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Nas entrelinhas: Com Pacheco e Lira, haverá mais diálogo entre os Poderes
Luiz Carlos Azedo/Correio Braziliense
A reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD) à presidência do Senado, por 49 votos a 32, ontem, foi uma grande derrota imposta ao ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo candidato era Rogério Marinho, senador potiguar eleito pelo PL. O resultado da eleição mostrou que forças políticas que deram sustentação ao ex-chefe do Executivo permanecem ativas e organizadas, com grande poder de influência e contam com apoio dos grupos bolsonaristas de extrema direita, organizados em redes sociais, que protagonizaram a tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro.
O principal significado da eleição de Pacheco, que presidirá o Congresso, é a garantia de um clima de mais harmonia entre os Poderes, sinalizada também pela postura de diálogo e negociação do presidente da Câmara, o deputado alagoano Arthur Lira (PP), que foi reeleito com 464 votos, recorde para uma votação na Câmara. Lira superou os 434 votos dos ex-presidentes da Câmara João Paulo Cunha (PT), em 2003, e Ibsen Pinheiro (PMDB), em 1991, que foram candidatos únicos. Votaram 509 dos 513 deputados. Chico Alencar (PSol-RJ) obteve 21 votos e Marcel Van Hattem (Novo-RS), 19. Houve cinco votos em branco.
Ao discursar após a eleição, Lira exibiu músculos de primeiro-ministro. Fez uma defesa enfática da democracia, atacou a extrema direita, advertiu os deputados bolsonaristas que não toleraria ameaças aos demais Poderes, mandou recado para o Supremo Tribunal Federal (STF) de que não aceitará interferências monocráticas de seus ministros na vida parlamentar e apresentou uma agenda própria para os trabalhos legislativos, que contingenciará fortemente a atuação do governo.
O projeto de Marinho era claramente transformar o Senado num bastião bolsonarista contra o Supremo, em confronto com a clara aliança proposta por Pacheco com o Supremo e o Palácio do Planalto, cujo apoio foi decisivo para sua vitória. Ao contrário, a recondução de Lira foi uma grande demonstração de força e independência política, pois não dependeu do governo para ser eleito. Ao mesmo tempo, o apoio de 20 partidos, do PL ao PT, também revela capacidade de diálogo e de negociação.
Entretanto, ninguém se iluda: serão duras as negociações entre o governo federal e o presidente da Câmara, principalmente na elaboração do Orçamento e na aprovação de medidas provisórias. De igual maneira, ao anunciar que “poder moderador” da República é o Legislativo, Lira sinalizou a disposição de confrontar o Supremo quando julgar necessário. Mesmo assim, pode ser um ator importante para restabelecer o primado da política e pacificar o país.
Freios e contrapesos
No mesmo dia em que Pacheco e Lira foram reconduzidos, o Supremo Tribunal Federal (STF) reiniciou seus trabalhos, sob a presidência da ministra Rosa Weber, que reiterou seu empenho na defesa “diuturna e intransigente” da Constituição e do Estado Democrático de Direito. A presidente da Corte afirmou que “aqueles que conceberam, praticaram, insuflaram e financiaram os atos antidemocráticos serão punidos”.
A presença do presidente Lula na sessão de abertura do Judiciário pôs um ponto final no contencioso do Executivo com o Supremo, que fora protagonizado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, com objetivo de subjugar a Corte. Na sua saudação ao Supremo, Lula foi muito assertivo ao destacar “o papel decisivo do STF e do TSE na defesa da sociedade brasileira contra o arbítrio”.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, que alimentava as críticas de Bolsonaro ao Supremo, resta quase isolado como um polo de poder que ainda tem alguma conexão com o ex-presidente, mas está sob forte pressão interna do próprio Ministério Público. Seus pares cobram uma atuação mais firme contra a extrema direita bolsonarista. Aras é aliado de Lira. Seu discurso na reabertura dos trabalhos do Supremo foi protocolar. O vice-presidente Geraldo Alckmin também acompanhou a sessão da Corte.
As origens da separação de Poderes remontam a Aristóteles, Locke e, principalmente, Montesquieu, em sua célebre obra O espírito das leis. Essa separação não é engessada. Enquanto o poder político do Estado brasileiro é uno e indivisível à luz da Constituição, a separação se dá nas funções estatais. Ao falar em Três Poderes, a Constituição de 1988 se refere a funções distintas de seu próprio Poder: a legislativa, a executiva e a judiciária.
Essa separação flexível adotada pelos constituintes de 1988 é um fator de fortes tensões entre os Poderes, principalmente depois da Operação Lava-Jato. Harmonia significa colaboração, cooperação; visa garantir que os Poderes expressem uniformemente a vontade da União. A independência entre os Poderes não é absoluta, é limitada pelo sistema de freios e contrapesos, de origem norte-americana.
Esse sistema prevê a interferência legítima de um Poder sobre o outro, nos limites estabelecidos constitucionalmente. É o que acontece, por exemplo, quando o Congresso Nacional fiscaliza os atos do Executivo. Ou, então, quando o Supremo controla a constitucionalidade de leis elaboradas pelo Congresso. Na teoria, o sistema é quase perfeito. Na prática, porém, quando o sistema de freios e contrapesos é acionado, as relações entre os Poderes passam por um grande estresse.
O Estado de S. Paulo: Pacheco admite unir CPIs e avisa que não vai pautar impeachment de ministros do STF
Nesta terça-feira, 13, o presidente do Senado deve ler o requerimento para instalação da CPI da Covid na Casa; comissão foi motivo de reclamação de Bolsonaro em ligação telefônica com o senador Jorge Kajuru
Apesar do pedido do presidente Jair Bolsonaro ao senador Jorge Kajuru (Cidadania-SP), o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), não tem planos de pautar o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal(STF). Nesta terça-feira, 13, Pacheco deve ler o requerimento para instalação da CPI da Covid no Senado. A comissão foi motivo de reclamação de Bolsonaro na conversa com Kajuru. Segundo Pacheco, pedidos de impeachment “não podem ser banalizados em atos de revanchismo ou retaliação”, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico. Como antecipou o Estadão, ontem, Pacheco já vinha sendo aconselhado a arquivar os pedidos.
Outro pedido de Bolsonaro na ligação, o de que a CPI não tenha apenas seu governo como foco, mas também as ações de governadores e prefeitos, será parcialmente acatado por Pacheco. Mas não em um formato que deva agradar o Planalto. Isso porque o presidente do Senado planeja anexar ao requerimento do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que será lido hoje, o requerimento protocolado pelo senador Eduardo Girão (Podemos-CE), que inclui chefes dos Executivos estaduais e municipais na investigação.
Apenas a destinação de verbas federais a Estados e municípios será objeto da investigação, já que a apuração da atuação de governadores é tema das assembleias legislativas, e dos prefeitos, das câmaras municipais.
"Uma CPI não pode apurar fatos relativos a Estados. Isso incumbe às Assembleias Legislativas. O que cabe a uma CPI do Senado ou da Câmara dos Deputados é a apuração dos fatos no governo federal e os desdobramentos desses fatos que envolvem recursos federais encaminhados a Estados e municípios. Os fatos relacionados às verbas federais podem ser alvo de inquérito, mas não se pode investigar necessariamente Estados e municípios numa CPI federal", disse Pacheco.
