Paes
Lula une Paes e Molon e faz do Rio laboratório da estratégia para 2022
A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro
Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
A corrida eleitoral de 2022 dispara em outubro, com o presidente Jair Bolsonaro investindo no contato direto com a população, o ex-presidente Lula focando nas articulações políticas com governadores e cúpulas partidárias e as forças de centro ainda incapazes de dar cara e corpo ao tão desejado e tão distante candidato de centro.
Bolsonaro passa mais tempo em aviões e palanques do que governando em seu gabinete e pode ser mais visto, fotografado e filmado do extremo norte ao extremo sul do que em Brasília. Inaugura qualquer coisa, em qualquer lugar. O que importa é repetir 2018 e cair nos braços do “povo” – o seu “povo”, diga-se.
Já Lula usa a lábia, o carisma e a experiência para definir um leque de apoios muito além do PT e das esquerdas e que, na prática, não deixa franjas para uma terceira via. Para ele, não basta inviabilizar um nome ao centro; é preciso garantir que o centro e a centro-direita não pulem no colo de Bolsonaro.
Em sua última visita ao Rio, Lula brindou o PT e a esquerda com duas pérolas de pragmatismo. A primeira: “Se há uma coisa que aprendi na política é que você só ganha se tiver 51%, senão perde. Com o que temos aqui nesta sala, não temos 51% e não vamos ganhar”. Tradução: ou a esquerda faz alianças com centro e centro-direita, ou ninguém vai a lugar nenhum, especialmente na principal base eleitoral de Bolsonaro.
A segunda pérola: Rio e Minas são os “swing states” das eleições no Brasil, ora indo para um lado, ora para outro. “Quem ganha no Rio e em Minas ganha a eleição”, concluiu Lula, que faz do Rio o grande laboratório da sua estratégia. O foco é o prefeito Eduardo Paes, que virou a maior liderança do Estado e deu um golpe de mestre, ao deixar de lado sua dianteira nas pesquisas para o governo e continuar na prefeitura.
Paes é homem-chave da estratégia de Lula, assim como Lula é central das articulações de Paes, que trocou o DEM pelo PSD e amarra um acordão: para o Guanabara, o neófito Felipe Santa Cruz, presidente da OAB nacional, e, para o Senado, o ex-adversário Alessandro Molon, deputado federal que saiu da Rede para o PSB. Uma aliança, até então improvável, entre a esquerda e a centro-direita. Pró-Lula, contra Bolsonaro.
É isso que Lula busca reproduzir pelo País afora, com um instrumento de grande utilidade: o PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab (SP) que, de esquerda, não tem absolutamente nada. Kassab anima a plateia lançando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (que, como Paes, deve ir do DEM para o PSD), enquanto nos bastidores articula de fato o apoio do partido a Lula. Assim como Paes no Rio, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil, é do PSD e bem avaliado. A diferença é que ele deve concorrer ao Palácio da Liberdade.
Com Rio, Minas e PSD sob controle, Lula consolida sua força no Nordeste e tem jantar na próxima quarta-feira, em Brasília, com os mandachuvas do MDB, o ex-presidente Sarney, senadores e até o governador do DF, Ibaneis Rocha, que tem elos, mas não compromisso, com Bolsonaro.
Enquanto o PSDB se divide em torno das prévias entre os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) e os candidatos de centro esvaziam uns aos outros, Lula está lá na frente, comendo pelas bordas – e por dentro – o mingau do centro. E Bolsonaro é carregado por anticomunistas, negacionistas, conservadores e uma massa um tanto disforme. Tudo junto, isso soma um quarto das pesquisas.
