oscar
Revista Online | Cinema = Arte + Tecnologia – Uma fórmula esquecida?
Lilia Lustosa*, crítica de cinema, especial para a revista Política Democrática online (52ª edição: fevereiro de 2023)
É chegada aquela época do ano em que os cinéfilos de plantão ficam ansiosos para saber quais são os melhores filmes e os melhores profissionais da indústria cinematográfica da temporada. Já tivemos o Globo de Ouro, o Critics Choice Awards, o BAFTA (do Reino Unido), e, muito em breve, teremos os César (França), os Ursos de Berlim e o tão esperado Oscar. Um prêmio que já foi considerado o mais glamoroso de todos por ser outorgado justamente pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, suprasumo do sonho hollywoodiano.
Acontece que, há alguns anos, esta premiação, que deveria justamente enaltecer aquelas obras que apresentam a melhor combinação entre arte e tecnologia, vem se transformando em algo extremamente difícil de entender. O Oscar se converteu em um prêmio que se pretende politicamente correto, alinhado a seu tempo, mas que é, ao mesmo tempo (e antes de tudo), guiado pelo lobby dos grandes estúdios. Uma prática que foi ganhando cada vez mais força, importando muito mais o montante investido na campanha de divulgação do filme do que o filme em si.
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A temática abordada passou também a ter muito peso, tendo mais chance de serem premiadas aquelas tramas que se atêm à ordem do dia e que respeitam as pautas da atualidade. Até aí tudo certo. Mas e a arte e a ciência, onde ficam? O que estamos vendo ser premiado neste 2023? Sonho ou lobby? Temas da moda ou produções que seguem a antiga fórmula "cinema = arte + tecnologia"?
Se depender do número de indicações, o grande vencedor do Oscar seria Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, dos diretores Daniel Kwan e Daniel Scheinert, que, além de 14 nomeações, já levou o prêmio de melhor filme no Critics Choice Awards. O longa se divide entre a realidade do cotidiano burocrático e a ficção (quase científica e caótica) da mente humana, uma espécie de realismo mágico com pitadas de ficção científica com ar retrô. Uma bela e original análise do metaverso, tão na moda nos filmes e nas rodas de conversas da atualidade, mas com uma pegada diferente, excêntrica, bem humorada e crítica. Uma história que, em um primeiro olhar, não faz nenhum sentido, mas que, ao mesmo tempo, faz pensar tanto. Tradições, amor, relacionamentos, respeito, diferenças, quebra de expectativas, tudo está ali. Tudo que a vida poderia ter sido e não foi… e tudo que ela é também. A fórmula do cinema está ali bem presente. E os temas da moda também!
Outro forte candidato é Os Fabelmans, do já oscarizado Steven Spielberg, que, por sua vez, já levou prêmios importantes para casa: Globo de Ouro de melhor diretor e de melhor filme. Uma história simples, sem grandes originalidades, mas que abunda em sentimentos, delicadeza e precisão na técnica empregada. Uma autobiografia ficcionalizada que toca de forma elegante e respeitosa em questões muito íntimas do diretor, sem, no entanto, apresentar julgamentos de valor, nem ornamentos desnecessários. Um filme que opta por não mostrar a trajetória profissional de um cineasta consolidado, preferindo apresentar um homem (um gênio) em formação.
O grande "intruso" nesta lista de indicações parece ser a coprodução Alemanha-EUA-Inglaterra Nada de Novo no Front, quefez a proeza de levar 7 estatuetas no BAFTA, das 14 nomeações recebidas, incluindo as de melhor filme em língua não inglesa e a de melhor filme tout court. Uma produção que já tinha mostrado a cara em outras premiações, tendo, porém, até então ficado sem nenhuma estatueta. Para a cerimônia do dia 12 de março em Los Angeles, o “intruso" está nomeado em nada mais nada menos do que nove categorias. Uma história já laureada no passado, quando o longa dirigido por Lewis Milestone arrebatou os Oscares de Melhor Filme e de Melhor Diretor em 1930, ao levar para a telona a história, contada no livro de Erich Maria Remarque, sobre um jovem alemão que, aos 17 anos, se alista para defender seu país na 1ª Guerra Mundial. Uma história narrada pelos olhos do perdedor que, por meio de uma belíssima fotografia contrastando planos gerais super abertos com closes nas expressões faciais dos protagonistas, dá uma repaginada em um tema infelizmente super atual: a guerra e a perda de tantas vidas inocentes.
Alguns poucos filmes, porém, parecem ser unanimidade, como a animação Pinóquio, do mexicano Guillermo Del Toro, que já levou o Globo de Ouro, o Critics Choice e o BAFTA. Um exemplo perfeito do uso sa velha fórmula "arte + tecnologia" para discutir temas da atualidade: guerra, fortalecimento da extrema direita, ética, imperfeições, expectativas e tantas coisitas más.
Saiba mais sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de fevereiro de 2023 (51ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Revista online | Top Gun: Maverick – um voo de nostalgia
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)
Recentemente, uma sequela (sequel, em inglês) vem arrasando quarteirões e dando o que falar justamente por despertar na plateia aquela sensação gostosa de reviver o passado, de voltar no tempo, de reencontrar ídolos ou crushes da juventude. Top Gun: Maverick é uma explosão de nostalgia, com direito a Tom Cruise, Val Kilmer, Danger Zone (música de Kenny Loggins) e aquele sentimento de anos 1980 que invade por completo tela e mente.
Trinta e seis anos depois do sucesso de Top Gun: Asas Indomáveis (1986), longa-metragem que lançou Tom Cruise ao estrelato e garantiu seu lugar na cultura pop mundial, o novo Top Gun veio ainda melhor, mostrando que o tempo, às vezes, pode aprimorar uma obra, assim como faz com bons vinhos.
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Para dirigir essa sequela de peso, Joseph Kosinski foi o escolhido. Conhecido por sua aptidão no uso da computação gráfica – Tron: O Legado (2010) e Oblivion (2013) –, desta feita, o diretor americano optou por manter a estética e o estilo de seu predecessor, Tony Scott, filmando in loco, sem fundo verde. As cenas de abertura são exatamente como as do primeiro filme, incluindo a fonte utilizada para apresentar os créditos. Kosinski parece não ter querido deixar dúvidas sobre a filiação de seu Top Gun, prestando, ao mesmo tempo, bela homenagem ao diretor britânico que tirou sua própria vida em 2012. Kosinski agrega, porém, verniz de modernidade ao filme, aliando o que há de melhor na tecnologia atual ao realismo do cinema daqueles tempos. Em Top Gun: Maverick, os atores voam mesmo! Não é CGI. E mais, eles filmam também, já que nem diretor nem cinegrafista podiam acompanhá-los nos voos.
