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Cidade Maravilhosa | Foto: Wikimedia Commons

4 fatores que impedem que Brasil vire potência no turismo apesar do potencial

Shin Suzuki*, BBC News Brasil

Alguns dos elementos mais associados ao Brasil — belezas naturais, grande diversidade cultural, calendário rico em festas nacionais e regionais — valem ouro em qualquer roteiro de viagem. Mas o grande potencial do país não se traduz em números de destaque no mercado mundial de turismo. Um estudo analisou fatores que emperram o desenvolvimento nacional da área.

O futuro do turismo no Brasil a partir da análise crítica do período 2000-2019 contou com 23 pesquisadores de 17 instituições brasileiras.

A investigação observa que, mesmo durante o boom do turismo internacional na década passada, o Brasil estacionou em pouco mais de 6 milhões de visitantes estrangeiros por ano.

Nesse período, o país ainda teve a rara oportunidade de sediar uma Copa do Mundo e uma Olimpíada no espaço de dois anos, mas o crescimento entre 2014 e 2019 foi ínfimo: uma alta ligeira (que também pode ser vista como estagnação) de 6,31 milhões para 6,35 milhões.

O Brasil não figura nem na lista da Organização Mundial de Turismo dos 50 países com mais chegadas de turistas.

Os dados são relativos a 2019, ou seja, antes da chegada da pandemia de covid. Em todo o mundo, o setor sofreu fortemente os impactos da quarentena e tenta agora ensaiar uma recuperação.

Para efeito de comparação, uma única localidade do Vietnã, a Baía de Ha Long, recebeu quase o equivalente aos números totais do Brasil: 6,2 milhões, de acordo com o Euromonitor. O Vietnã, como um todo, contabiliza 18 milhões de viajantes internacionais anualmente.

Outro exemplo, e de maior proximidade, é o México.

De limitações socioeconômicas como o Brasil, o país se firmou como um dos mais importantes destinos do turismo mundial, com 45 milhões de turistas estrangeiros.

Calçadão no Rio de Janeiro
Apesar de trunfos como o Rio de Janeiro, uma metrópole com belezas naturais, número de visitantes internacionais no Brasil é pequeno se comparado a países como Vietnã e Tailândia

Os mexicanos são muito beneficiados pela proximidade com os Estados Unidos, mas deram prioridade ao setor em sua estratégia econômica na última década, segundo observa relatório da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE).

Comparações podem ser relativizadas pelas condições específicas dos países, mas o mercado brasileiro, com trunfos turísticos bem conhecidos como o Rio de Janeiro e as Cataratas do Iguaçu e dezenas de lugares com grandes possibilidades de desenvolvimento, está claramente aquém do seu potencial.

Isso é admitido em um relatório do governo federal.

"O Brasil não faz parte das rotas do turismo global", diz uma análise feita pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade, vinculada ao Ministério da Economia, no ano passado.

O texto cita que "no Brasil, 93% dos visitantes são locais" e "[em 2019] a participação no PIB era de 7,7% e com alta empregabilidade, mas com um crescimento estagnado".

A permanência de velhos problemas e o aparecimento de novos levam o Brasil a deixar de aproveitar um setor que poderia ter um impacto positivo de forma considerável na economia, na melhoria dos serviços, na conservação dos espaços nas cidades, entre outros ganhos.

Para Alexandre Panosso Netto, coordenador de pós-graduação em Turismo da Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores da pesquisa, esse caminho de desenvolvimento não se torna uma política séria de Estado por algumas razões.

"A concorrência de várias áreas e a incompreensão dos pontos positivos do turismo como vetor e alavanca de inclusão social, de valorização da cultura e de diversificação de pensamentos e aprendizado".

Museu do Amanhã, no Rio
Museu do Amanhã tornou-se uma das principais atrações turísticas do Rio

"O turista estrangeiro gastava por volta de US$ 110 por dia no Brasil até a pandemia. Em 2019 foi por volta de US$ 6 bilhões que os estrangeiros trouxeram ao país. Então dobrar ou triplicar o número de visitantes representaria dobrar ou triplicar esse montante."

O mercado de trabalho também teria a ganhar com o turismo.

