contraírem a doença mais de uma vez.
Monica De Bolle: O maior dos descasos
Enquanto o País quer a volta da normalidade perdida, o governo anuncia o fim do auxílio emergencial
O Brasil ultrapassou os 50 mil óbitos causados pelo SARS-CoV-2, o vírus responsável pela síndrome denominada covid-19, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). De acordo com os modelos epidemiológicos mais apurados, é provável que o Brasil alcance a terrível marca dos 100 mil óbitos até meados de julho. Em meio a tantas mortes, tantas pessoas sofrendo nos hospitais, tantas famílias destroçadas, testemunhamos a indiferença de boa parte da população brasileira. Com a “reabertura”, festeja-se o retorno aos shopping centers, aos restaurantes, às academias. Festeja-se as aglomerações, os churrascos, a volta da “vida normal”. Espanta a falta de percepção de que a vida está e seguirá longe do normal.
A vida não está, nem deveria estar normal, em primeiro lugar, porque os mortos pela covid-19 se somam dia após dia. A comoção que o País sentiu pelos italianos e pelos espanhóis parece passar longe dos olhos e do coração de muitos brasileiros, agora que morrem seus concidadãos.
Em segundo, há um vírus letal e altamente imprevisível em circulação. Esse vírus pode não causar sintoma algum, pode causar sintomas leves, pode levar o paciente a ser entubado, pode levar à morte. Esse vírus, como mostram estudos, pode se alojar nos pulmões, no sistema vascular, nas articulações, no sistema neurológico. Pode deixar sequelas severas. Mas, no Brasil atual, é como se ele não existisse. A vida segue como se as pessoas por ele vitimadas fossem apenas números que se computam todos os dias: sua morte não modifica o presente, nem se nota no governo federal ou em parte da sociedade brasileira qualquer intenção de responder à crise humanitária que assola o País.
Desde o início dessa pandemia – e sobretudo desde que chegou ao Brasil – tenho dito que a economia permanecerá contaminada pelo vírus enquanto ele estiver em circulação. Em artigos para esse espaço e nas transmissões diárias registradas em vídeo que tenho feito há três meses no meu canal do YouTube tenho insistido que, independentemente de medidas sanitárias, o que afeta a economia é o vírus. Isso significa que não haverá normalidade econômica com as pessoas morrendo aos milhares, e é importante que essa impossibilidade fique clara. Os restaurantes cheios, os shopping centers cheios, todos esses estabelecimentos, que são foco de contágio e de disseminação da epidemia, sofrerão as consequências do descontrole da doença. Muitos talvez venham a fechar as portas novamente antes mesmo de terem recuperado perdas decorrentes do fechamento anterior. Os trabalhadores precarizados e mais sujeitos ao contágio talvez sejam infectados, talvez percam qualquer possibilidade de subsistência. De nada adianta fingir que o vírus não existe. Ele está aí e em breve chegará a uma pessoa próxima de cada um, pois essa é sua natureza.
Enquanto se abraça o descaso, enquanto alguns são embalados pela ilusão de uma volta à normalidade perdida, o governo brasileiro aproveita o ensejo para anunciar o fim do auxílio emergencial. De tudo o que se fez e não se fez no Brasil ao longo dos últimos meses, a única medida realmente adequada e relevante que se adotou foi o auxílio emergencial, apesar da sua péssima implementação pelo governo federal. Removê-lo no meio de uma epidemia que continuará a matar, a destruir famílias, a fomentar o medo e a insegurança é uma aposta em infundir medo. Não me parece despropositado entender que acabar com o auxílio emergencial, nas circunstâncias presentes, é uma forma de continuar uma política abjetamente irresponsável que a pandemia deu ao governo federal a oportunidade de implementar. Também não é exagero afirmar que, hoje, o fiscalismo excessivo – o zelo pelas contas públicas nesse momento inédito, o dogma do teto de gastos -- abraçado por alguns economistas mata.
O auxílio emergencial e o deslocamento da renda básica da cidadania para o centro do debate público revelam que às vezes vale apostar no que deve ser comum a nós todos: o direito à vida digna, a inclusão na democracia, a igualdade de voz na política. Eles também revelam, no entanto, que isso que nos deve ser comum, a experiência da cidadania, depende de condições materiais. O auxílio emergencial e a renda básica nos unem como sociedade, algo que ameaça qualquer governo que só consegue se sustentar provocando divisões e tensões. Não é hora de acabar com o auxílio emergencial. Também há risco em tornar a causa da renda básica, cujo interesse é transversal à sociedade, uma plataforma a partir da qual generalizar outras lutas, ainda que justas e urgentes. A renda básica terá efeitos sobre injustiças históricas que têm sido articuladas em termos de diferenças, mas ela não é sobre diferenças. Pelo contrário: a melhor forma de se construir a renda básica ao público é a partir daquilo que temos em comum: o direito à cidadania.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
‘Decisão de organização internacional tem, em geral, caráter recomendatório’
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, Gilberto Saboia cita casos de adoção de regulamentos para prevenir ocorrência e propagação internacional de doenças
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Diplomata aposentado e membro da Comissão de Direito Internacional da ONU (Organização das Nações Unidas), Gilberto Saboia diz que as decisões e resoluções de uma organização internacional têm em geral caráter recomendatório, não estritamente obrigatório, visando a persuadir os Estados a adotarem certo tipo de comportamento. O artigo dele foi publicado na 20ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília.
