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Relação instável de Bolsonaro afeta busca por legenda
Merval Pereira / O Globo
A dificuldade que o presidente Bolsonaro está tendo para encontrar sua décima legenda partidária não se deve, como é óbvio, à questão programática, mas a seu egocentrismo político. Tendo sido sempre do Centrão, como admitiu recentemente, ele trocou de legenda no mesmo grupo, mas nunca teve papel relevante dentro dele. Integrante do baixo clero legislativo, Bolsonaro nunca teve importância política e quer descontar o tempo perdido.
Em vez de “rachadinhas” de gabinete, ele agora quer o controle dos fundos eleitoral e partidário e encontra dificuldades para açambarcar o dinheiro que jorra desses dutos. No entanto todos os partidos já têm donos que, no momento, não têm razões para abrir mão do controle partidário para um Bolsonaro que declina na opinião pública.
Os partidos do Centrão querem sugar o máximo que puderem do governo fragilizado, mas não uma relação estável com Bolsonaro. O PP é exemplar dessa dificuldade. Recebeu de bandeja o controle político do governo, pela nomeação do senador Ciro Nogueira para a Casa Civil, mas não quer Bolsonaro como seu candidato à Presidência. Pode até apoiá-lo numa coligação partidária, mas quer estar livre para mudar de barco no meio da campanha se isso significar sua sobrevivência política.
Até mesmo no que seriam redutos políticos seus, Bolsonaro está recebendo críticas desde que se abriu ao Centrão como tábua de salvação, com receio de um impeachment. Agora mesmo tem de, mais uma vez, fazer malabarismos para vetar o fundo eleitoral de quase R$ 6 bilhões sem deixar seus amigos de infância política na mão. Precisa vetar para manter as aparências, mas ontem garantiu pelo menos dobrar o fundo, de R$ 2 bilhões para R$ 4 bilhões, uma cifra tão indecente quanto a que saiu do Congresso.
O próprio Bolsonaro está tendo dificuldade de explicar a seus eleitores a opção fisiológica que assumiu; dificuldade, aliás, que revela como se enganaram esses eleitores que acreditaram realmente que, votando em Bolsonaro, votavam a favor do combate à corrupção. Está metendo os pés pelas mãos, dizendo que, se não pudesse contar com políticos que são réus em processos, quase não sobraria ninguém no Congresso.
Não o fez como crítica, mas como constatação. Que já fora feita por muitos eleitores, que queriam justamente mudar esse quadro e votaram nele na crença ingênua de que se imporia sobre um Congresso corrupto. Mas, como seu rabo é maior do que aparentava na campanha presidencial, a margem de manobra de Bolsonaro nunca foi muito grande.
A ponto de ter advertido ontem seus presumíveis eleitores de que, se continuarem a criticá-lo como têm feito, podem ter de escolher entre Lula e Ciro Gomes num segundo turno. A deputada bolsonarista Alê Silva também está preocupada: “Enquanto os da direita ficam batendo nos da direita, puxando o tapete dos da direita, não querendo dialogar, criando muros entre a gente, do lado de lá, os reais inimigos da nação estão se organizando, estão se unindo e podem vencer”.
A possibilidade de Bolsonaro não estar no segundo turno é um cenário cada vez mais real. A estratégia de Bolsonaro está clara, ele quer ser o único que pode derrotar a esquerda na eleição presidencial do ano que vem. Por isso, diz que não acredita em terceira via, longe dos extremos partidários, e cola Ciro em Lula. O ex-presidente também despreza a terceira via, querendo transformar-se em alternativa moderada para o eleitorado de centro e centro-direita.
Nenhum dos dois, porém, é talhado para esse papel. Bolsonaro transformou-se em alternativa ao PT em 2018 porque os candidatos de centro, como Geraldo Alckmin, João Amoêdo e outros, não tiveram postura afirmativa numa campanha radicalizada. O ex-presidente Lula também não veste mais o modelo “Lulinha Paz e Amor”, que deu certo em 2002. Uma terceira via parece cada vez mais possível, e a campanha eleitoral deverá fazer essa decantação.
Ciro Nogueira aceita convite de Bolsonaro para ocupar a Casa Civil
Anúncio foi feito nas redes sociais pelo parlamentar, que falou em 'dedicação em busca do equilíbrio'
Ricardo Della Coletta, da Folha de S. Paulo
Presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) aceitou o convite de Jair Bolsonaro para ser o novo ministro da Casa Civil.
O anúncio foi feito pelo parlamentar no Twitter. "Acabo de aceitar o honroso convite para assumir a chefia da Casa Civil, feito pelo presidente Jair Bolsonaro", escreveu Ciro. "Peço a proteção de Deus para cumprir esse desafio da melhor forma que eu puder, com empenho e dedicação em busca do equilíbrio e dos avanços de que nosso país necessita.
Acabo de aceitar o honroso convite para assumir a chefia da Casa Civil, feito pelo presidente @jairbolsonaro. Peço a proteção de Deus para cumprir esse desafio da melhor forma que eu puder, com empenho e dedicação em busca do equilíbrio e dos avanços de que nosso país necessita.
— Ciro Nogueira (@ciro_nogueira) July 27, 2021
Na manhã desta terça-feira (27), o senador esteve no Palácio do Planalto por cerca de duas horas, para uma reunião com Bolsonaro.
