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Cristovam Buarque: A lição de Ortega, Lula e os erros do passado

Uma jornalista espanhola deu a Lula a chance de perceber o risco de certas posições que ele e o PT assumem, refletindo visão de esquerda do passado, alguns chamam de “exquerda”; e do risco de estas posições atrasadas servirem para eleger Bolsonaro, por rejeição ao PT. Historicamente, seria melhor se o Brasil contasse com posições e nomes progressistas sintonizados com a marcha do século XXI, mas, eleitoralmente, ainda bem que o Brasil tem o PT e Lula para ajudar a barrar a reeleição de Bolsonaro. Por isto, Lula tem a obrigação de perceber que ainda carrega ideias e erros do passado, e deve supera-las para cuidarmos do futuro. Depois do Bolsonaro, não vamos voltar a 2003, mas avançarmos para 2023.

Deve superar qualquer rancor pelo que sofreu no passado recente, da mesma forma que também devem abandonar rancor aqueles que sofreram e foram agredidos pelos gabinetes de ódio do PT.

O Lula precisa reconhecer que autoritarismo não deve ser apoiado, qualquer que seja o partido e o dirigente que o pratica. E que a autodeterminação dos povos só tem sentido quando os povos demonstram livremente suas determinações aos governos. Reconhecer que errou ao comparar as sucessivas reeleições de Merkel com as eleições de Ortega. Uma coisa é a continuidade de um partido no parlamentarismo, mantendo o primeiro-ministro no cargo, sem mandato, sujeito a “impeachment” a qualquer momento. Diferente do presidente que, já no poder, muda a Constituição que o elegeu para um mandato e consegue ampliar para mais um, como fez Fernando Henrique Cardoso. Muito mais grave quando manipula a Constituição para permitir diversas reeleições com fez Chavez, Evo, Maduro, Ortega. Ainda pior, quando prende opositores, mesmo usando a justiça como aconteceu com o próprio Lula.

Se quiser aproveitar a lição provocada pela entrevista sobre Ortega, precisa reconhecer erros do passado. Acerta quando deixa aberta a possibilidade de uma aliança com Alckmin, demonstrando querer superar o erro de tratar como inimigos a politicos social-democratas sérios, preferindo alianças com corruptos por meio da prática do orçamento secreto chamado mensalão. Precisa reconhecer que em função destas alianças, os governos do PT cometeram, permitiram e foram coniventes com corrupção no mais alto grau. Não pode continuar dando a entender que as malas de dinheiro, as devoluções de milhões de dólares e o reconhecimento de propinas são notícias e imagens manipuladas por uma “imprensa golpista”. Pode dizer que o juiz que o condenou foi declarado suspeito e que não há prova incriminando-o pessoalmente, mas abusa da inteligência do povo ao cair no negacionismo de escamotear as evidências de corrupção ao longo de governos do PT.

O Lula tem razão de imaginar que hoje é o único que de fato pode derrotar Bolsonaro, por isto tem a obrigação de “não queimar seu filme”, por equívocos atuais e por não reconhecer erros conhecidos de todos; e deve mostrar com clareza como vai evitar para que eles não se repitam, inclusive impedindo o aparelhamento da máquina do Estado por seu partido e aliados.

Deve assumir o erro da irresponsabilidade fiscal que, depois de cinco anos de rigor exemplar em seu governo, começou quando ele disse que a crise de 2008 nos EUA seria uma “marolinha”. Agravada no momento em que a Presidente Dilma fez as pedaladas, quebrando a confiança na economia, levando à recessão, inflação, desemprego. Lula e o PT precisam abandonar o negacionismo da “exquerda” que considera a irresponsabilidade fiscal como uma prática legítima e eficiente de política econômica para financiar privilégios e ineficiências por meio de inflação, sabendo o sofrimento que isto provoca pela desapropriação do salário dos empregados e a penúria entre os desempregados.

