Palácio do Planalto
Bolsonaro está perturbado por seus próprios demônios, afirma Marco Aurélio Nogueira
Em artigo de sua autoria publicado na nova edição da revista Política Democrática online, professor analisa perfil do presidente
Falta de iniciativa e unidade na oposição faz com que Jair Bolsonaro seja perturbado somente por seus próprios demônios e pelo fogo que arde a seu redor. A declaração é do professor titular de Teoria Política da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Marco Aurélio Nogueira, em artigo de sua autoria publicado na nova edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), vinculada ao Cidadania, em Brasília.
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Para Nogueira, o governo não sabe que país é esse que o elegeu para governar “A Presidência da República tornou-se um deserto de ideias. A paralisia e a mediocridade devoram suas entranhas”, diz, em um trecho.
Em outro trecho, o professor diz que o primeiro mandatário não está à altura do cargo que ocupa, nem sequer se mostra à vontade nele, assusta-se com a própria sombra e acumula inimigos por onde passa. “Não planta nem colhe nada de positivo, só atua para defender os próprios interesses restritos, seus e dos filhos”, afirma.
Na economia, conforme avalia Nogueira, a gestão de Paulo Guedes avança porque foi assimilada por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, que não só garantiu a progressão da Reforma Previdenciária, mas mantém ambiente favorável ao reformismo econômico que se deseja institucionalizar. “Mesmo assim, a economia patina e a sensação é de que não se sabe bem o que fazer para dar respostas efetivas aos problemas que afligem a sociedade. Algum desdobramento desse quadro deverá surgir nas eleições do ano que vem, com um possível aumento da frustração do eleitor”, analisa.
Integram o conselho editorial da revista Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho. A direção da revista é de André Amado e a edição, de Paulo Jacinto.
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Ascânio Seleme: O traficante e o presidente
Onde estava o serviço de segurança do Palácio do Planalto que não conseguiu enxergar um dos maiores, se não o maior, traficantes de armas do Rio morando a cem metros do presidente Jair Bolsonaro? Parece impossível ter ocorrido, mas ocorreu. Bolsonaro foi o candidato mais votado no primeiro turno, em seguida eleito presidente, e nenhum agente da Presidência bateu na porta do ex-sargento Ronnie Lessa para tomar informações? Pelo jeito, a segurança não deve ter averiguado nenhum dos vizinhos do presidente eleito. Se averiguou, apenas ouviu e nada checou.
Não conheço outras palavras para designar esse tipo de conduta que não descaso e incompetência. Alguém consegue imaginar este nível de insegurança ser oferecido a Donald Trump, Emmanuel Macron ou a Theresa May? Ou a um hermano como Mauricio Macri ou Sebastián Piñera? Nunca, em tempo algum, um presidente americano seria submetido a este risco. Imaginem Ronald Reagan morando a cem metros de Pablo Escobar. Nos EUA, a varredura da vizinhança ocorre ainda na campanha eleitoral. O FBI dá proteção total ao candidato que pode ser eleito presidente do país.
No caso de Bolsonaro, a atenção deveria ser redobrada, já que pouco antes ele fora alvo de um atentado. Ao ir para o segundo turno, todo seu entorno deveria ser checado, rechecado e higienizado. Se isso tivesse sido feito, Ronnie Lessa teria sido preso ainda em outubro do ano passado. Se não preso, ao menos isolado e investigado para se entender como um sargento reformado com salário de R$ 6 mil poderia ocupar aquela casa. A única explicação seria o próprio Bolsonaro dizer que Ronnie era amigo, e a segurança não precisava se preocupar. Como ninguém acredita nesta hipótese, pode-se tratar o episódio como de incompetência aguda.
As autoridades do Ministério Público e da polícia sabem que, ao prender Ronnie Lessa, não chegaram apenas ao assassino da vereadora Marielle Franco; alcançaram também um megatraficante de armas que há anos abastecia o crime organizado e as milícias do Rio. Além de explicações da segurança presidencial, outras questões deverão ser respondidas no decorrer da investigação. A primeira e mais importante delas, por que um executivo do tráfico de armas do porte de Ronnie Lessa agiu pessoalmente no assassinato de Marielle?
É preciso saber quantas pessoas Ronnie Lessa já executou e entender qual o critério que ele usava para agir pessoalmente como na morte da vereadora. Os responsáveis pelas investigações também precisam descobrir quantas armas em quantos carregamentos Ronnie já trouxe para o Rio. Quais as rotas que usava e quem lhe dava apoio. Tão importante quanto saber quem mandou matar Marielle é saber o modo de operação da super quadrilha do ex-sargento.
Um homem feliz
Não há pessoa mais feliz hoje no Rio de Janeiro que o ex-senador Lindbergh Farias. Denunciado por ter supostamente recebido R$ 4,5 milhões em vantagens indevidas da empreiteira Odebrecht nas campanhas eleitorais de 2008 e 2010, Lindbergh seria objeto de um escrutínio semelhante a de outros políticos que foram julgados na Justiça comum, alguns pela Lava-Jato. A maioria foi condenada, e muitos estão presos, como o ex-presidente Lula. Graças à decisão do STF de mandar para a Justiça Eleitoral todos os casos que possam ser identificados como caixa 2, o ex-senador pôde respirar aliviado. Seu caso foi mandado para o TRE do Rio. Ufa, deve ter dito o indigitado.
O ex-senador sabe, como explicou ontem ao GLOBO o procurador Rogério Nascimento, que a Justiça Eleitoral não tem meios nem quadros para fazer uma eficiente investigação sobre as denúncias de corrupção que pesam contra ele. Justiça Eleitoral serve para fiscalizar e organizar eleições, para tomar medidas urgentes durante o pleito e evitar crimes como boca de urna ou abuso do poder econômico. Nunca para investigar, no nível de acuidade necessário, caso como o de Lindbergh, onde supõe-se que favoreceu a Odebrecht durante suas gestões na prefeitura de Nova Iguaçu para receber propinas usadas em campanhas.
Alguém tem dúvida de que a decisão do STF de mandar para a Justiça Eleitoral casos de caixa 2 abre um enorme flanco no combate à corrupção? Lindbergh não tem.