Segundo Pacheco, o pedido de CPI protocolado por Girão é conexo ao original, feito em fevereiro por Randolfe, por isso, serão reunidos numa só tramitação. "Não é que estejamos acolhendo esse requerimento. Na verdade, o requerimento de uma nova CPI promovido pelo senador Girão já conta com as assinaturas suficientes e o fato determinado é conexo a um requerimento feito pelo senador Randolfe, portanto devem ser apensados. Me parece que o novo pedido visa a apurar a destinação das verbas para Estados e municípios. Isso é plenamente possível de se fazer numa CPI do Senado", afirmou.
Impeachment
Em relação aos pedidos de impeachment contra ministros do STF, segundo o senador mineiro, que foi eleito para o comando da Casa com apoio de Bolsonaro, tais ações não podem ser transformadas em atos de “revanchismo ou retaliação”. A encomenda de Bolsonaro veio a público após Kajuru divulgar uma ligação entre ele e o presidentee; a conversa, segundo Kajuru disse ao Estadão foi realizada e divulgada no último domingo, após o senador alertar o presidente de que revelaria o diálogo.
"Os pedidos de impeachment tanto de ministros do Supremo quanto do presidente da República devem ser tratados com muita responsabilidade, não se pode banalizar o instituto. Não podem ser usados por revanchismo ou retaliação", avaliou Pacheco.
Na chamada, Bolsonaro pressiona o senador do Cidadania a ingressar com pedidos de impeachment contra membros da Corte. O desejo é de dar uma resposta à decisão tomada na última quinta-feira, 8, pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ordenou a instalação da CPI da Covid, que vai investigar as ações e omissões do governo federal na pandemia. Na própria conversa, Kajuru disse a Bolsonaro que já havia apresentado um mandado de segurança para que o STF obrigue o presidente do Senado a abrir um processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
Segundo o presidente do Senado, não é o momento de discutir impeachment, seja no Executivo ou no Judiciário do País. No entanto, ele afirma que é preciso avaliar "aspectos, sobretudo, de juridicidade, de insatisfação com um ministro ou com o presidente da República", disse. "É preciso identificar se há uma narrativa adequada, justa causa, elementos probatórios mínimos, se há tipicidade do fato em relação à lei de 1950, portanto é algo que deve ser analisado com bastante juridicidade. Não é o momento de se discutir impeachment no Brasil" afirmou.
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Eliane Catanhede: Com a explosiva CPI da Covid e um ‘Deus nos acuda’ pelas vacinas, Bolsonaro perde apoios
Presidente sofre pressões de onde menos queria: o grande capital, que tem forte influência no Congresso
Além de demitir o ministro da Defesa e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, o presidente Jair Bolsonaro trocou mais uma vez o diretor-geral da Polícia Federal, que também é uma força armada, com forte cultura de hierarquia e disciplina. O rastro é de surpresa e de dúvidas: por que e para quê?
São dúvidas pertinentes, depois da tensão criada pelo strike no comando militar e porque a PF foi o pivô da queda do “superministro” Sérgio Moro, que acusou Bolsonaro de ingerência política num órgão que, por definição, precisa de autonomia. É exatamente por causa da PF que o presidente é investigado (pelo menos oficialmente), no Supremo.
Não bastasse, continua sem explicação, e sem mandante, a iniciativa do deputado Major Vitor Hugo, bolsonarista, líder do PSL e frequentador dos palácios presidenciais, de cavar o instrumento da mobilização nacional para tirar dos governadores e dar a Bolsonaro o controle das polícias na pandemia. E com direito de convocação de civis, que vêm sendo sistematicamente mais armados pelo governo – contra, inclusive, a posição do Exército e da PF.
Some-se a crença de Bolsonaro de que ser presidente é ser dono do governo, das instituições, do País. Mete a mão nas Forças Armadas e na PF, nos órgãos de investigação, Coaf, Receita e Abin, nos bancos públicos, Banco do Brasil e BNDES, e nas estatais, como a Petrobrás. “Um manda, o outro obedece”, “eu mando, não abro mão da minha autoridade”, versões bolsonaristas de “o Estado sou eu”.
O que está em jogo é a institucionalidade, e a Federação Nacional dos Policiais Federais soltou nota citando o mesmo princípio basilar usado pelo general Fernando Azevedo e Silva ao cair da Defesa: como as Forças Armadas, a PF também é “uma instituição de Estado, não de governos”. Poderia ter usado também a máxima do general Edson Pujol, demitido do Exército: como “não entra nos quartéis”, a política não deve entrar na PF.
O novo diretor, delegado federal Paulo Maiurino, tem um bom nome, mas está há mais de dez anos longe de operações e da PF, em funções no Congresso, no Supremo, no Ministério da Justiça de Lula e Dilma Rousseff e em São Paulo, com Alckmin, e no Rio, com Witzel, além do DF.
Foi no DF que Maiurino conviveu com o novo ministro da Justiça, também delegado federal Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do governo Ibaneis Rocha. Mas não parece a ninguém que Maiurino tenha sido escolha de Torres, nem direta de Bolsonaro, nem dos filhos, nem dos generais do Planalto. Logo, quem o indicou? A pergunta paira em Brasília e a suspeita é de que Maiurino tenha sido indicado pelo Republicanos, ex-PRB, partido da Igreja Universal e do Centrão.
Com a explosiva CPI da Covid, mais de 340 mil mortos e um “Deus nos acuda” pelas vacinas que seu governo não negociou, Bolsonaro perde apoios e sofre pressões de onde menos queria: o grande capital, que tem forte influência no Congresso.
A pandemia não tem a menor importância para ele, mas redes sociais, empresários, Centrão, militares, polícias e igrejas, sobretudo as neopentecostais, são, sim, questões de vida ou morte. Enquanto o Major Vitor Hugo tenta cuidar das polícias, o presidente troca os comandos militares e da PF, dá o Orçamento de mão beijada para o Centrão e janta com empresários e banqueiros em São Paulo.
E o trio bolsonarista, o PGR Augusto Aras, o AGU André Mendonça e o ministro do STF Kassio Nunes Marques, ajoelhava e rezava para o Supremo liberar cultos e missas presenciais. Contraria a ciência e aumenta infecções e mortes, mas, segundo Mendonça, os fiéis estão dispostos a morrer pela fé. Pelo visto, a morrer e a matar. E não só pela fé, mas pelo mito.
*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
O Estado de S. Paulo: Bolsonaro acusa Barroso de 'militância política' por CPI da Covid e cobra impeachment de ministros
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada 'CPI da Covid', que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa
BRASÍLIA - Em uma reação ao novo revés sofrido no Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro acusou nesta sexta-feira, 9, o ministro Luís Roberto Barroso de "militância política" e "politicalha" por ter determinado a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a atuação do governo na pandemia.
Em postagem nas suas redes sociais, o presidente afirmou que falta "coragem moral" ao ministro por se omitir de também ordenar a abertura de processos de impeachment contra integrantes da Corte.
"A CPI que Barroso ordenou instaurar, de forma monocrática, na verdade, é para apurar apenas ações do governo federal. Não poderá investigar nenhum governador, que porventura tenha desviado recursos federais do combate à pandemia", postou Bolsonaro em suas redes sociais. "Barroso se omite ao não determinar ao Senado a instalação de processos de impeachment contra ministro do Supremo, mesmo a pedido de mais de 3 milhões de brasileiros. Falta-lhe coragem moral e sobra-lhe imprópria militância política."