"Não é só financeiro, o aumento do número de empregos gerados e o efeito multiplicador do turismo seriam grandes."

Veja abaixo alguns fatores que prejudicam que o turismo brasileiro decole:

1) Imagem ruim no exterior

Mulher viaja sozinha
Brasil foi considerado segundo país mais perigoso para mulheres que viajam sozinhas em ranking

Violência, corrupção, ambiente hostil para mulheres e para o público LGBTQ+, somados à deterioração nos últimos anos da imagem do país em campos como meio ambiente e a gestão da pandemia do coronavírus, não criam um cenário muito atraente para turistas considerarem o Brasil como destino, afirma Panosso Netto.

Seu estudo cita um índice criado pelos jornalistas Asher e Lyric Fergusson que ranqueia os países mais perigosos para mulheres que viajam sozinhas. O Brasil é listado na segunda posição, atrás apenas da África do Sul.

A mudança do slogan oficial do turismo brasileiro em 2019 também não ajudou na imagem brasileira. A frase usada para promoção, "Visit and love us" (Visite e nos ame, em tradução literal), foi considerada de pouca fluência e de construção pouco usual no inglês, além de soar com conotação sexual para alguns turistas estrangeiros.

O pesquisador também diz que a ligação do país a histórias que envolvem corrupção "influenciam como o turista nacional e internacional vê o destino Brasil. Se é um destino com notícias de corrupção, também se pode imaginar que é um destino inseguro".

Ele diz que países com problemas relacionados à corrupção como México e Turquia, mas com grande número de visitantes, conseguem contornar a questão pela proximidade a grandes mercados consumidores internacionais e a criação de ilhas de excelência turística.

2) Falta de continuidade em políticas e planejamento

"Políticas de turismo específicas precisam ser baseadas em um processo de planejamento contínuo", diz o estudo.

Para um desenvolvimento mais sustentável do setor é preciso que o Ministério do Turismo e a Embratur tenham grande qualidade técnica, com um planejamento de longo prazo.

Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS)
Gruta do Lago Azul, em Bonito (MS), cidade que é citada como exemplo de boa estratégia de longo prazo, por ter começado na década de 1990 a trabalhar o potencial turístico e hoje é um destino bastante solicitado

Panosso Netto cita Bonito, em Mato Grosso do Sul, como um exemplo de um destino que vivenciou processo de melhora e desenvolvimento através dos anos.

"Há ótimos exemplos de boas práticas turísticas nos interiores do Brasil. Bonito, em Mato Grosso do Sul, com sua diversidade ecológica e turismo de alto nível, é um exemplo disso. Mas essa qualidade de Bonito não foi alcançada de uma hora para a outra. Começou no início dos anos 1990. Estamos falando, portanto, de mais de 30 anos de trabalho."

Mas problemas com a conservação ambiental derivados do desmatamento vem impactando o ecoturismo da região. A abertura de áreas para agricultura impacta na cor das suas águas, um dos grandes trunfos de Bonito. Cerca de 70% da população local depende do turismo.

Políticas de turismo também incluem a identificação de oportunidades em diferentes mercados, como o latino-americano.

"É preciso se preparar para receber o turista argentino, uruguaio, chileno, peruano, boliviano, paraguaio etc. Não podemos estar dar as costas à América Latina."

3) Qualidade dos serviços varia muito

A falta de maior profissionalização na parte de serviços é algo constantemente apontado como problemático. "Esse é um dos itens mais criticados pelos profissionais do setor", afirma Panosso Netto.

O pesquisador acha que seria também uma forma de desenvolver a própria área de empreendedorismo no país.

"O turismo é a porta de entrada de muitos empreendedores de primeira viagem. Temos que transformar isso em um ponto positivo a nosso favor. O governo pode criar programas de formação continuada do turismo, tal como já existiram no passado, a exemplo do Curso de Formação de Gestores de Políticas Públicas do Turismo Nacional."

Educação sobre como funcionam o mercado e o atendimento a turistas domésticos e internacionais, além do aprendizado efetivo de idiomas, seriam formas de capacitação.

Mas há um outro problema estrutural, segundo o professor da USP: "A dificuldade em acessar o crédito para o investimento em empreendimentos turísticos pequenos também é imensa".