Míriam Leitão: O Brasil concreto espera o governo
Após a campanha dominada por falsos problemas e uma transição confusa, começa o tempo das medidas concretas para os que assumem esta semana
O Brasil tem inúmeros problemas, mas não os que foram criados pela pauta montada para fazer sucesso eleitoral. Encerrada a disputa das urnas, ela continua sendo alimentada pelos vencedores e assim vamos cada vez mais longe dos dilemas reais que temos de enfrentar para ter sucesso como Nação. O país tem uma enorme pobreza, índices educacionais medíocres, déficit habitacional, poluição dos rios e das cidades, falta de saneamento, rombo nas contas públicas, saúde pública em colapso, estagnação do crescimento, alto desemprego. A eleição era uma oportunidade de discutir estes temas, mas em 2018 nós perdemos a chance.
Prisioneiros de um falso dilema, que remonta a meados do século XX, como explicou na sexta-feira a esclarecedora coluna de Pedro Dória neste jornal, revivemos a batalha ideológica da Guerra Fria, como se o país tivesse voltado na máquina do tempo. Para o grupo vencedor era preciso aniquilar os “comunistas”, para o adversário do segundo turno, os “fascistas”. O delírio eleitoral da cruzada contra infieis permaneceu nas entrevistas da transição que não ajudaram a esclarecer a realidade que havia sido deliberadamente sonegada durante a campanha.
O problema da educação brasileira não é a educação sexual nas escolas. É preciso investir na qualificação dos professores, aumentar a capacidade de aprendizado dos alunos, reter os adolescentes que abandonam os estudos cedo demais, tornar atraente o aprendizado, preparar os estudantes para um tempo de mudança acelerada, aperfeiçoar todo o sistema. A educação é a mais decisiva das batalhas, e o debate se perdeu em escaramuças sobre ficções e delírios. Os especialistas fizeram sua parte. Organizações como o Todos pela Educação, entre outras, prepararam propostas para apresentar aos candidatos, com a lista do mais urgente a fazer.
Os agudos problemas da saúde brasileira também foram deixados de lado. A Constituição de 88 deu um passo decisivo e civilizatório quando criou o Sistema Único de Saúde. Todos sabem que é preciso resgatá-lo com uma gestão mais eficiente. É fundamental dar uma resposta para a crise que continuará fazendo vítimas à porta de hospitais. Pouco se falou sobre esse tema que define a fronteira entre a vida e a morte, como se o país pudesse ignorar urgência dessa dimensão. A Previdência esteve presente em debates e entrevistas por insistência dos jornalistas, apesar de ser assunto inadiável.
Metade do esgoto do Brasil não é tratado e isso aumenta as doenças, destrói as águas de rios e praias, empesteia as cidades. Como o governo eleito vai enfrentar o déficit civilizatório do saneamento? Outra das perguntas sem resposta.
O problema ambiental brasileiro não é a “indústria da multa”, ou o suposto “viés ideológico” dos órgãos de fiscalização e proteção, muito menos uma conspiração internacional, mas o fato de que ainda hoje assistimos inertes a um desmatamento irracional feito com correntão, por bandidos armados ocupando terra pública. Os bons produtores do agronegócio, que já entenderam a lógica do tempo atual, sabem que é preciso derrotar os crimes ambientais pelo nosso futuro comum.
O combate à corrupção precisa continuar para proteger os recursos públicos, para melhorar a política, para tornar mais transparentes as relações entre agentes públicos e empresas privadas. O país aprendeu que os erros podem acontecer em qualquer partido. O dilema, porém, foi tratado como uma cruzada dos supostos “puros”, um reducionismo comparável à vassourinha de Jânio Quadros. Na segurança, os altos níveis de homicídios no Brasil não tiveram proposta inteligível, apenas o gesto com os dedos a simular uma arma.
Na economia será preciso pôr as contas em ordem, retomar o crescimento e a geração do emprego. Somado tudo o que foi dito na campanha, com os esboços divulgados durante a transição, não se consegue dizer, sinceramente, qual é o projeto econômico do novo governo. Há apenas uma grande torcida para que a nova equipe acerte e uma ideia genérica de um projeto liberal.
Esta semana o novo governo assumirá e será o tempo das medidas concretas e reais para superar os diversos déficits brasileiros. Os vencedores terão a oportunidade de fazer o que não explicaram durante o confuso ano de 2018.
João Domingos: O presidenciável
Ao aceitar o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro se torna candidato ao Planalto
No momento em que aceitou o convite para assumir o Ministério da Justiça, o juiz Sérgio Moro credenciou-se para se candidatar à sucessão do próprio chefe, caso prospere a ideia de Jair Bolsonaro de acabar com a reeleição. Ou até para concorrer com Bolsonaro, se a reeleição for mantida e o capitão reformado do Exército se sentir tentado a buscar um outro mandato.
Esse será o caminho de Moro. Por mais que ele e Bolsonaro digam que o cargo de ministro serve para que o governo central assuma o combate à corrupção e ao crime organizado, e que, depois, o juiz de Curitiba será nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) quando uma vaga surgir, o fato é que, hoje, Moro está credenciado a disputar a próxima eleição para a Presidência da República.
A nomeação de Sérgio Moro para um superministério da Justiça a ser criado é também o pagamento de uma promessa de campanha feita por Bolsonaro ao eleitor que o elegeu, um eleitor que parece dar mais importância ao combate à corrupção do que às questões econômicas. Não que o nome do juiz estivesse vinculado à promessa. Mas, ao nomeá-lo, a identificação de uma coisa com a outra foi imediata. O eleitor talvez não tenha votado em Bolsonaro porque ele gosta de Bolsonaro. Ele votou no capitão porque este assumiu um discurso anti-PT e anticorrupção, e se propôs a ser aquele que virá demolir tudo para que algo novo nasça. Essa é a visão que uma boa parte do eleitorado vencedor tem daquele a quem deu o voto.
Alguém pode discordar de tudo isso. E certamente muitos vão discordar. O fato é que Bolsonaro venceu a eleição ao se opor ao PT, ao sistema político, aos esqueminhas e esquemões que costumam capturar governos e os tornam reféns do fisiologismo. Tanto é que, ao nomear Moro, Bolsonaro foi criticado por aliados e opositores, pois ele pôs no jogo político um nome que tem tudo para construir uma carreira política a partir de agora. O eleitor vibrou, ao contrário do status quo político, que aguarda a hora de botar a faca no pescoço de Bolsonaro em nome da governabilidade.