Para que os atores pudessem enfrentar tantos desafios, o próprio Maverick – ops! Tom Cruise – preparou um boot camp de três meses para deixar todos no ponto para subir nos aviões. Kosinski, por sua vez, instalou quatro câmeras dentro de cada jato, duas viradas para os atores e duas para fora, e ainda lançou mão de drones e aviões com a equipe de filmagem voando ao lado dos protagonistas. Uma proeza de realização e, sobretudo, de montagem, ponto alto do filme. As sequências de voos são de tirar o fôlego. Super-realistas e editadas à perfeição para fazer os espectadores voarem junto naqueles caças supersônicos.
O roteiro, talvez, seja o ponto mais fraco do longa. Mas isso já era no original. Afinal, a trama de Top Gun 1 é bem simples: piloto rebelde, com muito talento, mas que não gosta de obedecer às ordens. Entra para a equipe de elite da Marinha americana, a Top Gun. Por seu temperamento, vai acumulando inimigos e perdendo oportunidades na carreira. Para piorar a situação, em um momento de rebeldia aérea, acaba perdendo seu melhor amigo e parceiro de voo, Nick “Goose” Bradshaw (Anthony Edwards). Uma ferida difícil de cicatrizar e que vai apagar um pouco a chama de rebeldia de Pete “Maverick” Mitchell.
No filme atual, o capitão Maverick é um piloto de testes, estagnado na carreira e na vida. Ele é chamado para treinar a equipe escolhida para uma missão quase impossível. Os seis pilotos selecionados da Top Gun terão que eliminar um inimigo que não tem cara (russos, chineses?). Entre eles está Bradley “Rooster” Bradshaw (Miles Teller), filho de seu amigo Goose. Maverick vai viver um dilema: treinar o rapaz para que ele participe dessa missão suicida ou eliminá-lo do grupo, protegendo sua vida, mas impedindo-o, com isso, de alcançar seus sonhos?
Top Gun 2 traz à tona velhos sentimentos, fantasmas e medos, além de propor uma reflexão sobre a maturidade e a passagem do tempo. Não que Maverick tenha perdido a rebeldia, mas agora ela é mais pensada, contida, controlada. As transformações físicas também têm destaque. Nesse quesito, um momento especial é a aparição de Tom “Iceman” Kasansky (Val Kilmer), antigo inimigo de Maverick, que, por seu talento e conformação às regras, chega à diretoria da Top Gun. Na vida real, sabe-se que Val Kilmer passa por um momento difícil, tendo perdido a voz depois de um câncer de garganta. Mas a tecnologia do século 21 torna sua participação possível e emocionante.
Quem ficou de fora mesmo foi a música-tema do primeiro Top Gun, Take My Breath Away, interpretada pela banda Berlin. Para seu lugar, Hold My Hand foi especialmente composta, interpretada por ninguém mais, ninguém menos que Lady Gaga. Será que ela também leva o Oscar, como fez sua predecessora?
Mas o melhor de Top Gun: Maverick é que ele prescinde de conhecimento prévio do filme de 1986, sendo assim um excelente entretenimento também para os jovens de hoje. As explicações necessárias estão todas ali, permitindo que todos desfrutem dessa aventura banhada de sol oitentiano. Mas, se der, vale assistir ao primeiro Top Gun e, também, ao documentário Val (2021), dirigido por Ting Poo e Leo Scott. Eles podem acrescentar um tom de sépia às emoções do presente, fazendo tudo ganhar mais alma e sentido.
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.
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Revista online | Veja lista de autores da edição 43 (Maio/2022)
*Marco Aurélio Marrafon é o entrevistado especial da edição 43 da revista Política Democrática online. Advogado, professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), com estudos doutorais na Università degli Studi Roma Tre (Itália). É membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional (ABDConst).
*Luis Quesada é autor do artigo Os Índios atravessaram a Ponte!, artista visual multimídia, docente e doutor em Artes pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). É licenciado em Belas Artes pela Universidade de Granada (Espanha) e mestre em Produção e Investigação em Artes pela mesma universidade. Sua obra e pesquisa se desenvolvem sobre a perspectiva do hibridismo cultural e o estudo da identidade/alteridade com foco nas demandas político-artísticas socioambientais de criações que se envolvem com comunidades indígenas.
*Alberto Aggio é autor do artigo O caminho da América Latina é a democracia . Mestre e doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP). Professor titular em História da América pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), com pós-doutorado nas universidades de Valência (Espanha) e Roma3 (Itália). Dedica-se à história política da América Latina Contemporânea, em especial à história política do Chile. É o diretor do Blog Horizontes Democráticos.
* Mariana Valentim é autora do artigo Conquistas e desafios na luta contra a LGBTfobia no Brasil. Arquiteta, urbanista e empresária. Ativista trans, ocupa o cargo de vice-diretora executiva do Lola (Ladies of Liberty Association) Brasil e de conselheira do Movimento Livres.
*Lilia Lustosa é autora do artigo Novidades para o Oscar 2023. Será que agora vai? Crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL), Suíça.
*Sérgio Denicoli é autor do artigo Twitter, Musk e a economia da atenção. Pós-doutor em Comunicação pela Universidade do Minho (Portugal) e Westminster University (Inglaterra) e pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor dos livros TV digital: sistemas, conceitos e tecnologias, e Digital Communication Policies in the Information Society Promotion Stage. Foi professor na Universidade do Minho, Universidade Lusófona do Porto e UFF. É sócio-diretor da AP Exata, empresa que atua na área de big data e inteligência artificial.
*Beatriz Rodrigues Sanchez é autora do artigo Por que ainda precisamos do feminismo? Pós-doutoranda vinculada ao Programa Internacional de Pós-Doutorado (IPP) do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Doutora e mestra em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). É formada em Relações Internacionais pela mesma Universidade. É pesquisadora do Núcleo Democracia e Ação Coletiva do CEBRAP. Desde a graduação vem estudando temas relacionados às teorias feministas e à representação política das mulheres.
*Henrique Brandão é jornalista e autor do artigo Uma ficção bem real.