A chegada de Ciro ao Planalto não deve ser a única mudança no primeiro escalão.
Pelo desenho definido, a reforma ministerial envolve trocas em três pastas: o senador pelo Piauí vai para a Casa Civil no lugar do general Luiz Eduardo Ramos Ramos, que deve passar para a Secretaria-Geral da Presidência —ocupada hoje por Onyx Lorenzoni.
Já Onyx deve ser titular do Ministério do Emprego e Previdência, a ser recriado com o desmembramento do Ministério da Economia.
Após o encontro no Planalto, Ciro compartilhou uma foto em que, além de Bolsonaro, também aparecem o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os ministros Ramos, Fábio Faria (Comunicações) e Flávia Arruda (Secretaria de Governo). "Tenho certeza também de que contaremos com o apoio do meu querido amigo Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, nessa honrosa missão", disse o senador, na publicação.
Ao deixar o Planalto, Ciro apenas afirmou que a posse deve ser "o mais rápido possível" e confirmou a recriação do ministério do Emprego.
Também nesta terça, Ramos confirmou sua transferência para a Secretaria-Geral.
"Seja bem-vindo Ciro Nogueira ao time Jair Bolsonaro. Desejo muito sucesso na Casa Civil. Agradeço aos servidores que estiveram comigo nessa jornada e sigo em nova missão determinada pelo Presidente da República na Secretaria-Geral. Tenham certeza que mais uma vez darei o meu melhor em defesa do Brasil", escreveu Ramos em uma rede social.
O convite de Bolsonaro para que Ciro Nogueira vá para a principal pasta do Palácio do Planalto é a jogada mais robusta que o presidente fez até aqui para assegurar o apoio de partidos e da base de congressistas ao seu governo.
Parlamentares, sobretudo os do centrão, vinham pressionando pela saída de Ramos da Casa Civil.
A avaliação é que o general não tem traquejo político, falha na articulação com o Legislativo e breca demandas de senadores e deputados, como a liberação de emendas.
Há ainda a constatação de que, com a proximidade das eleições de 2022, é preciso ter alguém na Casa Civil que saiba dar visibilidade aos feitos do governo.
Aliados também esperam que Ciro Nogueira costure as alianças políticas necessárias para a campanha de reeleição de Bolsonaro.
A prioridade para articuladores políticos e dirigentes de siglas que hoje pretendem apoiar a campanha à reeleição de Bolsonaro é a reformulação do Bolsa Família e outras medidas que impulsionem a recuperação da economia em 2022, após a vacinação da população contra a Covid-19.
A aposta é que, com um programa de forte apelo popular e uma economia aquecida, o presidente deve conseguir recuperar a popularidade.
Atualmente, pesquisas indicam aumento na reprovação do governo e favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o pleito do próximo ano.
Ao trazer o senador para o coração do governo, Bolsonaro sela seu casamento com o centrão —grupo de legendas fisiológicas que, na campanha de 2018, era frequentemente criticado pelo então presidenciável.
O episódio que marcou o discurso contra a velha política na campanha foi protagonizado pelo atual ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), Augusto Heleno. "Se gritar pega centrão, não fica um, meu irmão", cantou o general num ato partidário de 2018. Em sua versão, ele canta “centrão” no lugar de “ladrão”, que consta na letra original composta por Ary do Cavaco e Bebeto Di São João.
Pouco mais de dois anos depois, o discurso mudou radicalmente. "Eu nasci de lá [do centrão]", afirmou Bolsonaro nesta quinta-feira (22), também em entrevista. "Eu sou do centrão."
A aproximação do chefe do Executivo com o centrão ocorre em um momento de extrema fragilidade do governo, quando Bolsonaro se vê ameaçado por mais de cem pedidos de impeachment e pelo avanço da CPI da Covid, que tem jogado luz sobre supostos casos de corrupção na gestão.
Hoje o governo Bolsonaro tem 22 ministérios, 7 a mais do que os 15 prometidos na campanha eleitoral de 2018. Sob a gestão de Michel Temer (MDB), seu antecessor, eram 29 pastas.
A administração atual chegou a ter 23 órgãos com status de ministério. Porém, o Banco Central perdeu este status com a aprovação de sua autonomia.
Crescimento cíclico ou retomada sustentada - parte 2
A última década foi terrivelmente frustrante em termos de crescimento econômico
José Roberto Mendonça de Barros / O Estado de S. Paulo
Foto: Agência Brasil
O crescimento econômico é uma construção de longo prazo. O Brasil tem crescido pouco desde 1980. Imaginamos que o controle da inflação, desde o Plano Real, pudesse abrir as portas para uma nova era. Entretanto, a última década foi terrivelmente frustrante. Paramos de vez.
Para sair de um buraco, primeiro é preciso parar de cavar. Por isso, para voltar a crescer, antes de tudo precisamos deixar de apostar em ações fracassadas.
Não é possível crescer com base em recursos derivados de atividades ilegais. O maior exemplo atual é o que ocorre na Amazônia: grilagem de terras, extração e exportação de madeira vinda de áreas públicas ou com documentos ilegais ou garimpos em áreas invadidas. A Região Norte não crescerá com essa base.
Transferências para segmentos e regiões mais pobres têm mesmo de ocorrer, mas têm de ter propósito: bolsa-escola, médico de família, desenvolvimento da bioeconomia, recuperação florestal, pagamentos por serviços ambientais, pagamentos por serviços comunitários e tantos outros.