Quanto a Moro, mesmo que ele venha a dizer que não quer se tornar um político, como disse em 2016, numa entrevista ao Estado, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça ele se tornou político. Porque o cargo é político. Porque Moro tem vocação política. Na entrevista ao Estado, Moro chegou a dizer que jamais seria político. Estava enganado. Sua carreira de êxito na magistratura foi pontuada por atos políticos. Quando, em 2016, atropelando o relógio, divulgou o conteúdo de conversas entre a então presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula, à véspera do impeachment, ele tomou uma decisão política. Por ela foi advertido. Se não tivesse divulgado o teor do grampo, que mostrava as manobras para dar foro privilegiado a Lula e livrá-lo de uma ordem de prisão, Dilma talvez não tivesse sofrido o processo de impeachment. Foi um gesto tão político que mudou a História.
Quando o juiz autorizou o acesso público a parte do conteúdo da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci, a uma semana do primeiro turno da eleição de 2018, Moro tomou uma decisão política, mesmo que no limite do que orienta a Lei Orgânica da Magistratura.
Moro sabe que, ao aceitar o convite para o Ministério da Justiça, ele deixa de ser o juiz de Curitiba reconhecido mundialmente pelo combate à corrupção e ao crime organizado. Passa a ser um superministro da Justiça com uma missão complexa. Se tudo der certo, e sua passagem pela Justiça resolver questões relacionadas à corrupção e ao crime organizado, será empurrado para o próximo passo, o de tentar ser o presidente da República do combate à corrupção e ao crime organizado.
O Globo: Com 98% das urnas apuradas, Bolsonaro está eleito presidente do Brasil
Candidato do PSL aparece com 55,34% dos votos válidos, contra 44,66% de Haddad
RIO — Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito presidente da República na noite deste domingo, derrotando no segundo turno o candidato do PT Fernando Haddad. A vitória foi confirmada às 19h18 pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro tem 55,34% dos votos válidos, contra 44,66% para Haddad.
A pesquisa de boca de urna divulgada pelo Ibope na tarde deste domingo apontava Bolsonaro com 56% dos votos válidos, contra 44% para Haddad.
Os levantamentos de intenções de voto divulgados por Ibope e Datafolha no sábado apontavam uma vitória do candidato do PSL contra seu adversário do PT. O Datafolha apontou Bolsonaro com 55% dos votos válidos, contra 45% para Haddad. Já o Ibope mostrou Bolsonaro com 56%, enquanto Haddad apareceu com 44%.
No primeiro turno, Bolsonaro totalizou 49,2 milhões de votos, ou 46,03% dos votos válidos. Haddad avançou ao segundo turno com 29,28% dos votos válidos, com cerca de 31,3 milhões de votos.
Bolsonaro venceu em 631 dos 645 municípios paulistas . No estado, obteve pouco mais de 15 milhões de votos (68,01% dos válidos), mais que o dobro dos 7 milhões de Fernando Haddad (31,99%). O capitão da reserva saiu vitorioso inclusive na cidade de São Paulo — governada por Haddad entre 2013 e 2016. Lá, teve o apoio de 60,38% dos eleitores.
No Rio, o candidato do PSL obteve uma expressiva vitória. Integrante da bancada fluminense na Câmara dos Deputados, Bolsonaro tem 67,88% dos votos válidos, contra 32,12% de Fernando Haddad (PT). No Rio, já foram apurados 98,16% dos votos. No estado, o candidato do PSL obteve uma vantagem de quase 3 milhões de votos.
O discurso da vitória
Em uma live no Facebook, logo após a declaração oficial da vitória, Bolsonaro disse que governará o país seguindo "os ensinamentos de Deus ao lado da Constituição brasileira" . O parlamentar ressaltou que tem condições de governabilidade e que honrará compromissos assumidos durante a campanha com bancadas políticas e eleitores.
— O que eu mais quero é, seguindo os ensinamentos de Deus, ao lado da Constituição brasileira, inspirando em grandes líderes mundiais e com boa assessoria técnica, isenta de indicações políticas de praxe, começar a fazer um governo a partir do ano que vem que possa colocar o Brasil no lugar de destaque. Temos tudo para sermos uma grande nação. Temos condições de governabilidade com parlamentares. Todos os compromissos assumidos serão cumpridos com as mais variadas bancadas e o povo em cada local do Brasil.
Jair Bolsonaro iniciou sua carreira política em 1988, quando se elegeu vereador pelo Rio de Janeiro. Em 1990, Bolsonaro foi eleito deputado federal pela primeira vez. Atualmente, o capitão da reserva está em seu sétimo mandato consecutivo na Câmara dos Deputados.
Bolsonaro, de 63 anos, nasceu em Glicério, no interior de São Paulo. O novo presidente do Brasil serviu ao Exército entre 1977 e 1988, e chegou à patente de capitão. Três filhos de Bolsonaro também ocupam cargos políticos: Flávio, senador eleitor pelo Rio; Eduardo, deputado federal reeleito por São Paulo; e Carlos, vereador na capital fluminense.
Apoiadores de Bolsonaro fizeram festa ao longo do dia na frente da sua residência, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Eleitores do candidato do PSL chegaram a fazer desafios de pagar 17 flexões, em referência ao número do partido. Alguns deles organizaram um churrasco na frente do condomínio de Bolsonaro.
Após sofrer um atentado a faca em Juiz de Fora (MG) durante um evento de campanha, no início de setembro, Bolsonaro teve de passar por cirurgia e colocou uma bolsa de colostomia. O presidenciável passou cerca de três semanas internado, a maior parte desse tempo no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Depois que recebeu alta hospitalar, Bolsonaro passou a maior parte do tempo em sua residência, na Barra da Tijuca, onde recebeu aliados para traçar os passos seguintes da campanha e manteve comunicação diária com eleitores através de publicações em redes sociais. Bolsonaro alegou motivos de saúde para não participar de debates com Fernando Haddad no segundo turno.
BBC Brasil: Bolsonaro presidente - A surpreendente trajetória de político do baixo clero ao Planalto
Após uma campanha marcada por um alto nível de tensão, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) foi eleito neste domingo o novo presidente da República. Com 92,08% das urnas apurados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o candidato atingiu 55,63% dos votos válidos e está matematicamente eleito. O adversário, o ex-prefeito Fernando Haddad (PT), está com 44,37%.