*Ivan Alves Filho é autor do artigo Um historiador cordial. Historiador licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Os mais recentes de suas dezenas de livros publicados são Os nove de 22: o PCB na vida brasileira e Presença negra no Brasil: do século XVI ao início do século XXI.
*José Luis Oreiro é autor do artigo A economia brasileira à deriva. Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília
* A Fundação Astrojildo Pereira detém os direitos da reportagem especial da edição 43: O desafio de um país que trata cultura com descontinuidade política.
Revista online | Novidades para o Oscar 2023. Será que agora vai?
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online (43ª edição: maio/2022)
Em março, a série documental 3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central estreou na Netflix Brasil e em vários outros países do mundo como parte da iniciativa Mais Brasil na Tela, pensada por essa gigante do streaming.
Assim como a série dirigida por Daniel Billio, nos últimos anos, várias foram as produções brasileiras que conseguiram chegar aos lares e olhos de uma multidão de espectadores de diversas nacionalidades. As plataformas de streaming, essas modernas ferramentas de exibição, têm sido fundamentais no processo de democratização das cinematografias de todo o mundo.
O cinema brasileiro vai-se tornando assim cada vez mais conhecido para além de nossas fronteiras, bem como nossos atores, que passaram a “existir” para o mercado internacional, ocupando mais e mais espaço nas produções estrangeiras. Wagner Moura, Rodrigo Santoro, Maria Fernanda Cândido são apenas alguns dos nomes a integrar elencos de grandes produções internacionais, como o do recém-lançado Animais Fantásticos: os Segredos de Dumbledore, em que a atriz brasileira interpreta Vicência Santos, uma das candidatas ao posto de Chefe Supremo da Confederação Internacional dos Bruxos.
Significaria isso que nossos filmes estão chegando com mais frequência às salas de cinemas de outras partes do globo? Ou estamos ainda limitados às bordas da tela pequena? Haveria alguma relação com nossos repetidos insucessos na hora de emplacar um candidato ao Oscar na categoria filme internacional?
Filmes de boa qualidade não faltam. Isso temos de sobra! O que falta mesmo são estratégias para posicionar nossos produtos nas prateleiras dos exibidores de todo o mundo, assim como nos palcos dos grandes festivais. É o velho problema da distribuição que nos persegue desde sempre.
O historiador e crítico de cinema Waldemar Dalenogare Neto tem sido enfático quanto aos erros cometidos na escolha do filme que representa o Brasil no Oscar a cada ano. O gaúcho é membro da Academia Brasileira de Cinema e Artes Audiovisuais e crítico legitimado na terra do Tio Sam, tendo-se convertido no primeiro sul-americano a entrar para a Critics Choice Association, organização que distribui anualmente os Critic’s Choice Movie Awards.
Recentemente, Dalenogare postou em seu canal de Youtube os novos critérios aprovados para o processo de escolha do candidato brasileiro ao Oscar. Ele fez parte de um grupo de estudos composto por profissionais de diversas áreas da indústria cinematográfica brasileira (produção, direção, marketing etc.), que desde dezembro passado vem debatendo as razões dos repetidos fracassos do Brasil na dita premiação e alternativas para reverter esse quadro.
Para Dalenogare, o que mais falta para que nosso candidato chegue à short-list é tempo. Tempo para que o filme selecionado faça sua campanha comme il faut. Afinal, como já comentamos repetidas vezes aqui, o Oscar é muito mais business do que arte. Infelizmente. Ganha quem investe mais no pré-Oscar, organizando sessões para críticos e diretores, participando dos circuitos alternativos de festivais e tornando assim mais visível sua produção. Se o país não estiver disposto a investir neste lobby é melhor nem participar, já que o processo é custoso e desgastante para todos os membros da equipe do filme selecionado. O objetivo é que o candidato consiga atrair a atenção de alguma major para que consiga uma boa distribuição em solo americano. Como aconteceu com CODA neste ano, que emplacou 3 prêmios para as 3 indicações recebidas, depois de investimento gigante da Apple.
Com isso em mente e tendo a valiosa participação de membros das equipes de Deserto Particular e de Babenco – nossos candidatos nos últimos anos –, ficou decidido que, para 2023, uma Comissão de Seleção [1] composta por 25 pessoas será montada, sendo 21 delas eleitas pelos membros da Academia e 4, por indicação de sua diretoria. Todos os filmes inscritos serão vistos pelos 25 membros, que terão a incumbência de selecionar 6 para uma segunda fase. Desses 6, deverá sair o candidato, não sem antes passar por mais uma sessão de debates. Importante: tudo isso acontecerá antes de setembro, para que o filme tenha a oportunidade (e o tempo) para circular pelas salas de cinema americanas e assim poder arrebanhar fãs e defensores.
Até o ano passado, o filme selecionado era eleito em uma única reunião, em que cada membro já chegava com seu voto pronto. Ou seja, havia muitos favoritismos, pouco tempo para debates e menos tempo ainda para que o candidato fizesse sua campanha nos EUA.
Que venha então um 2023 de muito sucesso! Parabéns à Academia Brasileira de Cinema por rever seus critérios e aprovar uma reformulação tão necessária. Quem sabe daqui a um ano não estarei aqui escrevendo sobre o Oscar que trouxemos para casa?
Sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e
Estética do Cinema pela Universidade de Lausanne (UNIL), Suíça.
** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática
online de maio de 2022 (43ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira
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Revista online | Conquistas e desafios na luta contra a LGBTfobia no Brasil
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Revista online | O caminho da América Latina é a democracia
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Revista online | Oscar e a tentação das majors
Lilia Lustosa*, especial para a revista Política Democrática online
No princípio eram as majors… Grandes estúdios produtores de filmes que detinham também o controle sobre sua distribuição e exibição. Eram cinco as empresas donas do processo filmográfico em Hollywood: Paramount, MGM, War ner Bros, RKO e 20th Century Fox. Como consequência, as Big Five, como eram conhecidas, dominavam também as premiações mais importantes, como o Oscar, que teve seu início em 1929.
Um belo dia, percebendo o esmagamento dos pequenos estúdios e a quase extinção das pequenas salas de cinema, alguns dos principais produtores independentes da época, entre eles Charles Chaplin, Walt Disney e Orson Welles, levaram o caso à Justiça. Foi o famoso “United States vs Paramount”, processo que chegou à Suprema Corte americana em 1948 e resultou em uma lei antitruste que obrigava as Big Five a se desfazerem de suas salas e ainda a acabarem com a prática de reserva de blocos. Ou seja, os filmes passavam a ser vendidos individualmente.
