país

Presidente Nacional do Cidadania23, Roberto Freire

Nota oficial: Cidadania defende transição democrática e condena movimentos golpistas

Cidadania23*

Reunida nesta terça-feira (8), a Executiva Nacional do Cidadania manifestou total apoio ao processo de transição democrática entre os governos Bolsonaro e Lula, coordenado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin.

E condenou, de forma veemente, a tentativa de partidários do atual presidente, com apoio oficial e velado de pessoas próximas a ele, de solapar a legitimidade das urnas em protestos de caráter claramente golpista.

A esse movimento que fala abertamente em rompimento democrático, se somam outras manifestações de cunho racista, xenofóbico e segregacionista, com gestos e comportamentos já vistos em outros tempos sombrios da história e que devem ser prontamente repudiados pela sociedade brasileira.

Sufocadas essas bolhas nazifascistas, o Cidadania espera que surja do processo de transição entre as gestões um governo que represente a diversidade de visões de mundo observada na frente ampla que deu a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva e suplantou o fascismo bolsonarista pelo voto livre e universal.

Que as cenas deploráveis a que o Brasil assiste sejam apenas o último suspiro do golpismo de extrema-direita no Brasil, o que depende do êxito do novo governo em endereçar corretamente os problemas que afligem a população, como fome, desemprego, estagnação econômica e destruição do meio ambiente.

O Cidadania seguirá apoiando, como sempre, os projetos e as reformas de interesse do país.

Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania

Texto publicado originalmente no portal Cidadania23.


Revista online | “Brasil precisa de choque para economia de carbono neutro”

O historiador Jorge Caldeira, que também é escritor, jornalista e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP), diz que o país tem uma oportunidade maior do que a descoberta do ouro no século XVII para se desenvolver: ingressar na economia de carbono neutro. Segundo ele, o estímulo à plantação de árvores é a saída mais viável para esse objetivo.

Caldeira é o entrevistado especial desta revista Política Democrática online de setembro (47ª edição). Autor de dezenas de livros, como Brasil: Paraíso restaurável e História da riqueza no Brasil: cinco séculos de pessoas, costumes e governos, ele diz que o país reduzirá à metade as emissões de carbono, se parar de desflorestar a Amazônia.

Segundo o escritor, que também é sócio fundador e diretor da editora Mameluco, “a passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento” no país e no mundo. A seguir, leia os principais trechos da entrevista.

Política Democrática (PD): O senhor vê como viável o Brasil assumir o projeto de carbono neutro? 

Jorge Caldeira (JC): O Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo do presidente Ernesto Geisel (1974-1979) é o fracasso que dura até hoje. Até então, o Brasil tinha a economia que mais havia crescido no mundo nos últimos 80 anos. O PIB absoluto do Brasil era maior do que o da China. Então, os 50 anos de fracasso do planejamento levaram à situação em que estamos. Nos planos eleitorais, continua o debate como se o planejamento de desenvolvimento do Brasil fosse ainda o modelo dos anos 1970. De lá para cá, o Brasil perdeu a globalização fase um, que são cadeias produtivas, trocas, comércio internacional crescendo acima da média nos mercados internos. Então, o Brasil se fechou, perdeu esse pedaço. O país tem uma segunda chance agora, que é transformar economia de carbono neutro, cujo preço central não existia na economia tradicional. É o preço do carbono. Era a natureza até bem pouco tempo atrás. A mudança climática transformou em bem escasso a temperatura regulada na vida da Terra e criou um mercado de carbono, que existe no planeta inteiro e tem um preço. Quem emite carbono, portanto, queima combustível fóssil, floresta e paga. Quem fixa carbono recebe. Portanto, não é só um preço. São fluxos de renda, emprego, trabalho, progresso. O Brasil está fora dessa economia porque não se planeja. Esse mercado movimentou, em 2020, US$ 280 bilhões no planeta, o que é quatro vezes o total da exportação do agro brasileiro. O planejamento econômico do Brasil não é feito para que o país esteja nesse mercado por falta de meta de carbono neutro para determinada data. O primeiro ente político a adotar o carbono neutro como meta foi a União Europeia, em dezembro de 2019. Mas, ao longo de 2020, entraram China, Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, as grandes economias do planeta. Hoje o planejamento estratégico delas é feito em referência ao carbono neutro. Os incentivos econômicos para o desenvolvimento, progresso, emprego e renda são dados em função disso, que leva muito mais longe do que as pessoas imaginam. A União Europeia atrelou todo o dinheiro de recuperação da Covid à meta de carbono. A Air France, que é uma companhia aérea francesa, pediu 7 bilhões de euros para sobreviver na pandemia, em troca de se adequar a uma meta de carbono zero em 2050. Isso, que já é realidade de planejamento econômico, estratégico e, especialmente, de mercado nas economias centrais, é absolutamente marginal na vida brasileira. O Brasil, que tem 8% do território planetário, pode ficar perto de 35% a 40% de todo o carbono do planeta. Portanto, é a economia para a qual, obrigatoriamente, deve se dirigir todo o investimento em fixação de carbono e combate ao aquecimento global. Qual é o método para se fazer isso? O que o Brasil precisa para chegar lá? O país é o quinto maior emissor de carbono do planeta. Metade das emissões brasileiras é relacionada à derrubada e queimada de árvores, o que é considerado duplamente na conta de carbono. Se derruba a árvore, você elimina um fixador de carbono. Se queima, você emite. Vai para a conta como emissão de carbono. Se parar de desflorestar a Amazônia, o Brasil reduzirá à metade as emissões de carbono no país. Além disso, só há um método de fixar carbono razoável a médio prazo: plantar árvores. A árvore, quando cresce, fixa carbono. Então, a pessoa que emite paga para a pessoa que planta, que fixa o carbono. Com essa possibilidade, a economia brasileira tem 35% do mercado mundial de qualquer jeito porque não há outra forma de fazer isso. Brasil, Indonésia e África têm 80% desse mercado. Plantar árvores é o gerador de empregos mais barato que existe. Precisa de uma pessoa por hectare. O Brasil tem 500 milhões de hectares disponíveis para plantar árvores sem mexer na agricultura e na pecuária, nas cidades e nas reservas. Se fosse usar todo esse potencial, precisaria importar gente porque não teria trabalhadores suficientes para tocar o projeto. Semente tem. O investimento é mínimo, e esta é a nova realidade da economia. Planejar estrategicamente o futuro da economia nacional, com geração de emprego e renda, além da reinserção do Brasil na economia mundial, é carbono neutro. 

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PD: O senhor reconhece, na nossa história, outros momentos em que o Brasil perdeu oportunidades análogas à da economia verde? Se as perdemos, quais foram os motivos? 

JC: O Brasil, em 520 anos de contato com a economia ocidental, aproveitou e perdeu oportunidades. O país não é a potência que mais aproveitou a oportunidade de 500 anos, mas está muito longe de ser um desastre. O Brasil é uma das 15 maiores economias do mundo, mas pode ser facilmente a quarta, quinta, terceira, sem grandes problemas. Há dois momentos em que o país não aproveitou as oportunidades, que são graves. O Brasil, em 1800, era do tamanho dos Estados Unidos. Em 1890, era 15 vezes menor. Então, na época, houve perda de oportunidade muito grande em relação ao padrão da economia que mais crescia no mundo. Essa perda foi, basicamente, por causa do tempo que levamos para lidar com a questão da escravidão. Não apenas a libertação dos escravos, mas a adaptação das instituições brasileiras ao capitalismo, o que começou na República, com direito de propriedade, facilidade de fazer empresa, gasto público decente em educação e saúde. Então, o Brasil criou isso por oportunidades próprias, mas perdeu uma oportunidade gigantesca. Desde os anos 1970, se isolou da globalização. Basicamente, esse foi um ciclo de 50 anos perdidos. A economia de carbono neutro é um ciclo diferente, já que a diferença econômica é carbono, preço e mercado, assim como geração e transferência de riqueza. A institucionalização disso na economia está acontecendo agora no resto do planeta. A oportunidade real, que é maior do que a descoberta do ouro no século XVII, é entrar na economia de carbono neutro. 

PD: Quais as maiores restrições que o Brasil enfrentou, ao longo dos 200 anos da Independência, para financiar o desenvolvimento e conseguir produzir ambiente de crescimento sustentável da nossa economia? Essas restrições parecem estar mais agudas ou mais frouxas?

JC: O Brasil levou 16 anos, entre 1890 e 1906, para sair de uma estagnação de sete décadas para ir a uma economia que crescia mais do que a dos Estados Unidos. Mudou-se, basicamente, o enquadramento institucional da movimentação de capitais. Além de todos os males pessoais do domínio de uma pessoa sobre a outra e o preconceito, que dura muitos séculos, as pessoas precisam entender que, na economia da escravidão, o escravo era, também, o principal título financeiro dela. O título de propriedade do escravo era empregado pelo proprietário dele. Então, todo o mercado financeiro, no Império, funcionava em torno do título de propriedade do escravo. Quando se fez a abolição, rasgou-se o título de propriedade. Além de o escravo fisicamente ser libertado, o dono perdeu o título de propriedade, e isso deixou de circular no mercado. Para se manter o título de propriedade do escravo como o principal da economia, foi preciso torná-lo, por meios legais, competitivo, e o jeito que se encontrou de fazer isso, no Império, foi restringir o crédito ao máximo. As políticas econômicas da época eram todas de restrição de crédito, o que permitia que o título de propriedade do escravo ficasse competitivo. Acabou a escravidão. Facilitou-se o crédito, e o capital apareceu a troco de nada. Existe um livro chamado Nature of Capital, que mostra exatamente como que, em São Paulo, se financiou, com pequeno capital, a ferrovia e a acumulação do capital. Os tropeiros de São Paulo conseguiram financiar a sua passagem para a posição de proprietários de ferrovias antes ainda do fim da escravidão, e isso permitiu uma acumulação de capital que, depois, foi aproveitada na economia. Essa história toda eu conto no livro Júlio Mesquita e Seu Tempo, que aborda o período em que a economia brasileira teve um “crescimento chinês”. Mas o Brasil também foi bem, fazendo o contrário, depois dos anos 1930. Como a base do crescimento não eram os pequenos, mas os grandes projetos – siderurgia, eletrificação, petróleo –, precisava ter capital intensivo para isso. Então, a solução brasileira foi juntar esses capitais no estado. Foi muito bom. Funcionou. O PND do Geisel era feito para que as ações fossem cada vez mais assim: o estado junta os capitais e os aplica, e o mercado interno cresce por causa dessa aplicação de capitais. Isso deixou de ser relevante em 1970, mas muita gente continua pensando que o desenvolvimento, no Brasil, é um grande projeto estatal. A boa notícia é que a economia de carbono neutro, especialmente no que se refere à energia, é meio como era a dinâmica no século 19. Nos últimos dois anos, foi instalada, no Brasil, uma Itaipu de energia solar, que representa 10% da produção da energia elétrica no país. É um negócio gigantesco, provavelmente, o maior investimento em energia nos últimos tempos. Basicamente, 700 mil pessoas foram colocadas em pequenas instalações, e alguns poucos produtores fizeram instalações maiores. Mesmo assim, ela tem escala tão pequena que dá para ser financiada privadamente. Não precisa ser grande. Então, isto é outra vantagem na área de energia, especificamente, que o Brasil já tem competitividade por causa da matriz energética mais limpa do planeta. O mundo, em geral, é 80% de fóssil; 20% de renovável. Esse é o padrão mundial das economias industrializadas. O Brasil tem cerca de 55% de fóssil e cerca de 45%, de renovável. Então, para se chegar ao carbono neutro, a energia vai ajudar, mas o mais importante é plantar árvores. O país tem tudo para essa economia dar certo e, inclusive, o fato de ser tudo descentralizado. Já está acontecendo tudo isso sem planejamento. Como financiar? Financia com um ambiente onde muitas pessoas podem financiar o seu projeto, mas precisam ter muito mais do que isso. O ambiente de planejamento, para a economia de carbono neutro, é de muita gente pequena fazendo negócio, empreendendo. Essa é a vocação brasileira sociológica hoje como a principal categoria de emprego e renda. É esta gente que faz a transformação. A passagem para a economia de carbono neutro tem imensa vantagem para renda, emprego e desenvolvimento. Isto é central porque ela não precisa ser feita como ocorreu na passagem da economia escravista para a economia capitalista no tempo da República. O Brasil precisa ter planejamento. Emitiu-se US$ 280 bilhões de título para fixar carbono, mas levou quase zero disso. É preciso instruir os pequenos proprietários para juntarem provas de que estão plantando. Se planta um hectare de floresta, ganha-se um dinheirinho. Se cinco milhões de proprietários fizerem isso em um hectare, o Brasil quintuplicará a capacidade de refazer mata nativa em um ano. Na Amazônia, tem 15 milhões de hectares nas mãos de sem-terra, que se tornaram proprietários e tiveram que desmatar porque não sabiam fazer cultura. Se pagar para plantar, haverá 15 milhões de empregos com um emprego por hectare dentro da Amazônia. Isso é 2% da área da Amazônia. O que falta para o contrato de fixação de carbono é a segurança: a pessoa que põe o dinheiro para financiar um hectare de floresta precisa ter certeza de que o dinheiro foi aplicado em um hectare de floresta como mostra a própria foto de satélite. 