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Mas se tornou nacionalmente conhecido ao longo dos anos por declarações polêmicas, principalmente sobre a comunidade LGBT e a ditadura militar. Até o início campanha, analistas políticos afirmavam que a candidatura do deputado federal poderia se "desidratar", já que ele teria direito a apenas 8 segundos diários de propaganda eleitoral na TV.
No entanto, o capitão reformado cresceu de forma continuada nas pesquisas, se consolidando no primeiro lugar já no primeiro turno. A BBC News Brasil reuniu os principais fatos na trajetória do candidato do PSL rumo ao resultado da eleição deste domingo.
Entre 2015 e 2016 - 'Vou ser candidato a presidente gostem ou não gostem'
Bolsonaro fala publicamente na possibilidade de ser candidato à Presidência da República há cerca de três anos. Em abril de 2015, ele se desfiliou do PP já com a intenção de seguir o "sonho" de ser presidente.
"Foi um pedido verbal, mas oficial. A gente começa aí um processo de separação, que espero que seja amigável. Tenho um sonho para 2018 de disputar o cargo de senador ou presidente da República. No partido onde estou, dificilmente serei candidato sequer para o Senado. O que sinto é que eles querem uma opção diferente para 2018", afirmou, na ocasião.
Em novembro de 2016, ele reforçou que disputaria a eleição presidencial "quer gostem ou não", ao prestar depoimento na condição de testemunha num processo aberto pelo Conselho de Ética da Câmara para apurar se Jean Wyllys (PSOL-RJ) quebrou o decoro parlamentar ao cuspir em Bolsonaro em 2015.
Na época, o ex-capitão do Exército estava filiado ao Partido Social Cristão (PSC) - sigla conhecida por reunir líderes evangélicos -, e havia divergências dentro do partido sobre uma eventual candidatura dele.
"Há dois anos me preparo para que o partido, se assim entender, (permita minha candidatura) de acordo com minha aceitação popular. Eu estarei pronto para enfrentar uma campanha presidencial, o que não é fácil", disse.
Agosto de 2017- Primeiras pesquisas mostravam Bolsonaro atrás de Lula
Em agosto do ano passado, quando as primeiras pesquisas de intenção de voto começaram a ser divulgadas, Bolsonaro já aparecia em posição competitiva. Na ocasião, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda era tido como o candidato do PT - ele ainda não havia sido condenado por corrupção e lavagem de dinheiro em segunda instância, o que acabou ocorrendo em janeiro de 2018.
Uma pesquisa do Datafolha divulgada no dia 30 de agosto de 2017 pelo jornal "Folha de S.Paulo" mostrava Lula em primeiro lugar com 36% das intenções de voto, seguido por Bolsonaro, com 16%, e por Marina Silva (Rede), com 14%.
Março de 2018 - Filiação ao PSL e lançamento da pré-candidatura
Após divergências com o PSC e sem ver espaço para ser candidato por esse partido, Bolsonaro migrou para o Partido Social Liberal (PSL) em 7 de março deste ano.
Ele aproveitou a ocasião para lançar a pré-candidatura à Presidência com um discurso focado em defender a revisão da Lei do Desarmamento. O evento contou com gritos de "mito, mito, mito", orações e Hino Nacional.
Abril de 2018 - Prisão de Lula e tomada da dianteira nas pesquisas por Bolsonaro
Em abril, Lula foi preso, três dias depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) negar habeas corpus da defesa que pedia que ele não pudesse ser detido até uma condenação definitiva - o chamado trânsito em julgado. Apesar da prisão, o PT decidiu insistir na candidatura de Lula até o prazo final dado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a substituição do nome.
Bolsonaro passou à dianteira nas pesquisas de intenção de voto nos cenários em que Fernando Haddad aparecia como substituto do ex-presidente na chapa do PT. Pesquisa Ibope divulgada em 20 de junho mostrava o candidato do PSL com 17% das intenções de voto, seguido por Marina Silva (13%), Ciro (8%) e Alckmin (6%). Haddad, até então vice na chapa de Lula, aparecia só com 2%.
14 de agosto de 2018 - Bolsonaro registra a candidatura
Em 14 de agosto, Bolsonaro registrou a sua candidatura no TSE e declarou um patrimônio de R$ 2,3 milhões (todos os candidatos precisam declarar patrimônio à Justiça Eleitoral).
No dia seguinte, o PT registrou a candidatura de Lula, embora o petista estivesse preso e impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa.
6 de setembro - Bolsonaro leva facada em comício em Juiz de Fora (MG)
Um dos episódios mais marcantes de toda a campanha ocorreria no dia 6 de setembro na cidade mineira de Juiz de Fora. Bolsonaro estava nos ombros de apoiadores, durante um comício, quando levou uma facada na barriga.
O autor do atentado, Adelio Bispo de Oliveira, 40, foi preso. Bolsonaro chegou a perder 40% do sangue do corpo - cerca de 2,5 litros - e passou por duas cirurgias.
Com o episódio, ele se afastou das campanhas nas ruas mas, ao mesmo tempo, ganhou ampla visibilidade na mídia, inclusive no horário nobre de televisão.
Os adversários dele, por sua vez, decidiram mudar a estratégia de campanha, moderando o tom das críticas ao candidato do PSL nas duas primeiras semanas que se seguiram ao atentado. A lógica era a de que poderia não pegar bem fazer ataques pesados a alguém hospitalizado.
10 de setembro - Substituição de Lula por Haddad como candidato do PT
Após Lula ser barrado pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa, o PT decidiu substituir a candidatura do ex-presidente pelo vice na chapa, Fernando Haddad. Nos dias que se seguiram, começou a ficar mais evidente que a reta final da campanha poderia se centralizar numa disputa entre Bolsonaro e o ex-prefeito de São Paulo.
O candidato do PSL passou a apresentar um crescimento constante nas pesquisas, se consolidando no primeiro lugar em intenções de voto. Haddad também cresceu fortemente, se beneficiando da transferência de votos de Lula e passando a figurar em segundo lugar. Mas os dois também carregavam altas taxas de rejeição - acima de 40%.
A campanha eleitoral assumiu, então, o seu maior grau de polarização, com a possibilidade de uma disputa entre anti-petistas e anti-Bolsonaro num segundo turno.