No cenário atual, pode-se dizer que as novas majors são as empresas de streaming, originalmente exibidoras, mas que, para não perderem espaço, se tornaram também produtoras e distribuidoras (Netflix, Amazon etc). Do mesmo modo que as produtoras, percebendo no streaming uma nova fonte de riqueza, criaram suas próprias plataformas de exibição (Disney+, Paramount+ etc).
O que presenciamos no Oscar deste ano foi uma verdadeira queda de braços entre essas majors, da qual saiu vencedora a Apple, uma das últimas a entrar no páreo. Uma evolução natural da indústria cinematográfica, que, no fim do século passado, entrou com tudo na era digital, porém, uma evolução que parece estar deixando a arte cinematográfica em segundo plano.
CODA - No Ritmo do Coração, que levou o Oscar de melhor longa-metragem, é um bom filme, um feel-good movie, como dizem os americanos, mas jamais uma produção para levar o prêmio máximo da noite. Ainda mais em um ano com tantos filmes de peso em competição! É certo que a questão da diversidade e a da inclusão contam na hora de atribuir os prêmios, e isso é de fato importante e louvável. Para completar, CODA é ainda bonito, daqueles filmes que fazem chorar. Mas, se fosse para premiar uma obra por sua proposta de inclusão ou pela quantidade de lágrimas por ela gerada, mais adequado seria outro tipo de Festival. O que deveria estar em jogo na maior premiação de Hollywood, concedida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, deveria ser, antes de tudo, a qualidade de cada um dos quesitos que compõem um filme: direção, fotografia, trilha sonora, montagem, roteiro etc. O trabalho de Jane Campion Ataque dos Cães, por exemplo, é algo de próximo à perfeição, quando se pensa em cada quadradinho que deve ser preenchido ao se realizar um filme. A fotografia é sublime, o roteiro, adaptado por ela mesma a partir do romance homônimo de Thomas Savage, é um espetáculo. Isso somado à sofisticação de cada enquadramento, à precisão de cada posicionamento de câmara, à trilha sonora dos deuses e ao elenco todo digno de Oscar, fazem de Ataque dos Cães um super candidato ao prêmio maior. Mas, apesar das 12 indicações recebidas, o filme acabou saindo apenas com o Oscar de melhor direção para Campion.
Estranho que a obra laureada com a melhor direção não tenha levado mais nenhum prêmio! Afinal, o diretor é o maestro, é o chefe de todas as decisões tomadas na realização do filme. Assim, por uma simples questão de lógica, a conta não fecha.
CODA, por sua vez, saiu com o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado pelo belo trabalho feito por Sian Heder, que conseguiu a proeza de superar o original francês A Família Bélier (2014). Justo! Da mesma forma que foi justo o prêmio de ator coadjuvante para Troy Kotsur. Ele o mereceu! E mereceu não por ser surdo, mas por ter trabalhado em nível de excelência. Já CODA sair com o Oscar de melhor filme me parece uma tremenda “forçação” de barra. Em qual quesito a refilmagem americana é superior a Ataque dos Cães ou a Belfast? Ou ainda a Duna, que levou seis estatuetas?
A explicação não está na técnica, nem na arte cinematográfica, mas no investimento feito pelas majors que estão por trás de cada um dos filmes. Ataque dos Cães é uma produção Netflix, e CODA é filha adotiva da Apple, uma produção independente cujo direito de distribuição foi comprado pela empresa de Steve Jobs. Em janeiro, quando pouco ainda se falava do filme, os empresários, percebendo as reações positivas da plateia, decidiram investir tudo e mais um pouco em sua promoção. Foram várias seções privadas para os críticos e membros da Academia, envios de presentes às pessoas mais influentes do meio e tal. Um lobby pesado que resultou em três Oscares para as três indicações recebidas por CODA, entre eles o prêmio máximo da noite, deixando a Netflix mais uma vez a ver navios.
Uma prova de que a Academia, que parecia estar tomando prumo nos últimos anos, caiu em tentação novamente e segue mordendo o fruto proibido. Pelo menos até a nova lei antitruste.
Saiba mais sobre a autora
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), Suíça.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de março/2022 (41ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
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Crítica de cinema aponta filme que completa percurso de sucesso
Cleomar Almeida, Coordenador de Produção da FAP
Testemunho singular de seu tempo, o filme Nomadland, de Chloé Zhao, completa um percurso de sucesso, tendo vencido também quatro prêmios Spirit, os “Oscars” do cinema independente: melhor filme, melhor realização, melhor montagem e melhor fotografia. É o que lembra a crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio (31ª edição).
Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania, a publicação tem todos os seus conteúdos disponibilizados, na íntegra, gratuitamente, no portal da entidade.
Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021
“Não podemos ignorar que os prêmios se têm tornado cada vez mais políticos, já não mais bastando apresentar novidades tecnológicas ou temas originais. É preciso defender uma causa, ter um propósito, contribuir de alguma maneira com o bem-estar da humanidade”, afirma Lilia.
“Quem não está gostando nada dessas mudanças nas premiações são os fãs do glamour e do cinema de entretenimento. Alegam que os filmes já não mais divertem, uma vez que preferem apontar o dedo, fazendo-nos sentir culpados pelas atrocidades de todo o mundo”, diz a crítica de cinema.
Ela lembra que o historiador Marc Ferro afirmou que os filmes são também um testemunho singular de seu tempo e mostram um lado que nem sempre queremos ver. “São permeados de lapsus que nos escapam a olho nu, mas que jamais se escondem das lentes das câmeras, que, como espelhos, revelam o funcionamento real das nossas sociedades”, salienta.
“Que chegue logo o dia em que os filmes possam voltar a ser felizes e despreocupados! As causas? Ah, essas não podem ser deixadas de lado!”, afirma, para continuar: “Porque cinema é arte, mas arte também é política. Que o diga Nomadland e o belo discurso de Chloé Zhao no Oscar, que, com seus cabelos trançados e a cara lavada, fez-nos enxergar o que de fato é luxo nessa vida”.
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A íntegra da crítica de Lilia está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.
O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.