Não é possível crescer com projetos inviáveis técnica e economicamente. A lista aqui é enorme. Um exemplo é a indústria naval. Outra é a obrigatoriedade de construir gasodutos e térmicas a gás em regiões sem o gás e sem grande consumo de energia (como está na atual lei sobre a Eletrobrás). Os experimentos fracassados de Ceitec e Unitec, que deveriam fabricar chips, são ilustrativos também.
Também é evidente que projetos decorrentes de voluntarismo político e corrupção emperram o crescimento. As refinarias Abreu e Lima e Comperj torraram mais de US$ 30 bilhões sem retorno. Ao mesmo tempo, o Tribunal de Contas da União apontou a existência de algumas milhares de obras públicas federais inacabadas. O atual sistema de “emendas do relator” é mais um passo para gastar recursos em projetos paroquiais, no mais das vezes sem contribuição relevante para o crescimento ou com retornos sociais modestos. O processo de construção de um Orçamento com propósitos sensatos foi totalmente destruído na atual gestão.
Não se cresce com instituições fracas e capturadas por lobbies e outros grupos de interesse, como é largamente comprovado na literatura econômica. O nome da Codevasf, que agora cuida até do Amapá, vem imediatamente à mente.
Na mesma direção, inúmeras representações empresariais acabaram por se transformar em instrumentos de obtenção de vantagens do governo federal e do Congresso, com pouca preocupação com a evolução da inovação, produtividade e competitividade das empresas.
Precisamos nos concentrar em desenvolvimento, reformas e ações que possam, de fato, trazer de volta o crescimento econômico.
Infelizmente, a política econômica atual pouco avança nesses quesitos, e é por isso que as projeções de crescimento para 2022 e adiante não passam de medíocres 2%.
A desarticulada proposta da atual reforma tributária é mais um exemplo do que não deve ser feito: foi jogada no Congresso, e é seguro que sairá algo desfigurado, mantendo nosso sistema tributário complexo, caro e confuso.
A competitividade e viabilidade da economia têm de ser construídas passo a passo, numa perspectiva de longo prazo, partindo da criação de conhecimento, instituições e desenvolvimento tecnológico. O exemplo do agronegócio é o mais evidente à mão. Já está largamente comprovado que o setor vai adiante com duas bases muito sólidas: constante desenvolvimento tecnológico, base de sua competitividade, e uma participação intensa nas cadeias internacionais de suprimento agrícola. O investimento em educação especializada, técnica e superior, a força do sistema cooperativo e do crédito especializado também têm sido fatores relevantes.
Por outro lado, nossa indústria está encolhendo, fechada em seu protecionismo e é cada vez menos competitiva. Ao mesmo tempo, é possível conhecer muitas empresas bem-sucedidas nestes últimos anos. Na maioria dos casos que conheço ocorreu algo muito semelhante ao já observado sobre o agronegócio: são empresas antes de tudo preocupadas com inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, que buscam se colocar no mundo, participando das cadeias globais, criando músculos para superar as deficiências do custo Brasil.
Só voltaremos a crescer de forma sustentada se esses sucessos forem mais generalizados.
*Economista e sócio da MB Associados.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
Cristina Serra: Bolsonaro e o trator da corrupção
Não é de hoje que as emendas parlamentares se prestam ao toma lá, dá cá. Mas a coisa ganha outra dimensão quando se sabe quem pediu o quê, para quem e quanto, como mostrou o repórter Breno Pires, de O Estado de S. Paulo. A reportagem revela a existência de um orçamento secreto e o intrigante pendor dos congressistas por máquinas agrícolas, especialmente tratores. A malandragem já vem batizada: é o tratoraço de Bolsonaro.
A reportagem é o roteiro de uma investigação. Nomes, valores e destinação das máquinas estão ali. Tudo cheira mal na rapinagem de R$ 3.000.000.000,00 do orçamento público. Teoricamente, as máquinas vão ser usadas em obras de prefeituras. Algumas estão localizadas a milhares de quilômetros da base eleitoral dos parlamentares, e foi detectado superfaturamento de até 259% nas compras. Ora, mas Bolsonaro não havia acabado com a corrupção?
O tratoraço de Bolsonaro explica a eleição folgada de Arthur Lira para a presidência da Câmara, o engavetamento dos pedidos de impeachment (além dos que foram herdados de Rodrigo Maia) e a dificuldade de criação da CPI da Covid-19 no Senado, arrancada a fórceps por decisão do STF. A pilhagem tem que ser investigada no contexto da pandemia. O mesmo Bolsonaro que usa dinheiro público para aliciar parlamentares é o que está no comando do genocídio brasileiro.
O que sobra para encomendar tratores e, claro, produzir cloroquina falta para comprar oxigênio, abrir leitos de UTI e para as tão esperadas vacinas. Por falta delas, capitais suspenderam a imunização. Sem a matéria-prima da China, o Butantan interrompeu a produção de doses. Sem vacina para todos, a morte, a fome e o desemprego seguirão nos ameaçando por tempo indefinido.