Lula precisa sair da “exquerda” para formar a aliança necessária a nos livrar de Bolsonaro em 2022, e a coalizão necessária para governar até 2026, vencendo a inflação, a fome, o desemprego, a pobreza, as sequelas do Covid, a desconfiança no Exterior em relação ao Brasil, e a falta de esperança dentro do país. Sem querer, Ortega e uma jornalista espanhola deram-lhe uma lição que ele precisa aproveitar.

*Cristovam Buarque foi ministro, governador e senador


Reinaldo Azevedo: Hipocrisia se exalta com fala de Lula sobre Ortega

Talleyrand e La Rochefoucauld refletem, respectivamente, sobre declaração de petista

Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo

Convido Lula e o PT a uma reflexão com uma frase que já virou um clichê: "Não aprenderam nada nem esqueceram nada". É atribuída ao diplomata francês Talleyrand ao se referir à volta dos Bourbons e sua turma ao poder na França, no período da Restauração.

E um bom debate se faria se os petistas respondessem com outra frase, igualmente espirituosa e verdadeira, na trilha de La Rochefoucauld: "A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude".

Vamos sair do mundo das frases para o dos fatos, que lhes conferem valor universal.

Junto-me àqueles que criticam duramente as afirmações feitas por Lula ao jornal El País sobre o nicaraguense Daniel Ortega. Ainda que repise argumentos, vá lá: Angela Merkel e Felipe González disputaram eleições limpas, seus adversários não estavam na cadeia, e o Poder Judiciário de seus respectivos países não eram formados por bonecos de mamulengo de um ditador.

Assim, não faz sentido associar os seguidos mandatos de Ortega —que fraudou a Constituição em conluio com juízes escolhidos a dedo— à longa permanência no poder daqueles dirigentes.

Ademais, como já se verifica, trata-se de um erro de operação política que nem mesmo faz justiça à atuação de Lula como presidente.

Se quisesse, teria mudado a tempo a Constituição para disputar um terceiro mandato, para o qual teria sido reeleito no primeiro turno. Escolheu outro caminho. Dilma sofreu um processo de impeachment, e o PT deixou o poder pacificamente. Foi fazer a luta política.

Os governos petistas mantiveram relações amistosas com ditaduras, a exemplo dos que os antecederam. Não é assim mundo afora? Como é mesmo, Deng Xiaoping? "Não importa se o gato é preto ou branco, contanto que cace ratos".


Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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Brasil não tem de escolher o regime dos países com os quais se relaciona, embora, entendo, deva se alinhar, nos fóruns multilaterais, com a defesa da democracia e dos direitos humanos.

Ou venderemos soja, carne e ferro apenas a regimes democráticos, condição para que importemos sua tecnologia? A pergunta é meramente retórica. A que vem a condescendência de Lula com o governo da Nicarágua?

Ecos, entendo, de um mundo que nem existe mais, como já não existia aquele da Restauração: seu modo de ser era a evidência de sua inviabilidade. Agora vamos a La Rochefoucauld.

Eu me indignei, sim, quando Lula afirmou não saber por que os adversários de Ortega estão presos. Quando menos, esperava dele empatia e solidariedade com aqueles que são encarcerados por motivos políticos.

Afinal, no Brasil democrático, ele próprio foi condenado por um juiz parcial e incompetente, por intermédio de uma sentença sem provas. O então magistrado fez questão de deixar claro, em embargos de declaração, que não as tinha.

Reportagens da Vaza Jato e dados da Operação Spoofing apontaram o conluio entre juiz e MPF, numa violação inquestionável do sistema acusatório. Que coisa! As personagens centrais da Lava Jato disputarão o poder em 2022.

Sete meses depois de mandar Lula para a cadeia, Sergio Moro aceitou ser ministro da Justiça de Jair Bolsonaro. Seis dias antes do primeiro turno de 2018, divulgou trechos selecionados da delação picareta —data venia!— de Antonio Palocci. Ao postular a sua candidatura à Presidência, o agora ex-juiz propõe um certo Tribunal Superior Anticorrupção e oferece a Ucrânia como exemplo.

Engana-se quem acha que estou justificando ou minimizando as declarações do líder petista. Para citar Ulysses Guimarães na promulgação da Constituição de 1988 —frase vivificada no excelente documentário "8 Presidentes, 1 Juramento", de Carla Camurati—, tenho "ódio à ditadura; ódio e nojo". A qualquer uma.