PD: O senhor acredita que falta cultura de patente ou algum tipo de institucionalidade do Estado, um plano de país voltado para inovação e empreendedorismo, para estimular essas ações? 

JC: Se você comparar as categorias básicas do Censo do século XVIII, vai ver que o Brasil, em 1800, era uma nação em que nove décimos das unidades produtivas eram pequenas unidades familiares, e um décimo era coisa maior do que isso. Nessas unidades, se fez toda a adaptação, toda a criação econômica e toda a produção, porque estavam no sertão. A visão econômica que se tinha disso, na maneira antiga de historiografia, era de unidades de economia de subsistência, ou seja, que não produziam riquezas e que eram incapazes de acumular capital. Esse conceito de economia de subsistência era usado por economistas conservadores, liberais e da esquerda, que achavam que ali não havia riqueza. Isso foi contemplado nos anos 1970, quando viram que a economia dos índios era capaz de produzir excedente, fazer troca, e, portanto, permitia acumulação. No livro Banqueiro do Sertão, mostro como fazer negócios com índios gerava, dentro da economia brasileira, uma cadeia de acumulação de capital gigantesca. Capital era prata contrabandeada do Peru, em 1600, 1700, antes do ouro. Então, esse padrão não era visto pelo conceito antigo. Hoje, para se explicar como que a economia colonial brasileira chegou a ser do tamanho que a dos Estados Unidos, a razão é simples. O chamado mercado interno que, antigamente, era calculado em peso. A economia informal era a economia. No século XVIII, o padre Guilherme Pompeu de Almeida movia negócios em uma área que ia de Buenos Aires, Potosí, Belém, Salvador, Rio de Janeiro, sem sair de Araçariguama. Ele tinha capital suficiente para fazer isso trocando – ele basicamente fabricava ferro, que era a mercadoria base de troca com os índios. Trocava, fornecia esse ferro, por algodão, madeira, farinha. Vendia isso e acumulava prata nas trocas, que também fornecia para as áreas. Havia grande capacidade empreendedora, mas a economia formal brasileira era realmente pobre para lidar com isso. O que a República fez, e o Brasil precisa fazer agora, é simplesmente diminuir o tamanho do caminho entre economia formal e economia informal para que haja crescimento. Se quiser plantar em cinco milhões de propriedades, você tem que facilitar a vida de cinco milhões de proprietários e fazê-los empregar outras cinco milhões de pessoas que, hoje, estão tudo na informalidade. Vai ter que formalizar para poder prestar conta do contrato de venda de carbono fixado para alguém que veio do exterior. Esta formalização simples permite muito, e o problema do Brasil, para ser uma segunda, primeira economia do mundo, é saber fazer isso direito hoje, o que não é tão difícil. Acho que o que se faz, no país, é vender como não educação o que, na verdade, é cultura e produtividade. Índios sabem reflorestar melhor do que o melhor fazendeiro. Temos que arranjar um jeito também de, nessa economia, chamar um índio para nos ensinar, o que não é feito porque achamos que ele é mal-educado e que nós somos educados. Não é verdade. Todo o Brasil foi feito de adaptação a uma realidade tropical que a Europa desconhecia. Quem se adaptou? Quem conhecia? O índio. Eu sempre dou o exemplo do homem da carrocinha de reciclagem, que é economia circular e a mais moderna que existe. Aquilo lá é trabalho e capital. A carrocinha é capital. Ele é trabalho, e ele, trabalhando, enche a carrocinha, que é capital, e faz renda. Ele não tem emprego. Ele não está no mundo formal, mas ele é, tecnicamente, um empreendedor, uma mistura de trabalho e capital. Para a nossa sorte, a população pobre do Brasil tem esta característica essencial, e ela pode ser aproveitada.

PD: O Brasil já foi mais ou menos inovador, mais ou menos capitalista, o capitalismo chegou à base?

JC: Há uma diferença entre empreendedor e capitalismo. Capitalismo é trabalho assalariado, basicamente. Então, você precisa ter acumulação suficiente de empreendedores para que chegue a uma empresa capitalista. Isso depende de condições institucionais. No Brasil, não é muito bom porque mantém, na informalidade, a população empreendedora, e o país não é muito bom de formalizar a acumulação de capital do informal para o formal. Só foi bom no período do começo da República. Rui Barbosa, em 17 de janeiro de 1890, baixou um decreto cujo artigo primeiro libera a organização de empresas, no Brasil, bastando registrá-las na junta comercial. Até então, para você organizar uma sociedade anônima no Brasil, precisava juntar as pessoas, fazer o estatuto da empresa, levantar 10% do capital e, quando isso estava pronto, depositava o capital no banco. Mandava a papelada para o Conselho de Estado, que era órgão assessor do poder moderador na Corte do Rio de Janeiro e levava um ou dois anos para autorizar a empresa a funcionar, ou não, dependendo de várias questões, inclusive, saber se a finalidade daquele negócio era lícita ou ilícita do ponto de vista moral. Evidentemente que o Império e eles se orgulhavam que tinham 89 sociedades anônimas em todo o Brasil em 1889, enquanto, na Inglaterra, havia 10 mil. Com o decreto de Rui Barbosa, só no ano da assinatura e apenas na cidade de São Paulo, se fizeram 210 sociedades anônimas. Então, a restrição não é capacidade. Não havia capacidade empreendedora. Não era capital. Não era nada. Era regulação. A regulação era ruim. O Brasil precisa de um choque dessa espécie hoje para entrar na economia de carbono neutro, que é como fazer alguém que tenha um hectare plantar árvore nesse hectare de maneira decente. O Brasil não recebe dinheiro porque isso não está feito. O resto do planeta não tem terra, não tem lugar para pôr árvores, não tem água, não tem nada. Aqui, no Brasil, o problema é que a lei não deixa.

Confira, abaixo, galeria de imagens:

Jorge Caldeira ocupa a cadeira 16 na Academia Brasileira de Letras | Foto: reprodução/G1
Desmatamento na Amazônia | Foto: reprodução/BBC
Autor História da riqueza no Brasil | Foto: reprodução/Diplomatizando
Região da Amazônia devastada pelo fogo | Foto: reprodução/Toda matéria
Diretor da editora Mameluco | Foto: reprodução/O Universo da TV
Retirada ilegal de árvores na Amazônia | Foto: reprodução/Poder360
Jorge Caldeira ocupa a cadeira 16 na Academia Brasileira de Letras | Foto: reprodução/G1
Desmatamento na Amazônia | Foto: reprodução/BBC
Autor História da riqueza no Brasil | Foto: reprodução/Diplomatizando
Região da Amazônia devastada pelo fogo
Diretor da editora Mameluco | Foto: reprodução/O Universo da TV
Retirada ilegal de árvores na Amazônia
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Jorge Caldeira ocupa a cadeira 16 na Academia Brasileira de Letras | Foto: reprodução/G1
Desmatamento na Amazônia | Foto: reprodução/BBC
Autor História da riqueza no Brasil | Foto: reprodução/Diplomatizando
Região da Amazônia devastada pelo fogo
Diretor da editora Mameluco | Foto: reprodução/O Universo da TV
Retirada ilegal de árvores na Amazônia
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PD: O Brasil tem eleição desde 1560. Se há um povo, no mundo, que não pode dizer que não sabe votar, é o Brasileiro porque teve chance de aprender na terra de José Bonifácio que, depois, gerou Tancredo Neves, Ulisses Guimarães, Mário Covas, Marcos Maciel. Por que a política se degradou tanto no Brasil ultimamente e o que devemos fazer para sair disso? 