Penso no Brasil de Bolsonaro como a metáfora de uma casa abandonada, onde os ratos se sentem à vontade para disputar os despojos. Para não chegarmos a isso, é preciso CPI, impeachment, processo, condenação e prisão.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/05/bolsonaro-e-o-trator-da-corrupcao.shtml
O Globo: Orçamento paralelo de R$ 20 bilhões irriga órgãos dominados pelo Centrão
Natália Portinari, O Globo
BRASÍLIA — O “Orçamento paralelo” em emendas de R$ 20 bilhões em 2020, controlado por deputados e senadores governistas, foi direcionado para diversos órgãos chefiados por indicados do Centrão. O loteamento de cargos no governo federal permitiu que parlamentares tivessem ainda mais controle sobre o destino da verba indicada por eles.
A negociação foi operacionalizada através das emendas de relator, uma fatia do Orçamento usada para investimentos, obras e reforço para os caixas de municípios na área de saúde e educação. Governistas usaram a verba para irrigar suas bases eleitorais com verbas “extra”, além das emendas individuais de R$ 16 milhões a que cada um tem direito.
Os recursos que constituem o “Orçamento paralelo”, distribuído de forma desigual e sem transparência entre os parlamentares pela cúpula do Congresso em acordo com o governo federal, são provenientes das emendas de relator. O relator do Orçamento repassa informalmente as indicações de verbas de líderes partidários para a União, que depois autoriza os repasses dos ministérios demandados. É diferente de quando deputados e senadores indicam o destino de suas emendas parlamentares formalmente na peça orçamentária: eles têm direito a exatamente o mesmo valor, sejam da oposição ou governistas, e o Executivo é obrigado a fazer os pagamentos.
No Ministério da Educação, por exemplo, os valores empenhados (autorizados para pagamento) de emendas de relator chegam a R$ 2 bilhões. Deste valor, R$ 1,5 bilhão foi parar no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo gestor, Marcelo Lopes da Ponte, é indicado do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). No órgão há ainda uma diretoria controlada por um quadro do PL, Garigham Amarante Pinto.
A maior parte das emendas de relator foi destinada ao Ministério do Desenvolvimento Regional: R$ 8 bilhões. Dessa quantia, pelo menos R$ 1,2 bilhão foi para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba(Codevasf). Desde o fim de 2019, o órgão é chefiado por um indicado do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).
Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) tem um aliado seu, Aurivalter Cordeiro, à frente da superintendência do órgão em Pernambuco. Ele fez uma indicação de R$ 175 milhões na autarquia, mais de dez vezes o valor de uma emenda individual no Congresso. A cidade de Petrolina (PE), administrada pelo filho de Bezerra, Miguel Coelho, assinou um convênio de R$ 46 milhões com o órgão para pavimentação e abastecimento de água no fim de 2020.
Como revelou o GLOBO, na Codevasf, mais de 90% da verba das emendas de relator foi indicada por aliados do governo Bolsonaro no Congresso. Nas superintendências regionais do órgão, além do indicado de Bezerra Coelho, há chefes apadrinhados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Hildo Rocha (MDB-MA) e Arthur Maia (DEM-BA).
Comandada pelo Centrão, a Codevasf atua prioritariamente em projetos na região do rio São Francisco. Sua área de abrangência, porém, foi ampliada pelo Congresso e vai hoje do Amapá a Minas Gerais. Inaugurado neste ano, o escritório do Amapá foi uma vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado. Ele fez uma indicação de R$ 98 milhões em emendas de relator à Codevasf para seu estado, pedido atendido pelo órgão.
Procurado, Alcolumbre defendeu a indicação. “A instalação da companhia no meu estado mudará para sempre a rota de desenvolvimento local. Ter o Amapá na Codevasf significa mais desenvolvimento para o meu estado. Isto porque, assegurados por lei, vamos ter como aprimorar nossas condições socioambientais regionais e de bem-estar”, disse em nota.
Indicações por WhatsApp
As emendas de relator foram repartidas entre deputados e senadores pelos líderes partidários. Uma lista com a divisão foi enviada à Secretaria de Governo, que, por sua vez, repassou os pedidos aos ministérios e cuidou da liberação, concentrada no fim do ano.
— No ano passado, quem centralizou (a distribuição das emendas de relator) foi a própria Secretaria de Governo — diz o deputado Hildo Rocha.
Deputados e senadores ouvidos pelo GLOBO relatam que nem sempre há uma indicação formal das emendas de relator como a que ocorreu no Ministério do Desenvolvimento Regional. Em muitos casos os pedidos são feitos pelo WhatsApp ou em planilhas manejadas por assessores das quais não há registro. Por isso, não há transparência sobre a distribuição.
O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), também nas mãos do Centrão, recebeu R$ 225 milhões para assentamentos rurais. O presidente é Geraldo Melo Filho, indicado pelo ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) e filiado ao DEM. Nas superintendências, há dezenas de indicações políticas. Os deputados Marx Beltrão (PSD-AL), Zé Silva (SD-MG) e Josimar de Maranhãozinho (PL-MA) já emplacaram chefes regionais.
Fonte:
O Globo
Mariliz Pereira Jorge: Wajngarten, o tchutchuca na CPI da Covid
Pelo que vimos nesta quarta (12), bolsonarista é o tipo tigrão nas redes sociais, quando escorado pelo aparato do governo, mas muito tchutchuca quando precisa enfrentar uma CPI. Fabio Wajngarten gaguejou, disse e desdisse, caiu em contradição, suou, tremeu e, sobretudo, mentiu em seu depoimento à comissão que investiga a má gestão da pandemia.
