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El País: América Latina viverá a recessão 'mais abrupta da história', alerta Cepal

Comissão da ONU alerta que não haverá reativação da economia sem controle do coronavírus e propõe renda básica emergencial como uma das soluções para construir um Estado de bem-estar na região

A reativação econômica da América Latina terá que esperar. Um novo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) e da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) adverte que, se a curva de contágios da covid-19 não for achatada o quanto antes, as consequências serão devastadoras. A região registra 4,5 milhões de casos positivos da doença e quase 190.000 mortes, além de problemas como a taxa de informalidade trabalhista superior a 50%, desemprego, pobreza, desigualdade e sistemas de saúde frágeis. Em um cenário semelhante, qualquer hipótese de recuperação é especulativa. “No plano social e econômico, a pandemia desatou uma inédita crise econômica e social e, se não forem tomadas medidas urgentes, poderia se transformar em uma crise alimentar e humanitária”, adverte o documento, apresentado pela comissão nesta quinta-feira na sua sede, em Santiago, através de videoconferência.

O panorama econômico descrito pela Cepal e pela OPAS para a América Latina é desolador. A recessão provocada pela pandemia “é a mais abrupta da história”, com uma queda média superior a 9% nos PIBs nacionais em 2020. Os demais indicadores acompanharão o desmoronamento: o desemprego chegará a 13,5%, a pobreza subirá sete pontos, indo a 37,3%, e a desigualdade se agravará ainda mais, com uma alta de 4,9 pontos no índice de Gini. “Os altos graus de desigualdade acompanhados de elevados níveis pobreza, informalidade, desproteção social e limitado acesso à saúde oportuna e de qualidade explicam os altos custos sociais que a pandemia está tendo na região”, diz o relatório.

As fragilidades estruturais golpeiam com mais força os mais pobres, que não podem destinar recursos próprios a custear gastos extraordinários em saúde, ao mesmo tempo em que sua renda se ressente da paralisia econômica. A Cepal calcula que 95 milhões de pessoas devem pagar gastos de saúde do seu próprio bolso, e que pelo menos 12 milhões ficarão ainda mais pobres devido a estes desembolsos. A urgência deve deixar claras as prioridades. A secretária-executiva da Cepal, Alicia Bárcena, adverte que “não há dilema entre saúde ou economia, porque o primeiro é a saúde”.

pandemia expôs a fragilidade dos sistemas públicos de saúde, resultado de anos de baixo investimento: 4% do PIB, contra 6% recomendados pela OMS. “A covid-19 evidenciou fragilidades dos sistemas de saúde da América Latina. São sistemas de saúde segmentados e fragmentados”, diz Bárcena. A situação é tão grave que a diretora da OPAS, Carissa Etienne, diz que a região pode “perder em alguns meses vários anos de avanços no âmbito da saúde”. “Enfrentamos um desafio sem precedentes. É necessário criar condições econômicas e sanitárias para que não deixemos ninguém para trás”, diz.

A Cepal ensaia modelos de solução, baseados no apoio público aos setores mais vulneráveis. “Precisamos mudar nosso modelo de desenvolvimento, nosso paradigma, torná-lo mais sustentável e habitável”, diz Bárcena. “O grande desafio”, acrescenta, “é que haja um novo pacto para construir um Estado de bem-estar com políticas sociais de ampla cobertura. Por exemplo, as mulheres que estão a cargo dos cuidados deveriam receber uma renda básica, porque o que estão fazendo é um serviço à sociedade”. Entre as políticas de Estado necessárias para rebater os efeitos dela crise, a Cepal propõe uma renda básica emergencial, um bônus contra a fome e planos de proteção do setor produtivo, além da consolidação de sistemas universais de proteção social e a adoção de políticas fiscais progressivas.


El País: Saúde deixa de divulgar balanço de remédios em falta enquanto cloroquina abarrota estoques

Dados mais recentes do Conselho Nacional dos Secretários da Saúde são da semana de 12 a 18 de julho. Medicamentos escassos são usados em pacientes graves para a internação em UTIs

pandemia de coronavírus segue com toda força em diferentes zonas no Brasil, mas um eixo central da política sanitária de Jair Bolsonaro continua a ter um só nome: cloroquina. O Ministério da Saúde acumulava no início de julho mais de 4 milhões de comprimidos do medicamento, utilizado contra a malária, lúpus e outras doenças, mas sem eficácia comprovada contra a covid-19. Paralelamente, os serviços médicos e secretarias de Saúde de vários Estados relatam há cerca de dois meses que estão com dificuldades em adquirir remédios essenciais para tratamento do coronavírus nas UTIs dos hospitais. Eles são usados sobretudo para intubação e sedação de pacientes. Essas dificuldades acontecem no momento em que o país já confirmou ao menos 92.475 mortes por covid-19 e 2.682.465 contágios, segundo dados divulgados nesta sexta-feira, pelo Ministério da Saúde. Somente nas últimas 24 horas foram registrados 1.212 novos óbitos e 52.383 novos casos. O ministério também considera que 1.844.051 pessoas estão recuperadas.

Contudo, o presidente do Conass, Carlos Eduardo Oliveira Lula, demonstrou nesta sexta-feira que segue preocupado com o abastecimento de remédios usados para a intubação de pacientes e pediu ao Ministério da Saúde que adote medidas estratégicas para evitar o pior. “Por precaução, tentaria acelerar um processo de compras com a Opas [Organização Pan-Americana de Saúde]”, afirmou ele durante a 5ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite. Todos os Estados participam atualmente de um pregão de compra do remédios anunciado pelo ministério no mês passado. Mesmo assim, Lula alertou para a necessidade de que Governo Bolsonaro esteja preparado para uma eventual demora no processo de aquisição. O ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, garantiu que alternativas estão sendo discutidas, entre elas a aquisição por meio das Opas.

Na última semana, Pazuello chegou a afirmar no Paraná que sua pasta ajudaria o Estado em caso de desabastecimento e que, se fosse preciso, se valeria da logística militar para fazer uma entrega emergencial. “Em poucas horas, em um dia, proporcionaremos um estoque de emergência para que os remédios não acabem”.