Barroso ordenou ontem que o Senado instale a chamada "CPI da Covid", que tem o apoio de mais de um terço dos senadores, mas sofria resistência do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), aliado do Palácio do Planalto. A exemplo da CPI, a análise sobre pedidos de impeachment de ministros do STF cabe ao Senado e depende de aval de Pacheco.
Ao falar com apoiadores, na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro adotou um tom ainda mais duro, e acusou o magistrado de promover uma "jogadinha casada" com a oposição ao seu governo. "Uma jogadinha casada entre Barroso e bancada de esquerda do Senado para desgastar o governo. Eles não querem saber o que aconteceu com os bilhões desviados por alguns governadores e uns poucos prefeitos também", afirmou o presidente.
"Barroso, nós conhecemos seu passado, sua vida, como chegou ao Supremo Tribunal Federal, inclusive defendendo o terrorista Cesare Battisti (italiano extraditado em 2019 após ser condenado por homicídios em seu país). Use a sua caneta para boas ações em defesa da vida e do povo brasileiro, e não para fazer politicalha dentro do Supremo", completou o presidente, cobrando a abertura de impeachment contra ministros da Corte.
A criação da CPI da Covid preocupa Bolsonaro por aprofundar o desgaste do governo em um momento de queda de popularidade de Bolsonaro e de agravamento da pandemia. Uma vez criada, a comissão poderá convocar autoridades para prestar depoimentos, quebrar sigilo telefônico e bancário de alvos da investigação, indiciar culpados e encaminhar pedido de abertura de inquérito para o Ministério Público. Veja perguntas e respostas sobre a CPI da Covid.
Conforme dados reunidos pelo consórcio de veículos de imprensa, divulgados na noite de ontem, o Brasil registrou 4.190 novas mortes em decorrência da covid-19 nas últimas 24 horas. O número é equivalente a 174 mortes por hora. Foi a segunda vez que o País superou a marca de 4 mil vítimas em um único dia. O total de mortes na pandemia chegou a 345.287.
A reação agressiva de Bolsonaro contra Barroso remete aos embates ocorridos no ano passado, quando o STF impôs diversas derrotas ao Palácio do Planalto, revogando atos e até a tentativa de nomear o delegado Alexandre Ramagem, amigo da família presidencial, como diretor-geral da Polícia Federal. A nomeação foi anulada na época pelo ministro Alexandre de Moraes.
O Supremo já abriu uma investigação relacionada à atuação do governo na pandemia. Um inquérito apura se houve omissão do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na crise que levou o sistema de saúde de Manaus (AM) ao colapso no início do ano, quando pacientes morreram asfixiados por falta de estoque de oxigênio nos hospitais. O caso foi enviado para a Justiça Federal do Distrito Federal após Pazuello deixar o cargo e perder o foro privilegiado.
A decisão de Barroso foi tomada no mesmo dia em que o Supremo frustrou novamente as pretensões do Planalto, ao permitir que governadores e prefeitos de todo o País proíbam a realização de missas e cultos presenciais na pandemia. Bolsonaro é crítico a medidas de restrições adotadas para conter a propagação da covid-19.
Além disso, o Supremo já havia imposto uma série de derrotas a Bolsonaro em ações relativas ao enfrentamento da pandemia. Foi assim, por exemplo, ao garantir a Estados e municípios autonomia para decretar medidas de isolamento social, decidir a favor da vacinação obrigatória contra a covid-19 e mandar o governo detalhar o plano nacional de imunização contra a doença.
Pedido da oposição. A decisão de Barroso atendeu a pedido formulado pelos senadores Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e Jorge Kajuru (Cidadania-GO), que contestaram a inércia de Pacheco, que segurou por 63 dias o requerimento pelo início da investigação. Eles reuniram a assinatura de 32 parlamentares em apoio à CPI, mais do que o mínimo de 27 assinaturas necessárias.
“O perigo da demora está demonstrado em razão da urgência na apuração de fatos que podem ter agravado os efeitos decorrentes da pandemia da covid-19”, observou Barroso em sua decisão. “Ressalto que é incontroverso que o objeto da investigação proposta, por estar relacionado à maior crise sanitária dos últimos tempos, é dotado de caráter prioritário”, disse. O ministro submeteu a liminar para análise dos demais integrantes da Corte. O julgamento está previsto para começar no dia 16 de abril no plenário virtual do STF, uma ferramenta digital que permite julgar sem que os ministros se reúnam presencialmente.
Um ministro do Supremo ouvido reservadamente pela reportagem concordou com a decisão de Barroso e avaliou que a posição pacífica do Supremo é de que é direito da minoria a abertura de uma CPI, se ela tiver objeto específico e um terço de assinaturas, como houve.
O decano da Corte, ministro Marco Aurélio Mello, considerou a medida “importantíssima”. “Porque precisamos realmente apurar a responsabilidade quanto ao procedimento, quanto ao atraso em tomada de providências.”
Pacheco criticou ontem a decisão judicial determinando a instalação da CPI, mas disse que pretende cumprir a ordem. Para cumprir a determinação de Barroso, o próximo passo do Senado é a leitura do requerimento de abertura da CPI, o que deve ocorrer na semana que vem. O colegiado será formado por 11 senadores titulares e sete suplentes, que serão indicados pelos partidos. O prazo de duração da comissão é de 90 dias, podendo ser prorrogado pelo mesmo período
Antonio Delfim Netto: O que devemos esperar de 2021
Chegou a hora de olharmos para a frente e decidir o que queremos para o Brasil
O ano de 2020 foi doloroso. Um período dedicado ao enfrentamento de uma inesperada e devastadora pandemia, que exigiu respostas para a saúde e medidas econômicas céleres para atravessar um choque sem precedentes em quase um século.
A longo dos meses, os governos aprenderam —alguns de maneira mais eficiente do que outros— a aperfeiçoar os estímulos destinados a salvar vidas, empregos e o tecido produtivo, com resultados palpáveis que mitigaram o estrago previsto quando tudo começou.
O Brasil, entretanto, não aproveitou a parte do segundo semestre que poderia ter sido utilizada para começar a endereçar os problemas mais urgentes do país. Adentramos 2021 sem nem sequer termos aprovado o Orçamento para o ano, consequência das disputas no Legislativo e da falta de interesse do Executivo.
Passadas as eleições para o comando das duas casas, chegou a hora de olharmos para a frente e decidir o que queremos para o Brasil. A conjuntura econômica em que o país se encontra é mais adversa do que no pré-pandemia, fruto da monumental elevação da dívida e do déficit público, ambos necessários para o enfrentamento da crise. Isso significa que as escolhas a serem feitas serão ainda mais duras e necessárias.
O Legislativo precisa recuperar o sopro de reformismo que experimentou durante o governo Temer e o início do governo Bolsonaro. O Executivo deve decidir se tem interesse e comprometimento com o futuro do país e com a agenda econômica apoiada abertamente apenas por parte do governo.
As reformas necessárias estão todas postas, mas, sem a liderança do Executivo em trabalhar a sua agenda econômica junto ao Legislativo e estabelecer prioridades, é difícil acreditar que sejam bem-sucedidas.
No curto prazo, a reorganização das contas públicas e a indicação clara de sustentabilidade para a trajetória da dívida são condições necessárias para a saúde macroeconômica do país. É disso que dependem a construção crível de um programa social mais robusto e inclusivo, a ampliação do espaço para o investimento público no Orçamento e a garantia de que a política monetária poderá atuar sem sobressaltos. Optar pela ampliação pura e simples do endividamento público é a saída mais fácil, e a que escolhemos de maneira reiterada. Suas consequências sempre vêm depois, e não costumam poupar as camadas mais vulneráveis da população.