JC: Em uma economia em declínio, é difícil que apareça gente otimista e capaz de olhar um futuro bom. A tendência é ficar tentando repetir a fórmula que nos levou ao sucesso lá no passado e não ficar enxergando o que mudou e porque temos que fazer diferente. Então, uma das coisas que me preocupa muito na eleição atual é que o grande ambiente e as grandes categorias de debate intelectual estão no mundo da Guerra Fria. O modelo de muito sucesso demora muito para morrer mentalmente. Ficam tentando repetir, insistindo no que já foi e que não é mais. Quanto mais você fizer isso, pior fica a sua situação, e isso pode ir muito longe. Há nações onde essa situação, às vezes, passa a um declínio, a decadência ou a cenários muito complicados sem que se saia dessa disfunção. É como um filme em que você volta todo dia para o mesmo dia. Isso está acontecendo, em alguma medida, no Brasil. A nossa sorte é que um resto de outras coisas funciona. O Brasil tem conexões com o resto do mundo e, no que interessa, é o potencial para a economia de carbono neutro. Então, o mundo vai nos olhar. Vai ser difícil escapar dessa. Por bem ou por mal, o Brasil vai ter que se adaptar a isso. Isso é, mais ou menos, quando você tem esse tipo de clima, é mais ou menos o que aconteceu no fim do Império com a abolição. Todo o mundo que tinha o mínimo de visão de futuro dizia “temos que fazer abolição porque isso aqui não tem futuro”. Em 1800, quando fizeram as instituições brasileiras para proteger a escravidão, ninguém tinha alternativa para ela. Em 1850, em uma hora, já havia alternativas para ela. Em 1880, aquilo era um atraso monumental, e os escravistas diziam que, se houvesse abolição, faltariam braços para o trabalho porque ninguém quer ser escravo, mas os braços para o trabalho livre sobravam. Então, o Brasil está olhando o mundo um pouco como era no fim do Império, com lentes do passado, da Guerra Fria, de projetos econômicos que já não tem mais sentido porque ninguém vai fazer um poço de petróleo. Esquece. Não tem futuro. É economia morta. O equivalente à defesa do trabalho escravo no tempo do Império é o negacionismo de hoje: negar que não existe uma economia nova nascendo. Mas a economia existe. Então, não tem como escapar disso. A elite brasileira tem muita dificuldade de olhar uma economia com os princípios da economia de carbono neutro. No entanto, o pequeno empresário enxerga isso muito mais depressa que o grande. Por isso que a mudança está acontecendo embaixo. No caso da energia solar, qualquer dono de casa faz a conta e fala: se colocar uma placa solar aqui, pago essa placa solar só na conta de luz em 12, 16, 24 ou 36 meses. É assim que está sendo feito, apesar de não ter plano nacional para a transição à energia solar. O que era planejamento nos anos 1970 não é planejamento hoje. O que era desenvolvimento econômico não é desenvolvimento econômico hoje. Se não se adaptar a essa mudança, você ficará no tempo passado. A economia do tupinambá é muito mais próxima a dos prêmios Nobel de 2007, 2008, 2010, que foram concedidos a quem lida com a tradição de carbono neutro e a economia circular, e não com a teoria econômica que aplicamos, como a Teoria do Valor, de Karl Marx e do Adam Smith. Isso é uma coisa que pouca gente nota, mas valor em economia, para o Adam Smith ou Marx, é exatamente a mesma definição teórica: o que está na natureza não tem valor, o que só começa na hora em que se arranca a árvore que estava na natureza, porque é trabalho humano, e, com isso, faz-se uma mercadoria. Enquanto ela é útil, tem valor. Quando deixa de ser útil, perde o valor, e você joga fora. É lixo. Então, o ciclo econômico é só entre arrancar da natureza e jogar de volta para a natureza. Por outro lado, o ciclo econômico do cacique e dos economistas é diferente: você tem que produzir, reciclar e produzir de novo para fazer um circuito de produção econômica. Essas mudanças a gente percebe pouco, mas são essenciais no mundo que corre hoje.

Sobre o entrevistado

Jorge Caldeira é escritor, jornalista, historiador e doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP).

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de agosto de 2022 (47ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

Equipe de entrevista

André Eduardo: consultor legislativo do Senado Federal na área de economia e mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB).

Benito Salomão: economista chefe da Gladius Research, doutor em economia pelo Programa de Pós-graduação em Economia da Universidade Federal de Uberlândia (PPGE-UFU).

Carlos Marchi: jornalista e escritor. Trabalhou no Rio de Janeiro, em Brasília e em São Paulo, nos principais meios de comunicação do país – Correio da Manhã, Última Hora, O Globo, TV Globo, O Estado de S. Paulo. Paulo. Entre 1984-1985 foi assessor de imprensa na campanha civilista de Tancredo Neves. Foi secretário geral do Sindicato dos Jornalistas do DF (1977-1980) e vice-presidente da Fenaj (1980-1983).

Cleomar Almeida: jornalista, coordenador de Publicações da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e editor da revista Política Democrática online.

Silvio Ribas: jornalista, escritor, consultor em relações institucionais e assessor parlamentar no Senado Federal.

Vinícius Müller: doutor em História Econômica, professor do Insper e membro do Conselho Curador da FAP.

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As patrulhas da polícia de moralidade têm a tarefa de garantir que as mulheres estejam usando o hijab corretamente

Protestos no Irã: 'polícia da moralidade' é alvo de ira após morte de mulher presa por causa de véu

A morte de Mahsa Amini, de 22 anos, sob custódia da chamada "polícia da moralidade" do Irã, provocou protestos furiosos, com mulheres queimando seus lenços em um ato de resistência contra o rígido código de vestimenta da República Islâmica e aqueles que o aplicam

As Gasht-e Ershad (Patrulhas de Orientação) são unidades policiais especiais encarregadas de garantir o respeito à moral islâmica e deter pessoas que consideram estar "indevidamente" vestidas.

De acordo com a lei iraniana, que se baseia na interpretação da Sharia pelo país, as mulheres são obrigadas a cobrir os cabelos com um hijab (véu islâmico) e usar roupas largas para disfarçar seus corpos.

Mahsa Amini supostamente havia deixado alguns fios de cabelo visíveis sob o lenço na cabeça e foi presa pela polícia em Teerã em 13 de setembro.

Ela entrou em coma logo após desmaiar em um centro de detenção e morreu três dias depois no hospital.

A força policial negou relatos de que os policiais bateram na cabeça dela com um bastão e a empurraram contra um de seus veículos.

Mahsa Amini morreu após ficar em coma por três dias enquanto estava sob custódia da polícia

Em uma rara entrevista, um policial da moralidade falou anonimamente à BBC sobre sua experiência trabalhando para a força.

"Eles nos disseram que o objetivo de estarmos trabalhando para as unidades da polícia de moralidade é proteger as mulheres", disse ele. "Porque se elas não se vestirem adequadamente, os homens podem ser provocados e prejudicá-las."

Ele disse que eles trabalharam em equipes de seis, compostas por quatro homens e duas mulheres, e se concentraram em áreas com alto tráfego de pedestres e onde multidões se aglomeram.

"É estranho, porque se vamos apenas orientar as pessoas, por que precisamos escolher um lugar movimentado que potencialmente significa que podemos prender mais pessoas?"

"É como se estivéssemos saindo para uma caçada."

O oficial acrescentou que seu comandante pode repreendê-lo ou dizer que ele não está trabalhando corretamente caso não identifique um número suficiente de pessoas em violação ao código de vestimenta e que acha particularmente difícil quando as pessoas resistem à prisão.

"Eles esperam que nós os forcemos a entrar na van. Você sabe quantas vezes eu chorei enquanto fazia isso?"

"Quero dizer a eles que não sou um deles. A maioria de nós é de soldados comuns cumprindo nosso serviço militar obrigatório. Eu me sinto muito mal."

Decreto pós-revolução

A luta das autoridades iranianas contra o "mau hijab" - o ato de usar um lenço na cabeça ou outra roupa obrigatória incorretamente - começou logo após a Revolução Islâmica de 1979, cujo objetivo principal era fazer com que as mulheres se vestissem com "recato".

Muitas mulheres já faziam isso na época, mas minissaias e cabelos descobertos não eram incomuns nas ruas de Teerã antes da derrubada do xá pró-Ocidente Mohammad Reza Pahlavi. Sua esposa Farah, que costumava usar roupas ocidentais, era considerada um exemplo de mulher moderna.

Protestos anti-hijab no Irã se estenderam por vários dias. Na foto, mulheres estão sendo protegidas por um grupo de jovens no terceiro dia de protestos em março de 1979

No entanto, poucos meses após a fundação da República Islâmica, as leis que protegiam os direitos das mulheres que haviam sido estabelecidas sob o governo do xá começaram a ser revogadas.

"Não aconteceu da noite para o dia, foi um processo passo a passo", diz Mehrangiz Kar, 78, advogada e ativista de direitos humanos que ajudou a organizar o primeiro protesto anti-hijab no país.

"Logo após a revolução, havia homens e mulheres nas ruas oferecendo véus gratuitos para mulheres embrulhados em papel de presente."

Em 7 de março de 1979, o líder da revolução, o aiatolá Ruhollah Khomeini, decretou que os hijabs seriam obrigatórios para todas as mulheres em seus locais de trabalho e que considerava as mulheres descobertas "nuas".

"Esse discurso foi recebido por muitos revolucionários como uma ordem para forçar o hijab na cabeça das mulheres", disse Kar, que agora vive em Washington DC, nos EUA. "Muitos pensaram que isso ia acontecer da noite para o dia, então as mulheres começaram a resistir."

Eles responderam imediatamente. Mais de 100.000 pessoas, a maioria mulheres, se reuniram nas ruas de Teerã no dia seguinte - Dia Internacional da Mulher - para protestar.

'Fomos criativos'

Apesar do decreto do aiatolá Khomeini, levou algum tempo para as autoridades decidirem o que era considerado uma roupa "adequada" para as mulheres.

"Não havia instruções claras, então [eles] criaram cartazes e faixas mostrando modelos, que foram pendurados nas paredes dos escritórios. Eles disseram que as mulheres deveriam seguir essas instruções [sobre usar um hijab] ou não poderiam entrar", explica Kar.

Em 1981, mulheres e meninas passaram a ser legalmente obrigadas a usar roupas "islâmicas" modestas.

Na prática, isso significava usar um xador - um manto de corpo inteiro, muitas vezes acompanhado por um lenço menor por baixo - ou um lenço na cabeça e um manteau (sobretudo) cobrindo os braços.

"Mas a luta contra o hijab obrigatório continuou em níveis individuais. Fomos criativos para usar o lenço na cabeça ou não cobrir o cabelo adequadamente", disse Kar.

"Toda vez que eles nos paravam, estávamos brigando."

Em 1983, o parlamento decidiu que as mulheres que não cobrissem o cabelo em público poderiam ser punidas com 74 chibatadas. Mais recentemente, acrescentou a pena de até 60 dias de prisão.

As autoridades, no entanto, têm dificuldade para que as leis sejam cumpridas desde então e mulheres de todas as idades são frequentemente vistas "ultrapassando os limites" em público usando casacos justos na altura das coxas e lenços coloridos empurrados para trás para expor os fios de cabelo.

Abordagem agressiva

A extensão em que essas regras foram aplicadas e a severidade das punições impostas variaram ao longo dos anos, de acordo com o presidente no poder.

O então prefeito ultraconservador de Teerã, Mahmoud Ahmadinejad, procurou parecer mais progressista na questão quando fazia campanha para a presidência em 2004. "As pessoas têm gostos diferentes e temos que servir a todos", disse ele em um entrevista na televisão.