30 de setembro - Mulheres vão às ruas em campanha #EleNão
Uma semana antes do primeiro turno da eleição, milhões de mulheres tomaram as ruas de 114 cidades do Brasil para protestar contra Bolsonaro, como parte do movimento #EleNão, que se espalhou nas redes sociais.
Conhecido por declarações machistas, como quando disse, em 2016, que não empregaria uma mulher com o mesmo salário que um homem, o candidato do PSL alcançou, ao longo da campanha, patamar de 50% de rejeição entre as eleitoras.
Em reação ao #EleNão, mulheres apoiadoras de Bolsonaro organizaram atos em 16 cidades.
5 de outubro - Bolsonaro 'boicota' debate da TV Globo dando entrevista para a Record
Desde que levou a facada, Bolsonaro precisou passar semanas internado e deixou de participar de debates televisivos.
Para especialistas, o fato de não ter precisado enfrentar perguntas difíceis, no embate ao vivo com os demais candidatos, pode ter beneficiado o candidato do PSL, que passou a se dedicar à divulgação de vídeos nas redes sociais.
No último debate televisivo, marcado para ocorrer dois dias antes do primeiro turno, Bolsonaro já havia sido liberado do hospital e se recuperava em casa. Mas afirmou que não participaria "por recomendação médica".
No entanto, no mesmo dia e horário do debate, quando todos os outros candidatos se dedicavam a responder às perguntas uns dos outros, a TV Record exibiu uma entrevista exclusiva com Bolsonaro, gravada na casa no deputado do PSL.
Nos 30 minutos de vídeo, o candidato atacou seus adversários, especialmente Haddad, a quem chamou de "fantoche de Lula", além de criticar a condução das investigações sobre o atentado que sofreu e dizer que não tem responsabilidade sobre a divulgação de fake news por seus apoiadores.
6 de outubro - A última pesquisa e a chance de vitória em primeiro turno
Na semana que antecedeu o primeiro turno das votações, Bolsonaro cresceu fortemente nas pesquisas a ponto de alcançar 40% dos votos válidos, seguido por Haddad, com 25%, e Ciro, com 15%.
A alta gerou, nas redes sociais, um movimento em prol de "voto útil" do eleitor "antipetista" por uma vitória de Bolsonaro no primeiro turno.
7 de outubro - Bolsonaro vota no Rio de Janeiro
9 de outubro em diante - Denúncias de agressões no segundo turno
Logo depois do primeiro turno, começaram a proliferar relatos de agressões relacionadas ao discurso eleitoral. Um dos casos mais dramáticos foi registrado em Salvador: o assassinato do mestre de capoeira Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, de 63 anos. Ele foi morto a facadas após uma discussão política algumas horas depois da eleição de domingo.
Testemunhas disseram que o desentendimento começou quando o capoeirista revelou apoio ao candidato do PT. O agressor, Paulo Sérgio Ferreira de Santana, de 36 anos, teria defendido Bolsonaro.
O período eleitoral também foi marcado por casos de agressões a jornalistas. Foram 137 em 2018, segundo estimativas da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) - sendo 75 ataques digitais e 62 físicos, e a maioria deles ligados à cobertura eleitoral.
Ao ser questionado sobre atos de violência nas ruas, Bolsonaro disse que não tem controle sobre seus apoiadores. "O cara lá que tem uma camisa minha e comete um excesso, o que é que eu tenho a ver com isso?", questionou.
"Eu lamento. Peço ao pessoal que não pratique isso, mas eu não tenho controle sobre milhões e milhões de pessoas que me apoiam."
No dia 12 de outubro, ele foi mais enfático em condenar as agressões. "Dispensamos voto e qualquer aproximação de quem pratica violência contra eleitores que não votam em mim. A este tipo de gente peço que vote nulo ou na oposição por coerência, e que as autoridades tomem as medidas cabíveis, assim como contra caluniadores que tentam nos prejudicar", afirmou, em sua conta no Twitter.
10 de outubro - Bolsonaro anuncia que não vai participar de debates
Dois dias após o primeiro turno da eleição, Bolsonaro afirmou que não participaria do debate organizado por Folha de S.Paulo, UOL e SBT, marcado para o dia 17 de outubro. Na época, ele alegou que a equipe médica recomendou "mais alguns dias de repouso".
Pouco mais de uma semana depois, o presidente em exercício do PSL, Gustavo Bebianno, declarou que Bolsonaro não participaria de nenhum debate televisivo com Haddad no segundo turno e nem viajaria para atos de campanha.
A justificativa dada foi o desconforto causado pela bolsa de colostomia presa ao seu corpo desde que levou a facada, além de questões de segurança. Em entrevista à TV Globo, Bolsonaro afirmou considerar os debates algo "secundário".
"Eu poderia me submeter a uma aventura, mas poderia ter uma consequência péssima para minha saúde. Levando-se em conta a restrição, a minha saúde e a gravidade do que ocorreu, a tendência é eu não participar de debates. Não posso abusar nesse momento. Questão de debate é secundário. Da minha parte, até gostaria porque não teria dificuldade de debater com preposto com um poste do Lula."
18 de outubro - Reportagem diz que empresas pagavam por disparos contra o PT no WhatsApp
Reportagem da Folha de S.Paulo publicada no dia 18 de outubro afirmou que empresas que apoiam Bolsonaro estavam comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada.
Bolsonaro se pronunciou dizendo que "não tem nada a ver com isso". E passou a criticar fortemente a Folha de S.Paulo, inclusive prometendo cortar, quando eleito, publicidade do governo federal no jornal. "A Folha de S.Paulo é a maior fake news do Brasil. Vocês não terão mais verba publicitária do governo", disse, em transmissão ao vivo.
A pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, a Polícia Federal abriu uma investigação sobre a compra de pacotes de disparos no WhatsApp.
20 de outubro - Filho de Bolsonaro fala em 'fechar o STF'
Um dos acontecimentos que mais geraram repercussão durante a campanha do segundo turno foi a divulgação de imagens em que Eduardo Bolsonaro, 34 anos, um dos filhos do candidato à Presidência, afirma que bastariam um "cabo e um soldado" para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF).
Em vídeo gravado em julho, disponível na internet, Eduardo, que foi reeleito deputado federal, aparece numa sala de aula de um cursinho para interessados em ingressar na Polícia Federal, em Cascavel (PR).