Mas lastimo o rigor salta-pocinhas de supostos liberais, que se escandalizam com uma declaração inaceitável sobre o governo da Nicarágua, mas confundem, no Brasil, o devido processo legal com impunidade, condescendendo com um justiceiro que colaborou para a corrosão do processo democrático e que agora se lança como o restaurador da ordem, cavalgando um tribunal de exceção.

Sempre espero que políticos aprendam alguma coisa. E tenho tolerância zero com hipócritas.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2021/11/hipocrisia-se-exalta-com-fala-de-lula-sobre-ortega-ditador-da-nicaragua.shtml


Clóvis Rossi: Silenciar sobre ditaduras é crime de guerra

Um SOS pela Nicarágua

A Folha publicou nesta sexta-feira (21) anúncio de página inteira que é um verdadeiro manifesto político-institucional. Diz: “A Folha acredita que não existe democracia sem liberdade de imprensa”.

Eu também acredito, mas vou um passo adiante: acho que não podem existir fronteiras para a democracia e para a liberdade de imprensa.

Por isso, faço desta coluna, a última do ano, um apelo: não podemos deixar sem apoio o jornalismo da Nicarágua, o que significa, em consequência, apoiar também a luta pelos direitos humanos, violentamente atacados pela ditadura do casal Daniel Ortega e Rosário Murillo.

Quanto aos direitos humanos, é indispensável ressaltar a atuação do brasileiro Paulo Abrão, secretário-executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Ele não tem se omitido, desde que o governo Ortega intensificou, em abril, a escalada repressiva.

A rigor, a CIDH é o único balão de oxigênio que permite respirar aos nicaraguenses.

Agora, a escalada repressiva alcançou outro raro balão de oxigênio, o sítio e revista Confidencial. É, ao lado do tradicional jornal La Prensa, veículo essencial para o exercício de liberdade de imprensa, assim como um ou outro programa jornalístico de televisão.

É bom ter em conta que a perseguição à mídia executada impiedosamente pelo governo de Nicolás Maduro, na Venezuela, ajudou a tornar o regime não só uma execrável ditadura mas também um fracasso de dimensões colossais.

É fundamental, pois, tentar ajudar Confidencial e demais veículos para preservar um espaço de acompanhamento crítico do regime enquanto há ainda tempo para evitar um fechamento incontornável e um fracasso socioeconômico semelhante ao de Caracas.

Confesso francamente que não sei bem o que fazer, nesse sentido. Por isso, copio o apelo enviado por Carlos Chamorro, o diretor de Confidencial, contendo algumas maneiras simples e indolores de ajudá-lo:

“Assinar o canal de Youtube de Confidencial: https://goo.gl/4xcR7W”;

“Seguir Confidencial no Twitter: https://goo.gl/uMjwke

“Dar ‘like’ na fanpage de Facebook de Confidencial: https://goo.gl/VdnRnW

“Dar ‘like’ na fanpage de Esta Semana:: https://goo.gl/tnAnSs” e na de Niú (https://goo.gl/SVjA3L)”. São dois outros informativos perseguidos.

Não é nada dramático, mas é mais do que os jornalistas brasileiros fizemos para tentar ajudar, por exemplo, El Nacional da Venezuela, obrigado a encerrar a edição em papel.

É uma contribuição para que Chamorro possa cumprir a promessa que acompanha o apelo acima reproduzido:

“Não vão conseguir que nos autocensuremos e deixemos de informar, porque temos o compromisso sagrado com um povo que tem sido massacrado e encarcerado, de contar como se substitui uma ditadura sanguinária de forma pacífica e como os nicaraguenses vamos conseguir reconstruir este país em paz, com democracia e eleições livres e com justiça que castigue os crimes da ditadura”.

Que os democratas digam amém. O silêncio é crime de guerra.
*
PS - Férias a partir de amanhã e até meados de janeiro, se houver janeiro em 2019. Feliz Natal e um Ano Novo realmente novo.