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RPD || Lilia Lustosa: Nomadland – Crônica de um prêmio anunciado
Quando o envelope com o nome do ganhador do Oscar de melhor filme foi aberto na histórica Union Station de Los Angeles, ninguém ficou surpreso ao ver ali impresso o título Nomadland. Afinal, desde que a temporada de festivais e premiações começou – Veneza, Globo de Ouro, BAFTA, PGA Awards… – só dá ele!
O curioso é que não estamos falando aqui de nenhuma superprodução de 200 milhões de dólares, como foi o caso de Tenet (2020). Nomadland, baseado no livro homônimo de Jessica Bruder e adaptado por Chloé Zhao, custou 5 milhões, não tem efeitos especiais e conta uma história simples por meio de uma narrativa linear, com jeitão mais de documentário do que daquelas ficções estrambólicas que costumam levar as mais prestigiosas estatuetas.
O que faz então de Nomadland uma quase unanimidade em meio a tantos críticos de diferentes nacionalidades e backgrounds?
Vamos lá.
Talvez um primeiro fator a considerar seja o de que 2020 foi um ano de poucas superproduções em função das restrições impostas pela pandemia. Os grandes estúdios preferiram guardar seus maiores trunfos comerciais – os blockbusters – para quando as coisas melhorarem e as pessoas puderem voltar às salas de cinema. Com isso, abriu-se espaço para produções menores, que em geral ficam relegadas aos festivais ou às salas de cinema de arte.
Um segundo ponto que podemos levantar é o fato de Nomadland ser um filme introspectivo, que trata de questões existenciais, com reflexões que vêm ocupando as mentes de quase todos nestes loucos tempos pandêmicos. Quem não parou para repensar a vida durante os mil confinamentos a que fomos submetidos? Quem não se questionou sobre o que de fato importa? O filme de Zhao, embora rodado em grande parte no exterior, em meio a desertos, montanhas e oceanos, é também um roadmovie interior, uma viagem pelos sentimentos de pessoas que escolheram ou foram obrigadas a puxar a âncora e partir rumo a uma vida de incertezas, descobertas, simplicidade e autoconhecimento.
Isso nos leva a um terceiro ponto, que é a mescla de realidade e ficção a partir da qual o filme é construído. Com exceção de Fern – interpretada magistralmente por Francis McDormand (agora detentora de três Oscars) –, e de mais um ou dois personagens, o que vemos ali são histórias reais de não-atores que interpretam suas próprias vidas. Claro que há um roteiro, uma organização e mesmo uma encenação por parte de todos os que compõem a trupe de Nomadland. Mas as histórias e sofrimentos apresentados na tela são genuínos, o que gera grande empatia na plateia, que se sente mais próxima das sensações ali compartilhadas e instigada a refletir sobre suas próprias questões. É quase uma sessão de terapia!
Finalmente, vale ressaltar que, em um ano em que tanto se fala de igualdade de gênero e que tanto se tenta combater a violência contra a mulher – e mais recentemente contra os asiáticos –, o fato de a diretora, roteirista, montadora e coprodutora do filme ser mulher e asiática tem também seu peso. Não que isso diminua o mérito de Nomadland, muito menos o dos louros recebidos até aqui. Mas não podemos ignorar que os prêmios se têm tornado cada vez mais políticos, já não mais bastando apresentar novidades tecnológicas ou temas originais. É preciso defender uma causa, ter um propósito, contribuir de alguma maneira com o bem-estar da humanidade. O que não está de todo errado! E o filme de Zhao, apesar de não focar no político, tem a crise econômica norte-americana de 2008 como ponto de partida e a questão do trabalho (ou da falta dele) como locomotiva da história.
Quem não está gostando nada dessas mudanças nas premiações são os fãs do glamour e do cinema de entretenimento. Alegam que os filmes já não mais divertem, uma vez que preferem apontar o dedo, fazendo-nos sentir culpados pelas atrocidades de todo o mundo. Pode ser. Mas, como afirmava o historiador Marc Ferro, que nos deixou há pouco, os filmes são também um testemunho singular de seu tempo e mostram um lado que nem sempre queremos ver. São permeados de lapsus que nos escapam a olho nu, mas que jamais se escondem das lentes das câmeras, que, como espelhos, revelam o funcionamento real das nossas sociedades.
Que chegue logo o dia em que os filmes possam voltar a ser felizes e despreocupados! As causas? Ah, essas não podem ser deixadas de lado! Porque cinema é arte, mas arte também é política. Que o diga Nomadland e o belo discurso de Chloé Zhao no Oscar, que, com seus cabelos trançados e a cara lavada, fez-nos enxergar o que de fato é luxo nessa vida.
*Lilia Lustosa é formada em publicidade, especialista em marketing, mestre em história e estética do cinema pela Universidade de Lausanne e doutoranda nesta mesma instituição de ensino superior.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Fonte:
Nomadland encanta pelas contradições e se consagra como vencedor do Oscar 2021
Análise é da crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de abril
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL), a crítica de cinema Lilia Lustosa acredita que o ano de 2021 pode representar um grande avanço para a conquista feminina no cinema.
“Ao que tudo indica, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina”, afirma Lilia, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição).
Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso a todos os conteúdos da revista é gratuito no site da entidade.
Dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos, Nomadland vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada, na avaliação de Lilia Lustosa. O filme se tornou o segundo dirigido por uma mulher a receber a estatueta maior da grande premiação hollywoodiana (Melhor Filme) – e Chloé Zhao também repetiu o feito no prêmio de direção (Melhor Diretor).
Roadmovie
“Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand”, conta a crítica de cinema, em seu artigo publicado na revista Política Democrática Online.
A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que, conforme ressalta Lilia, a sociedade está assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra pessoas nascidas naquela região, “a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus”.
“Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta!”, critica Lilia. “Mas, enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo”, destaca o artigo da revista online da FAP.
Globo de Ouro
Em fevereiro último, como lembra Lilia, Cloé Zhao se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito.
“No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filme foi laureado mais uma vez como o melhor do ano”, diz.