Ele é perguntado por um aluno sobre o que poderia ser feito caso o STF impugnasse a candidatura ou diplomação do pai dele por fraude eleitoral. Eduardo respondeu, em tom de ameaça, que o tribunal "terá que pagar para ver o que acontece" e argumentou que dificilmente haveria reação popular se um ministro do Supremo fosse preso.
A declaração gerou forte reação entre ministros da Corte. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, afirmou que "atacar o Poder Judiciário é atacar a democracia", enquanto Celso de Mello - decano do Supremo - disse que a fala foi "inconsequente e golpista".
Jair Bolsonaro primeiro afirmou que "qualquer um que fale em fechar o Supremo precisa se consultar com um psiquiatra". Posteriormente, ele disse: "Eu já adverti o garoto, o meu filho, a responsabilidade é dele. Ele já se desculpou".
21 de outubro - Bolsonaro fala em 'faxina' e promete 'banir marginais vermelhos'
Em vídeo ao vivo transmitido durante um comício na Avenina Paulista, em São Paulo, Bolsonaro proferiu um dos discursos mais agressivos da campanha. "A faxina agora será muito mais ampla. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria", afirmou o capitão reformado.
Ele também ameaçou prender o senador Lindbergh Farias e o próprio Haddad, e afirmou que Lula irá "apodrecer na cadeia".
"Seu Lula da Silva, se você estava esperando Haddad vencer para assinar o decreto de indulto, eu vou te dizer uma coisa: você vai apodrecer na cadeia. Brevemente você terá Lindbergh Farias para jogar dominó no xadrez. Aguarde, o Haddad vai chegar aí também. Não será para visitá-lo não, será para ficar alguns anos ao seu lado", disse. "Será uma limpeza nunca vista na história", completou.
27 de outubro - Última pesquisa Datafolha aponta vitória de Bolsonaro
No sábado, foi divulgada a última pesquisa de intenção de voto do Datafolha dessas eleições. Bolsonaro aparecia com 55% das intenções de votos válidos, uma vantagem de dez pontos percentuais em relação a Haddad (45%).
Ao longo das semanas que antecederam a eleição, a vantagem de Bolsonaro sobre Haddad, que chegou a ser de 18 pontos percentuais, diminuiu. Mas não o suficiente para que o petista chegasse perto de efetivamente ameaçar a liderança do candidato do PSL.
28 de outubro - Bolsonaro vota no Rio de Janeiro
Com esquema reforçado de segurança e vestindo um colete a prova de balas, Bolsonaro votou às 9h17, acompanhado da esposa, na Escola Municipal Rosa da Fonseca, na Vila Militar, em Deodoro, na Zona Oeste do Rio.
"Pelo que eu vi nas ruas nos últimos meses, é vitória", disse ele, ao ser questionado sobre a expectativa para o resultado.
Luiz Carlos Azedo: Base azeitada
A bandeira do ajuste fiscal acabou de ser enterrada pelo Palácio do Planalto, que somente este mês liberou R$ 687 milhões em emendas individuais para os parlamentares. A farra não foi para cooptar ninguém da oposição: foi para domar a própria base parlamentar. Como o orçamento é impositivo desde 2015, o governo é obrigado a liberar os recursos das emendas, mas decide o fluxo de pagamentos, o que serve para administrar os humores dos parlamentares, premiando aliados e retaliando a oposição. Em razão da votação da denúncia contra o presidente da República, entretanto, para desespero da equipe econômica, a liberação de recursos quase dobrou em relação a setembro (foram R$ 273 milhões) e mais que quadruplicou se compararmos com agosto (R$ 138 milhões).
Para aumentar o rombo nos cofres do governo, Temer acelerou a sanção do Programa de Regularização Tributária, o novo Refis, que será publicado nesta quarta-feira, no Diário Oficial da União, sem vetos, o que contraria o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que havia proposto nove vetos. A rebelião na base, estimulada pelo lobby dos maus pagadores, forçou a decisão. Uma nova medida provisória também deverá prorrogar o prazo de adesão. A Receita deve regulamentar as novas regras até quinta-feira. O prazo de adesão termina em 31 de outubro, mas deve ser prorrogado. Com a medida, haverá perda de receita da ordem de R$ 3 bilhões, de um total previsto de R$ 13 bilhões a serem arrecadados.
Deputados da base transformaram o Refis em moeda de troca, assim como fizeram em relação à redução das multas ambientais e às novas regras do combate ao trabalho escravo, estabelecidas por simples portaria do Ministério do Trabalho. Ontem, por medida liminar da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a portaria. A ministra acolheu o pedido da Rede Sustentabilidade, porque houve desvio de poder na edição da medida, ao alterar conceitos que devem ser usados pelos fiscais para identificar um caso de trabalho forçado, degradante e em condição análoga à escravidão, além de exigir, por exemplo, que o fiscal apresente um boletim de ocorrência com o seu relatório.
A operação para azeitar a base do governo foi complementada por um esforço do presidente Michel Temer a fim de melhorar a relação com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que foi chamado ao Palácio do Planalto para uma reunião. Na saída, Maia disse que está tudo bem entre os dois, com a ressalva de que “em política não tem amiguinho, muito menos para sempre”. A declaração é mais um sinal de que Maia pretende manter distância regulamentar de Temer, mas não deseja o lugar do presidente. Tanto que decidiu pôr em votação as denúncias contra Temer e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco (Secretaria-geral da Presidência) em bloco, e não separadamente. Mais cedo, liminar do ministro Marco Aurélio Mello, do STF, havia rejeitado um recurso do PSol contra a votação em bloco, com o argumento que a decisão cabia à Câmara.
Outro reforço para Temer foi a declaração do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), defendendo a sua permanência na Presidência até o final do mandato. A decisão aparta o governador paulista dos deputados tucanos que pretendem votar a favor da aceitação da denúncia, o que aumentará a pressão dos ministros tucanos Bruno Araújo (Cidades), Antônio Imbassay (Secretaria de Governo) e Aloysio Nunes Ferreira (Relações Internacionais) sobre os integrantes da bancada. Temer e Alckmin são velhos aliados, mas o namoro do presidente da República com o prefeito de São Paulo, João Doria, que ameaçava deixar o PSDB para ser candidato a presidente da República, havia provocado um distanciamento entre os dois.