Mas logo após sua vitória eleitoral no ano seguinte, o Gasht-e Ershad foi formalmente estabelecido. Até então, os códigos de vestimenta eram policiados informalmente por outras unidades policiais e paramilitares.

A polícia da moralidade é frequentemente criticada pelo público por sua abordagem agressiva, e as mulheres são frequentemente detidas e liberadas apenas quando um parente fornece garantias de que seguirão as regras no futuro.

"Fui presa com minha filha quando fomos parados por causa de nosso batom", disse uma mulher da cidade central de Isfahan à BBC.

"Eles nos levaram para a delegacia e pediram ao meu marido para vir e assinar um pedaço de papel dizendo que ele não nos deixaria sair sem um hijab".

Outra mulher, de Teerã, disse à BBC que uma policial afirmou que suas botas poderiam ser "eróticas demais" para os homens e a deteve.

"Liguei para meu marido e pedi que ele me trouxesse um par de sapatos", disse ela.

"Assinei um papel admitindo que estava usando roupas inadequadas e agora tenho ficha criminal".

Outros relatos de experiências com a polícia da moralidade, que foram compartilhados com a BBC, incluem espancamentos e punições mais cruéis e inusitadas.

Uma mulher disse que a polícia ameaçou colocar baratas em seu corpo durante uma de suas prisões.

Nova repressão

O presidente Ebrahim Raisi, um clérigo linha-dura que foi eleito no ano passado, assinou uma ordem em 15 de agosto para impor uma nova lista de restrições.

Elas incluem a introdução de câmeras de vigilância para monitorar e multar mulheres sem véu ou encaminhá-las para "aconselhamento" e uma sentença de prisão obrigatória para qualquer iraniano que questionar ou publicar conteúdo contra as regras do hijab online.

As restrições levaram a um aumento nas prisões, mas também provocaram um aumento no número de mulheres postando fotos e vídeos de si mesmas sem véu nas redes sociais - algo que se intensificou ainda mais nos dias seguintes à morte de Amini.

Masih Alinejad, jornalista e ativista agora radicada nos EUA, diz que os protestos que eclodiram desde a morte de Amini parecem profundamente pessoais.

Ao longo dos anos, ela fez várias campanhas virais contra as leis do hijab, e muitos, incluindo o governo, a veem como uma força instrumental por trás da agitação atual.

As mulheres começaram a tirar seus lenços e agitá-los no ar no funeral de Amini na cidade ocidental de Saqez no sábado.

Nos dias que se seguiram, elas saíram às ruas em todo o país e algumas foram filmadas incendiando seus hijabs e sendo aplaudidas por manifestantes masculinos.

"Quando elas fizeram isso, me lembrei da época em que as pessoas começaram a derrubar o muro de Berlim, é esse momento", disse Alinejad.

"O que me deixa muito emocionada e esperançosa é que esta é a primeira vez que essas meninas não estão sozinhas. Agora os homens estão juntos com as mulheres."

*Texto publicado originalmente no portal da BBC News Brasil.


Roberto Freire fala sobre radicalização provocada por Lula e Bolsonaro (Foto: Reprodução/Internet)

Roberto Freire: Precisamos superar a radicalização provocada por Lula e Bolsonaro

Cidadania23*

O presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire, defendeu na rede social a superação da radicalização da disputa eleitoral ao Palácio do Planalto provocada pelo presidente Jair Bolsonaro e Lula, e disse que a candidata de Simone Tebet (MDB) é ‘necessária’ derrota-los nas urnas em 2 de outubro.

“Precisamos superar o clima de radicalização político-ideológica que ocorre no País provocado pelos candidatos populistas Lula e Bolsonaro. O futuro de um país com tal nível de embate de ódio é sombrio. Ambos devem ser derrotados. Daí a necessária candidatura de Simone presidente”, postou no twitter.

De acordo com o estudo ‘Violência e Democracia: Panorama Brasileiro Pré-Eleições de 2022’, divulgado nesta quinta-feira (15), sete em cada dez pessoas dizem ter medo de serem agredidas fisicamente por causa das suas escolhas políticas, de acordo com levantamento feito pelo Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade).

O levantamento mostra que 67,5% dos entrevistados afirmaram ter medo de serem vítimas de agressões, e que 3,2% das pessoas ouvidas pela pesquisa disseram ter sofrido ameaças por motivos políticos nos últimos 30 dias, o equivalente a 5,3 milhões da população brasileira

O Datafolha ouviu 2.100 pessoas em todo o país entre 3 e 13 de agosto. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais e para menos. Foram ouvidas pessoas com 16 anos ou mais em cerca de 130 municípios brasileiros de pequeno, médio e grande porte.

*Texto publicado originalmente no portal Cidadania23.


Liberdade de expressão | Foto: BBC News brasil

O que é liberdade de expressão?

Matheus Magenta*, BBC News Brasil

Para Ash, que é um estudioso da liberdade de expressão, as ofensivas contra o que chama de "ar que permite a todas as outras liberdades respirarem" põem em risco a participação democrática dos cidadãos, a internet, a qualidade dos governos, a diversidade, a privacidade, a educação, a liberdade religiosa, o jornalismo, a prosperidade coletiva e a busca pela verdade.

A liberdade de expressão é definida há séculos como o direito de manifestar opiniões e ideias praticamente sem obstáculos. Mas a defesa dela, na maioria dos países democráticos, passa por não violar direitos dos outros nem levar a males evitáveis.

Os problemas começam a surgir quando há discordância sobre quais seriam os limites da liberdade de expressão e quem teria o poder para defini-los. Governo? Juízes? Deputados e senadores? Quem se sentiu ofendido? A mídia? Professores? Redes sociais? Eles devem permitir ou barrar críticas e ofensas ao governo, à religião e às minorias? E o que deve ser feito em relação à pornografia e à incitação à violência?

Nenhum país democrático trata a liberdade de expressão como um direito ilimitado, acima dos demais e sem consequências. Mas os embates não se limitam às leis. Eles passam também por religião, jornalismo, universidades e internet.

As disputas nesses campos de batalha se transformaram ao longo dos anos. Se antes passavam por lutar para se expressar sem ser oprimido, hoje muitos defendem uma versão ilimitada da liberdade de expressão (inclusive para oprimir).

Para entender como esse debate surgiu e se desenvolveu no Brasil e em outros países, a BBC News Brasil detalha abaixo as origens da liberdade de expressão há milhares de anos. Em seguida, explica o que baseia os principais limites adotados (contra discurso de ódio e incitação à violência, por exemplo) e como esses limites passaram a ser considerados por alguns uma grave forma de censura.

As origens do conceito de liberdade de expressão

O marco inicial dos embates sobre limites à expressão no Ocidente é famoso. Um dos fundadores da filosofia ocidental, o grego Sócrates, é figura-chave nesta história.

Conta-se que Sócrates era conhecido como "a mosca de Atenas" e que até gostava deste apelido porque o descrevia muito bem: sua missão era provocar as pessoas por meio de perguntas e explicações que incomodavam e, sobretudo, faziam pensar.

Mas Sócrates foi condenado à morte por suas ideias e crenças nesta mesma Atenas, uma cidade que praticava e exaltava a livre expressão (e que ainda é vista quase como um sinônimo da democracia em si).

Há poucas informações disponíveis sobre o julgamento de Sócrates. Não há descrições oficiais sobre as acusações, as evidências e as leis que teriam sido desrespeitadas. Todos os registros conhecidos do processo foram feitos por dois discípulos de Sócrates: Xenofonte e Platão.

Mas muitos especialistas ressaltam que a atuação política de Sócrates antes do julgamento pode ter pesado para sua condenação.

'A Morte de Sócrates', tela do francês Jacques Louis David, de 1787

O pensador ateniense tinha relações próximas com pessoas que eram consideradas inimigas da democracia ateniense. A exemplo de Crítias, um dos Trinta Tiranos que governaram Atenas por um breve período, e de famílias aristocráticas que preferiam a concentração de poder como a adotada por Esparta à distribuição mais igualitária de poder em Atenas.

Para parte dos atenienses, atitudes como essa faziam de Sócrates um traidor e uma ameaça à democracia. Por isso o simbolismo do caso de Sócrates, considerado por alguns um "mártir da liberdade de expressão", ganha ainda mais força, já que sua condenação buscava, em tese, conter os danos indiretos que suas ideias, atitudes e relações causavam à democracia ateniense.

No processo, Sócrates foi acusado de introduzir novas divindades, de não reconhecer os deuses de Atenas e de corromper os jovens. Em sua defesa, ele nega ter transmitido visões subversivas, mas argumenta que também não poderia ser responsabilizado pelas ações praticadas por aqueles que ouvem suas palavras.

Ao ser condenado à morte pelo júri, Sócrates defende sua liberdade de expressão sob o argumento de que ficar em silêncio e não refletir sobre a vida a tornaria sem valor ou sentido. "Encontramos aqui a insistência de Sócrates de que todos somos chamados a refletir sobre o que acreditamos, explicar o que sabemos e o que não sabemos e, em geral, buscar, viver de acordo e defender as visões que contribuem para uma vida significativa e bem vivida", explica o filósofo e professor James Ambury (Universidade de Notre Dame).

Para a cientista política americana Arlene Saxonhouse, autora de Liberdade de Expressão e Democracia na Antiga Atenas, o julgamento de Sócrates deve ser analisado em torno da tensão entre a disposição de falar a "verdade" com franqueza e o respeito às tradições que servem de liga aos Estados.

Saxonhouse aponta para um dos principais paradoxos desse caso. Sócrates insiste em falar verdades de forma tão aberta e desavergonhada que o próprio regime democrático não pode suportar porque se torna uma ameaça contra o próprio sistema.

Ou seja, para a cientista política, a prática pura da liberdade de expressão individual pode ameaçar liberdades e ideais coletivos, e sua existência demandaria limites e senso de respeito democrático. Tudo isso porque a expressão é um instrumento muito poderoso que serve "para incitar o outro a fazer investigações que levarão à transformação de seu próprio caráter".

Para Saxonhouse, a condenação de Sócrates à morte foi uma violação dos princípios democráticos básicos. "Atenas, ao executar Sócrates, admitiu a dependência da cidade ao aidôs (vergonha ou pudor) e ansiava por preservar suas tradições, por resistir à exposição de suas inadequações que a parrhesia (liberdade de expressão) estava preparada para relevar. Sócrates, por outro lado, livre do respeito ao passado e livre dos limites impostos pelo olhar julgador dos outros, era o homem verdadeiramente democrático."

O caso de Sócrates é citado por diversos defensores da liberdade de expressão, como o filósofo e economista britânico John Stuart Mill. Este considerava que a grande ameaça à liberdade de pensamento e de debate nas democracias não era o Estado, mas a "tirania social" dos outros cidadãos.

No clássico Sobre a Liberdade, de 1859, Mill afirma que silenciar a expressão de uma opinião constitui um roubo à humanidade, à posteridade, à geração atual e àqueles que discordam da opinião, mais ainda do que àqueles que àqueles que sustentam essa opinião — porque não terão a oportunidade de serem confrontados em sua verdade e perceberem seu erro.