Para saber todos os detalhes da crítica de cinema produzida por Lilia, acesse diretamente a versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
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Druk: o filme que “passa ao largo do moralismo” e “não demoniza a bebida”
Morto há 50 anos, Anísio Teixeira deixou vivo legado para a educação brasileira
Com Bolsonaro, país aumenta risco de ficar fora de negociações da política externa
Pesquisador do Ipea aponta “impactos de ordem moral” da pandemia da Covid
Diretoria do Banco Central parece infectada por ‘populismo cambial’, diz economista
‘Segurança jurídica é elemento de importância quase espiritual’, diz advogada
‘Quatro parcelas de R$ 250 serão insuficientes’, diz economista Sérgio Buarque
Vinícius Müller mostra passos fundamentais à criação da “pedagogia do centro”
Criminosos provocam tsunami de crimes virtuais na pandemia com ransomware
Editorial da Política Democrática Online conclama oposições para cooperação
‘Governo federal cooptou Centrão para impedir impeachment’, diz Temporão
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Druk: O filme que "passa ao largo do moralismo” e “não demoniza a bebida”
Confira crítica de cinema do jornalista Henrique Brandão sobre filme dinamarquês com indicação ao Oscar de melhor diretor
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Autodefinido amante de cinema, o jornalista Henrique Brandão diz que o filme dinamarquês “Druk – Mais uma rodada”, do diretor Thomas Vinterberg e estreado há menos de um mês no circuito de cinemas brasileiros, “passa ao largo do moralismo habitual” que cerca a relação do ser humano com o álcool.
Brandão publicou sua crítica de cinema na revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. O acesso a todos os conteúdos da revista é gratuito no site da entidade.
Veja versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
O filme estreou no país no dia 25 de março e, por conta da pandemia que afastou o público das salas, também está disponível nas plataformas digitais (Now, iTunes, Apple TV, Google Play e YouTube Filmes). “É o representante da Dinamarca na disputa do Oscar de filme estrangeiro. Seu autor, Thomas Vinterberg, foi indicado para a categoria de melhor direção”, ressalta.
“Bebida não demonizada”
Embora aborde um tema explorado exaustivamente pelo audiovisual, que é a relação do ser humano com o álcool, o filme não cai no moralismo. “A bebida não é demonizada, nem idolatrada. É mais um elemento com que todos convivem”, diz o jornalista, em seu artigo publicado na revista Política Democrática Online de abril.
“Na verdade, o filme é uma ode à vida. Sem maniqueísmo. Não há heróis, nem bandidos. Apenas pessoas tentando seguir adiante, em busca de algumas doses de felicidade”, observa o autor da crítica de cinema.
Brandão observa que Hollywood, a maior indústria de cinema do mundo, “é pródiga em obras que condenam o consumo excessivo de álcool”. “Farrapo Humano (The Lost Weekend, 1945) talvez seja a mais famosa delas. Dirigida pelo genial Billy Wilder, foi indicada em sete categorias e arrebatou os principais prêmios (filme, direção, ator e roteiro adaptado)”, lembra.
Mais exemplo
Outro clássico hollywoodiano em que a bebida é apresentada como destruidora de lares, conforme lembra o artigo da revista da FAP, é Nasce uma Estrela (A Start is Born), que teve, até agora, quatro versões. A mais celebrada delas é a que teve Judy Garland (1922-1969) no papel principal, em 1954. A lista é enorme.
Mais detalhes da crítica produzida por Brandão podem ser conferidos diretamente na versão flip da revista Política Democrática Online de abril. A publicação também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, artigos de política nacional, política externa, cultura, entre outros, e reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
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RPD || Lilia Lustosa: Cinema feminino e plural
Apesar da tragédia da pandemia do novo coronavírus, 2021 marca positivamente a história do cinema ao destacar a presença feminina, com duas mulheres concorrendo à categoria de Melhor Direção
Quantas diretoras de cinema você conhece? Dá para encher uma mão? E diretores? Muito mais fácil de lembrar, não? Eles são tantos!
A verdade é que a indústria cinematográfica sempre foi dominada pelos homens, embora as mulheres tenham tido participação fundamental em sua consolidação. No entanto, como costuma acontecer em outras áreas, muitas dessas personagens femininas foram apagadas, esquecidas, editadas ou simplesmente cortadas da História. Ora, todos já ouvimos falar dos Irmãos Lumière, de Méliès, de Edison, certo? Mas quem conhece Alice Guy ou Lois Weber? Mulheres que, desde os primórdios do cinema, já atuavam por detrás das câmeras, mas cuja passagem pelos estúdios e salas escuras ficou perdida lá no passado!
No Brasil, também foram muitas as que atuaram na construção do nosso cinema, como Carmem Santos, atriz, roteirista, diretora e produtora, que, já nos anos 20, criou a Film Artistico Brasileiro (F.A.B.) e, nos anos 30, com a chegada do sonoro, a Brasil Vita Filmes. Ou ainda Cléo de Verberena, atriz e produtora, primeira mulher a dirigir um longa de ficção no país, o desaparecido O Mistério do Dominó Preto (1931). Isso sem falar de Adélia Sampaio, Helena Solberg, Helena Ignez… Tantas, mas das quais sabemos tão pouco!
Ao que tudo indica, porém, o ano de 2021, apesar de seu roteiro mais para cyberpunk ou filme-catástrofe, parece que vem para marcar positivamente a história do cinema. Pelo menos no quesito conquista feminina! Isso porque o filme que vem roubando todas as atenções e levando os prêmios mais importantes da temporada é Nomadland, dirigido, roteirizado, montado e produzido por Chloé Zhao, uma chinesa radicada nos Estados Unidos. Um roadmovie que mistura realidade e ficção, ao percorrer o oeste dos EUA retratando a vida dos novos nômades do país, tendo como protagonista a já oscarizada Frances McDormand.
A origem asiática da diretora chama também a atenção, já que estamos assistindo, na vida real, a um aumento da violência contra essa gente, a quem muitas vezes tem sido atribuída a culpa pelo surgimento do coronavírus. Um cenário macabro de uma ficção científica rasa e injusta! Mas enquanto o movimento Stop Asian Hate ganha forças nas ruas, Cloé Zhao brilha absoluta nos palcos dos festivais e nas telas de cinema, televisores, computadores, tablets ou smartphones de todo o mundo. Em fevereiro último, ela se tornou a primeira diretora a ter uma produção premiada com o Globo de Ouro de melhor filme, além de ser a segunda a levar a estatueta de melhor direção e a primeira asiática a conseguir esse feito. No Critics Choice Award, Zhao também saiu com o prêmio de direção, e Nomadland, com o de melhor filme. Fato que se repetiu no PGA Awards, premiação do Sindicato dos Produtores de Hollywood, em que seu filmefoi laureado mais uma vez como o melhor do ano.