A escassez de medicamentos essenciais nas UTIs não é novidade para Pazuello. O Ministério da Saúde recebeu sucessivos alertas desde maio de que alguns remédios essenciais na sedação e analgesia de doentes graves nas UTIs estavam se esgotando, como informou o jornal O Estado de S. Paulo. Um documento do Comitê de Operações de Emergência do Ministério da Saúde também recomendou que se omitisse as informações sobre a escassez de suprimentos médicos e medicamentos, relatou o jornal O Globo. Em um documento interno, o ministério também passou a dizer que não é de sua responsabilidade proporcionar equipamentos de proteção individual (EPI), respiradores e leitos de hospital aos Estados e municípios, de acordo com o Estado de S. Paulo. Tudo isso acontecia ao mesmo tempo que Pazuello priorizava a distribuição de cloroquina para as secretarias da Saúde.

No início da pandemia acreditava-se que a cloroquina poderia ser eficaz contra a covid-19, mas diversos estudos e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) dizem que ou não tem comprovação ou ainda é muito cedo para afirmar que o medicamento é eficaz. A principal investigação conduzida no Brasil por hospitais privados, e publicada na semana passada no The New England Journal of Medicine, concluiu mais uma vez que o medicamento não deve ser prescrito nem mesmo em casos leves da covid-19. “Há evidências confiáveis de que não há eficácia e, portanto, não faria sentido a prescrição para pacientes hospitalizados”, afirmou o pesquisador Alexandre Biasi, diretor do instituto de pesquisa do Hospital do Coração de São Paulo. “Quando não funciona, não funciona, e paciência”.

Apesar do alerta da comunidade científica, o Ministério da Saúde continua indicando o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina na etapa inicial do tratamento da covid-19. Já Bolsonaro, que continua a fazer seu périplo pelo país após se declarar livre da covid-19, assegura que se curou utilizando a medicação. Nesta sexta, ao inaugurar condomínios populares em Bagé, no Rio Grande do Sul, voltou promover o medicamento. “Olha só. Cloroquina. Não é que eu apostei. Eu estudei a questão junto com médicos, via como estava sendo feito no mundo, em especial em países da África e quando você não tem alternativa, não proíba o médico que por ventura queira usar aquele tratamento”, argumentou. “Se não fosse essa tentativa e erro da questão do receituário off label, fora da bula, muitas doenças ainda estariam até hoje existindo no mundo”.

O presidente também admitiu que a eficácia da cloroquina não foi comprovada cientificamente. “Agora ainda não temos alternativa. O pessoal fala ‘ah, não tem comprovação científica’. Todos nós sabemos que não tem comprovação científica, agora não tem também ninguém cientificamente dizendo que não faz efeito. É o que tem. Então vamos usar, ora. Ouvindo o médico, obviamente”.

Num discurso confuso, Bolsonaro, que defende a reabertura irrestrita da economia em meio à pandemia, minimizou as circunstâncias sem precedentes da crise e cobrou que a população “enfrente” a covid-19 que já matou quase 100.000 oficialmente. Afirmou que a miséria provocada pela crise pode abrir as portas do país para “o socialismo”. “É isso que vocês querem no Brasil? Temos é que enfrentar as coisas, acontece. Eu estou no grupo de risco. Eu nunca negligenciei, eu sabia que um dia ia pegar, como infelizmente, eu acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do que? Enfrenta”, afirmou o mandatário. Em seguida emendou: “Lamento. Lamento as mortes, tá certo? Morre gente todo dia de uma série de causas e é a vida. Minha esposa agora tá, depois de quase um mês que peguei o vírus, ela pegou”.


Marcus Pestana: Eleições em meio à pandemia

Entre tantos desafios que o país tem pela frente diante da pandemia da COVID-19, que já nos levou mais de noventa mil vidas brasileiras, temos programadas eleições municipais em 2020.

Numa atitude sensata, o Congresso Nacional aprovou emenda constitucional adiando o primeiro turno para 15 de novembro e o segundo para 29 de novembro, confiante que até lá a curva de contaminação e óbitos tenha cedido substancialmente.

Sempre achei que o poder local é o mais importante na determinação da qualidade das políticas públicas. Acesso à saúde, qualidade do ensino, habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, desenvolvimento social são tarefas que se definem no concreto na instância municipal. O governo federal induz políticas, cuida de questões gerais como política econômica, defesa nacional e relações exteriores, mas aquilo que interessa às pessoas é bem ou mal executado no plano municipal. Os governos estaduais concentram a política de segurança pública, apoiam os municípios, mas a interface direta com os cidadãos é feita na esfera municipal.

O poder local é o mais próximo da população e o controle social sobre a ação pública é muito maior. A centralidade do poder local foi realçada ao extremo na gestão do combate à pandemia.

A eleição de 2020 será completamente diferente de todas as outras. Tudo indica que a onda devastadora do “novo pelo novo” contra a “velha política” perderá força. Atributos clássicos que sempre foram importantes – experiência, competência, capacidade de formar e liderar equipes, conhecimento sobre políticas públicas – tendem a ser revalorizados.

Em boa hora, o Congresso Nacional ampliou o horário eleitoral de rádio e TV de 10 para 15 minutos diários o programa e de 70 minutos para 100 minutos diários as inserções durante a programação. Isto por que o combate à COVID-19 e o necessário distanciamento social impedirão o uso intensivo de ferramentas clássicas como comícios, grandes reuniões, presença dos candidatos no trabalho de porta em porta, visitas domiciliares, etc.

Surgiu logo uma crítica ao Congresso Nacional, que julgo equivocada e precipitada, alegando que as redes sociais supririam a necessidade dos candidatos se comunicarem com o eleitor. Ledo engano, está provado que as redes sociais operam em “bolhas”, cada um pregando para convertidos ou sendo objeto de violenta ação de adversários, que não visam o diálogo, mas a desconstrução de imagem.

Principalmente a disputa majoritária para prefeito produz a decisão coletiva a partir da comparação entre os candidatos. O candidato que já tem 90% de conhecimento na população não teria tantos problemas, por já ter construído uma imagem, positiva ou negativa, junto às pessoas. Mas um candidato novo precisa se tornar conhecido, depois respeitado, mais à frente admirado, e assim se habilitar a conquistar o voto de confiança dos eleitores. As redes sociais são inegavelmente importantes, mas não substituem a televisão e o rádio. Tanto que a audiência cresce nos últimos dias quando uma parcela enorme da população mais despolitizada procura se informar para definir o voto a partir da comparação entre o conjunto de candidatos.