4) Transporte aéreo e deslocamento

Aeroporto de Guarulhos
Aeroporto de Guarulhos:

Segundo a pesquisa, embora o ambiente entre 2000 e 2019 no mercado aéreo "tenha melhorado a oferta e a competição nas rotas principais, especialmente aquelas conectando as capitais dos Estados e grandes centros urbanos, o acesso regional ainda é caro e, na maioria dos casos, insatisfatório".

Para Panosso Netto, "o transporte aéreo está deveras caro pelo preço do querosene e a política de impostos dos combustíveis e taxas aeroportuárias. Além disso, as viagens rodoviárias são prejudicadas pelas condições das rodovias; e se as rodovias são boas, os pedágios são caros".

O tamanho continental do Brasil, que de uma forma pode ser uma vantagem pela variedade de ofertas, acaba gerando um problema pelo deslocamento.

"Acredito que os destinos regionais devam se unir mais para compartilharem os turistas que por eles passam. Ou seja, a gestão regional do turismo deve ser fortalecida, junto com a criação de roteiros regionais com produtos e serviços de alta qualidade", diz o professor da USP.

O estudo defende "alinhar o ambiente regulatório, jurídico e tributário que rege a aviação brasileira, ao ambiente internacional. A evolução que viveu o setor nestes 20 anos não permite que sigamos admitindo que o Brasil tenha sérias diferenças e distorções entre nossas regras nacionais, que acabam gerando ofertas e produtos mais caros aos consumidores, e o que se pode ofertar no exterior".

*Texto publicado originalmente no site BBC News Brasil


BRICS ainda é prioridade estratégica para o Brasil

Serra faria bem em enviar um sinal inequívoco de que país está disposto a fortalecer a cooperação.

Há quase dez anos, em 2007, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva era um dos palestrantes mais esperados no Fórum Econômico Mundial de Davos. Um enorme fluxo de investimentos transbordava um dos mercados emergentes mais empolgantes do mundo, e o chanceler Celso Amorim — que mais tarde seria considerado “o melhor ministro das relações exteriores do mundo” pela revista norte-americana Foreign Policy — estava começando a expandir a presença econômica e diplomática do Brasil ao redor do mundo.

Era a primeira vez que um país da América do Sul estabelecia uma rede tão ampla de embaixadas, a ponto de rivalizar com as de grandes potências. Um ano mais cedo, Amorim começara a se encontrar regularmente com seus pares na Rússia, Índia e China para discutir como os países BRIC poderiam fortalecer seus laços de cooperação e articular posições para lidar com desafios globais de forma conjunta. O grupo BRICS (que desde 2010 passou a incluir a África do Sul) se tornou rapidamente uma das inovações mais importantes da política mundial desde a virada do século, e foi capaz de chamar a atenção de potências tradicionais para a necessidade de adaptar estruturas globais a novas realidades.

De volta a 2016, o desempenho da economia brasileira é um dos piores do mundo, o país é comandado por um Governo interino envolto em escândalos e abalado por protestos, medidas de austeridade e uma espantosa investigação de esquemas de corrupção que ameaça as carreiras de grande parte da elite política do Brasil. Observadores internacionais consideram os BRICS como algo do passado, e alguns analistas brasileiros acreditam que o grupo já não deve ser prioridade para a política externa brasileira.

Eles não poderiam estar mais errados.

A sugestão de negligenciar o BRICS não leva em consideração as amplas vantagens estratégicas que a participação no grupo traz ao Brasil. Não tratá-lo como uma prioridade (por exemplo, se esquivando de ir à Cúpula anual) seria um erro cabal. Há três razões pelas quais o grupo é essencial para os interesses estratégicos do Brasil.

A primeira e mais importante é que a adesão aos BRICS providencia ao Brasil acesso direto e institucionalizado às lideranças políticas em Nova Déli e Pequim — um privilégio que o país não necessariamente teria de forma automática a cada ano. Apesar da desaceleração do crescimento econômico, espera-se que a China cresça em torno (ou até mais) de 6% em 2016 e 2017. O desempenho da Índia tem sido ainda melhor e espera-se que o país crescerá mais rápido do que a China. O FMI prevê que a China e a Índia contribuirão com mais de 40% da expansão da economia global até 2020 – em comparação, os Estados Unidoscontribuirão com apenas 10%. Atualmente, já se contabiliza mais riqueza privada na Ásia do que na Europa, e espera-se que a China, independentemente da atual desaceleração, supere os Estados Unidos como a maior economia do mundo.