À prioridade zero soma-se o enfrentamento definitivo da reforma do Estado para dar maior eficiência ao funcionamento da máquina pública e controlar o crescimento de suas despesas, além de atacar privilégios e penduricalhos de uma casta não eleita que se apropriou do poder.
*Antonio Delfim Netto é economista, ex-ministro da Fazenda (1967-1974). É autor de “O Problema do Café no Brasil”.
Conrado Hübner Mendes: Crime de responsabilidade? Acho que sim, acho que não
Indigência do debate jurídico converte impeachment em outra coisa
O impeachment atormenta analistas. Diferente de sistemas parlamentaristas, onde se pode remover, sem maiores rapapés, o chefe do Executivo, uma Constituição presidencialista estipula que a destituição de presidente ocorra em virtude de crime de responsabilidade. E esse julgamento deve se dar numa Casa regida pelas paixões e interesses da competição eleitoral, não pelo desapego e serenidade que a aplicação da lei exige.
O Parlamento, instituição constituída pela lógica da barganha, deveria, nesse caso único, funcionar pela lógica da justiça. Pedimos que deputados e senadores ajam como juízes e ignorem a eleição de amanhã. Para encerrar o imbróglio entre os que ressaltam o aspecto jurídico e os que destacam o caráter político do impeachment, resolvemos classificá-lo como instituto "jurídico-político". Um acordo russomanniano: confuso para ambas as partes.
Não pergunte o que isso significa porque não tem quase nada resolvido. Nem na prática, muito menos na teoria (transtornada com a prática). O debate público sobre o impeachment de Jair Bolsonaro tem promovido o encontro de três figuras.
O cidadão indignado na torcida, perguntado se deve haver impeachment, responde "claro, tomara" (um tipo de "wishful thinking"). O analista político pondera se há condições conjunturais que galvanizem o impeachment. Às vezes, não passa de um erudito chutismo (chamemos de "chuteful thinking"). Vem o jurista e avalia se há crime de responsabilidade. Algumas declarações moram na fronteira do achismo ( "achoful thinking", se me permitem).
A situação piora quando os três personagens se fundem num só e as muitas perguntas político-empíricas (se há apoio, se as condições devem estar dadas ou podem ser criadas, se as consequências serão positivas ou traumáticas, se eventual derrota fortalecerá Bolsonaro etc.) passam a interferir e a esvaziar a pergunta jurídico-normativa (se há crime).
O componente jurídico desse híbrido "jurídico-político" vira peça decorativa e o debate criterioso sobre crime de responsabilidade acaba interditado. O jurista se deixa calar pelo cientista político. A pergunta jurídica evapora e convertemos o impeachment em voto de desconfiança. Disfarçamos a prática parlamentarista por meio dessa sangrenta e espetacular burocracia de um impeachment.
O disfarce produz outra consequência perversa. Políticos se aproveitam do rebaixamento da pergunta jurídica e, quando indagados sobre a existência de crime, qualquer "acho que não" passa impune na esfera pública. Com base na opinião vulgar, justifica a não abertura do processo e ainda alega que a razão é jurídica.
A mais intrigante especificidade política de um impeachment está aí: ao contrário de um promotor ou de um juiz, que não podem não processar um crime comum, exceto por razões jurídicas, a Câmara dos Deputados pode decidir que um processo por crime de responsabilidade não é conveniente, mesmo havendo grande consenso sobre o crime. Ao invocar um palpite jurídico qualquer sobre o crime, tentam se eximir da responsabilidade política pela inércia.
O procedimento da Câmara dos Deputados, ainda por cima, dá ao seu presidente o poder de, à revelia do plenário, bloquear o impeachment. E passamos o último ano sem poder escrutinar publicamente crimes de responsabilidade de Jair Bolsonaro com base no "acho que não" de Rodrigo Maia. Arthur Lira não hesitará em usar do mesmo expediente. O argumento jurídico virou uma pechincha.
Antes de julgar e punir, investigar e argumentar. Temos sido sonegados dessa oportunidade elementar.
*Conrado Hübner Mendes é professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Folha de S. Paulo: Bolsonaro planeja reforma ministerial a conta-gotas para testar fidelidade de centrão
Presidente foi aconselhado a nomear agora dois indicados de siglas aliadas e a deixar mais mudanças para o segundo trimestre
Gustavo Uribe, Daniel Carvalho e Thiago Resende, Folha de S. Paulo
Com a vitória de dois aliados para comandar o Senado e a Câmara, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) discute agora fazer uma reforma ministerial a conta-gotas para testar a fidelidade dos partidos do centrão à pauta governista.
O presidente ouviu de ministros que participam da articulação politica que, neste primeiro momento, a abertura de um espaço amplo para a base aliada na Esplanada dos Ministérios pode ter efeitos indesejados no futuro.
O primeiro deles é o risco de sofrer traições em votações de projetos, já que hoje a ocupação de espaços não está vinculada diretamente à pauta governista.
Para evitar surpresas negativas, a estratégia defendida é a de que o presidente só entregue os cargos prometidos após a aprovação de propostas prioritárias.
O segundo efeito é a possibilidade de que um pagamento integral da fatura estimule os partidos do centrão a exigir mais espaço no primeiro e no segundo escalões em um futuro próximo, obrigando o presidente a entregar mais cargos do que o pretendido inicialmente.
Para evitar esses efeitos colaterais em médio prazo, a ideia avaliada por Bolsonaro é, neste primeiro momento, nomear indicados dos partidos aliados em apenas duas pastas: Cidadania e Desenvolvimento Regional.
A primeira seria usada para fazer um aceno à Câmara, e a segunda, uma sinalização ao Senado.
Na segunda-feira (1º), Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e Arthur Lira (PP-PI) venceram com grande vantagem seus adversários no Senado e na Câmara, respectivamente, após intervenção do Palácio do Planalto, que ofereceu emendas e cargos.
Apesar das vitórias expressivas, o Planalto ainda não sabe o tamanho real de sua nova base aliada, já que os 302 votos recebidos por Lira (de 513 deputados) e os 57 que elegeram Pacheco (de 81 senadores) não são, necessariamente, de parlamentares bolsonaristas.
Para abrir espaço na pasta da Cidadania, como a Folha noticiou no mês passado, a ideia é transferir o ministro Onyx Lorenzoni (DEM) para a Secretaria-Geral, que desde o início do ano está sem ministro efetivo.
Para acomodar Onyx, a pasta deve ser desidratada, perdendo o comando da SAJ (Subchefia para Assuntos Jurídicos), que passará a ser vinculada diretamente ao gabinete presidencial.
Para o comando da Cidadania, o favorito é o deputado federal Márcio Marinho (Republicanos-BA), que integra a bancada evangélica e é próximo do presidente nacional do Republicanos, Marcos Pereira (SP). A legenda se alinhou a Lira após indicações de cargos na máquina federal.
Marinho foi líder do partido em 2016, quando o Republicanos, na época ainda chamado de PRB, desembarcou do governo Dilma Rousseff (PT) e anunciou apoio ao impeachment da petista. Um dos pontos de discordância alegados era a política econômica.
No ano passado, ele defendeu a ampliação do auxílio emergencial para atender também a profissionais do setor cultural, o que sofreu resistência da equipe econômica.
O Ministério da Cidadania foi responsável pelo pagamento do auxílio financeiro e cuida do programa Bolsa Família, que, no planos do governo, deve ser reforçado.