O importante é que façamos boas escolhas. O Brasil vive uma crise dramática e aos futuros prefeitos e vereadores cabe papel essencial na construção do Brasil pós-pandemia.

*Marcus Pestana, foi deputado federal (PSDB-MG)


Míriam Leitão: Economia global em escombros

De Genebra, o embaixador Roberto Azevêdo me disse ontem que o comércio no mundo vai cair 13% em 2020. Em volume, o comércio encolheu 18% no segundo trimestre e ele acha que a recuperação será modesta nos próximos meses. Ao final, o mundo terá no ano uma crise maior do que a de 2008/2009. Ficou claro esta semana o tamanho do tombo. O número americano parece cataclísmico, mas o 32,9% é anualizado. O PIB americano diminuiu, na verdade, 9,5% em relação ao trimestre anterior, no indicador a que estamos acostumados.

A Alemanha caiu 10,1%, ou seja, um pouco mais do que os 9,5% dos Estados Unidos. Nos EUA, a maneira de apresentar o número é pegar o resultado do trimestre e extrapolá-lo para o ano inteiro, como se aquele resultado fosse se repetir por quatro trimestres. Aí deu esse fim de mundo. Mas a queda, mesmo vista na comparação com o trimestre anterior, já assusta. O PIB americano havia encolhido no começo do ano. A dúvida é se as tensões entre os Estados Unidos e a China vão aprofundar ainda mais a recessão.

— O impacto da pandemia, com a virtual paralisia das principais economias, é tão expressivo que o efeito das tensões entre Estados Unidos e China, ainda que importante, fica apequenado. A redução das tensões entre as duas potências terá um papel bem mais importante durante a etapa de recuperação econômica. Uma distensão entre os dois países ajudaria a economia global a crescer mais fortemente no pós-pandemia — diz Azevêdo.

No Brasil, há vários problemas extras. Um deles é qual é o limite dos erros que o governo Bolsonaro pode cometer na sua relação com a China? Na quinta-feira, houve a demonstração pública de desprezo por parte do presidente. Ele elogiou a vacina que está sendo desenvolvida, mas avisou que falava da Universidade de Oxford, “e não daquele outro país”. Bom, aquele outro país é o responsável por ter amortecido o tombo do nosso comércio no primeiro semestre. O mundo comprou menos 15% do Brasil, a China comprou mais 15%. A economia chinesa apresentou números positivos no segundo trimestre, de 3,2%. Depois de ter encolhido 6,8%.

Do ponto de vista de investimentos, eles são importantes também. Esta semana mesmo o Ministério da Infraestrutura começou um roadshow virtual para atrair investidores para a Ferrogrão, projeto que liga Sinop (MT) a Mirituba (PA). Dois dos investidores contatados foram a CCCC e a CRCC. Chinesas.

Não é a primeira vez, não será a última, que o governo Bolsonaro lança ofensas gratuitas sobre os chineses. Parece um teste para saber até que ponto eles aguentarão. Mas nessa roleta chinesa nós somos a parte vulnerável. Dos ataques racistas de Abraham Weintraub aos delírios persecutórios de Ernesto Araújo, passando pelas grosserias de Bolsonaro&Filhos, o governo agride diariamente o nosso maior parceiro.

Na saída dos escombros deste ano difícil, o Brasil precisará também dos organismos financeiros multilaterais. Abraham Weintraub é inimigo confesso das boas maneiras, do foco em questões relevantes, e do que ele define como “globalismo”. Os bancos multilaterais seriam instrumentos desse inimigo. O ministro Paulo Guedes cedeu às pressões para indicá-lo. Ele ficará no cargo até outubro, pelo menos.

Ontem saíram os dados de outras economias europeias. No segundo trimestre, a França caiu 13,8%, acumulando 19% de queda no ano, a Itália, 12,4%, a Espanha, 18,5%, acumulando 22%. Na Espanha, o único setor a crescer foi a agricultura, como aqui no Brasil. A zona do euro encolheu 12%. Segundo o “Financial Times”, a retomada está sendo ameaçada pelos riscos de novas ondas e será “lenta e desigual”.

O ano está difícil para todos. A China, que teve indicadores melhores no segundo trimestre, voltou a ter alta de casos de Covid-19 em algumas áreas. Diante desse quadro, Azevêdo disse à Christiane Amanpour, na CNN, que o mundo está assistindo à maior contração em tempos de paz desde os anos 1930. E a grande questão que está posta é quão rapidamente o mundo pode se recuperar. Perguntei ao embaixador, que está deixando a OMC, como ele vê a situação do Brasil:

— Com muita preocupação, porque o desempenho econômico do país no futuro imediato estará inevitavelmente ligado à sua capacidade de controlar a pandemia, cujo quadro atual no país é muito inquietante.


Miguel Reale Júnior: Os súditos do presidente

Há nexo de causalidade entre o mau exemplo de cima e a prepotência sobre o uso de máscara

A pandemia faz aflorar a sensação plena de nossas contingências e fragilidades. Integramos agora, independentemente de nossa origem, cor, condição social, sexo, religião ou time de futebol, uma mesma categoria: potenciais vítimas da covid-19.

Tal importa em visitar e praticar o valor solidariedade social, fruto da consciência viva de dependermos cada qual do outro. Assim, cooperamos com o nosso próximo, esperando que ele também colabore conosco, para, em irmandade, juntos, superarmos o inimigo comum.

A noção de planetário pertencimento à nova categoria de potenciais vítimas do vírus desfaz eventual sensação de ser o outro um inimigo, uma fonte de desgraça, pois todos somos, sem o querer, concomitantemente, destinatários ou transmissores do mal. Esta recém-experimentada condição, que nos retira de nossas atividades habituais, impõe a humildade de reconhecer que se deve aos demais a atenção de cuidados para protegê-los.