O ex-secretário da Secom sofre do mal que acomete essa turma que chegou ao Planalto com a eleição de Jair Bolsonaro. Cria as suas próprias narrativas, seguro de que pode manipular não apenas a opinião pública mas os fatos. Ignora que uma coisa é alimentar a militância bolsonarista com mentiras, a outra é bancá-las quando o que está em jogo é prisão.
Wajngarten achou que seria uma boa estratégia tentar livrar a barra do presidente ao colocar a culpa no ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, numa entrevista à revista Veja, que tem toda a cara de ter sido concedida exatamente para isso. Faltou combinar com os russos. Os senadores parecem pouco dispostos a tolerar as artimanhas de que Bolsonaro e apoiadores se servem e pelas quais nunca são cobrados .
A Secom, com Wajngarten à frente, fez campanha para o fim do isolamento e contra a obrigatoriedade da vacina, enalteceu o uso da cloroquina e usou o Telegram, famoso entre os bolsonaristas, para disseminar essas informações. O ex-secretário diz que não sabe, não viu, que estava de licença médica, mas o print é eterno. Seria cômico, se não fosse trágico.
A carta da Pfizer, enviada em setembro de 2020, em que a empresa cobra resposta sobre a oferta de vacinas feita no mês anterior, foi ignorada por dois meses, até que Wajngarten foi procurado, segundo ele, pelo dono da Rede TV. Como a vida de milhões passou a depender da conversa entre um dono de uma empresa privada e um secretário de Comunicação para que a negociação da vacina fosse adiante? Que Pazuello explique em seu depoimento.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Vinicius Torres Freire: CPI da Covid tem de chamar mais gente para mentir e deixar o ‘teje preso’ para depois
A CPI da Covid e parte do país parou para discutir se Fabio Wajngarten deveria ser preso por ter mentido em seu depoimento no inquérito parlamentar. O país já deveria ter aprendido a besteira violenta que dá sair prendendo gente a torto e a direito, mas o assunto de interesse mais imediato nem é esse. A CPI não deve ameaçar os depoentes. Deve chamar mais gente para mentir mais ou até contar a verdade. Seja qual for a opção dos inquiridos, o governo Bolsonaro vai ficar exposto, para usar um eufemismo juridicamente seguro.
O general Eduardo Pazuello, ex-chefe do almoxarifado da Saúde, é o próximo da fila do vexame e de um futuro programa de acareações, mas já é uma figura manjada. A fila tem de andar. Por exemplo, quando a CPI vai convocar o general Braga Netto, ora ministro da Defesa e ex-ministro da Casa Civil?
Braga Netto tomou decisões relativas à vacina. Um documento do governo diz que ele liderou o “processo decisório” de adesão do Brasil à iniciativa da OMS (ACT Accelerator) do qual fazia parte a Covax (distribuição de vacinas para países mais pobres). Muito bem. O que ele mais sabe sobre os processos decisórios? A Casa Civil, o ministério da Saúde e o ministério da Economia fizeram reuniões para decidir o que fazer da vacina da AstraZeneca, em 19 de junho de 2020, por exemplo. Os ministros dessas pastas também receberam a célebre carta ignorada em que a Pfizer oferecia vacinas.
Isso consta dos relatórios do “Grupo de Trabalho para a Coordenação de Esforços da União na Aquisição e na Distribuição de Vacinas contra a Covid-19”, que faz também uma lista de instituições que participaram dos debates e ouviram as posições do Ministério da Saúde (associações médicas, Butantan, Fiocruz, conselho de secretários de Saúde etc.). Seriam ótimas fontes de material para as acareações do general Pesadello ou de Wajngarten, pelo menos, dado que não vão poder fundamentar as perguntas para essas criaturas.
Paulo Guedes deveria ser o próximo ministro a sentar no banco do inquérito parlamentar. Além de seu ministério ter participado de decisões ou conselhos relativos à vacina, a Economia também manifestou publicamente opiniões enfáticas a respeito da epidemia. No mesmo dia 17 de novembro em que Wajngarten dizia bater um papinho informal com a Pfizer, a Secretaria de Política Econômica de Guedes afirmava que a possibilidade de “segunda onda” era “baixíssima” no Brasil, entre outras temeridades. Até dezembro, pelo menos, Guedes negava o risco de novo desastre, quando o repique do morticínio já era evidente. Revelou-se outra vez um mestre, quiçá doutor, em avaliação de risco e previsões certeiras (as quais o ministro costuma errar na casa das dezenas de milhões ao trilhão).
O que Braga Netto e mesmo Guedes têm a dizer sobre o fato de o Brasil ter encomendado poucas vacinas da Covax (para cerca de 10% da população, bastantes para pessoas com mais de 80 anos, com comorbidades e trabalhadores de saúde, como argumentou a Saúde)?
Como explicam que a oferta da Pfizer ficou no limbo? Negligência? Levaram a proposta a Bolsonaro? Fizeram alguma coisa? É uma pergunta simples, com respostas simples. Assumem a responsabilidade ou a jogam nas costas de alguém. Não dá nem para mentir.
Ainda falta roteiro de investigação para a CPI. Um quadro de “perguntas sem resposta”, uma planilha de mentiras já registradas, um organograma de responsabilidades a ser preenchido com esses nomes ministeriais e outros.