O Brasil deve fazer muito mais para se adaptar a essa nova realidade, e não há dúvidas de que o futuro do país dependerá em grande parte da Ásia. O grupo BRICS importa neste contexto porque representa muito mais do que cúpulas presidenciais anuais. Na realidade, o grupo inclui mais de 15 reuniões a nível ministerial por ano, que auxiliam na promoção de cooperação intra-BRICS em áreas tão diversas como agricultura, educação, economia, ciência e tecnologia — sem mencionar o Novo Banco de Desenvolvimento, criado no âmbito do BRICS.

Como a influência crescente da China na Venezuela afeta os interesses nacionais brasileiros? Como a região como um todo deveria responder ao papel da China? Nenhuma dessas questões tem sido abordada a sério.

Em segundo lugar, a próxima reunião de Cúpula do BRICS na Índia em outubro é uma chance única para o presidente interino Michel Temer apresentar como ele está tentando superar as atuais adversidades do Brasil. Com a reputação do país em frangalhos, investidores asiáticos precisam ser reassegurados de que a investigação sobre corrupção em andamento é um passo na direção certa, que em última instância levará o Brasil a ser um país mais amigável para investidores. Temer, portanto, deveria ser acompanhado dos principais líderes da sua equipe econômica, os quais deveriam visitar investidores em vários centros financeiros asiáticos após o encontro da cúpula.

Finalmente, a adesão do Brasil ao grupo BRICS, junto com seu status de membro fundador no Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS, são sinais importantes de que a presença global estratégica do país estabelecida na primeira década do século 21 é permanente e não será afetada substancialmente pela crise atual. As instituições citadas acima são símbolos de um maior deslocamento em direção à Ásia, que impactará o Brasil mais do que muitos estão cientes.

Enquanto a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil em 2009, a elite brasileira na política, nos negócios, na mídia e na academia estão ainda lamentavelmente ignorantes em relação à China e à Ásia como um todo. Pouquíssimos diplomatas brasileiros falam chinês e jovens estudantes nas melhores universidades brasileiras ainda preferem passar seus semestres de intercâmbio em Barcelona ou Paris em vez de Pequim ou Xangai. Não há um único programa de dupla diplomação entre universidades brasileiras chinesas e, no lugar de enviar correspondentes para a China, muitos jornais brasileiros compram conteúdo relacionado à China de jornais estrangeiros.

Isso mostra que o Brasil está entre os grandes países menos preparados para o surgimento de uma ordem mundial centrada na Ásia. Considerando a crescente influência da China na América do Sul, esta falta de preparo cria sérios riscos estratégicos. Como a influência crescente da China na Venezuela afeta os interesses nacionais brasileiros? Como a região como um todo deveria responder ao papel da China? Nenhuma dessas questões tem sido abordada a sério. O fato de que alguns pensadores (particularmente entre a esquerda da América Latina) ainda veem o crescimento da influência chinesa na região como positiva simplesmente porque Pequim é tido como adversário de Washington mostra quão incipiente é o debate na região — como o exemplo africano mostra, as coisas são bem mais complexas do que isso.

Independentemente da orientação ideológica de seu Governo, qualquer país no mundo hoje deve construir o conhecimento necessário para se envolver significativamente com a Ásia (e especialmente a China), que será em breve o centro econômico do mundo. Com o grupo BRICS, o Brasil já tem a sorte de ser parte de um fórum institucionalizado que facilita esse processo.

É pouco provável que o Brasil se afastará do grupo de maneira abrupta. O chanceler sabe da importância do BRICS. No entanto, considerando que há algumas dúvidas em Pequim e Déli em relação ao compromisso do novo Governo com o grupo, José Serra faria bem em enviar um sinal inequívoco de que o Brasil está disposto a não só manter, mas a fortalecer a cooperação intra-BRICS.


Oliver Stuenkel é Professor Adjunto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo

Fonte: El País