O pertencimento a uma situação geral perigosa deve unir, e não confrontar, fazendo surgir espírito comunitário, a ser vivido na rua, no prédio de moradia, no supermercado, nos ônibus, consistente no respeito à vida de todos, mesmo porque a proteção dos circunstantes também significa a defesa de si mesmo.

Todavia não é o que se está a verificar em parcela da nossa sociedade, ao negar o valor da solidariedade e se arvorar imune à peste, para por comodidade ou arrogância desrespeitar a vida alheia e não colaborar com o bem comum.

Já Oliveira Vianna (Instituições Políticas Brasileiras, José Olympio editor, 1949, pág. 132 e seguinte), estudando a formação cultural do Brasil, anotava ser absolutamente nula a solidariedade social entre nós, havendo apenas pequenos traços de solidarismo local sem nenhuma significação geral, concluindo: “O brasileiro é fundamentalmente individualista”.

Há na rejeição ao uso da máscara recusa a se submeter a qualquer regulamentação, configurando uma regressão ao estado da natureza, em termos de Hobbes, ao se impor a própria vontade sem responsabilidade social e sem controle de si mesmo, a ponto de se permitir lesionar quem exige respeito às normas sanitárias.

Causa indignação um ex-presidente do Tribunal de Justiça e outro desembargador, do alto de sua prepotência, afrontarem a legítima regulamentação por decreto autorizado por lei federal, para se negar a usar máscara como o comum dos mortais. O que mais espanta, todavia, é a violência da reação ao se ser cobrado a cumprir a regulamentação e a regra moral da solidariedade. O desembargador, ao rasgar e jogar no chão a multa, ultrapassou a linha da contestação para atuar com agressividade.

Esta violência assusta ainda mais quando se verifica que pessoas comuns, sem nenhum desvio pregresso de conduta, reagem violentamente quando questionadas por estar sem máscara.

Podem ser colhidos diversos exemplos de norte a sul do País. Em Belo Horizonte, motorista de ônibus negou-se a transportar três pessoas sem máscara, que é obrigatória na capital mineira. Ainda tentou explicar não dever pôr em risco a vida de todos os passageiros, mas foi inútil: a mulher, ao descer, o estapeou-o no rosto (www.g1.globo.com/minas-gerais/noticia/20/07/20). .

Em Alagoas um cidadão repreendeu policial militar aposentado por não usar máscara. O policial derrubou-o, chutou-o e agrediu-o, mesmo deitado, gritando: “Usa máscara quem quer!”
(diariodopoder.com.br.brasil-e-regioes/alagoas/policial). Na cidade de Catalão, em Goiás, dono de bar idoso foi agredido e teve a perna quebrada por um cliente ao ser-lhe pedido que usasse máscara (www.noticias.uol.com.br/cotidiano/2020/06/29).

Mais outra: homem entrou sem máscara em supermercado em Vacaria (RS) e ao ser advertido pelo gerente, na discussão, esfaqueou-o (Estado, 21/6). Também na cidade de Registro, sul do Estado de São Paulo, policial foi agredido por empregados de loja após solicitar que usassem máscara. O policial lesionado disse ter sido “degradante a situação, pois queria a proteção deles e dos demais e por cobrar essa preocupação” foi agredido” (www.jornaldebrasilia.com.br/nahorah/policial). .

O que desencadeia essa violência de pessoas normais em face de simples pedido de respeito às normas sanitárias durante uma pandemia, obrigação óbvia como medida de solidariedade social?

Além do insolidarismo vigente em nossa cultura, “se farinha pouca, meu pirão primeiro” (Bezerra da Silva), há evidente nexo de causalidade entre o mau exemplo que vem de cima e o exercício prepotente e agressivo da população ao ser cobrada pelo não uso de máscara (oglobo//globo.com/sociedade/especialistas-explicam). Se o presidente da República profere o insolidário “E daí?” e vai a bar, barraca de cachorro quente, aglomeração contra o Congresso e o Supremo, sem máscara, cujo uso ridiculariza, com que autoridade se exige esse uso com ares de reprovação?

É uma vertente do “sabe com quem está falando?”. Está falando com um súdito do presidente.

*Advogado, professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça


Demétrio Magnoli: Vírus ainda mais contagioso controla os portões escolares, a política eleitoral

Um ano sem aula cobrará preço devastador em vidas intelectuais e profissionais amputadas

Vejo, melancólico, as fotos de Adriano Vizoni, das escolas públicas fechadas (Folha, 27.jul). Lembro das primeiras escolas em que dei aulas, em Carapicuíba e Caucaia do Alto, nos idos de 1978. A placidez com que o Brasil encara a interrupção eterna do ano escolar é um retrato em preto e branco do desprezo nacional pelos pobres —e pela educação.

Cito os estudos científicos sobre as escolas básicas suecas, que nunca fecharam, e alemãs, reabertas em maio? Eles mostram o risco irrisório do retorno parcial às aulas, sob os conhecidos protocolos sanitários, durante o declínio das infecções. Menciono a orientação do Centro de Controle de Doenças dos EUA —são médicos, não agentes de Trump— de próximo retorno às aulas (bit.ly/30ac7AZ)? Melhor não.

"Você quer matar as crianças, os professores, os pais e os avôs!"; "arauto da necropolítica!"; "genocida!". As réplicas rituais surgem, aos gritos, de quem jamais lerá estudo algum —mas não cansa de empregar a palavra "ciência".

Falar em escolas já produziu até uma nova especialidade acadêmica. Um matemático da FGV criou um modelo profético que garantia a morte de milhares de crianças em poucas semanas de aulas. Depois, voltou atrás, alegando "empolgação", reconhecendo equívocos de comunicação e estratosféricas incertezas estatísticas. Com o vírus, ao lado da Matemática Pura e da Aplicada, nasceu a Matemática Empolgada.

"Uma única vida perdida", porém, seria suficiente para manter as escolas fechadas, concluiu o matemático, jogando no lixo seu monumento estatístico em ruínas. De acordo com o modelo mental hegemônico entre governantes e especialistas fechados na bolha da alta classe média, crianças sem aula foram isoladas em tubos de vácuo: não brincam nas ruas, não retornam às suas casas e, portanto, não transmitem o vírus.