Limites e transformações

Por séculos após Sócrates, a liberdade de expressão era — quando muito — privilégio de poucos.

No Reino Unido, uma lei aprovada em 1275 proibia as pessoas de expressarem qualquer coisa que gerasse desacordo entre o rei e a população. A depender da gravidade, a pena prevista era de prisão, chicotadas ou mesmo a morte.

"Apenas a elite, a monarquia e a pequena nobreza tinham o poder e o direito de falar em público. Camponeses, artesãos e classes consideradas inferiores simplesmente tinham que se submeter às chamadas classes superiores. A voz do povo era na verdade a voz das pessoas no comando", relata historiador e professor Justin Champion, da Universidade de Londres.

Mas por que se presumia naquela época que qualquer desacordo ou expressão livre era politicamente perigosa? "Porque todos os debates são sediciosos (rebeldes contra superiores). Ponto final", resume Champion.

A primeira grande transformação ligada à liberdade de expressão ocorre no século 15, mais especificamente em 1455, ano em que o alemão Johannes Gutenberg inventou a prensa. Esse equipamento permitiria a impressão de livros em massa e, por extensão, uma crescente difusão de informações e de conhecimento.

No século seguinte, a liberdade de expressão começa a ser vista e defendida na Europa como um valor importante para a política. "Isso começa com o entendimento de que tipos tradicionais de autoridade, como a monarquia e a Igreja, são na verdade apenas tipos de autoridade. E uma vez em que o debate é visto dessa forma, as pessoas começam a questionar quem deveria ter autoridade e por quê", afirma a pesquisadora e professora de literatura Karen O'Brien (Universidade de Oxford).

Estima-se que o número de títulos impressos por ano na Inglaterra passou de quase 2.000 no fim do século 17 para quase 6.000 no fim do século 19, entre livros, panfletos e outros produtos do tipo. "Isso foi acompanhado por um lento, mas crescente aumento na alfabetização da população, algo que claramente representa um desafio enorme para o Estado", afirma O'Brien. Naquela época, livros também eram lidos em público pelos letrados para aqueles que não sabiam ler.

Vale lembrar que o avanço das publicações já era acompanhado de uma espécie de censura prévia. Na Inglaterra, por exemplo, cada obra precisava de autorização da igreja ou da monarquia para ser imprensa e distribuída ou comercializada no século 17.

Mas o próprio mecanismo da censura prévia já era criticado naquele mesmo século. No panfleto Areopagítica, de 1643, o poeta britânico John Milton, trata dos prejuízos dos obstáculos inadequados à livre expressão. Para ele, por exemplo, a censura prévia prejudica a proteção da moral e da religião porque, entre outros motivos, as pessoas perdem a capacidade de identificar e contestar imoralidades a partir do próprio discernimento, da própria reflexão.

Milton acreditava que a censura prévia atrapalhava o único caminho possível em busca da verdade. Mas naquela época, Milton e muitos outros acreditavam na existência de apenas uma verdade, e não de várias verdades a depender suas crenças religiosas, políticas ou éticas, por exemplo. Ou seja, as ideias de tolerância e pluralismo eram praticamente impensáveis porque, na prática, elas significariam que não havia apenas um Estado ou apenas uma religião.

E foi exatamente o que aconteceu na prática. A religião se torna um grande campo de batalha pela liberdade de expressão a partir do século 17. O gatilho surgiu no século anterior com o monge católico e teólogo alemão Martinho Lutero e a chamada Reforma Protestante, movimento ocorrido há mais de 500 anos que deu origem ao principal desdobramento da Igreja Católica desde o cisma entre as igrejas do Ocidente e do Oriente em 1054.

Para Lutero, as pessoas deveriam ser salvas por meio de sua fé em um contato direto e individual com Deus. E não por meio de perdões concedidos por líderes católicos, de indulgências vendidas ou de intermediários para entender a mensagem de Deus (como a tradição escolástica elaborada pelos teólogos católicos).

A Reforma Protestante levou a uma explosão de correntes e entidades religiosas ligadas ao cristianismo que passaram a disputar entre si. Mas o que a liberdade religiosa tem a ver com liberdade de expressão?

"A Reforma Protestante implodiu a unidade da igreja cristã. Então, não há apenas católicos perseguindo protestantes como também protestantes perseguindo católicos. Além da incrível proliferação de vários séquitos protestantes que perseguiam uns aos outros. E todo mundo envolvido nesse drama, nesse conflito acreditava que o futuro de sua alma imortal dependia sua capacidade de se expressar e de agir da maneira que eles pensavam que Deus queria. Então, a liberdade de expressão para essas pessoas não era apenas uma questão de vida ou morte, mas uma questão de vida ou morte para a eternidade", explica Hannah Dawson, professora de pensamento político no King's College de Londres, em entrevista à BBC.

Melina Malik, professora de Direito da Universidade de Londres, ressalta que a ideia de liberdade de expressão é diferente entre aqueles que têm fé e aqueles que não têm. E um bom exemplo disso seria a blasfêmia (ofensa contra algo sagrado). "Mas eu acredito que a imaginação e a empatia podem permitir àqueles que não têm fé de entenderem a importância do sagrado para aqueles que acreditam e de entenderem a dor que eles podem vivenciar quando suas mais profundas crenças são atacadas por meio da expressão."

E como dito logo acima, na prática, os princípios de tolerância e pluralismo levariam ao fim da ideia de uma só religião e também de um só Estado.

Por isso, também a partir do século 17, a democracia representativa começa a se tornar um grande campo de batalha pela liberdade de expressão. Ou seja, o poder de reis e rainhas passa gradativamente para os membros do Parlamento, que precisavam disputar eleitores por meio de suas ideias. Assim, começava a ganhar força política e autoridade a chamada opinião pública.

Uma das mais influentes defesas da liberdade de expressão na política seria publicada no século seguinte, de 1720 a 1723, pelos escritores britânicos John Trenchard e Thomas Gordon. A influência da obra Cartas de Catão seria percebida na Europa, na América e na Ásia.

"Sem liberdade de pensamento, não pode haver conhecimento; e não há qualquer liberdade pública sem liberdade de expressão; isso é direito de todo homem, na medida em que por ele não fere ou contraria o direito de outro: este é o único controle que deve sofrer, e o único limites que deve conhecer. Este privilégio sagrado é tão essencial para os governos livres que a segurança da propriedade e a liberdade de expressão andam sempre juntas; e nos países miseráveis onde um homem não pode chamar sua língua de sua, ele dificilmente pode chamar qualquer outra coisa de sua", afirma um trecho de um dos 144 manifestos que compõem Cartas de Catão, obra contra a tirania, a corrupção e o abuso de poder inicialmente publicada em jornais britânicos.

O século 18 ainda é marcado pelo avanço das mulheres na esfera pública, tanto como leitoras como escritoras, apesar de todos os obstáculos que elas enfrentam até hoje para fazer suas vozes serem ouvidas.

"Há em todas as sociedades uma certa porção de homens para quem a tirania é, em certa medida, lucrativa. Eles consideram os defensores da liberdade uma perturbação da paz. Não há sinal mais claro de uma administração impotente ou mal arranjada do que as tentativas de restringir a liberdade de falar ou escrever", escreveu uma das mais populares escritoras em língua inglesa daquela época, a historiadora britânica Catharine Macaulay, no oitavo volume da obra A História da Inglaterra.

Mercado de ideias

A liberdade de expressão ganharia um de seus principais pilares ainda durante o século 18: a primeira emenda à Constituição dos Estados Unidos, país que historicamente é conhecido como um dos que mais defendem uma ampla liberdade de expressão.

É um dos poucos países com Constituição que permite espalhar discurso de ódio, negar o Holocausto e até queimar a bandeira nacional. Ao longo dos anos, a Justiça americana adotou pouquíssimos limites, como proibições à incitação da violência, à fraude e à pornografia infantil.

"O Congresso não deverá fazer qualquer lei a respeito de um estabelecimento de religião, ou proibir o seu livre exercício; ou restringindo a liberdade de expressão, ou da imprensa; ou o direito das pessoas de se reunirem pacificamente, e de fazerem pedidos ao governo para que sejam feitas reparações de queixas", afirma o texto da Primeira Emenda, que data de 1791.

O pilar da doutrina por trás da Primeira Emenda é o chamado "mercado de ideias", cuja premissa é a crença na proteção de um ambiente livre em que as ideias e opiniões entrarão em disputa e a verdade prevalecerá no fim.

A origem da analogia com a lógica de livre comércio é apontada para Sobre a Liberdade, obra do britânico John Stuart Mill citada acima neste texto. "Mill argumenta contra a censura e a favor da livre circulação de ideias. Ao afirmar que ninguém sozinho conhece a verdade, ou que nenhuma ideia sozinha carrega a verdade ou sua antítese, ou que a verdade sem confrontação acabará sendo um dogma, Mill defende que a livre competição de ideias é a melhor forma de separar falsidades dos fatos", explica o cientista político e professor americano David Schultz (Universidade Hamline) na Enciclopédia da Primeira Emenda.

Expansão das publicações foi acompanhada desde o início por mecanismos de censura prévia

Essa metáfora de um mercado de ideias ganharia forma na prática no início do século 20 com uma decisão do juiz da Suprema Corte americana Oliver Wendell Holmes. Segundo ele, "o melhor teste para a verdade é o poder do pensamento de se fazer aceito na competição do mercado", sem qualquer interferência governamental ou restrição à liberdade.

Apesar da grande influência da Primeira Emenda na defesa da liberdade de expressão nos EUA e em outros países, esse conceito de livre mercado de ideias é alvo de muitas críticas ao redor do mundo.

Para diversos especialistas, como qualquer outro tipo de mercado, o chamado mercado de ideias demanda regulação. Afinal, os participantes não têm, por exemplo, o mesmo peso político ou econômico nem os mesmos valores éticos.

Outra crítica é que um dos principais "mercados" atuais, as redes sociais, tem algoritmos, vieses e regras que não representariam um mercado realmente livre de ideias. Algo parecido costuma ser dito sobre outro "mercado", o jornalismo.

Para além dessas limitações práticas nos mercados de ideias concretos, "inexiste evidência de que nas circunstâncias atuais a verdade prevaleça sobre a falsidade nas sociedades onde exista uma maior proteção à liberdade de expressão", escreve a advogada criminalista Milena Gordon Baker no livro Criminalização da Negação do Holocausto no Direito Penal Brasileiro.

Baker cita diversos casos, aliás, em que falsidades continuam em circulação na sociedade apesar de os fatos serem inquestionáveis, a exemplo da negação infundada da existência do Holocausto, em que foram mortos pelos nazistas mais de 6 milhões de judeus, além de adversários políticos, negros, homossexuais, pessoas com deficiência, comunistas, integrantes da etnia roma e outras minorias.