Lacrou
O presidente do Conselho de Ética do Senado, João Alberto Souza (PMDB-MA), decidiu ontem arquivar a representação do PT que pedia a cassação de Aécio Neves (PSDB-MG), o que pôs um ponto final no caso. Formalmente, não existe mais nada contra o senador mineiro, o que fortaleceu sua posição na queda de braços com o presidente interino da legenda, senador Tasso Jereissatti (PSDB-CE), que, desde a semana passada, vinha defendendo a saída definitiva de Aécio da presidência da legenda.
Ontem, senadores do PMDB chegaram a se reunir para discutir a questão, mas não chegaram a conclusão alguma. Tasso disse que a reunião serviu para que os tucanos fizessem uma “avaliação da situação”, mas deixou claro que Aécio decidirá se vai concluir o mandato ou não: “dentro do seu livre arbítrio, analisando a situação”. Uma saída salomônica foi proposta pelo líder do PSDB no Senado, Paulo Bauer (SC): esperar a convenção partidária, marcada para dezembro, quando acaba o mandato de Aécio, que continuaria licenciado. “A liderança do partido continua sendo Tasso, no pleno exercício do mandato de presidente, com plena liberdade e solidariedade de todos os membros da bancada”, explicou.
– Correio Braziliense
Murillo de Aragão: O acaso sorri para Doria
Imaginem que um deputado federal que se manteve mudo em boa parte de seu único mandato na Câmara seja escolhido para ser ministro da Fazenda por conta das injunções políticas.
Depois, esse ministro se elege governador de seu estado, vira candidato a presidente da República, é derrotado, lidera um golpe de Estado e se transforma em ditador. Tudo em pouco mais de quatro anos.
Essa é a trajetória de Getúlio Vargas contada magistralmente por Lira Neto em sua trilogia.
Imaginem agora a trajetória do prefeito João Doria (PSDB).
De celebridade do mundo dos negócios termina candidato a prefeito de São Paulo por conta da insistência do seu governador, Geraldo Alckmin (PSDB). Eleito prefeito, faz valer três características importantes hoje: uma imensa capacidade de trabalho, o uso intenso e eficiente das redes sociais e uma narrativa poderosa contra o ex-presidente Lula.
O sucesso dessas características o alavanca para uma situação de pré-candidato presidencial e a criatura ameaça engolir o criador.
Não é a primeira vez que tal fenômeno acontece em política nem será a última.
Em 1994, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), não era o preferido de seu partido para disputar a Presidência, nem era o preferido do presidente da República, Itamar Franco (PMDB).
O senador Mário Covas (PSDB) queria ser candidato novamente, mas Itamar Franco pensava em seu ex-ministro Antônio Britto (PMDB). O Plano Real impôs FHC como candidato.
O acaso e as circunstâncias colocaram Fernando Henrique no lugar certo e na hora certa e com as virtudes certas para enfrentar o momento.
Até hoje a fortuna e as virtudes de Doria têm trabalhando a seu favor. Já mencionei suas virtudes. Falo agora da sua fortuna.
Geraldo Alckmin, seu patrono e competidor, é um candidato “analógico” que não empolga nem tem uma trajetória de sucesso inquestionável. Como governador do maior estado do país, centro financeiro, industrial e cultural do Brasil, teria a possibilidade de fazer um governo espetacular. Não o faz. Ponto para Doria.
No episódio da denúncia encaminhada ao Supremo pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer, o PSDB – como sempre – ficou dividido, nervoso e fragilizado. Aliás, o PSDB foi uma das vítimas da denúncia. Enquanto os caciques do partido se debatiam, Doria passou ao largo do problema a ponto de manter abertos seus canais de comunicação com Temer e o governo. Doria sabe que o apoio do governo federal, em uma eleição curta e sem recursos privados como será a de 2018, será decisivo na campanha. Mais um ponto para Doria.
Além disso, Doria não sofre significativa rejeição pela população, não é considerado um “político velho” e, melhor dos mundos, nada tem a ver com a Operação Lava-Jato. Pontos para Doria.
Mesmo tendo convivido de perto com a política e os políticos, nunca se envolveu em nada que possa comprometer sua imagem. Mais um ponto.
Ainda que estejamos longe das próximas eleições, o acaso – até agora – tem trabalhado a favor de Doria, que pode sair candidato pelo PSDB ou por uma coligação de partidos. No momento, temos partidos demais e candidatos fortes de menos.
Por suas virtudes e pelas circunstâncias, Doria poderá ser um candidato muito forte no ano que vem. Em especial, se o acaso continuar sorrindo para ele e sua narrativa prosseguir eficiente.
* Murillo de Aragão é cientista político
O Globo: Governo infla fundo partidário
Planalto propõe ao Congresso fundo partidário de R$ 888,7 milhões, três vezes o de 2017. Com valor já no teto, governo tira de parlamentares desgaste de discutir aumento
Por Eduardo Bresciani e Cristiane Jungblut, de O Globo
No momento em que tem dificuldades para fechar as contas, o governo decidiu inflar os recursos destinados ao fundo partidário em 2018, ano eleitoral. A proposta apresentada dentro do Orçamento é de R$ 888,7 milhões, quase três vezes superior à sugerida pela administração Michel Temer para 2017. Tradicionalmente, é o Congresso que aumenta o valor, mas desta vez o Planalto já se antecipou. A ampliação da verba destinada aos partidos ocorre no momento em que deputados e senadores discutem no âmbito da reforma política o financiamento das campanhas do próximo ano.
Ao optar por esse caminho, o Planalto evita o desgaste para os parlamentares. Interlocutores do governo que participaram das negociações afirmam que este ano o acerto político foi de enviar já o valor “real”. O discurso é de que a lógica de elaboração do Orçamento mudou com a promulgação da PEC do Teto, que fixa um limite para os gastos, e que é preciso já enviar ao Congresso uma proposta que não seja inflada posteriormente.
— O Fundo Partidário não pode ser retido por contingenciamento. Antes, a gente crescia o valor com o crescimento da receita total do governo, sempre em torno de R$ 20 bilhões. Mas agora, a lógica mudou. Com o teto, o Orçamento não terá mais criação de receita. E o governo mandou o valor acordado. Não é o teto, é o valor real que custa o funcionamento dos partidos — disse um líder governista que participou das negociações, na condição do anonimato.