Sindicatos de professores concorrem, em corporativismo, com associações de policiais. A simples menção à hipótese longínqua de reabertura escolar deflagra ameaças de greves. Dirigentes das entidades querem evitar a volta às aulas até o advento da vacina. O fenômeno é mundial: um manifesto do sindicato de professores de Los Angeles lista dezenas de pressupostos para a reabertura, inclusive a implantação de um sistema universal de saúde nos EUA. Esqueceram de exigir a prévia abolição do papado.

O Plano São Paulo prevê a retomada de aulas apenas um mês depois de todas as regiões atingirem em uníssono a etapa amarela. Por que uma escola paulistana não pode reabrir enquanto ainda pesam restrições sanitárias em Araçatuba? João Gabbardo, do centro de contingência, explicou que o obstáculo não decorre de critérios epidemiológicos, mas de uma norma de uniformidade da Secretaria de Educação.

De fato, um outro vírus, ainda mais contagioso, controla os portões escolares. O nome dele é política eleitoral.

Os pais têm medo, um sentimento compreensível, em parte derivado da "empolgação" jornalística. Nos dias em curso, a notícia lateral de que a França foi obrigada a fechar novamente algumas dezenas de escolas soterra a informação sobre a reabertura em segurança de 40 mil escolas. Nesses tempos, apesar do elogio editorial à ciência, um matemático empolgado ganha as manchetes que ignoram pesquisas epidemiológicas baseadas em evidências.

Na escola, as crianças aprendem a aprender. Um ano sem aula cobrará preço devastador em vidas intelectuais e profissionais amputadas. Bons professores sabem disso —e não precisam curvar-se às ordens dos chefões sindicais.

Como os médicos e enfermeiros, eles têm o dever cívico de levantar as mãos, declarando-se prontos a enfrentar riscos muito menores. De minha parte, vai aqui uma mensagem de voluntariado ao governo estadual: estou pronto a voltar a meus 19 anos, substituindo professores recalcitrantes em qualquer escola pública —até a vacina.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Maílson da Nóbrega: As quatro reformas tributárias

Se aprovada a PEC 45, haverá crescimento da produtividade e do potencial da economia

Sob o nome genérico “reforma tributária”, discutem-se atualmente quatro distintas propostas para reformar o caótico, regressivo e injusto sistema tributário brasileiro. São elas:

1) A reforma da tributação do consumo configurada nas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) 45 (Câmara dos Deputados) e 110 (Senado), que criam um imposto sobre o valor agregado (IVA), denominado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O método é adotado por mais de 160 países. 2) A criação de um IVA federal mediante a fusão e simplificação do PIS e da Cofins. 3) A proposta do Ministério da Economia para recriar um tributo nos moldes da CPMF, associado à desoneração das contribuições sobre a folha de salários e ao aumento do emprego. 4) E a proposta do Ministério da Economia para melhorar a equidade do sistema tributário, reduzindo privilégios e aumentando a progressividade do Imposto de Renda.

A mais relevante de todas é a primeira, por atacar a principal fonte de ineficiências da economia. Prevê a unificação de cinco tributos, três federais (IPI, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS). Entre as suas principais características estão a alíquota única, a proibição de seu uso como incentivo fiscal (eliminando a guerra fiscal), a completa desoneração nas exportações e a devolução, em espécie, do IBS incidente no consumo dos segmentos menos favorecidos. A PEC 45, a melhor, baseia-se em projeto preparado pelo Centro de Cidadania Fiscal, sob liderança do economista Bernard Appy.

A PEC 45 conta com o apoio inédito e unânime dos secretários de Fazenda estaduais, convencidos das disfunções do ICMS. A questão federativa em tentativas de reforma anteriores constituía ponto de veto. Assim, a proposta tem viabilidade de aprovação, mesmo diante dos desafios políticos.

A PEC 45 e a fusão do PIS e da Cofins, têm forte oposição da área de serviços, hoje subtributados pelo ISS, pois aumentarão a carga tributária em segmentos como os de educação, saúde, lazer e turismo, consumidos pelas classes de maior renda. Os pobres não costumam ter acesso a tais serviços, o que agrava a regressividade da tributação do consumo no Brasil. A coalização contrária à reforma é politicamente poderosa e tem contado com a simpatia da imprensa. Isso poderá levar à solução de compromisso de admitir duas alíquotas, uma para bens e outra, menor, para serviços. Há precedentes mundiais de mais de uma alíquota em IVAs.

A segunda reforma é modesta em seus efeitos, mas tem vantagens, principalmente a de engajar o governo federal no processo. O IVA dual (governo central e governos subnacionais) existe em outros países, mas a PEC 45 é melhor por ser mais ampla e completa. É provável que a proposta seja incorporada nessa PEC.

A terceira reforma tem conhecidos defeitos, a saber: 1) trata-se de tributo disfuncional, em cascata, o que provoca ineficiências e reduz a competitividade dos produtos exportáveis. 2) Torná-la permanente é muito perigoso. Tributos de fácil arrecadação costumam ter sua alíquota elevada durante crises fiscais. 3) Pior do que a CPMF, a nova contribuição incidiria no comércio eletrônico, penalizando transações mais eficientes do que as do comércio físico. 4) Dificilmente haverá aumento de emprego. Como se sabe, na prática o ônus das contribuições previdenciárias recai sobre o trabalhador. Assim, nos casos em que a medida foi adotada, o efeito foi elevar a renda dos empregados, não criar postos de trabalho. 5) A contribuição previdenciária do trabalhador é a base para o cálculo das aposentadorias. Se a proposta incluir sua eliminação, caberia às empresas informar os salários pagos. O potencial de fraudes poderia elevar os gastos previdenciários.

A quarta reforma, fundada basicamente na equidade tributária, buscaria eliminar privilégios que reduzem a progressividade do Imposto de Renda, o qual, historicamente, desde que o mundo o conheceu, no início do século 20, incorporou objetivos sociais. Seu propósito sempre foi o de tributar proporcionalmente mais os segmentos mais ricos, promovendo redistribuição da renda.