Acesse aqui a 20ª edição da revista Política Democrática Online
Em sua análise, Saboia observa que as organizações internacionais podem, também, de acordo com seu instrumento constitutivo, adotar decisões com caráter obrigatório. No caso da OMS (organização Mundial da Saúde), o artigo 21 autoriza a Assembleia a adotar regulamentos para prevenir a ocorrência e a propagação internacional de doenças, e dispor sobre vários outros aspectos relativos à saúde pública.
Pelo artigo 22, conforme explica o diplomata aposentado, estas regras, que constituem o Regulamento Sanitário Internacional, entram em vigor para todos os Estados membros após um prazo determinado, exceto para os países que notificarem sua não aceitação dentro deste prazo. “Tornam-se regras internas dos Estados”, enfatiza.
Ele lembra que a Constituição da OMS, por exemplo, contém um preâmbulo que enumera os princípios básicos acordados entre os membros sobre cooperação internacional em matéria de saúde. Seguem-se 82 artigos que estipulam concretamente os objetivos, funções e a forma de operação dos diferentes órgãos.
O diplomata também ressalta que o caráter normativo dos atos das organizações internacionais e as obrigações deles decorrentes para com os Estados membros têm sua fonte primária no acordo constitutivo, tratado internacional ao qual o Estado deu seu consentimento, e cujas normas devem ser cumpridas de boa-fé. “Seu descumprimento gera consequências”, destaca o autor. “Assim, a falta de pagamento das quotas anuais devidas para financiar o orçamento pode ocasionar a perda do direito de voto”, continua.
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Polêmica da intervenção das Forças Armadas é destaque da Política Democrática Online
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Hélio Schwartsman: 50 mil mortos
Demos enorme realce a números que sabemos estarem errados
Todos os jornais deram com destaque que o Brasil ultrapassou a funesta marca de 50 mil mortos e 1 milhão de infectados.
Entendo perfeitamente a necessidade de transmitir para o público a dimensão da tragédia, especialmente quando as autoridades federais se empenham em diminuí-la, mas a iniciativa esconde uma contradição, que, penso, vale a pena explorar nesta coluna.
O problema básico é que demos enorme realce a números que sabemos estar errados, o que vai contra o ideal de precisão perseguido pela imprensa. Com efeito, dia sim, dia também, jornais publicam reportagens sobre o fenômeno subnotificação, que afeta tanto o total de infectados como o de óbitos.
No que diz respeito ao número de pessoas que já entraram em contato com o vírus, uma das melhores formas de estimá-lo são os inquéritos sorológicos, em que se testam os anticorpos de amostras representativas da população.
O estudo Epicovid-19 pretende fazer isso em nível nacional. Os resultados de sua segunda fase, com campo entre os dias 4 e 7 de junho, davam que 2,6% da população pesquisada em 83 municípios já haviam sido infectados. Extrapolando isso para o país, no início do mês corrente, o Brasil já tinha mais de 5,4 milhões de contaminados. Para as mortes, um bom jeito de calcular a subnotificação é a partir do excesso de óbitos verificados em certas categorias em relação a uma média de anos anteriores.
Marcelo Soares, num levantamento para O Globo, acaba de mostrar que podemos atribuir à Covid-19 mais 21 mil dos óbitos por SRAG (síndrome respiratória aguda grave) que foram registrados sem identificação do agente etiológico. E as mortes por SRAG são só parte da história.
Quadros respiratórios são a principal apresentação grave da Covid-19, mas não a única. Uma fatia dos óbitos por vasculopatias, que incluem infartos, AVCs, TEPs e insuficiências renais, também pode ser creditada ao vírus. A moral da história é que, a crer na própria imprensa, tanto a baliza de 50 mil mortos como a de 1 milhão de infectados foram atingidas um bom tempo atrás, ainda que não saibamos precisar quando. Por que, então, tanto destaque agora?
Minha hipótese é que fomos vítimas de um duplo viés humano. Nossa espécie tem fascinação tanto por contagens como por números redondos. O sinal mais eloquente de que uma criança se assenhorou da lógica que preside o sistema numérico surge quando ela se propõe a contar até cifras cada vez maiores: cem, mil… Não perdemos esse hábito na maturidade.
Sempre que um evento importante como uma Olimpíada está para ocorrer, uma das primeiras providências das autoridades é instalar em praça pública uma espécie de relógio que faz a contagem regressiva de quantos dias faltam para o início dos jogos. Nosso encanto com números redondos é ainda mais forte.
Apesar de todas as passagens de ano serem iguais e não significarem objetivamente nada, costumamos celebrar as mudanças de século com muito mais festividades do que as de anos regulares. E, como também somos uma espécie que adora batalhas em torno de símbolos, conseguimos transformar irrelevâncias em disputas.
Leitores com mais de 35 anos se lembrarão da celeuma em torno da comemoração do milênio, se deveria ser em 2000, como queriam os redondistas, ou em 2001, como cobravam os puristas. Essa veia polêmica nem sempre é divertida. Ela está na base da polarização que tanto nos atrapalha agora, quando precisaríamos dar uma resposta coordenada e firme à pandemia.