Já o comando de Desenvolvimento Regional foi oferecido ao agora ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP), que recusou o convite. Ele, porém, quer indicar um aliado para o posto.
O principal nome avaliado por ele para a posição é o do líder do governo no Congresso, o senador Eduardo Gomes (MDB-TO).
A nomeação dele serviria como uma compensação ao MDB, partido com a maior bancada do Senado, e que, após pressão do Palácio do Planalto, abriu mão do apoio à candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) ao comando da Casa.
Pela nova estratégia do governo, as demais mudanças em pastas ministeriais ficariam para o segundo trimestre deste ano, período em que o Planalto pretende aprovar a reforma administrativa, formulada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
O segundo pacote de mudanças pode envolver, por exemplo, a recriação do Ministério do Esporte e a alteração no comando da Saúde. Para o primeiro posto, a principal cotada é a deputada federal Celina Leão (PP-DF), aliada de Lira.
Para o segundo, é defendido desde o ano passado o nome do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), que foi ministro da pasta durante o governo de Michel Temer (MDB). O nome dele já foi citado em reunião recente promovida na Casa Civil.
Bolsonaro ainda não decidiu se irá recriar a pasta de Indústria e Comércio, desmembrando a estrutura da Economia. Caso ele leve adiante a proposta, mesmo a contragosto de Guedes, a ideia é que ela seja entregue também ao Republicanos.
Apesar da pressão pela saída do ministro de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o presidente tem sinalizado que não fará mudanças por ora. Bolsonaro, contudo, não descarta trocá-lo a qualquer momento caso o desgaste da imagem dele se agrave.
Para o Itamaraty, três nomes são avaliados, sendo dois embaixadores: André Corrêa do Lago, hoje na Índia, e Nestor Forster, nos EUA.
O primeiro é neto do diplomata Oswaldo Aranha e ajudou a destravar o transporte das vacinas da Índia. O segundo tem o apoio do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).
Com a indicação, além de nomear alguém de sua confiança para o cargo de ministro, o presidente sinalizaria ao governo do novo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, uma mudança de postura ao escolher um novo chanceler.
Uma terceira opção em análise é o nome do atual secretário de Assuntos Estratégicos, almirante Flávio Rocha. Além de falar cinco idiomas, o militar já foi enviado pelo presidente para missões diplomáticas no Líbano e na Argentina.
Maílson da Nóbrega: Como Bolsonaro prejudica o Banco do Brasil
É o primeiro presidente a interferir na gestão administrativa do BB. Isso tem consequências
Dias atrás noticiou-se que o presidente Jair Bolsonaro iria demitir o presidente do Banco do Brasil (BB), André Brandão, no cargo havia apenas quatro meses. Motivo: sua irritação com o anúncio, pelo BB, de um programa de demissão voluntária, que estimava a adesão de 5 mil funcionários, e o fechamento de 112 agências. As ações do banco despencaram na B3.
Bolsonaro já havia interferido na gestão do BB. Em 2019 mandou o banco suspender a veiculação de um comercial de TV que buscava atrair grupos jovens, até mesmo com apelo a questões de raça e gênero. O vídeo recebeu elogios de especialistas, mas irritou um presidente sensível a pautas de costumes e ignorante da realidade do banco.
Nesses dois casos, o BB seguia estratégia para se manter competitivo no sistema bancário. Essa realidade foi iniciada a partir de 1986, quando o banco perdeu o acesso à “conta de movimento”, um mecanismo que lhe conferia suprimento automático, ilimitado e sem custos de recursos do Banco Central (BC).
Com o tempo, a “conta de movimento” tornou-se insustentável. Ela provocava emissões de moeda, que precisavam ser neutralizadas pelo BC, mediante venda de títulos públicos federais. Os empréstimos do BB impactavam o endividamento da União e eram fonte de pressões inflacionárias. A “conta de movimento” foi extinta em 1986.
Essa mudança criou um desafio para o BB, o de sobreviver sem o acesso fácil e grátis a recursos do BC. O risco de falência foi evitado mediante injeção de capital da União, nos anos 1990. De lá para cá, o banco modernizou-se, adotou novas práticas gerenciais e ajustou sua estrutura à nova realidade.
Hoje, o novo desafio é adaptar-se a um ambiente crescentemente competitivo. O BB tem de se preparar, via eficiência, para concorrer com seus pares no setor privado. Seus concorrentes têm reduzido quadros de pessoal e fechado agências. As medidas do BB eram coerentes com essa realidade.
Nada disso foi inteiramente absorvido por grande parte da classe política, que ainda enxerga o BB pelas lentes dos tempos da “conta de movimento”. De tempos em tempos surgem pressões para que o banco amplie seus empréstimos a juros abaixo do mercado ou para que seja utilizado para forçar os bancos privados a reduzir suas taxas de juros, como se continuasse a obter recursos no BC, sem custos. Dilma Rousseff deu ordens ao banco para emprestar mais a juros camaradas, impactando sua rentabilidade. Bolsonaro parece ter a mesma visão ultrapassada. Pior, vem mostrando não entender os poderes do acionista controlador. É o primeiro presidente a interferir na gestão administrativa do banco.
A demissão do presidente do BB, ao que se diz, foi suspensa por conselho dos que alertaram Bolsonaro sobre os riscos da imprudência. Acionistas minoritários nacionais e estrangeiros poderiam buscar a responsabilização administrativa ou judicial do presidente, alegando o crime de abuso do controlador.
O BB tem naturalmente dificuldades de competir com os bancos privados, dados os custos que lhe são inerentes. Entre eles, pode-se mencionar a sede em Brasília, que desconsidera as características de sistemas financeiros em todo o mundo, qual seja, a concentração em certas cidades, o que propicia economias de aglomeração. Os bancos se agregam em Nova York, São Francisco, Londres, Frankfurt, Zurique, Amsterdã, Paris, Roma e outras praças relevantes. No Brasil, isso ocorre em São Paulo.
Além disso, o Banco do Brasil está sujeito a outros ônus, como o de submeter-se às regras de concorrência pública para adquirir equipamentos e serviços, bem como à volatilidade administrativa derivada da substituição de sua diretoria ao sabor das mudanças de governo, ou mesmo antes, como já aconteceu na atual administração.
O mercado financeiro identifica e precifica os riscos da interferência do governo no BB. As ações do banco sofrem um desconto em relação aos seus principais pares do sistema bancário. O desconto médio tem oscilado em torno de 30%, mas costuma subir em momentos de intervenção governamental. Passou de 50% em 2015-2016, quando a presidente Dilma Rousseff deu ordens para o banco aumentar empréstimos e reduzir juros. Agora chegou perto disso, com o voluntarismo inconsequente de Bolsonaro. No começo do governo Lula, o BB chegou a exibir um prêmio sobre as ações de seus concorrentes privados, quando a percepção era de que não havia ingerência externa na sua gestão.
A demissão do presidente do BB foi evitada, mas a possibilidade de sua ocorrência neste governo pode ter deixado consequências. O presidente do BB, detentor de uma carreira bem-sucedida em importantes bancos privados, deve ter-se dado conta de que não dispõe da autonomia que lhe fora assegurada quando do convite para dirigi-lo. Doravante terá de pensar duas ou mais vezes quando tiver de tomar decisões, avaliando quais delas poderiam excitar os instintos intervencionistas e autoritários do presidente. É um novo custo. O mal está feito.