No século 20, a liberdade de expressão passaria a ser reconhecida como um direito universal. Em 1948, a Assembleia-Geral das Nações Unidas (ONU) insere o conceito na Declaração Universal dos Direitos Humanos, "uma norma comum a ser alcançada por todos os povos".

Liberdade de expressão seria reconhecida como um direito universal a partir do século 20

Segundo o artigo 19 do texto, "todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras".

Atualmente, os limites à liberdade de expressão nos países democráticos estão previstos em leis e preveem punições a crimes ligados à expressão, como incitação à violência, sedição (motim contra autoridades), difamação, calúnia, blasfêmia, racismo e conspiração.

No Brasil, a trajetória da liberdade de expressão é repleta de idas e vindas.

Em 1808, quando a família real portuguesa transferiu a Corte para o Brasil ao fugir das tropas francesas, um dos primeiros jornais brasileiros era editado e impresso na Inglaterra porque o editor e fundador do Correio Braziliense enfrentaria no Brasil um cenário de censura prévia e perseguição a jornalistas.

Apesar de proibições à circulação e à leitura do jornal no Brasil por causa de sua oposição à Coroa portuguesa, o Correio Braziliense e outras publicações conseguiam chegar e circular de forma clandestina no país.

O direito à liberdade de expressão apareceria pouco depois na primeira Constituição brasileira, a de 1824, que entrou em vigor dois anos após a declaração de independência do Brasil em relação a Portugal.

"Todos podem comunicar os seus pensamentos por palavras, escritas e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura, contando que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito, nos casos e pela forma que a lei determinar", afirmava o artigo 179 daquele texto constitucional.

Com o fim da monarquia e a proclamação da República, em 1889, a liberdade de expressão avança e regride em curtos espaços de tempo. A exemplo da era Vargas, que em 1934 previu esse direito na Constituição, mas no ano seguinte criou um departamento para instituir a censura dentro dos jornais.

Outro revés para a liberdade de expressão conhecido se daria durante a ditadura militar (1964-85), com a volta da censura prévia, fechamento de jornais, perseguição a profissionais como artistas e jornalistas e a criação da chamada Lei de Imprensa (que instituiria crimes como "ofensa à hora do presidente" ou "propaganda subversiva"), entre outras medidas autoritárias.

Com o fim da ditadura militar em 1985, a nova Constituição de 1988 traria de volta a liberdade de expressão sem censura prévia e outros instrumentos. "A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição", diz o artigo 220 do texto constitucional em vigor atualmente no país.

Impacto da internet na liberdade de expressão

Mas, poucas décadas depois, o surgimento da internet levaria à maior transformação — e crise — da liberdade de expressão desde a invenção da prensa, no século 15, quando livros, jornais e panfletos passaram a circular em massa.

O novo ambiente de disseminação de informação agravou ou criou embates sobre o tema que as leis não conseguem acompanhar. Entre eles, a disseminação de discurso de ódio e notícias falsas, a incitação à violência, os algoritmos enviesados contra determinadas correntes políticas, a chamada cultura do cancelamento, o direito ao esquecimento e o poder das empresas de tecnologia de excluir usuários e conteúdos.

Como o caso do ex-presidente americano Donald Trump, que protagonizou o mais polêmico debate contemporâneo sobre liberdade de expressão.

Criação e difusão da internet levaram a uma das principais transformações da história da liberdade de expressão

Em 6 de janeiro de 2021, ele ainda era presidente dos EUA quando discursou publicamente e usou redes sociais para contestar sua derrota na eleição e incentivar apoiadores a irem até o Congresso e "demonstrar força". Em seguida, centenas de pessoas que ouviram o discurso invadiram a Casa Legislativa para tentar impedir a certificação do resultado das urnas. Cinco pessoas morreram.

Dias depois, Trump foi banido do Facebook, do YouTube e do Twitter por incitação à violência, crime que levou à aprovação do seu segundo impeachment pela Câmara dos Representantes. Ou seja, suas palavras levaram a ações concretas de violência de acordo com esse julgamento.

Esse banimento de sua plataforma política para milhões de seguidores levou a acusações de censura, discriminação política e violação do direito à liberdade de expressão. Uma empresa privada tem o poder de barrar o presidente do país mais poderoso do mundo?

"Ter que tomar essas ações fragmenta o diálogo público. Nos divide. Limita o potencial de esclarecimento, redenção e aprendizado. E estabelece um precedente que acredito ser perigoso: o poder que um indivíduo ou empresa tem sobre uma parte da conversa pública global", admitiu o então presidente-executivo do Twitter, Jack Dorsey. A disputa foi levada aos tribunais, e Trump acabou derrotado.

As críticas às plataformas de redes sociais no caso Trump ilustram o que especialistas enxergam como certa inversão de papéis entre a esquerda e a direita no antigo debate sobre liberdade de expressão.

Antes, as vozes que lutavam por mais espaço no debate público e menos obstáculos às críticas aos donos do poder eram majoritariamente ligadas à esquerda. Agora, nomes da direita brasileira, por exemplo, dizem ser ilegalmente tolhidos por redes sociais, veículos de comunicação e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Apoiadores importantes do presidente brasileiro Jair Bolsonaro tiveram contas ou conteúdos apagados de redes sociais em meio a investigações no STF sob acusação de disseminação de informações falsas e discurso de ódio contra autoridades e participação em atos antidemocráticos.

Para o Twitter e o Google, em manifestações feitas no âmbito em processo judicial no STF, a determinação da Corte de excluir as contas é "desproporcional" e pode configurar "censura prévia". O argumento das plataformas é que o Marco Civil da Internet demanda que a ordem judicial aponte especificamente qual conteúdo é ilegal, e não apontar de forma genérica o perfil como um todo.

"Embora as operadoras tenham dado cumprimento à ordem de bloqueio da conta indicada por vossa excelência, o Twitter Brasil respeitosamente entende que a medida pode se mostrar, data máxima venia, desproporcional, podendo configurar-se inclusive como exemplo de censura prévia", afirmou o Twitter. "Ainda que o objetivo seja impedir eventuais incitações criminosas que poderiam vir a ocorrer, seria necessário apontar a ilicitude que justificaria a remoção de conteúdos já existentes", disse o Google.

O próprio Bolsonaro, que defende maior regulação sobre as redes sociais e quer impedi-las de excluir usuários e conteúdos sem justa causa, é investigado pela Corte e já teve excluídas postagens com informações falsas sobre o coronavírus por decisão das próprias empresas de tecnologia.

Em conflitos políticos como o de Trump e o de Bolsonaro, a defesa da liberdade de expressão mostra como vem sendo cada vez mais usada como arma pela direita e pela extrema-direita ao redor do mundo, afirma a historiadora e professora americana Joan Wallach Scott (Instituto de Estudos Avançados da Universidade Princeton).

Segundo Scott, o objetivo da defesa da liberdade de expressão aqui deixou de ser aceitar opiniões diversas, mas, sim, confundir e disseminar informações falsas nas disputas com a esquerda sobre temas como feminismo, vacinas, direitos dos homossexuais e currículo das universidades.

Ao provocar repúdio, protestos e às vezes violência, diz Scott, a direita atrai holofotes e se apresenta como vítima de discriminação, cancelamento, discurso politicamente correto e censura. Como resultado, os temas caros à esquerda deixam de ser o foco dos debates.

Trump em evento que antecedeu invasão do Congresso americano e levou ao seu banimento de redes sociais

Para a jurista e feminista americana Catharine MacKinnon, a liberdade de expressão deixou de ser "uma proteção para dissidentes, radicais, artistas, ativistas, socialistas, pacifistas e desvalidos para se tornar uma arma para autoritários, racistas, misóginos, nazistas, supremacistas, pornógrafos e corporações que compram eleições na surdina".

Por outro lado, o jurista e professor americano Alan Dershowitz (Universidade Harvard) afirma que a liberdade de expressão enfrenta sua maior ameaça em 200 anos graças à "censura" liderada por progressistas em esferas privadas, como universidades e redes sociais, onde a lei não alcança.

"Tornou-se perigoso para carreiras, amizades e discurso público ficar do lado de direitos constitucionais e liberdades civis quando esses direitos e liberdades acabam por beneficiar Donald Trump", afirma Dershowitz.

O professor e pesquisador brasileiro Wilson Gomes (UFBA) aponta contradições desse conceito de liberdade de expressão absoluta que ele classifica como libertarianista (corrente mais radical do liberalismo que prega uma enorme redução da interferência do Estado na vida dos cidadãos).

"Não existe liberdade de expressão absoluta. Só nessa concepção libertarianista. Ou seja, 'eu posso dizer o que quiser, eu posso falar o que quiser, posso me comportar como queira e o Estado não pode pode censurar o que eu digo, e nem a Lei nem nada pode me punir'. Nem eles acreditam nisso. Porque, no fundo, no fundo, a qualquer momento eles partem para cima de outros. Os professores não podem ter liberdade de expressão, por exemplo, porque isso seria a doutrinação comunista", afirma Gomes, autor de Crônica de uma Tragédia Anunciada: Como a Extrema-Direita Chegou ao Poder.

Limites ao discurso de ódio x acusações de censura

Não há uma definição universal sobre o que é discurso de ódio, mas segundo a ONU, ele pode ser entendido como qualquer tipo de comunicação que ataque ou use termos pejorativos contra uma pessoa ou um grupo com base em sua religião, nacionalidade, etnia, cor de pele, raça, gênero ou qualquer outro elemento de identidade.

A tolerância ao discurso de ódio varia de um país para outro. "O sistema jurídico americano proíbe o discurso do ódio o mais tarde possível — apenas quando há perigo iminente de atos ilícitos. Já a jurisprudência alemã coíbe o discurso do ódio o mais cedo possível", exemplifica o jurista alemão Winfried Brugger.

No Brasil, a lei federal 7.716/89 prevê prisão para quem comete discriminação contra os outros por causa de "raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Em 2019, o STF decidiu que declarações homofóbicas também deveriam ser enquadradas no crime de racismo. A pena vai de um a três anos de prisão, pode chegar a cinco nos casos mais graves.

O momento-chave para esse debate sobre liberdade de expressão e discurso de ódio no Brasil ocorreu em 2003 durante um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Tratava-se do caso de Siegfried Ellwanger Castan (1928-2010), um brasileiro que foi um editor de livros antissemitas e de negação do Holocausto. Ele já havia sido condenado por racismo pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas recorreu ao STF, que manteve a condenação.

"O caso foi muito importante pois a Corte chegou a um entendimento sobre dois pontos", disse à BBC News Brasil o jurista, ex-ministro e professor emérito Celso Lafer (USP), que atuou no julgamento como amicus curiae (convidado a dar seu parecer no tribunal sobre um assunto de grande relevância). "O primeiro que antissemitismo se enquadra como crime de racismo. O segundo ponto foi sobre a amplitude da liberdade de expressão: existe ou não e quais os limites à liberdade de expressão."