O “teje preso” é para depois.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Maria Hermínia Tavares: Autobiografia de uma nação
Em um artigo publicado em 1994 no jornal turinês La Stampa, sob o título “Aquela Itália modelo Berlusconi”, o filósofo Norberto Bobbio (1909-2004) se perguntou, com um misto de espanto e tristeza, se o berlusconismo não seria “uma espécie de autobiografia da nação, da Itália de hoje”.
A pergunta vale para o Brasil, embora talvez seja precipitado falar em bolsonarismo para designar, seja os seguidores militantes do presidente —os seus minions—, seja o sentimento difuso de apatia benevolente ou simpatia aberta de quase a metade dos brasileiros em relação ao chefe do desgoverno. A despeito da administração catastrófica da pandemia —responsável por um número decerto elevado de mortes evitáveis e estagnação econômica—, sucessivas sondagens indicam que segue estável o contingente dos que consideram o desempenho de Bolsonaro ótimo ou bom, na casa de 30%, e o dos que lhe atribuem conceito regular (da ordem de 20%).
A constância das opiniões parece dizer muito do estado da nação que seus habitantes construíram sem querer ou perceber. É o país da educação pouca e precária, que abre espaço a explicações estapafúrdias sobre a origem da Covid-19 e as maneiras de enfrentá-la.É onde, diante do imperativo de ganhar a vida e à falta de alternativas para fazê-lo de forma segura, milhões de pobres viraram cativos dos discursos que minimizam o perigo da praga e desprezam as medidas básicas de proteção contra ela.
É a nação que deixou que o crime se apropriasse de extensos territórios urbanos, disseminando o medo, a insegurança e a consequente aceitação das formas mais brutais de reprimir a criminalidade. É o país da favela do Jacarezinho, que toma com naturalidade que suspeitos —até de delitos menores— sejam exterminados com autorização do governador do estado, aplausos de apresentadores de TV e apoio ostensivo do presidente e de seu vice.
É a nação onde as distâncias sociais são tão imensas que as próprias instituições que em outras paragens dão corpo à solidariedade social —previdência, serviços de saúde e transporte coletivo— reproduzem desigualdades e diferenças. Sem estruturas de solidariedade social, os mais bem aquinhoados e protegidos veem os que morrem na porta dos hospitais, quando os veem, como estatísticas, e os abatidos numa favela como suspeitos habitantes de outro planeta, onde a vida é sórdida, abrutalhada e breve.
O crescimento da extrema direita, na última década, com seus movimentos, redes, gurus e porta-vozes, é um lado da autobiografia recente desta nação. Bolsonaro apenas deu-lhe o que tem: uma cara cruel e primitiva.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.Postado por Gilvan Cavalcanti de Melo às 08:55:00 Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Fonte:
Folha de S. Paulo
Bruno Boghossian: Lula retoma territórios, e Bolsonaro se agarra a base mais restrita, aponta Datafolha
A fidelidade da base lulista e a hesitação do eleitorado que aderiu a Jair Bolsonaro (sem partido) em 2018 ajudam a explicar o descolamento entre os dois principais personagens da próxima corrida presidencial.
De volta ao jogo depois que o STF (Supremo Tribunal Federal) anulou condenações que o impediam de concorrer no ano que vem, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou o controle de territórios tradicionalmente petistas, de acordo com números da primeira pesquisa do Datafolha para a disputa de 2022.
Uma fatia da vantagem que o ex-presidente abriu sobre seus adversários aparece principalmente no grupo mais pobre da população —o que sugere que bandeiras petistas como as plataformas de distribuição de renda e redução da pobreza ainda ressoam nesse eleitorado.
Os números indicam que essa faixa é uma trincheira inicial de Lula. Entre eleitores que ganham até dois salários mínimos, o petista aparece com 47% no primeiro turno. Nos demais grupos de renda, ele não passa de 34%. Também está ali sua menor rejeição: 29%, contra mais de 40% em outros segmentos de renda.
Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, os mais pobres dariam ao petista uma vitória por 60% a 28%.
A margem de Lula nesse recorte é relevante, no ponto de partida, porque o segmento de baixa renda representa mais da metade do eleitorado brasileiro. Além disso, esses grupos foram alvos de investidas de Bolsonaro ao longo do último ano.
O pagamento das parcelas de R$ 600 do auxílio emergencial, até setembro de 2020, aproximou esse eleitorado da órbita do presidente. O segmento ajudou o governo, em certa medida, a manter sua aprovação estável na pandemia e após a crise com o ex-juiz Sergio Moro, quando Bolsonaro perdeu popularidade em grupos de renda mais alta.
Os índices apresentados pelo Datafolha apontam que o presidente se agarra, agora, a uma base mais restrita. Com uma nova rodada do auxílio em valores menores, Bolsonaro não conseguiu avançar entre os mais pobres. Do outro lado, ele tem seus maiores índices de rejeição em segmentos mais ricos e com escolaridade mais alta.
Embora o presidente tenha consolidado um eleitorado fiel, ele encontra esse obstáculo em sua corrida à reeleição. Brasileiros com ensino superior completo foram alguns dos primeiros grupos a impulsionar a candidatura de Bolsonaro em 2018, abrindo caminho para sua vitória.