SÓCIO DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA, FOI MINISTRO DA FAZENDA
Afonso Benites: Lira acomoda oposição, mas acordo reduz participação de mulheres
Grupo do novo presidente do Legislativo aumentou de 3 para 4 membros na Mesa Diretora. Oposição terá duas vagas e só uma ocupada por uma mulher. Depois de ameaças, grupo de Baleia Rossi não levou tema ao STF
Primeiro bate. Depois assopra. Assim foram as primeiras 24 horas da gestão do neobolsonarista Arthur Lira (PP-AL) na Presidência da Câmara dos Deputados. Temendo a judicialização de um tema interno do Legislativo, o parlamentar alagoano líder do Centrão deu um passo atrás e desistiu de cancelar todas candidaturas dos membros do bloco opositor ao seu na disputa pelo comando da Casa. Na reunião de líderes, Lira chegou a um denominador comum com outras lideranças em que seu grupo político acabou ganhando quatro vagas dentre as seis da Mesa Diretora. As outras duas, acabaram com os apoiadores de Baleia Rossi (MDB-SP).
Até a noite de segunda-feira, as seis cadeiras seriam divididas igualitariamente, três para cada bloco parlamentar. No entanto, assim que eleito, Lira decidiu invalidar a inscrição do grupo de Baleia Rossi e embaralhou o jogo. O motivo foi que o PT havia entregue seus documentos de inscrição da chapa seis minutos além do horário permitido, o qu, na sua visão, causaria um vício formal ao processo, mas mesmo assim foi aceito por Rodrigo Maia. Sua estratégia era ocupar cinco das seis vagas ainda em disputa da Mesa Diretora. Diante da repercussão, nesta terça-feira, negociou a nova configuração. Alguns deputados disseram que ele chegou querendo imprimir o seu tom à administração, que oscila entre a firmeza e a abertura ao diálogo. “O ato foi necessário, não para dar um pé na porta, mas um freio de arrumação”, afirmou minutos após ser eleito em entrevista à emissora CNN Brasil.
A solução de Lira resultou que a Mesa Diretora será ocupada assim: o PL indicará a primeira-vice-presidência, o PSD, a segunda. A primeira secretaria, que é responsável pelo orçamento da Casa, será do PSL. A segunda secretaria fica com o PT. A terceira, com o PSB. E a quarta, com o Republicanos. Desses, apenas petistas e peessebistas não são originalmente do grupo de Lira. Com a nova composição, o PSDB e a REDE acabam excluídos do processo.
Na nova configuração, também há uma considerável redução da participação feminina na cúpula gerencial da Câmara. Antes, havia a expectativa que três dos seis postos chaves ―excluindo a presidência― fossem ocupados por mulheres. Agora, apenas o nome de Marília Arraes, pelo PT, deverá figurar entre as dirigentes da Casa. Antes as outras indicadas seriam Rose Modesto (PSDB-MS) e Joenia Wapichana (REDE-RR). Havia um simbolismo nessas nomeações, já que apenas 15% da Câmara é ocupada por mulheres. No caso de Joenia, ela seria a primeira indígena a ocupar um cargo de comando na Casa.
Tradicionalmente, a ocupação dos cargos na Mesa Diretora ocorre de maneira proporcional. Ou seja, os maiores partidos ou blocos partidários indicam quem ocupará cada função. Se a decisão de implosão do grupo de Baleia persistisse como ameaçou Lira, apenas o PT entre os dez apoiadores de Baleia Rossi poderia indicar um membro. Como quem estivesse doutrinando os seus pares, Lira disse ao final do encontro dos líderes partidários que espera que os deputados tenham entendido como serão tomadas as decisões de sua gestão. “Nós trataremos democraticamente, sempre por maioria, ou decisões da Mesa ou decisões do colégio de líderes. Nada mais de decisões isoladas, como dissemos durante a campanha”, afirmou aos jornalistas.
Com a decisão da madrugada, os parlamentares que se sentiram prejudicados ameaçaram ingressar com uma ação conjunta no Supremo Tribunal Federal, o que não ocorreu em decorrência da composição ajustada por Lira e os líderes ao longo da tarde.
Por que a disputa?
Essas funções de dirigentes na Câmara são consideradas estratégicas pois, por meio delas, os parlamentares ganham destaque midiático, podem contratar assessores comissionados e administram orçamentos internos. Além de substituir o presidente, o primeiro-vice-presidente da Câmara é o responsável por analisar os requerimentos de informação a outros órgãos públicos. O segundo-vice analisa os pedidos de reembolso de despesas dos deputados e age como uma ponte institucional com órgãos dos Legislativos de Estados e Municípios.
O primeiro-secretário é uma espécie de prefeito da Câmara. O segundo zela pelas relações internacionais da Casa, o que inclui a emissão de passaportes para os deputados e o estágio universitário. O terceiro-secretário analisa requerimentos de licença e justificativas de ausência dos parlamentes assim como dá autorização prévia de reembolso de despesas com passagens aéreas internacionais. Já o quarto-secretário controla os apartamentos funcionais da Casa.
Cláudio Gonçalves Couto: Quando o rabo abana o cachorro, ou a eterna volta do Centrão que nunca se foi
Pressionado pelas ameaças de impeachment e pelas investigações que o acossam, Bolsonaro inverteu a lógica do presidencialismo de coalizão com as eleições de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco
Durante seu primeiro ano e meio de mandato, Jair Bolsonaro tentou cumprir uma promessa impossível que fez a seus eleitores, mas que a bem da verdade fez mesmo foi a si próprio: governar sem base de sustentação no Congresso. No país do presidencialismo de coalizão, Bolsonaro fez muitos crerem (e talvez ele mesmo tenha acreditado) que montar uma coalizão presidencial decorreria de uma escolha do presidente, em vez de ser uma imposição institucional. O apoio desbragado de seu Governo a Arthur Lira na Câmara e a Rodrigo Pacheco no Senado mostraram que, ao menos momentaneamente, o chefe de Governo cedeu à realidade do funcionamento de nosso presidencialismo multipartidário.
A coalizão que Bolsonaro agora monta, contudo, tem lá suas particularidades. Primeiramente porque, diferentemente de seus antecessores, o atual mandatário não dispõe de um partido que possa capitanear essa aliança. Sarney contou com o velho PMDB, FHC com o PSDB e Lula com o PT. Jair dinamitou as relações com a legenda de ocasião pela qual se elegeu e para cujo inchaço contribuiu —o PSL. No lugar dela, ficou sem nada, já que a tentativa de construir o Aliança pelo Brasil naufragou miseravelmente. O resultado imediato desse fracasso foi o grande fiasco presidencial nas eleições municipais, em que o presidente não dispôs de uma agremiação sua, que pudesse fazer crescer e reforçar sua base país afora —para além do insucesso quase geral dos candidatos avulsos apoiados por ele.
O outro desdobramento dessa situação aparece agora. O presidente é mais caudatário de uma coalizão legislativa à qual aderiu do que o contrário. Durante obiênio de Rodrigo Maia se falava em parlamentarismo branco, uma analogia imprecisa para descrever o que era, na realidade um Governo congressual. Nesse contexto, o Executivo, indisposto a articular uma base parlamentar e incapaz de liderar o processo legislativo, reivindicava os méritos pela aprovação de medidas que, embora convergissem com sua agenda na área econômica, eram aprovadas mais a despeito do que graças ao Governo. Não à toa colheu seguidas derrotas na derrubada de vetos, caducidade de medidas provisórias e irrelevância congressual da pauta reacionária de costumes.