No acórdão sobre a condenação de Ellwanger, o STF deixou claro que, embora a liberdade de manifestação do pensamento seja um direito garantido pela Constituição, ele não é um direito absoluto e há limites morais e jurídicos.

E a legislação, quando define o crime de racismo, deixa bem claro que discurso de ódio é um desses limites pois fere o direito à dignidade humana de quem é alvo desse discurso.

Debate sobre liberdade de expressão tem vivido profusão de acusações de censura

"O preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o 'direito à incitação do racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os direitos contra a honra", escreveu o ministro Maurício Correa. "Escrever, editar, divulgar e comerciar livros 'fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias' contra a comunidade judaica constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade."

Há muitos riscos coletivos em torno da livre circulação de discurso de ódio sob o pretexto de tolerância com ideias e opiniões diferentes. É o que pensava o filósofo da ciência austríaco Karl Popper, que cunhou o termo "paradoxo da tolerância" para discutir como uma tolerância ilimitada ao discurso de ódio põe em risco a democracia e, por extensão, pode levar ao desaparecimento da própria tolerância.

Para Popper, a melhor forma de combater a intolerância é debatê-la com argumentos racionais, e a proibição só deve ser usada como último recurso, quando o intolerante recorre a "punhos e pistolas", ou seja, à violência.

E o que uma plataforma como o Facebook, por exemplo, faz diante do discurso de ódio? Em texto sobre o tema, a empresa afirma excluir por mês quase 300 mil postagens denunciadas como discurso de ódio por meio de checadores e conselhos decisórios. A plataforma admite cometer erros nesse processo ao apagar conteúdo de teor político legítimo, mas nega que seu algoritmo tenha viés contra correntes políticas específicas.

A população discorda. Nos EUA, uma pesquisa do instituto Pew apontou que 90% dos republicanos (partido de Trump) e 59% dos democratas (partido de Biden) avaliam que as plataformas de redes sociais censuram suas opiniões políticas.

Para o secretário-geral da ONU, António Guterres, combater o discurso de ódio não significa limitar ou proibir a liberdade de expressão, mas evitar que ele se transforme em algo ainda mais perigoso, como incitações a discriminação, hostilidade e violência, que são proibidas na lei internacional.

Há cinco elementos de um discurso de ódio com grandes chances de catalisar ou amplificar a violência de um grupo contra outro, aponta a jornalista americana Susan Benesch, fundadora do projeto Fala Perigosa:

1. A pessoa que discursa tem bastante influência sobre o público;

2. O discurso claramente incita a violência;

3. O público tem medos ou mágoas que podem ser usados pela pessoa que discursa;

4. O local tem uma aceitação maior a episódios de violência (por já ter vivenciado vários deles, por exemplo);

5. O meio de transmissão desse discurso, como rádios e emissoras de TV, tem bastante influência e popularidade no local.

Para alguns especialistas, um exemplo recente de como o discurso chegou às vias de fato ocorreu durante o governo Trump. O FBI, polícia federal americana, registrou no período um aumento de quase 20% dos crimes de ódio, puxado por ataques a latinos e pessoas transgênero.

Houve uma explosão de casos logo após a eleição de Trump em 2016, e 2019 foi o período mais violento no país em 16 anos.

O Brasil registrou algo parecido no segundo turno da eleição de 2018, em que Bolsonaro saiu vitorioso. Segundo a ONG SaferNet, o número total de denúncias de discurso de ódio, como intolerância religiosa e xenofobia, mais que dobrou em relação ao pleito de 2014, de 14.653 para 39.316. Houve também aumento de denúncias de lgbtfobia (discriminação contra pessoas que não são heterossexuais), principalmente na internet.

Desde 2018, houve também um aumento considerável de ataques à liberdade de imprensa, considerada um dos pilares da liberdade de expressão.

"Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro. Qualquer revelação da mídia que ameace os seus interesses ou de seu governo desencadeia uma nova rodada de ataques verbais violentos, que fomentam um clima de ódio e desconfiança em relação aos jornalistas no Brasil", afirma a entidade Repórteres sem Fronteiras, que incluiu Bolsonaro em sua lista global de predadores da liberdade de imprensa.

Em resposta a essas críticas e acusações, Bolsonaro, Trump e seus apoiadores afirmam que os grandes veículos de comunicação e as plataformas de redes sociais agem contra eles com notícias falsas, discriminação e perseguição a posições políticas que não são de esquerda.

Além da corrosão na confiabilidade da imprensa, a liberdade de expressão também é ameaçada pela crescente disseminação de notícias falsas, afirmaram MacKenzie Common e Rasmus Nielsen, pesquisadores da Universidade de Oxford, em relatório à ONU em 2021.

Segundo eles, países podem adotar medidas de combate à desinformação vagas demais que acabem servindo para restringir a livre expressão, ao serem usadas "seletiva ou indiscriminadamente por governos para incentivar ou obrigar empresas privadas a policiar o conteúdo de modo que fira a livre expressão e restrinja o debate público". Entre os exemplos citados pelos pesquisadores estão Vietnã, Turquia e Paquistão.

Ao redor do mundo, as respostas sobre como os governos devem agir dependem da corrente política de cada cidadão, do gênero, da idade, da origem, entre outras características.

Os Estados Unidos costumam ser o país que mais defende uma ampla liberdade de expressão, mas nem toda a sociedade americana apoia essa liberdade toda.

Em 2015, um levantamento do instituto de pesquisa Pew apontou que 40% das pessoas de 18 a 35 anos defendiam nos EUA que o governo pudesse impedir ofensas públicas a minorias. Esse apoio cai para 12% entre as pessoas de 70 a 87 anos. A oposição a limites é maior entre homens, brancos, pessoas mais velhas, pessoas com menor escolaridade e eleitores do Partido Republicano (dos ex-presidentes George W. Bush e Donald Trump).

Ao todo, 28% dos americanos defendem que o governo restrinja as ofensas públicas contra minorias. Na Alemanha, o patamar é de 70%.

Especialistas afirmam que debate sobre limites à liberdade de expressão deve passar também por mudanças contra a opressão a minorias

Seis anos depois, o instituto Pew publicou um levantamento com cidadãos de quatro países sobre assuntos como o politicamente correto e o discurso ofensivo. Apenas na Alemanha a maioria dos cidadãos concordou que "as pessoas devem ser cuidadosas com o que dizem para evitar ofender os outros".

Na direção oposta, a maioria das pessoas na França, nos EUA e no Reino Unido afirmou que "as pessoas hoje se ofendem fácil demais com o que os outros dizem".

A principal divergência entre essas duas posições se dá nos EUA: 65% das pessoas de esquerda defendem o cuidado com discurso ofensivo, e apenas 23% das pessoas de direita concordam com isso.

A socióloga e pesquisadora Sabrina Fernandes (Universidade Livre de Berlim) defende que todo esse debate sobre liberdade de expressão e seus limites e soluções deveria passar também por livrar as pessoas da opressão antes se discutir a linguagem.

"É preciso libertar as pessoas da opressão também. E aí tudo se torna natural, porque se você tem uma sociedade que é mais feminista e menos machista, você não vai precisar ficar regulando as coisas machistas que as pessoas falam porque elas não vão sentir necessidade de falar isso. Porque se promoveu mudanças mais profundas", afirma Fernandes.

Para o linguista e professor Sírio Possenti (Unicamp), as palavras ou expressões não carregam significados intrínsecos, em si, mas, sim, significados consolidados nas estruturas e relações sociais e culturais.

Por isso, diz Possenti, se uma sociedade é racista, mudar os termos considerados ofensivos (ou criminosos) por outros mais "neutros" somente não tornará as relações ou os falantes menos ou mais racistas, e os significados preconceituosos acabarão sendo carregados e reproduzidos nas novas expressões substitutas.

*Texto publicado originalmente nBBC News Brasil.


Ricardo Noblat: Quem desconhece o passado é incapaz de enxergar o futuro

Que país é o Brasil?

Que país é este onde a Independência foi proclamada por um estrangeiro e a República por um general monarquista? Onde um presidente se suicida para não ser deposto, outro renuncia na esperança de voltar nos braços do povo e não volta, e um terceiro baixa ao hospital 24 horas antes de tomar posse e morre?

Que país é este onde militares cancelam a democracia a pretexto de defendê-la, implantam uma ditadura que dura 21 anos, expulsam do Exército um capitão que planejara atentados a bomba a quartéis, e depois de marginalizá-lo por décadas o ajudam a se eleger presidente da República, a governar e a comandá-los?

Que país é este onde a maior parte do povo, ou parte expressiva dele, ameaçada de morte por um vírus há mais de ano, dá ouvidos e poderá em breve dar seus votos para reeleger um presidente que só faz mentir desde que assumiu o cargo, e que prefere sacrificar vidas a reconhecer e corrigir a tempo os erros que comete?

Que país é este onde a assaz louvada maior operação de combate à corrupção jamais vista no mundo desmorona à luz da descoberta de que seus condutores violaram princípios do Direito aprendidos nos bancos escolares e ultrapassaram limites impostos pelas leis que tinham a obrigação de respeitar com o máximo rigor?

Este país é o nosso, que se dizia antigamente o país do futuro, há séculos dividido entre os poucos ricos e os milhões de pobres, entre os brancos que ocupam os postos mais elevados na órbita dos poderes e os pretos contados que conseguem chegar lá, entre os que toleram o intolerável e os que a ele resistem a duras penas.


Cristovam Buarque: Escadas ou caminhos

Cada grupo busca aumentar os seus benefícios e não o melhor para o país

Houve um tempo em que os políticos debatiam qual o melhor caminho para o progresso, hoje discute-se como o Brasil pode oferecer escadas mais fáceis para permitir ascensão social aos grupos com poder de pressão no uso dos recursos públicos. Procura-se beneficiar indivíduos, não o país. A discussão sobre as reformas, trabalhista e previdenciária, é exemplo deste desvio da estratégia do “caminho” para a estratégia da “escada”.

Cada grupo estuda e defende suas posições, favoráveis ou contrárias às reformas, não em função de qual será o melhor caminho para desamarrar o Brasil e permitir caminhar para o aumento de nossa eficiência, produtividade, justiça, independência, sustentabilidade, incentivo aos jovens, proteção aos velhos, pobres e doentes; mas em função de como evitar perdas para seu grupo, ou para conseguir aumentar seus benefícios ou seus votos. Busca-se escadas para indivíduos, não caminhos para o conjunto do país.

Este não é um fenômeno novo. Em reação aos anos de chumbo da ditadura, durante a elaboração da Constituição decretou-se mais direitos do que deveres. Desde a luta pela democracia, que buscava definir os rumos para o país, o debate político perdeu a discussão de quais os melhores caminhos para todos os brasileiros e se concentra até hoje, salvo exceções, em quais são as escadas para servir a cada grupo e cada indivíduo.