Lembram? Só vence quem tem 51%. Hoje, ninguém tem. Mas terá quem trabalhar melhor, unir mais, convencer e tiver armas políticas. Não fuzis e revólveres, mas discurso para a economia, a miséria e mesmo a pandemia. Além de acenar com união e carisma, que nunca é demais.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,lula-une-paes-e-molon-e-faz-do-rio-laboratorio-de-sua-estrategia-para-2022,70003856316
Míriam Leitão: Ajuste fiscal na cidade do Rio
A cidade do Rio quer implantar um programa econômico que o governo federal prometeu fazer e não tem conseguido. Hoje o Diário Oficial amanhece com 74 decretos, e deles 44 são da área econômica, com um choque de corte de gastos e suspensão de contratos para auditoria. Mas o projeto da prefeitura será o de fazer reformas. Uma lei de emergência fiscal, uma reforma da Previdência e uma reforma tributária serão preparadas. O prefeito Eduardo Paes conta com a própria experiência, e o trabalho legislativo do secretário de Fazenda, Pedro Paulo, que no Congresso cuidou exatamente desse nó fiscal do país.
— Nenhum outro prefeito, nem mesmo o Saturnino, entregou uma cidade de forma tão caótica quanto Crivella está entregando hoje — disse o secretário Pedro Paulo.
De fato, para começo de conversa a prefeitura não será entregue por Marcelo Crivella. O prefeito, como se sabe, está em prisão domiciliar. Há duas folhas em atraso. Em 2021, a prefeitura terá que pagar 15 folhas. São muitos os números da situação calamitosa do Rio.
No ano passado, por causa da pandemia, estados e municípios puderam não pagar dívidas junto aos bancos federais e ao Tesouro. Além disso, tiveram transferências diretas. O Rio deixou de pagar R$ 1,2 bi e ainda recebeu R$ 600 milhões de transferências. Mesmo assim, o secretário calcula que o desafio fiscal é de R$ 10 bilhões.
Um dos decretos será de intervenção no Rio Saúde. Decisão tomada com os devidos cuidados por causa da pandemia.
— Não havia outra saída. Precisamos abrir essa caixa-preta, porque ela é cara e sem transparência. É o único órgão da prefeitura cuja folha de pagamento ninguém sabe quanto custa, é uma folha secreta — disse o secretário.
Um dos problemas da administração Crivella era que ele mandava o orçamento calculando uma certa despesa, se ela não se confirmasse ele não cortava, e isso virava déficit. E por causa disso há quase R$ 5 bilhões de restos a pagar, duas folhas em atraso e R$ 2,3 bilhões de despesas extrateto que não foram nem cobertas, nem cortadas.
— A Comlurb tem um orçamento de R$ 2 bilhões, mas um extrateto de 600 milhões. Isso não foi colocado no orçamento, mas não foi cortado dos contratos. Ficou acumulado. Na Saúde, o orçamento acaba em julho, e nós estamos numa pandemia — disse o secretário.
Pelo PLP 101 que acaba de ser aprovado no Congresso, as prefeituras podem suspender o pagamento das dívidas internacionais durante 2021. Se for sancionado, isso dará um alívio ao Rio de R$ 509 milhões este ano do serviço da dívida junto a Banco Mundial e BID. Além disso, mesmo o Rio sendo nota C de crédito pela classificação do Tesouro, poderá pegar um crédito no valor de R$ 700 milhões.
— Isso pode dar uma folga. Mas os estados e municípios terão que voltar a pagar a dívida junto ao Tesouro e bancos federais, porque acaba a suspensão prevista na lei 173. No caso do Rio, é dívida junto ao BNDES e à Caixa.
Há desafios sociais imensos. A taxa de desemprego no Rio é maior do que a do resto do Brasil. Ao todo, dois milhões e 70 mil pessoas receberam o auxilio emergencial na cidade. Como os beneficiários do Bolsa Família são 330 mil, há pelo menos 1,7 milhão de pessoas que a partir de hoje ficarão sem benefício.
O plano do novo prefeito é montar grupos de trabalho para preparar reformas muito parecidas com as que o governo federal tentou fazer, até agora sem sucesso.
— A lei de emergência fiscal terá gatilhos para conter os gastos — disse Pedro Paulo, que foi o primeiro a propor isso na Câmara, antes do projeto do governo.