Resta agora o prêmio mais badalado da terra do tio Sam: o Oscar. No dia 25 deste mês, Nomadland concorrerá ali em seis categorias: melhor longa, direção, roteiro adaptado, montagem, fotografia e atriz. Dessas indicações, quatro levam a assinatura de Zhao. Uma proeza e tanto para tempos em que a desigualdade de gênero ainda é a regra do mercado!
E o melhor de tudo é que a diretora nascida em Pequim não está sozinha nessa empreitada, já que a britânica Emerald Fennell também concorre ao prêmio de direção por seu inusitado Bela Vingança (2020), sendo este o primeiro Oscar a ter duas mulheres disputando essa categoria. Até então, em suas 93 edições, apenas cinco haviam sido indicadas por direção, mas nunca duas ao mesmo tempo. Fennell concorre ainda por roteiro original, e Bela Vingança, que tem a violência contra mulher como tema central, por melhor filme e montagem. Uma trama cheia de dores, cores e dissabores, e que traz uma Carey Mulligan esbanjando talento no papel da vingativa Cassandra, o que lhe rendeu, aliás, a indicação ao Oscar de melhor atriz.
Fora Zhao e Fennell, outras tantas profissionais estão concorrendo nas mais diversas categorias. Sem dúvida, um grande passo para a tão almejada igualdade, mas que não deixa de sublinhar o triste fato de que, em pleno século 21, ainda tenhamos que aplaudir de pé a indicação de duas mulheres às categorias principais do Oscar. Pergunto-me então o que teria gerado essa “evolução”? A luta de tantos anos? Mudanças na composição dos boards dos prêmios? Ou será que o confinamento levou à reflexão, fazendo-nos entender de uma vez por todas que há espaço para talentos de todos os gêneros e raças nos sets de filmagem?
Que venham as estatuetas!
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
RPD || Henrique Brandão: Doses de felicidade
Thomas Vinterberg e Mads Mikkelsen emplacaram indicações ao Oscar (melhor diretor e melhor filme estrangeiro) e Bafta (melhor ator) com uma comédia dramática apoiada no existencialismo, refletindo sobre as relações humanas e sobre viver
Druk – Mais uma rodada, estreou no circuito de cinemas brasileiros no dia 25 de março e, por conta da pandemia que afastou o público das salas, também está disponível nas plataformas digitais (Now, iTunes, Apple TV, Google Play e YouTube Filmes). É o representante da Dinamarca na disputa do Oscar de filme estrangeiro. Seu autor, Thomas Vinterberg, foi indicado para a categoria de melhor direção.
O filme aborda tema explorado exaustivamente pelo audiovisual: a relação do ser humano com o álcool.
Hollywood, a maior indústria de cinema do mundo, é pródiga em obras que condenam o consumo excessivo de álcool. Farrapo Humano (The Lost Weekend, 1945) talvez seja a mais famosa delas. Dirigida pelo genial Billy Wilder, foi indicada em sete categorias e arrebatou os principais prêmios (filme, direção, ator e roteiro adaptado).
Outro clássico hollywoodiano em a que a bebida é apresentada como destruidora de lares é Nasce uma Estrela (A Start is Born) que teve, até agora, quatro versões, sendo a mais celebrada a que teve Judy Garland (1922-1969) no papel principal, em 1954. A lista é enorme.
Em muitos casos, a vida imitou a arte. Se a bebida era a principal vilã pela ruína dos personagens interpretados pelos astros e estrelas da indústria cinematográfica, por trás das câmeras a coisa não ficava muito longe da ficção. Judy Garland, por exemplo, não aguentou as pressões a que os estúdios e sua mãe dominadora a submetiam desde a adolescência e acabou tornando-se alcoólatra e dependente de barbitúricos, causa de sua morte, aos 47 anos.
Foram muitos os astros bons de copo em Hollywood. Humphrey Bogart (1899 -1957), o lendário dono do Rick’s Café no filme Casablanca (1942), possivelmente é o mais conhecido deles. Certa feita, quando perguntado se estava bêbado ao depor em um tribunal, declarou: “e quem não está bêbado às três da manhã?” Outra tirada famosa atribuída a ele: “a humanidade está três uísques atrasada.”
Vários diretores de cinema também gostavam de dar seus goles. Que o digam John Houston (1906-1987), com quem Bogart estrelou Relíquia Macabra (Maltese Falcon, 1941), O Tesouro de Sierra Madre (The Treasure of the Sierra Madre, 1948) e Uma Aventura na África (The African Queen, 1951), e Orson Welles (1915-1985), o diretor de Cidadão Kane (Citizen Kane, 1941), considerado pela crítica até hoje um dos melhores filmes de todos os tempos.
(Welles é conhecido dos brasileiros: em 1942 esteve no Rio para filmar o carnaval carioca como parte de It’s All True. O filme nunca foi concluído, mas o diretor se acabou na folia, regada a bebida e lança-perfume.)
Por aqui, abaixo do Equador, na mesma linha melodramática da desgraça alcoólica, O Ébrio (1946), estrelado por Vicente Celestino (1894-1968), foi um estouro de bilheteria. O nome fala por si.
Nem tudo, porém, foi tratado como tragédia. Bar Esperança (1983), de Hugo Carvana (1937-2014), é uma deliciosa comédia. A cena em que dois amigos acordam com um cachorro ao lado e indagam um ao outro se o animal é real ou fruto de delirium tremens é antológica.
Em tom de comédia dramática, Druk – Mais uma rodada, traz abordagem mais humanitária do tema. Ao contrário de grande parte dos filmes norte-americanos, não mostra visão puritana do consumo de álcool.
Seus personagens são quatro professores de Copenhague em crise de meia idade. O marasmo de suas vidas afetiva e profissional é evidente. Durante um encontro, surge a ideia de testarem a hipótese levantada pelo psicoterapeuta norueguês Finn Skarderud de que o ser humano nasce com 0,05% de déficit alcoólico e que repor essa quantidade diariamente deixaria a todos mais felizes e dinâmicos.
Usando bafômetros e um diário onde registram suas impressões, o quarteto cai de boca na bebida para comprovar a tese. Os efeitos positivos são logo vislumbrados. Os alunos de Martin, o personagem interpretado com maestria por Mats Milkkelsen, são os primeiros a enxergarem a mudança: as tediosas aulas de história dão lugar a lições que atraem o interesse de todos. Em casa, a relação com a esposa e os filhos reaquece.