Até mesmo boas políticas para corrigir injustiças têm sido definidas mais para atender interesses de grupos do que para formar compromissos com o país: preferimos o uso de cotas para ingresso na universidade, do que o caminho mais ambicioso de assegurar a educação de base com a mesma qualidade para brancos e negros, pobres e ricos. Nos contentamos com um programa justo de assistência por meio de transferência de renda para cada família pobre, no lugar de uma estratégia ousada para fazer a emancipação da população pobre e ninguém precisar de bolsas. O Ciência Sem Fronteiras foi mais orientado para beneficiar jovens do que para construir um potente sistema de ciência e tecnologia a serviço de todo o país e seu futuro.

A operação Lava-Jato e a Lei da Ficha Limpa têm a grande vantagem de tirar escadas para a eleição de políticos corruptos, mas não vai construir o caminho para a escolha de políticos honestos. Felizmente, já temos o sistema judiciário que prende corruptos, mas ainda não formamos uma massa de eleitores capazes de eleger políticos honestos.

O Brasil precisa sair da discussão de escadas que atendem a interesses de grupos e fazer o debate sobre quais são os melhores caminhos para o futuro desejado. Mas isto é difícil porque, no lugar de buscar construir coesão nacional, preferimos continuar a política de atender corporações, sindicatos, associações, grupos. Não percebemos que esta falta de coesão é a principal causa de nossos problemas e frustrações: porque sem coesão, política e social, não vamos definir um rumo para o conjunto de nosso povo e nossa nação.
*Cristovam Buarque é senador (PPS-DF)
Fonte: http://noblat.oglobo.globo.com/artigos/noticia/2017/06/escadas-ou-caminhos.html

 


Nível de escolaridade dos pais influencia na formação profissional e no rendimento dos filhos, diz IBGE

O nível de escolarização dos pais influencia na formação profissional e nos rendimentos dos filhos. É o que apontam os dados suplementares da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2014 divulgada nesta quarta-feira (16) pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). O levantamento abrange entrevistas realizadas em 2014 com 58 mil pessoas de 16 anos ou mais.

A análise, que investiga a mobilidade sócio-ocupacional no País, mostra que 74,9% dos que tinham responsáveis sem escolaridade ganhavam no máximo dois salários mínimos.

Por outro lado, 47,4% dos trabalhadores que tinham pais com ensino superior completo ganhavam mais de cinco salários mínimos, revelou o suplemento da Pnad que estudou a mobilidade sócio-ocupacional dos brasileiros.

“A estrutura familiar parece ter uma importância muito grande em relação tanto ao nível de instrução dos filhos quanto aos índices de alfabetização”, disse a gerente da pesquisa, Flávia Vinhaes.

Foi a primeira vez desde 1996 que o IBGE analisou a evolução social entre gerações familiares. As informações, no entanto, não podem ser comparadas porque foram apuradas sob metodologias diferentes.

Em 2014, a média de rendimentos do trabalho de pessoas com nível superior completo cujas mães não tinham instrução era de R$ 3.078, chegando a R$ 5.826 para aquelas com mães com ensino superior completo.

A pesquisa mostrou também que a presença do pai ou da mãe no ambiente doméstico influencia diretamente na escolaridade dos filhos. “O fato dos filhos morarem com a mãe ou com o pai e a mãe teve uma forte influência no índice de formação”, afirmou Flávia Vinhaes.

Alfabetização

Segundo a pesquisa, o índice de alfabetização foi menor entre aquelas pessoas que não moravam com a mãe. A taxa de alfabetização daqueles que moravam com a mãe quando tinham 15 anos de idade chegou a 92,2%, enquanto entre aqueles que não moraram com a mãe na mesma idade foi de 88,1%. (Com informações do IBGE e agências)


Fonte: pps.org.br


Luiz Carlos Azedo: O bom ladrão

A política se tornou um empreendimento pessoal, familiar e corporativo. A riqueza privada e a vida pública se cruzam e se reforçam reciprocamente

Uma prática comum dos colonizadores ibéricos é que “chegavam pobres às Índias ricas e retornavam ricos das Índias pobres”, nas palavras do Padre Antônio Vieira (1608-1697), o Paiaçu, na língua tupi. Lusitano, passou a vida entre o Brasil (Salvador, Olinda e São Luís) e a Europa (Lisboa e Roma). Ao morrer na Bahia, deixou uma obra que soma 30 volumes. Um de seus sermões mais famosos é o do Bom ladrão, de 1655, proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte, além dos dignitários do reino, juízes, ministros e conselheiros. Vieira atacou os que se valiam da máquina pública para enriquecer ilicitamente, denunciou escândalos no governo, as gestões fraudulentas e, indignado, criticou a desproporcionalidade das punições nas masmorras do século 17: “Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma viatura, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma força pública, sois governador?”

Depois de conjugar o verbo furtar de várias maneiras durante o sermão — “furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse” —, disparou contra a corte: “São companheiros dos ladrões, porque os dissimulam; são companheiros dos ladrões, porque os consentem; são companheiros dos ladrões, porque lhes dão os postos e poderes; são companheiros dos ladrões, porque talvez os defendem; e são finalmente seus companheiros, porque os acompanham e hão de acompanhar ao inferno, onde os mesmos ladrões os levam consigo”. À época de Vieira, a política era uma via de enriquecimento patrimonial, que, por sua vez, permitia o acesso continuado aos cargos públicos.

Desde então, no Brasil, a política se tornou um empreendimento pessoal, familiar e corporativo. A riqueza privada e a vida pública, dialeticamente, se cruzam e se reforçam reciprocamente.

A fusão entre os negócios privados e a gestão pública é um instrumento de perpetuação no poder. Mas esse mecanismo está em xeque devido à Operação Lava-Jato, cuja escala de combate ao chamado “crime de colarinho branco” não tem precedentes. Graças à Constituição de 1988, que conferiu autonomia ao Ministério Público Federal e fortaleceu os órgãos de controle e coerção do Estado, principalmente à Receita Federal e à Polícia Federal.

Há dois tipos de políticos profissionais: os que vivem para a política como bem comum e os que vivem da política como negócio. Ambos têm a política como profissão principal, o que torna essa separação uma fronteira sinuosa. São consequências desse fenômeno os critérios plutocráticos para constituição da camada dirigente dos partidos.

Operadores

Os partidos que têm mais recursos econômicos elegem mais e têm mais poder. Segundo Max Weber, isso facilita a criação de “uma casta de filisteus corruptos”. A captação de votos e recursos valoriza os “operadores” capazes de montar “estruturas” eleitorais com empregos, dinheiro e poder. Promove as carreiras meteóricas, o troca-troca partidário e os escândalos, muitos escândalos. No lugar dos projetos de nação, que deveriam definir os partidos e seus programas, surgem poderosos projetos pessoais de poder e formaçao de fortuna.

Na sexta-feira, a Justiça de São Paulo aceitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual contra o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, e o ex-tesoureiro do PT e ex-presidente da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop) João Vaccari Neto, além de outras 10 pessoas por irregularidades relacionadas a oito empreendimentos imobiliários.

Vaccari está preso desde o começo da Operação Lava-Jato. Era o típico “operador” do PT. É acusado de associação criminosa, falsidade ideológica e violação à lei do condomínio, que diz que é crime contra a economia popular promover incorporação fazendo afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações. Léo Pinheiro é acusado de associação criminosa e estelionato.

A juíza excluiu da ação o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ex-primeira-dama Marisa Letícia, Fábio Lula da Silva e Igor Ramos Pontes, por entender que a denúncia contra eles, relacionada ao imóvel 164-A do edifício Solaris, foi apresentada pelo Ministério Público Federal e recebida pela 13ª Vara Federal de Curitiba. (Correio Braziliense)


Fonte: pps.org.br


Cristovam Buarque: Calamidade histórica

Inundações, terremotos, deslizamentos, filas de desempregados são calamidades visíveis que assustam; mas, felizmente, duram pouco tempo. Mas há calamidades invisíveis cujos efeitos só são percebidos quando já não há mais tempo para corrigi-las: são calamidades históricas. Nesta semana foi divulgado o estado de nossa educação de base no ano de 2015, conforme avaliada pelo Índice de Desenvolvimento da Educação de Base (Ideb).

A catástrofe não é visível de imediato, mas indica uma tragédia anunciada e duradoura por décadas. A falência do sistema educacional impede preparar nossas crianças para que elas enfrentem o próprio futuro e para que participem da construção do futuro do país. Há décadas podese perceber as consequências deste descaso. Mas, ao não ser visível, não tem sensibilizado o Brasil a dar o necessário cuidado à educação de base.

Os resultados do Ideb mostram estagnação do ensino fundamental em baixíssimas notas — 5,5 e 4,5 — nos seus dois níveis e mostram o retrocesso do ensino médio, em pleno século XXI, com a vergonhosa nota 3,7. Por estas notas, o Brasil foi reprovado em 2015. Esta média é ainda mais assustadora se levarmos em conta que metade das crianças brasileiras ficou fora da avaliação por ter abandonado a escola antes do ensino médio — com a nota desse grupo, o Ideb seria muito menor. O Ideb também não reflete plenamente a gravidade do nosso problema educacional, se lembramos também que ele não indica a brutal desigualdade na educação de nossas crianças conforme a renda da família; nem mostra que os outros países estão ultrapassando o Brasil, oferecendo melhor a educação a suas crianças.

Esta calamidade deveria ser tão visível quanto a seca no Nordeste, a avalanche em Mariana, as filas de desempregados e a falência financeira do Estado brasileiro. Mas nossos governos têm sido cegos para percebê-la. Por isso, nossos presidentes não manifestaram até hoje horror diante desta tragédia, não declararam calamidade histórica, não indicaram o que deve ser feito para o Brasil enfrentar a maior e mais duradoura de nossas crises.

Bastaria uma política decidida, para, ao longo de alguns anos, substituirmos as deficientes escolas estaduais e municipais por escolas federais, cujos Idebs estão se aproximando da nota 7,0. Este enfrentamento permitiria superar a crise social e econômica que assola o país.

O abandono da educação, que o Ideb-2015 indica, é uma das causas da crise econômica que vem, sobretudo, da baixa produtividade e da irrisória capacidade de inovação; a violência, a corrupção, o populismo, a irresponsabilidade fiscal têm como uma das causas a deseducação geral.

Talvez esta seja a maior de nossas calamidades, que o Ideb tem mostrado ao longo dos últimos anos: os governos descomprometidos com a educação e, por omissão, condenando o futuro do nosso país. Pior é que, no lugar de despertarmos usando o Ideb para corrigir a calamidade histórica, algum governo possa tomar a iniciativa de parar de estimar o Ideb, como um médico curando a febre ao quebrar o termômetro. (O Globo – 17/09/2016)


Fonte: pps.org.br