No Brasil, conforme demonstraram os economistas Marcos Mendes, Marcos Lisboa e coautores, há incentivo à prestação de serviços mediante a constituição de pessoas jurídicas em substituição ao regime regular de pessoas físicas, a chamada “pejotização”. Com isso se transforma rendimento do trabalho em rendimento do capital. Contribuintes de maior renda gozam do privilégio de abater, na sua declaração anual de rendimentos, as despesas com saúde e educação, o que reduz a progressividade. Os lucros são tributados na pessoa jurídica, o que impede a progressividade na distribuição de dividendos a pessoas físicas. O Ministério da Economia estaria cogitando de rever todas essas distorções.

Caso seja aprovada a proposta mais relevante, a da PEC 45, haverá elevação da produtividade e do potencial de crescimento da economia brasileira. Cálculos recentes indicam que, em 15 anos, ela aumentaria o produto interno bruto (PIB) potencial em 20%. Não é pouco.

SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA


Público do Cine Drive-in de Brasília triplicou durante pandemia do coronavírus

No Brasil, os drive-ins vêm ganhando cada vez mais espaço, a maioria em caráter provisório, analisa Lilia Lustosa, na revista Política Democrática Online

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A pandemia do coronavírus Covid-19 tem ressuscitado o cinema drive-in em várias regiões do Brasil e do mundo. Em Brasília, o público triplicou depois da reabertura. “Durante a pandemia, o sucesso do drive-in já é fato”, afirma a crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de julho.

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de julho!

Desde que as cidades começaram a entrar em quarentena, a modalidade de cinema nos carros tornou-se uma das poucas opções para os que desejavam assistir a um filme em tela grande ou de forma coletiva, conforme observa Lilia no artigo da revista. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, gratuitamente, em seu site.

O Cine Drive-in de Brasília goza de uma situação privilegiada. Depois de quase ter sido fechado em 2014, foi declarado patrimônio cultural e material do Distrito Federal em 2017, de acordo com a lei n° 6.055, proposta pela deputada distrital Luzia de Paula. O espaço, que conta com uma tela de 312m² (a maior do Brasil), ficou fechado por 40 dias no início da pandemia, mas retomou às atividades no fim de abril, com um público cada vez maior.

Segundo a proprietária, Marta Fagundes, o público triplicou depois da reabertura, apesar das adaptações feitas para se adequar aos protocolos de segurança que a época exige: redução de 50% da capacidade (de 400 para 200 carros), distanciamento de 1,5m entre os veículos, compras dos ingressos apenas online, uso dos banheiros por uma pessoa a cada vez, uso obrigatório de máscara e fechamento da lanchonete.

No Brasil, os drive-ins vêm ganhando cada vez mais espaço, a maioria em caráter provisório, implementados por empresas de organização de eventos, muitas vezes em parceria com os próprios exibidores, que veem nesta velha fórmula uma solução temporária para sua sobrevivência.

Nos Estados Unidos, onde surgiu, mesmo durante a fase de isolamento, dos cerca de 300 drive-ins ainda em funcionamento, 25 continuaram abertos, segundo a Drive-in Theatre Owners Association. “E agora, com a retomada gradual das atividades em vários Estados, outros tantos se somaram à lista, como em vários países do mundo”, diz Lilia.

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Jovens relatam qualidade de empréstimo delivery gratuito da Biblioteca Salomão Malina

Entrega e busca de livros são realizadas sem nenhum custo para leitores cadastrados em Brasília e região

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Durante o período da pandemia do coronavírus, a leitura passou a ser atividade ainda mais constante na vida dos estudantes Carlos Gustavo Araújo dos Santos, de 29 anos, Nayara Rayanne Vale, de 33, e Kelton Alexandre Pinto, de 28.  Moradores de regiões distintas ao redor de Brasília, eles mantêm acesa a paixão pelos livros, que lhes garante ótima terapia para lidar com o período de isolamento social.

Apesar de não se conhecerem, os três fazem parte do grupo de pessoas que usam o serviço de empréstimo delivery gratuito da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), no Conic, no Centro de Brasília. A iniciativa garante a entrega do livro na residência de cada pessoa interessada. A devolução é marcada no sistema da biblioteca, que disponibiliza profissional com transporte individual para também buscar a obra literária no mesmo endereço cadastrado e na data agendada.

‘Minha vida estava feita’

Nayara: "O serviço de entrega foi excepcional. Os livros chegaram bem embalados e higienizados. Perfeito". Foto: Divulgação

Nayara é uma das apaixonadas por livros e que também usa o serviço da Biblioteca Salomão Malina. Ela, que cursa História e trabalha como massoterapeuta e maquiadora, mora no Recanto das Emas, a 29 quilômetros de Brasília. Durante a quarentena, apegou-se ainda mais ao seu hábito de leitura, marcado pela versatilidade de gostos.

“Gosto de ler tudo. Amo ficção, sobrenatural e futuros distópicos, em que a imaginação corre solta e você fica preso do início ao fim. Gostos de livros de história, principalmente sobre mitologia grega, egípcia, hindu e cristã, das mais variadas formas”, conta. Ela conheceu a biblioteca e seus serviços por meio das redes sociais durante o período da pandemia.

A estudante foi a primeira usuária a se cadastrar de forma remota e a solicitar o serviço de empréstimo delivery, desde que foi lançado. Nesse contexto de isolamento social, a leitora ficou muito feliz com a iniciativa, a qual, segundo ela, vem ajudando-lhe a enfrentar a quarentena.

“Em plena época de pandemia, foi lançado o empréstimo delivery”, comemora Nayara. “Minha vida estava feita”, afirma. Segundo ela, os primeiros livros que solicitou foram Os Pensadores, de Descartes, e Horror Metafísico, de Leszek Kolakowski. “Maravilhosos. O serviço de entrega foi excepcional. Os livros chegaram bem embalados e higienizados. Perfeito. Eu indico pra todo mundo”, alegra-se.

Agradecimento registrado

Carlos colocou na dedicatória do seu trabalho um agradecimento à unidade pelo suporte recebido em sua pesquisa. Foto: Divulgação

Carlos Gustavo, por sua vez, mora em Taguatinga Norte, a cerca de 20 quilômetros da sede da biblioteca. Ele, que também é técnico em enfermagem, acabou de se formar em Filosofia. Seu primeiro contato com a biblioteca ocorreu ao passar pelo Conic. De lá para cá, vinha fortalecendo cada vez mais suas visitas na unidade, que teve de ser fechada para o público por causa do isolamento social.