Os outros amigos-professores, cada qual à sua maneira, também percebem as alterações nas suas rotinas. Diante dos efeitos positivos, os amigos resolvem ampliar o consumo de bebidas. Nem todos, no entanto, reagem bem ao aumento da ingestão alcoólica.
Druk – Mais uma rodada passa ao largo do moralismo habitual que cerca o assunto. A bebida não é demonizada, nem idolatrada. É mais um elemento com que todos convivem. Na verdade, o filme é uma ode à vida. Sem maniqueísmo. Não há heróis, nem bandidos. Apenas pessoas tentando seguir adiante, em busca de algumas doses de felicidade.
*Henrique Brandão é jornalista e amante de cinema
- ** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
- *** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
RPD || Lilia Lustosa: (Que) Viva o cinema brasileiro!
Com documentários indicados ao Oscar e ao Grande Prêmio do Júri Internacional na Mostra Generation do Festival de Berlim, o ano de 2020 começou bem para o cinema brasileiro, avalia Lilia Lustosa
O ano de 2020 começou bem para o cinema brasileiro. Primeiro, foi a indicação do Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa, ao Oscar de melhor documentário. Em seguida, foi a vez de Meu Nome é Bagdá (2020), de Caru Alves de Souza, levar o Grande Prêmio do Júri Internacional na Mostra Generation do Festival de Berlim, dedicada a produções sobre a juventude.
A verdade é que a Berlinale – o mais politizado dos grandes eventos internacionais de cinema – esteve bem verde e amarela neste ano. A começar pelo júri, que teve Kleber Mendonça Filho como membro, seguido da participação recorde de 19 filmes brasileiros (algumas coproduções), competindo em diversas categorias, incluindo a principal (Urso de Ouro) com Todos os Mortos (2020), de Caetano Gotardo e Marco Dutra, que integram o coletivo paulista Filmes do Caixote. Sinais do prestígio e do excelente nível que nossa cinematografia atingiu.
Desde aquele longínquo 1898, quando Afonso Segreto registrou as primeiras cenas brasileiras a bordo do navio Brésil, até os dias de hoje, o caminho não tem sido fácil. Problemas de falta de regulamentação e de orçamentos escassos, somados à dificuldade para inserir filmes no circuito comercial, vêm desde sempre obstruindo as veredas de nossa cinematografia. Apesar disso, podemos dizer sem medo que a qualidade do cinema brasileiro melhora a cada ano. Não que já não fizéssemos bons filmes! Desde os anos 30, produzimos obras belíssimas, como Limite (1931), de Mário Peixoto, infelizmente pouco conhecido entre nós, apesar de ter sido eleito pela Associação de Críticos Brasileiros como o maior filme nacional de todos os tempos. Ou ainda Ganga Bruta (1933), de Humberto Mauro, que impressionou tanto o historiador de cinema francês Georges Sadoul, que este tratou logo de incluí-lo entre os maiores cineastas do mundo.
Acontece que, por muitos anos, as produções de sucesso eram oriundas quase que exclusivamente do eixo Rio-São Paulo, com algumas exceções brotando aqui e ali em outras regiões do país, o que acabava por gerar certo engessamento de temas e modelos. De uns tempos para cá, o que se nota é uma mudança neste panorama graças a aumento significativo no número de cursos superiores em cinema e audiovisual (87, em 2016; e 184, em 2020 – Fonte: Sistema e-MEC), e ao aparecimento de pequenas produtoras, coletivos de cinema espalhados pelas periferias de nossas capitais, e distribuidoras comprometidas com o cinema nacional em todos seus formatos. Assim, Distrito Federal, Pernambuco, Ceará, Minas, Rio Grande do Sul e outros Estados começam a fortalecer-se e a ganhar espaço no cenário cinematográfico nacional, somando esforços e diversificando nosso cardápio fílmico.
O veterano Cacá Diegues, já em 2013, quando homenageado no Festival do Cinema Brasileiro de Paris, declarou que o Brasil estava vivendo uma das épocas mais férteis de sua história, atribuindo esse boom justamente à descentralização das produções nacionais. Nomes como Gabriel Mascaro (PE), Adilson Queiroz (DF), Gabriel Martins (MG), Marília Rocha (MG), entre tantos outros, passaram a figurar na lista dos indicados em diversos festivais. Um grupo que alguns críticos vêm chamando de “Novíssimo Cinema Brasileiro”, em função de suas produções de baixo custo, com equipes reduzidas, sem depender do Estado ou com pouca participação dele. Alusão direta ao Cinema Novo, claro, que nos anos 60 se valia justamente desse modo de produção. Soma-se ainda a esse grupo uma geração já legitimada dentro e fora do país, que hoje produz filmes com orçamentos mais robustos, no modelo clássico, muitas vezes valendo-se do financiamento estatal, e da qual fazem parte o pernambucano Kleber Mendonça Filho e o cearense Karim Aïnouz, ambos premiados em Cannes, no ano passado.
Mas o melhor dessa história é que a descentralização não enfraqueceu o eixo Rio-São Paulo, que continua a produzir excelentes filmes, seja de arte, seja comercial, feitos por pequenas e grandes produtoras ou pelos tais coletivos formados nas comunidades. Produções como o encantador Turma da Mônica - Laços (2019), de Daniel Rezende (RJ), ou o engajado Um dia com Jerusa (2019), de Viviane Ferreira (SP), estão aí como prova. Sinais de que nosso cinema cresceu, se diversificou e amadureceu, apesar de todas as ameaças de boicote, vindas do governo ou do próprio público brasileiro, que parece ainda não acreditar que fazemos bons filmes em nosso país.
Mesmo assim, a fase é boa! Resta, claro, um longo caminho para que as produções menores cheguem até o grande público. Por enquanto, elas ficam restritas aos festivais. Situação que ainda precisa da participação do Estado para mudar. E é aí que mora o problema! Desde o início do governo Bolsonaro, paira uma espécie de nuvem cinza sobre o terreno cinematográfico brasileiro, ameaçando constantemente seu futuro e a continuidade de sua evolução: cortes nos orçamentos e nas leis de incentivo à cultura, redução nas linhas de financiamento, ameaças de fechamento de instituições, como a ANCINE, e de criação de “filtros” nos conteúdos dos filmes, funcionários de alto escalão plagiando discursos nazistas, demissões e admissões infelizes… Tempos sombrios que contrastam fortemente com o colorido de nosso cinema neste 2020.