O fundo partidário existe para garantir a estrutura de funcionamento das legendas. Os recursos devem ser destinados para manutenção de escritórios nos estados, pagamentos de funcionários e sustentar fundações para promover o debate político. Mas a legislação permite também a aplicação deste dinheiro nas campanhas, uso que deve ser ampliado depois de as doações de empresas terem sido proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Os recursos são divididos de acordo com as bancadas dos partidos na Câmara.
“CONGRESSO SEMPRE FICAVA COM A PARTE RUIM"
O dinheiro destinado aos partidos subiu de patamar a partir do Orçamento de 2015, quando o hoje líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), praticamente triplicou as verbas em seu relatório. Isso se repetiu dali em diante. Para 2017, por exemplo, a gestão Temer propôs R$ 309,2 milhões para o fundo, e o Congresso subiu para R$ 819,1 milhões. Para o próximo ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) mudou as regras e já fixou um valor máximo. O governo, então, decidiu já mandá-lo de início, mesmo com o aperto nas contas públicas.
O líder do PP na Câmara, deputado Arthur Lira (AL), disse que, pelo menos, o desgaste de arranjar a verba não sobrará para o relator do Orçamento de 2018, deputado Cacá Leão (PP-BA).
— O Congresso sempre ficava com a parte ruim (de ter que aumentar o fundo partidário). Agora, deixa o governo fazer o correto — disse Lira, que presidia a Comissão de Orçamento até 2016.
Deputados da oposição, porém, veem na medida mais uma forma de o governo agradar aliados.
— Em um momento de grave crise fiscal, em que Temer corta recursos de diversas áreas, essa generosidade causaria surpresa se não soubéssemos sua verdadeira razão: garantir votos na Câmara para impedir a aceitação da denúncia enviada pelo Ministério Público ao Supremo — afirmou o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ).
O debate sobre financiamento das campanhas está emperrado. Em votação no mês passado, os deputados já decidiram que não haverá um valor previsto na Constituição para este novo fundo eleitoral, que enfrenta dificuldade para ser aprovado.
Desconhecendo a limitação do valor que consta na LDO, alguns parlamentares começavam a articular a ampliação do fundo partidário para valores bilionários. Para isso, seria necessário alterar o texto da lei para permitir uma extrapolação ainda maior.
— A gente ainda não começou a fazer o diálogo, porque tem de fazer após o encerramento da reforma. Vai ser um processo de muito diálogo. É o primeiro Orçamento da PEC do Teto, e a gente vive uma crise fiscal. Da minha parte, haverá bastante responsabilidade — disse o relator Cacá Leão.
Governo faz pressão para que bancos públicos reduzam taxas de juros
Avaliação é que, com o corte na Selic Caixa e BB devem capitanear a queda nos juros para forçar os bancos privados a fazerem o mesmo; estratégia já foi usada pela equipe de Dilma, mas governo diz que condições são diferentes
A equipe econômica e o Palácio do Planalto começam a pressionar os bancos públicos a iniciar um processo de redução das taxas de juros e fomentar a concorrência com os concorrentes privados. A avaliação é que esse movimento será respaldado pela queda dos juros básicos da economia, principalmente a partir de 2017, quando o Banco Central aumentar o ritmo dos cortes.
Além disso, o governo acredita que os bancos terão os custos reduzidos com ações que serão divulgadas hoje pelo BC, como a desburocratização na obrigatoriedade de cumprimento do depósito compulsório – dinheiro que os bancos são obrigados a deixar no BC remunerado à taxa Selic.
O uso de bancos públicos para ajudar na política econômica recebeu muitas críticas nos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quando Banco do Brasil e Caixa financiaram o aumento do consumo e capitanearam uma queda forçada nas taxas de juros. Uma das consequências dessa estratégia foi o aumento da inadimplência dessas instituições, principalmente na Caixa.
Mas, segundo fontes da área econômica, a redução das taxas de juros que será feita pelos bancos oficiais se diferenciará da que ocorreu em 2012, no governo Dilma, porque desta vez o governo não adotará medidas intervencionistas, como obrigar as instituições a tocar programas que a própria área técnica condenava, a exemplo do “Minha Casa Melhor” – linha destinada a financiar móveis para os mutuários do Minha Casa Minha Vida.
Também está descartada a criação de um programa específico como o “Bom Para Todos”, do Banco do Brasil, que promoveu redução de juros em várias linhas para pessoas físicas no sentido de aumentar o consumo das famílias.
Para um integrante da equipe econômica, os bancos oficiais precisam resolver a equação entre proteger os balanços – ainda mais neste momento em que o Tesouro Nacional não tem como aportar recursos – e evitar que a “seletividade” em ofertar crédito e as altas taxas cobradas prejudiquem ainda mais a retomada da economia e, consequentemente, o próprio setor.
Para o governo, a pressão é importante para obrigar esse movimento e os bancos públicos não podem se furtar a esse papel. “É bom os bancos privados ficarem espertos porque vamos para o jogo”, disse uma fonte do governo.
Balanço. Mas, segundo Roberto Troster, sócio da Troster & Associados, esse tipo de pressão no passado recente aumentou a inadimplência dos bancos oficiais e obrigou as instituições a adotar medidas para limpar o balanço, como a venda de carteiras de crédito podre. “No curto prazo, você dá um gás, mas a conta vem lá na frente”, afirma. “A rentabilidade do sistema está caindo e a margem dos (bancos) estatais está baixa.”
O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, diz que a taxa Selic caiu um pouco, mas o spread cobrado pelos bancos aumentou. “Isso mostra que os bancos não estão querendo emprestar. Nem para reestruturar dívida”, diz.
A Caixa já repassou o corte de 0,25 ponto porcentual da Selic para as taxas dos financiamentos à casa própria e deve acelerar o movimento acompanhando o BC. O Banco do Brasil é mais resistente. O presidente do BB, Paulo Caffarelli, disse, na sua primeira entrevista, ao Estado, que procura aumentar a rentabilidade do banco para patamar semelhante ao dos privados.
De acordo com dados do BC, os bancos públicos não têm as taxas mais baratas em algumas linhas. O Santander, por exemplo, tem os juros mais baixos no financiamento de veículos (1,85%) e crédito pessoal sem desconto na folha de pagamento (4,25%), segundo informações do dia 29/11 a 05/12.
Por: Adriana Fernandes, Murilo Rodrigues Alves, Vera Rosa , O Estado de S.Paulo.
Fonte: economia.estadao.com.br