De acordo com o estudante, a biblioteca lhe garantiu suporte para desenvolver seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), com o tema “A problemática da maldade na moralidade contemporânea”. Sua pesquisa foi embasada em livros como Materialismo histórico e Materialismo dialético, de Louis Althusser; Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx; e O espírito das leis, de Charles L. S. Montesquieu; além de obras de Zygmunt Bauman, como Ética pós-moderna, Cegueira Moral e Modernidade Líquida.

Devido à sua satisfação com a assistência à sua pesquisa recebida na biblioteca, Carlos colocou na dedicatória do seu trabalho um agradecimento à unidade pelo suporte recebido em sua pesquisa. Ele também já se beneficiou dos livros que ficam disponíveis para doação no quiosque cultural da biblioteca.

Leitura como entretenimento

Desde o fechamento da biblioteca para o público durante a pandemia, Kelton tem usado com frequência o serviço de empréstimo de livros em casa. Foto: Divulgação

Morador do Guará, a 15 quilômetros da biblioteca, Kelton também está no grupo de leitores que têm fortalecido a paixão pelos livros durante a pandemia, com apoio do serviço gratuito de empréstimo delivery. Ele, que é músico e voltou a estudar para se preparar para o vestibular e ingressar em uma faculdade, frequenta a biblioteca desde 2013, quando a conheceu por indicação de amigos.

Fã dos clássicos da literatura inglesa, ele vê na leitura um entretenimento. Já pegou emprestado livros como O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë;  O Retrato de Dorian Gray,  de Oscar Wilde; e  O Coração das Trevas, de Celso Paciornik. Desde o fechamento da biblioteca para o público durante a pandemia, o estudante tem usado com frequência o serviço de empréstimo de livros em casa.

Detalhes do empréstimo delivery

As pessoas interessadas podem entrar em contato pelo whatsapp oficial da Biblioteca Salomão Malina (61 984015561) para solicitarem o catálogo online com mais de 3,1 mil livros disponíveis para empréstimo. O serviço é oferecido a todos os leitores cadastrados na unidade. Para se cadastrar, é necessário enviar foto do documento oficial e comprovante de residência pelo whatsapp, além de fornecer demais dados pessoais necessários e de contato.

Após serem devolvidos, os livros são armazenados em local separado e apropriado antes de serem submetidos aos procedimentos de higienização indicados nas recomendações do SNBP (Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas). A Biblioteca Salomão Malina é privada. Em períodos normais, fica aberta ao público, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h

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El País: Queda dos PIBs de EUA e Alemanha prenunciam tombo da economia brasileira

Pessimismo tomou conta das principais bolsas globais nesta quinta. Mercado financeiro estima um recuo de 5,77% da atividade no Brasil neste ano. FMI calcula recuo de mais de 9%

Heloísa Mendonça, do El País

tamanho do impacto econômico inicial causado pela pandemia do coronavírus começa pouco a pouco a emergir, e os números não são alentadores. A economia dos Estados Unidos, a maior do mundo, encolheu a uma taxa anualizada de 32,9% entre abril e junho, a maior contração desde a Grande Depressão, na década de 1930, segundo dados divulgados pelo Departamento de Comércio na manhã desta quinta-feira. Um colapso da economia sem precedentes. Os efeitos da paralisia da atividade também são sentidos em outros indicadores. A onda de demissões causada pela crise sanitária continuou a avançar nos EUA, onde novos pedidos de seguro-desemprego aumentaram pela segunda semana consecutiva.

Na Alemanha, a maior potência econômica da Europa, o tombo da economia também foi histórico. O Produto Interno Bruto (PIB) alemão de abril a junho recuou 10,1% em relação ao trimestre anterior, de acordo com a agência de estatística do governo federal. É a queda trimestral mais acentuada desde 1970, quando os registros começaram. Se comparado ao mesmo período do ano passado, o recuo foi de 11,7%. Diante dos números divulgados, o pessimismo tomou conta das principais bolsas globais que operaram com perdas. O dia também foi de resultados negativos de balanços de empresas importantes, como o banco Lloyds, a AirBus e a Volkswagen. No Brasil, chamou a atenção a queda de 40% do lucro do banco Bradesco no segundo trimestre.

Os dados do PIB brasileiro de abril a junho ― período em que grande parte das atividades foi paralisada para conter a disseminação do coronavírus ― só serão divulgados no início do setembro, quando a extensão da crise gerada pela pandemia no país começará a se materializar em números. Mostrará um retrovisor do provável pior trimestre de 2020, segundo analistas. Por enquanto, as previsões sobre o tamanho do tombo da economia variam. A projeção do boletim Focus, desta semana, fala em um recuo de 5,77% no fim de 2020, enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que o PIB brasileiro irá despencar mais de 9%.

“Há ainda muita divergência sobre o que acontecerá até o fim do ano, porque não há certezas sobre como será de fato a retomada econômica e como irá evoluir o enfrentamento ao coronavírus no país. O que temos de fato agora é uma quebradeira muito grande das empresas no Brasil”, afirma o economista Mauro Rochlin, da FGV. Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil, 716.000 empresas fecharam as portas, de acordo com a Pesquisa Pulso Empresa: Impacto da Covid-19 nas Empresas, realizada pelo IBGE e publicada neste mês.

“Nos Estados Unidos, vimos uma leve melhora com a abertura das atividades, mas alguns Estados americanos começaram a ter que fechar parte das atividades e as empresas outra vez com o avanço de novos casos”, diz Rochlin. Os EUA registravam nesta quinta-feira 4,4 milhões de casos de coronavírus e mais de 151.000 mortes pela doença. Embora as piores perdas econômicas tenham se concentrado em abril, a ameaça de pausas na reabertura reduz as esperanças de uma recuperação mais robusta da maior economia do mundo. “Como os EUA são o segundo parceiro comercial do Brasil, essa retomada mais lenta da economia americana pode chegar a comprometer as nossas exportações e ainda mais o PIB brasileiro”, diz o professor.