Pressionado pelas ameaças de impeachment e pelas investigações que o acossam, acossam seus familiares e apoiadores radicais, Bolsonaro inverteu a lógica do presidencialismo de coalizão, em que os partidos do assim chamado Centrão aderem ao Governo do dia em troca de benesses estatais —razão pela qual entendo que sejam mais bem definidos como partidos de adesão. Em vez disso, é Bolsonaro que adere a eles, mostrando que por vezes, na política, ocorre de o rabo abanar o cachorro.
Tal inversão é reveladora não só da fragilidade estrutural desse Governo —dependente que é da proteção dos partidos de adesão por meio de uma coalizão defensiva—, mas também do quão tênue é a conversão de Bolsonaro à moderação democrática inerente ao presidencialismo de coalizão. O presidente da segunda metade do mandato não se tornou mais comedido; apenas recuou. Para isso, lançou mão dos vultosos recursos disponibilizados pelo “orçamento de guerra” da pandemia para cooptar a maioria que elegeu Arthur Lira, provocando rachas em partidos que até então mantinham certa independência com relação ao Executivo, como o DEM, o PSDB e o MDB.
O caso do DEM é particularmente notável e merece comentário à parte. A agremiação logrou, durante os anos petistas, manter-se na oposição. Isso levou à sua diminuição congressual, com parlamentares menos programáticos abandonando o barco e rumando para os partidos de adesão que constituíram a base fisiológica das coalizões petistas (PP, PL/PR, PTB, PRB, PSD, PMDB). A longa travessia no deserto pareceu ser recompensada com a entrada no Governo Temer, a conquista da presidência da Câmara por Rodrigo Maia e o bom desempenho nas últimas eleições municipais. Ou seja, o DEM mostrou não se tratar de um partido de adesão —à diferença do PMDB. Mas eis que agora o partido sucumbe ao fisiologismo e ao regionalismo (notadamente o baiano), embarcando de vez na nau adesista. Embora tenda a render frutos no plano regional, tal manobra reduz muito a capacidade do partido de liderar uma coligação competitiva nas próximas disputas presidenciais. Afinal, partidos programaticamente invertebrados têm dificuldade de se incumbir dessa tarefa.
É bem verdade que para esse desfecho contribuiu decisivamente o estilo imperial e a voracidade de Rodrigo Maia. Ao mesmo tempo que se indispôs com os colegas de Câmara, dispensando-lhes mais desdém do que atenção, apostou demasiadamente na possibilidade (sempre algo dissimulada) de uma nova recondução à presidência da Casa. Seu fracasso nesse intento acabou por levar de roldão também as pretensões de seu colega de partido e então presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Com isso, Maia não apenas se isolou no DEM e fora dele, mas perdeu o timing para construir sua sucessão. Quando tentou fazê-lo, Lira já estava muitas braçadas à frente, contando ainda com o substancial auxílio da busca aflita do Governo por proteção congressual. Ambição em excesso (como na relutância em construir um sucessor para valer) e não fazer as coisas no tempo certo são dois erros mortais que frequentemente acometem políticos até então bem-sucedidos, mas inebriados com o próprio sucesso. Costumam custar caro, como mostram tantos casos na história.
A questão agora é saber se o Governo Bolsonaro terá mais do que proteção congressual, ao menos enquanto compensar para os partidos de adesão e suas lideranças se manterem atrelados ao barco governista. No Senado, a maioria que elegeu Pacheco contra a candidata identificada com o lavajatismo, Simone Tebet, congrega forças que estão muito longe de apoiar o bolsonarismo e suas agendas —como PT, PDT e Rede. Na Câmara, embora Lira não tenha tido o apoio dos partidos da oposição de esquerda, contou com votos que ultrapassam em muito as hostes bolsonarescas, e que dificilmente se repetirão quando (e se) temas da pauta reacionária de costumes forem a votação. Ou seja, uma coisa é ter apoio suficiente para evitar um impeachment, CPIs incômodas e outras iniciativas tormentosas —ou seja, uma base defensiva. Outra, bem diferente, é fazer avançar uma agenda própria altamente controversa, contando para isso com os votos de uma coalizão que o Governo não lidera, pois em vez de ela ter aderido a ele, foi ele que aderiu a ela.
E tudo isso, claro, sem contar com a forma como tal base se comportará caso se mantenha a queda de popularidade do atual presidente. Nessa frente, as perspectivas não são das melhores, tendo em vista a situação econômica, a condução na pandemia e, por último, mas não menos importante, a decepção que Bolsonaro provocou em boa parte de seus antigos eleitores ao fazer justamente aquilo que prometera combater: a velha política do Centrão —ainda que em sua versão invertida.
*Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV EAESP, produtor do canal do YouTube e podcast ‘Fora da Política Não há Salvação’.
Fernando Exman: Crônica de uma vitória anunciada
Depois de Cidadania e Saúde, aliados cobiçam Educação
Há meses não se via um movimento daqueles, em plena segunda-feira pandêmica, na conhecida “rua dos restaurantes” da Asa Sul.
Localizado a dez minutinhos do Congresso - de carro, claro, para enfrentar a precária mobilidade urbana da capital federal -, o endereço tornou-se um destino tradicional de parlamentares na hora do almoço ou depois das votações. Nos últimos meses, contudo, os carros oficiais viraram objeto raro na paisagem.
Uma exceção foi justamente a última segunda-feira. A exigência legal de que as eleições para as mesas diretoras da Câmara e do Senado fossem realizadas presencialmente deu um alívio não só para os caixas dos restaurantes ali instalados, como ajudou também quem foi atrás de informação.
Motoristas à espera, deputados e dirigentes partidários comendo, confabulando. Preparavam-se para as sessões que dali a algumas horas definiriam a nova cúpula do Legislativo. O maior distanciamento entre as mesas não prejudicava quem tentava aproveitar o descuido de alguma excelência um pouco mais incauta.
À frente, um dirigente partidário falava baixo com seu interlocutor. Nada feito. Ao lado, guarda baixa. E o assunto era um só: a perspectiva de vitória dos candidatos governistas, que se confirmaria em breve.
“Bolsonaro vai fazer barba e cabelo. Só não vai fazer o bigode porque não tem uma terceira Casa. Se tivesse bigode, faria também”, falava em voz alta um deputado do Nordeste aos companheiros de mesa. Ele dizia possuir uma lista dos colegas da bancada estadual que, embora tivessem sinalizado apoio a Baleia Rossi (MDB-SP), votariam com ele em Arthur Lira (PP-AL). Inclusive de siglas de esquerda. “Este aqui só disse que vai no Baleia para não perder a chance de ser líder do partido dele, para não perder apoio interno.”
Um dos interlocutores creditou a vitória à experiência acumulada pelo presidente Jair Bolsonaro em seus quase 30 anos como deputado federal: alguém que, nas suas palavras, foi do baixo clero, sabe o que a massa de deputados quer e espera receber do governo. Qualquer governo. E de fato Bolsonaro usou as armas que estavam disponíveis no paiol da Secretaria de Governo, distribuição de emendas e cargos, para emplacar dois parlamentares próximos no comando do Congresso.
Mesmo assim, no Executivo existe a consciência de que fidelidade, nesse tipo de relação, sobretudo com partidos do Centrão, vai até certo ponto. Esta foi a dura realidade enfrentada por governos anteriores, mas na ótica de autoridades do atual governo era o preço a ser pago para que o poder da Presidência da República pudesse ser exercido com amplitude. Contou também, claro, a necessidade de reduzir os riscos de um processo de impeachment ser acolhido.