Outra ideia é a de desvincular e desobrigar os 34 fundos da cidade. Os contratos serão desindexados. Será proposta uma reforma da Previdência, e o Previ Rio vai ser capitalizado com bens imóveis da prefeitura. Uma reforma tributária está sendo pensada para os impostos da cidade com o objetivo de atrair investimento, mas suspender isenções e subsídios.
O prefeito Eduardo Paes assume em situação bem diferente da outras duas vezes em que governou o Rio. Tanto nas contas da prefeitura, quanto na conjuntura econômica do país. Pelo menos este ano começa com o Rio tendo um prefeito. Hoje em todas as cidades do Brasil um novo ciclo começa. Os prefeitos novos ou em segundo mandato enfrentarão a pandemia e a crise econômica no país. Boa sorte a todos.
Bernardo Mello Franco: Pancadaria entre Paes e Crivella resumiu a eleição do Rio
Levou apenas 24 segundos. Em sua primeira participação no debate da TV Globo, Marcelo Crivella disse que Eduardo Paes será preso. Ele repetiria a ameaça outras nove vezes até o fim do programa. Foi o último confronto entre os candidatos à prefeitura do Rio.
“Paes vai ser preso. Eu digo isso com o coração partido”, provocou o atual prefeito. “Ele é que morre de medo de ser preso”, devolveu o antecessor.
Com a rejeição nas alturas, Crivella apelou ao discurso moralista para desgastar o adversário. Além da dezena de menções ao xadrez, recitou sete vezes o mandamento “Não roubarás”. Paes começou acuado, mas passou a revidar na mesma moeda. Chamou o bispo quatro vezes de “pai da mentira”. Na Bíblia, a expressão é associada ao demônio.
Os dois candidatos foram alvo de operações policiais em setembro. Paes já virou réu, acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e caixa dois na eleição de 2012. Crivella teve o celular apreendido em outro inquérito, que apura o funcionamento de um balcão de propina na gestão atual.
Como esperado, o debate ofereceu um espetáculo de exploração da fé. O bispo insistiu na retórica da “ideologia de gênero” e disse que o adversário terá problemas com Deus no Juízo Final. Em nova fala homofóbica, afirmou, em tom de reprovação, que Paes fez do Rio a “capital mundial do turismo gay”.
O ex-prefeito reciclou a tática de bater na Igreja Universal, de olho em eleitores evangélicos de outras denominações. Ele aproveitou para lembrar que o bispo Edir Macedo, tio de Crivella, defende a legalização do aborto. Mais um tema que nada tem a ver com a gestão municipal.
Além de trocarem insultos, os dois travaram um duelo de más companhias. Crivella associou Paes a Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos presos por corrupção. Paes ligou Crivella a Wilson Witzel, afastado do governo pelo mesmo motivo.
O presidente Jair Bolsonaro foi o grande ausente do debate. Nenhum dos candidatos quis citá-lo. Coincidência ou não, os dois também silenciaram sobre o combate às milícias.
Embora a segurança pública seja atribuição do estado, cabe à prefeitura coibir a construção ilegal e a invasão de áreas protegidas. Nas gestões de Paes e Crivella, os paramilitares ampliaram negócios e expandiram seu domínio sobre o território carioca. É preciso muito otimismo para crer que isso mudará em 2021, seja quem for o eleito.
A pancadaria de sexta à noite resumiu o tom da campanha no Rio. O eleitor foi bombardeado com muitas acusações e poucas propostas. Sobraram ofensas e faltaram ideias para tirar a cidade do buraco.
Não se falou em combate à desigualdade, geração de empregos, recuperação do centro ou despoluição de praias e lagoas. A cultura só foi lembrada num bate-boca sobre o financiamento do carnaval.
“Eles não discutiram minimamente os problemas da cidade. Espremendo muito, sai uma gotinha de limão seco”, lamenta o vereador eleito Chico Alencar, que declarou “voto crítico” em Paes.
Com ampla vantagem nas pesquisas, o ex-prefeito tende a vencer sem sustos. Como ele mesmo admite, menos por suas qualidades do que pelos defeitos do sucessor.