Na avaliação do economista André Perfeito, da corretora Necton, a ação de enfrentamento à covid-19 por parte do presidente Jair Bolsonaro e governadores não foi suficiente para frear o coronavírus e fez com que as próprias reaberturas das atividades econômicas também fossem menos eficientes. “Não basta liberar a abertura da economia, porque as pessoas estão constrangidas e inseguras. Em vários locais os casos estão aumentando. Países que foram mais duros na quarentena, estão colhendo mais louros, com famílias mais confiantes em sair e consumir”, diz. Para Perfeito, nem a política liberal do ministro Paulo Guedes, que aposta no investimento privado para a retomada da economia, nem reformas, como a tributária que começa a tomar forma, serão capazes de gerar um efeito no curto prazo. “Infelizmente não temos uma evidência de melhora, por isso ainda projeto uma queda de cerca de 7%, 7,5%”.PUBLICIDADE

Também pessimista é a projeção da Comissão Econômica da Organização das Nações Unidas para América Latina e Caribe (Cepal) para a economia da região: um tombo de 9,1% com desemprego e pobreza aumentando. A expectativa da Cepal é de que o número de pessoas desempregadas aumente de 18 milhões para 44 milhões em toda a região, enquanto a pobreza deve subir 7 pontos percentuais, alcançando mais 45 milhões de pessoas.


Bernardo Mello Franco: Alguns benefícios da nota de R$ 200

Se a nota de R$ 200 tivesse chegado antes, o ex-deputado Rocha Loures não precisaria ter corrido com uma mala de rodinhas. Bastaria uma discreta mochila para transportar a propina

O governo anunciou mais uma medida inadiável. Vai lançar uma nota de R$ 200 em plena pandemia do coronavírus. Até o fim de agosto, a nova cédula deve começar a chegar às mãos dos brasileiros. Ou de alguns deles, é claro.

A diretora de administração do Banco Central, Carolina de Assis Barros, atribuiu a novidade ao entesouramento. O fenômeno ocorre quando a população passa a guardar mais dinheiro em casa.

Com a quebradeira e a redução de salários, milhões de famílias limitaram o consumo a itens essenciais. Quem não perdeu o emprego tenta cortar despesas e seguir adiante. Ainda que a luz no fim do túnel pareça vir de um trem na contramão.

O auxílio emergencial também aumentou a demanda por papel moeda. Isso elevou o gasto federal com impressão e transporte de valores. Até aqui, o governo precisava de ao menos seis notas para pagar os R$ 600. Agora só precisará de três — e os beneficiários que se virem para arrumar troco na quitanda.

Os economistas explicaram que o lançamento da cédula de R$ 200 não significa a volta da inflação. Mesmo assim, quem viveu no Brasil antes do Plano Real pode ter sentido um frio na espinha. Em 1993, o país chegou a rodar uma nota de meio milhão de cruzeiros. Ela estampava o rosto do poeta Mário de Andrade, que nada tinha a ver com aquela desordem monetária.

Ontem o BC anunciou que a nova cédula vai trazer a imagem do lobo-guará. A escolha decepcionou quem preferia homenagear o vira-lata caramelo ou a ema que bicou o presidente Jair Bolsonaro.

Para alguns setores da classe política, a novidade chega com atraso. Se a nota de R$ 200 já existisse em 2017, o ex-deputado Rocha Loures não precisaria ter corrido com uma ostensiva mala de rodinhas. Bastaria uma discreta mochila para transportar a propina até o táxi.

O assessor que abastecia a conta do senador Flávio Bolsonaro também teria poupado tempo diante do caixa eletrônico. A cada depósito de R$ 2.000 em espécie, ele era obrigado a contar e separar 20 cédulas. Agora só precisaria de dez.


Maria Hermínia Tavares: Improviso e dispersão

Brasil e EUA poderiam coordenar de maneira mais eficaz a administração pública para prover saúde

Polarização política, descentralização federativa e desigualdades são condições prévias que permitem entender a dramática situação do país na pandemia. A constatação, que se aplica sem tirar nem pôr ao Brasil, é do cientista político Bruce Cain, da Universidade Stanford, ao falar dos Estados Unidos.

Mas as semelhanças vão além. Ali como aqui, eleições alçaram à Presidência políticos populistas que cultivam a mentira, desprezam a ciência, alimentam-se de conflitos e pouco se importam com a vida humana. Isso posto, o argumento do professor tem a virtude de chamar a atenção para um dado menos perceptível: mesmo se os dois países contassem com dirigentes responsáveis, circunstâncias anteriores restringiriam a capacidade de seus governos de combater a pandemia.

Os antagonismos políticos poderiam ser algo mais civilizados, não fossem Trump e Bolsonaro, a um tempo, suas criaturas, principais agentes e beneficiários. Ainda assim, os outros dois fatores apontados por Cain estariam presentes e de formas distintas continuariam dificultando a luta contra a Covid-19.

A federação, consequência quase inevitável da opção pela democracia em nações de porte continental, requer do governo central, além da aptidão para definir rumos, disposição e engenho político para negociar e coordenar a ação de estados com competências e atribuições próprias.

As desigualdades cumulativas de renda, condições de vida e acesso a serviços públicos básicos tornam virtualmente impossível a aplicação eficiente da principal medida em face da crise sanitária, na ausência de vacinas: o isolamento social. Por essa razão, nos países —entre eles Brasil e Estados Unidos— onde a pobreza é disseminada e as desigualdades, profundas, duas pandemias coexistem, com características e probabilidades distintas de levar à morte: a dos que podem se proteger em casa e a dos muitos para os quais isso é impossível.

Fossem outros os governos em Brasília e Washington, outro seria o debate, e bem maior o aprendizado sobre a forma mais eficaz de coordenar os diferentes níveis da administração pública para prover saúde; como melhor proteger os que não podem se isolar; como usar organizações públicas ou comunitárias para fazer chegar água, comida e regras de cuidado às moradias mais pobres ou para aqueles que vivem nas ruas. Tudo, em suma, o que está sendo feito de maneira improvisada e dispersa.

Para tanto, outro precisaria ser o governo, com ministros à altura do desafio e um presidente antes preocupado em criar consensos do que em dar cloroquina para as emas do Palácio.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.