No governo, há um sentimento de relativa frustração com a demora no avanço das pautas defendidas na campanha de 2018, tanto na área econômica como na agenda de costumes ou de flexibilização no acesso a armas e munições, para citar alguns exemplos caros ao presidente e ao seu eleitor mais fervoroso. Passada a disputa pelo comando do Parlamento, portanto, não haveria mais por que esperar para destravar uma série de votações que vinha sendo postergada por causa da disputa política pelo comando da Câmara, pelas eleições municipais e, depois, pelo recesso.
Aliados do novo presidente da Câmara dos Deputados reconhecem a importância do Planalto nas articulações que levaram à vitória de Arthur Lira, mas destacam o trabalho feito meses a fio pelo próprio candidato e seu grupo. Entre eles, existe a convicção de que a vitória ocorreu a despeito da imprensa, dos formadores de opinião, e que o mercado financeiro precisaria aceitar o resultado do pleito, qualquer fosse ele, para então necessariamente construir uma boa convivência - e interlocução - com o sucessor de Rodrigo Maia (DEM-RJ).
Durante a campanha, eles reconheciam que Maia sempre teve um melhor diálogo com os principais agentes do mercado. O agora ex-presidente da Casa fala a mesma língua do ministro da Economia, Paulo Guedes, o que permitiu, inclusive, que eventuais desentendimentos entre os dois pudessem ser superados em determinados momentos. No entanto, às vésperas da eleição integrantes do grupo de Lira passaram a dizer que consideravam incabível o fato de parte do setor privado ver na candidatura adversária mais previsibilidade para a economia, até porque Baleia Rossi havia formado seu bloco com partidos de esquerda.
No Senado, a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) contou com o já conhecido impulso vindo do Palácio do Planalto, mas também foi construída com o apoio de parlamentares que se opõem a algumas das pautas que visam a redução do tamanho do Estado.
Isso não quer dizer que Lira e Pacheco ignorarão o que a equipe econômica disser. Pelo contrário. Ambos pretendem construir saídas conjuntas com Guedes e prometem respeitar o teto de gastos. É provável, entretanto, que ouçam mais a ala política do governo e busquem mais convergências com o próprio presidente.
O ministro Luiz Eduardo Ramos tende a sair fortalecido do processo eleitoral. Depois de ser alvo de insistentes especulações sobre uma eventual exoneração, o chefe da Secretaria de Governo, articulador político do Planalto, pode colocar no currículo sua participação no estado maior dessas duas campanhas vitoriosas.
Onyx Lorenzoni deve mesmo deixar o Ministério da Cidadania para retornar ao núcleo decisório do Planalto. Se conseguir manter a Subchefia para Assuntos Jurídicos sob a Secretaria-Geral, terá controle sobre todo e qualquer ato publicado no “Diário Oficial da União”. A SAJ historicamente foi um braço da Casa Civil, mas foi realocada na atual administração. É um instrumento poderosíssimo e coloca seu detentor muito próximo ao presidente.
A sinalização de Bolsonaro de que não haverá recriação de ministérios já fez com que os interesses da base se voltassem para as pastas da Saúde e da Educação. Agora que ele adotou para valer o presidencialismo de coalizão, será a vez do Centrão fazer barba, cabelo e bigode, até que se defina a pauta que será tocada até o fim de 2022.
Rosângela Bittar: Quadrilha
Dominado por Jair Bolsonaro e Centrão, o ambiente político é irreversivelmente estéril
É com profundo sentimento de pesar que se anuncia o fim dos tempos. Sejam das reformas, da rotina política ou tudo o mais que tenha vida ou inspire esperança. Inclusive as soluções para o grande desafio da pandemia.
O ambiente político, dominado por Jair Bolsonaro e Centrão, é irreversivelmente estéril. Sem espaço para avanços ou reformas. Nem a administrativa (como enquadrar o funcionalismo com rigor em meio ao vale-tudo?); nem privatizações (conseguirão vender empresas por eles loteadas?); ou reforma tributária (é lícito perder receita para um projeto liberal que não existe?).
O Congresso renunciou à sua agenda própria. Enfraquecido, dividido e sob nova direção, restou ao Parlamento submeter-se à agenda do Executivo.
O governo, também fragilizado, não consegue adesões, sequer internamente, para suas propostas. O ministro Paulo Guedes é satélite e está estacionado há tempos. Seu anunciado pacote econômico não tem respaldo nem do próprio presidente.
A sucessão na Câmara e no Senado esgotou qualquer capacidade de ação coletiva. Nada se pode esperar além da aprovação de um orçamento caviloso e da indispensável bolsa social de sobrevivência no caos.
A lei é a do mercado persa. Vale tudo para vender.
Como nos versos da Quadrilha do poeta Drummond, o círculo é vicioso. Os elos, porém, não são de amor, mas de oportunismo.
Parlamentares negociam o mandato para fazer caixa eleitoral e alimentar sua campanha de reeleição. É só o que interessa nesses dois anos finais da legislatura. Com os bolsos cheios, fidelizam prefeitos. Uma vez reeleitos, voltam à boca do caixa e começam a vender tudo de novo. E assim sucessivamente: Jair paga a Arthur, que sacia o bando, que transfere ao prefeito, que elege o deputado, que vende seu voto ao governo, que financia a campanha.
Bolsonaro adquiriu com o Centrão o primeiro estágio do projeto da própria reeleição, além de miudezas do seu passivo judicial. Como, por exemplo, o engavetamento do impeachment e a suspensão das CPIs, a das Fake News e a dos crimes de gestão da pandemia.
Numa operação triangular, o Congresso pode ter levado de volta ao estoque um produto encalhado, a CPI da Toga. Quem sabe não conseguirá empacotar junto o comando dos três poderes para quitar sua fatura?
No varejo, há vistosos produtos de safra, indiferentes para o Centrão, mas que valem ouro no Palácio do Planalto. O armamentismo, por exemplo, é um. A macabra licença para matar, outro.
Os brasileiros não estão preocupados com os destinos de Rodrigo Maia, com a sorte de Simone Tebet, ou o sucesso de um futuro projeto democrático à sucessão presidencial. Para isso há tempo.
Tebet foi derrotada por ser candidata da Lava Jato. O deputado Rodrigo Maia perdeu na rasteira habitual de ACM Neto. Pedra cantada há duas semanas: Neto foi visto em festa com Bolsonaro num palanque entre Alagoas e Sergipe, em inauguração da ponte de Propriá. A Bahia, ausente do fato, estava na foto.
Neto já se opusera à primeira disputa da presidência da Câmara por Maia. Quando apoiou o candidato do então presidente Temer, Rogério Rosso, sentenciou sua filosofia: em eleição para presidente da Câmara não se fica, jamais, contra o candidato do presidente da República.
Além do mais, sua disputa pessoal com Maia é antiga e nos últimos anos a balança pendeu para o presidente da Câmara. Chegou ao momento de decisão. Ao destruir Maia, o demista baiano fez uma opção oportuna pensando no seu futuro. Quem sabe a associação Bolsonaro-Lira não representará sua bala de prata na próxima batalha com o PT, que, por acaso, tem na Bahia sua base estadual mais sólida?
Já aos brasileiros em geral sobra o bizarro desafio de apreciar a fusão das táticas milicianas do governo Bolsonaro com a súbita aparição de um novo protagonista alagoano.