Agora, parte deles rejeita o presidente e parece buscar uma alternativa. Nesse segmento, Lula aparece com 30%, contra 22% de Bolsonaro, enquanto outros 36% se dividem entre os candidatos que disputam o rótulo da terceira via: Ciro Gomes (11%), Sergio Moro (10%), João Amoêdo (6%), Luciano Huck, João Doria e Luiz Henrique Mandetta (3% cada).
Esse pelotão, no entanto, não ameaça a vaga de Bolsonaro no segundo turno ou a liderança de Lula em nenhum recorte da população com peso relevante na pesquisa. Pode ser um sinal de que o eleitorado que rejeita os dois principais concorrentes não é tão numeroso quanto gostariam os demais candidatos.
Caso o cenário se cristalize como uma disputa concentrada entre Lula e Bolsonaro, a corrida vai se desenhar ao longo do próximo ano a partir dos movimentos dos dois líderes para preservar redutos, ampliar seus domínios e estimular a rejeição ao adversário.
No numeroso segmento de baixa renda, o desempenho da economia e o uso da caneta presidencial podem mexer nas curvas de intenção de voto. Ainda que os petistas enxerguem um vínculo histórico com esse grupo, a experiência do auxílio emergencial mostrou que parte dos eleitores responde rapidamente a medidas que tenham efeito direto sobre seu bolso.
As discussões no governo sobre a ampliação de despesas, os benefícios prometidos pelo presidente a categorias como caminhoneiros e o enfraquecimento da agenda de cortes do ministro da Economia, Paulo Guedes, indicam que Bolsonaro tem disposição para tomar decisões com potencial eleitoral considerável.
Além disso, auxiliares do presidente esperam que sinais de recuperação econômica e avanços na vacinação, embora extremamente lentos, possam se consolidar até 2022 e ajudar a reduzir a rejeição ao governo pela condução da resposta à pandemia da Covid-19.
A esperança dos bolsonaristas é recuperar, assim, parte do eleitorado que esteve com o presidente em 2018 e que não votaria em Lula no ano que vem. O foco da campanha seria despertar novamente o antipetismo, principalmente em segmentos da classe média e em grupos mais ricos da população.
Na visão de aliados do Palácio do Planalto, se nenhum outro candidato se mostrar competitivo até os meses finais da campanha, parte desse eleitorado poderia se aproximar de Bolsonaro por gravidade para derrotar o PT.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Carlos Melo: A mentira e a linha de um tempo de absurdos
Precipitadamente, esperava-se que o depoimento de Fabio Wajngarten trouxesse revelações bombásticas e viesse a entregar ex-colegas de governo. Afinal, o ex-secretário viveu os bastidores da presidência de Jair Bolsonaro, foi integrante do núcleo dirigente e, sobretudo, por meio da Revista Veja havia dirigido artilharia pesada contra o Ministério da Saúde.
No entanto, sendo evasivo, Wajngarten buscou se caracterizar como um burocrata distante do centro do poder. Defendeu-se e optou pela fidelidade ao presidente e à sua alma mater, o bolsonarismo. E era mesmo essa a perspectiva mais realista a respeito do depoimento.
Contudo, ele não combinou com a maioria da CPI. Determinados em revelar erros do governo e do presidente da República, os membros não governistas da comissão resolveram apertar o ex-secretário. E assim explicitaram inúmeras contradições em suas declarações. Sobretudo, em relação ao que disse à revista Veja.
Saiu dali a primeira protagonista do dia: as acusações de falso testemunho — Wajngarten mentiu à CPI ou à Veja? A revista liberou o áudio da entrevista e uma acareação entre o ex-secretário e seus repórteres foi posta sobre a mesa. Ficou ali patente o erro estratégico de Wajngarten, o que poderia ter-lhe levado da CPI diretamente à prisão. Não chegou a tanto, mas ficou o recado aos próximos depoentes.
A segunda personagem do depoimento emergiu com a exposição da Carta da Pfizer dirigida aos principais membros do governo. Emitida em setembro de 2020, ela alertava para a urgência da negociação em torno da compra de vacinas. Como se o assunto fosse irrelevante, após dois meses parecia ignorada — medidas efetivas se deram apenas quatro meses mortais mais tarde. Inadvertidamente, Wajngarten explicitou “a linha do tempo de absurdos” que giram em torno da pandemia no Brasil.
A mentira e o desmazelo gritaram alto na CPI. Despreparada, a tropa governista não conseguiu deter a linha do tempo. Nem a história, de onde todos os absurdos transbordam.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/carlos-melo/a-mentira-e-a-linha-de-um-tempo-de-absurdos/
José Serra: Orçamento sem bom censo
O Orçamento público aprovado no final de abril, com atraso e inconsistências técnicas, compromete o desempenho das políticas públicas no País e cancela, na prática, os recursos para a realização do Censo 2021. Nos Estados Unidos, o presidente Joe Biden defende seu ambicioso plano de Estado para os próximos dez anos; já no Brasil, os formuladores de políticas governamentais promovem desorganização das contas públicas e desmantelamento de programas de governo indispensáveis ao desenvolvimento do País.
Soma-se a esse inadmissível desacerto na condução da política econômica a inepta tese de que o Orçamento público deve ser decidido pelos parlamentares. Como se o papel do Executivo fosse somente largar na porta do Congresso Nacional o principal instrumento de planejamento e gestão do País. Não é admissível que um governo se exima de governar.
Nossa Constituição federal confere ao Poder Executivo competência privativa para elaborar o Orçamento, em função de metas e prioridades estabelecidas pelo presidente da República. Quando o governo abre mão dessa prerrogativa durante o processo de elaboração do Orçamento, o Parlamento ocupa esse espaço e, por inércia, tende a avançar na alocação unilateral dos recursos públicos, por meio de emendas orçamentárias.
Nota-se que o governo federal se descompromete das próprias metas e prioridades ao evitar interações com o Poder Legislativo na fase de discussão do Orçamento. Por sua vez, os parlamentares têm interesses próprios relacionados às suas bases eleitorais e locais. Num sistema político-partidário fragmentado, como se verifica no Brasil, a estratégia do governo, em última análise, compromete a qualidade do gasto e alimenta o viés deficitário do Orçamento.
Nesse contexto, o Congresso praticamente excluiu do Orçamento de 2021 a previsão de recursos para a realização do censo. O relator-geral do Orçamento adotou uma estratégia conhecida na Esplanada como “inversão de prioridades”: corta-se uma despesa essencial para financiar outros gastos de prioridade duvidosa, sabendo que, no fim das contas, haverá forte pressão para recompor a verba cortada.
Sabe-se que o censo, no Brasil, deve ser realizado a cada dez anos, nos termos do primeiro artigo da Lei 8.184, de 1991. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao ser provocado, decidiu corretamente ao determinar que o governo tome as providências para realizá-lo neste ano. A Corte julga agora um recurso da Advocacia-Geral da União contra essa determinação, mas, ao que tudo indica, os ministros devem manter a decisão anterior.
O Censo 2021 deve ter prioridade e medidas devem ser tomadas para superar questões sanitárias. Na ponta do lápis, o custo é irrisório comparado aos benefícios: gasta-se pouco para lançar mão de dados que ajudam os gestores públicos a fazer uma alocação melhor e mais eficiente dos recursos públicos. Trata-se de uma ampla pesquisa que cobre os domicílios brasileiros, com um retrato detalhado da população – desde quantidade e características das famílias até o tipo de moradia em que vivem, levando em conta acesso a coleta de lixo, energia elétrica e transporte público, por exemplo.
Cabe também observar que o Brasil vem sofrendo transformações substanciais na última década. São mudanças nos fluxos migratórios e na pirâmide etária do País, por exemplo, que só podem ser medidas com maior precisão com o censo. E são indicadores fundamentais para tomada de decisões e formulação de políticas públicas.
Em países avançados, o censo é considerado uma ferramenta essencial para o desenvolvimento. Recentemente tive a oportunidade de acompanhar a manifestação de um ministro canadense explicando a importância das pesquisas censitárias, especialmente para o planejamento dos negócios no setor privado e das políticas públicas mais importantes para as comunidades. Devemos seguir esse caminho, pondo o censo como instrumento prioritário da administração pública.
Quando ministro do Planejamento, tive a oportunidade de coordenar a elaboração do primeiro plano plurianual do governo Fernando Henrique Cardoso. A maioria das reuniões era realizada no ministério, mas não foram poucas as vezes em que fui pessoalmente ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), braço direito na elaboração do plano.
Eram presença marcante e constante dessas reuniões técnicos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Este, hoje tão desrespeitado e desprestigiado, foi o responsável por fornecer as estatísticas sobre o acesso da população brasileira aos serviços básicos, níveis educacionais e outros indicadores que nortearam a definição das políticas públicas a serem implementadas no Brasil à época.
É uma pena observar manobras no Orçamento federal que comprometem a realização do Censo 2021. O governo precisa recuperar seu protagonismo no processo de elaboração do Orçamento, sinalizando para o Congresso o compromisso com o planejamento das políticas públicas. Caso contrário, o Orçamento continuará sem bom censo.
*Senador (PSDB-SP)
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,orcamento-sem-bom-censo,70003713088
Ricardo Noblat: No seu pior momento e no melhor de Lula, Bolsonaro perde feio
Um truísmo, mas vá lá. Pesquisa de opinião é um retrato do momento. Tendência, a evolução de alguma coisa num sentido determinado. O que uma pesquisa revela só vira uma tendência se confirmada por futuras e sucessivas pesquisas.
Os resultados da pesquisa Datafolha divulgada nas últimas horas foram péssimos para o presidente Jair Bolsonaro e ótimos para o ex-presidente Lula. Manda a prudência, contudo, que se esperem novas pesquisas para conferir se isso configura uma tendência.
Pode ser também o que pesquisadores chamam de “soluço”, algo ocasional que, mais tarde, será naturalmente corrigido. De resto, faltam 20 meses para o primeiro turno da eleição presidencial do ano que vem. Mesmo uma tendência pode ser revertida.
Tais ressalvas não tiram a importância do que a pesquisa Datafolha registrou: se a eleição tivesse sido realizada nessa quarta-feira (12/5), Lula teria batido Bolsonaro com folga de votos no primeiro ou no segundo turno. Bolsonaro deve preocupar-se, e Lula comemorar.
Bolsonaro atravessa seu pior momento. Embora em queda, a pandemia da Covid já matou quase 430 mil pessoas, em grande parte por incúria dele mesmo. Uma CPI apura tudo. Há 14 milhões de desempregados, e a recuperação da economia é lenta.
A série histórica da pesquisa mostra que, de dezembro para cá, a popularidade de Bolsonaro derreteu. A fatia de ótimo ou bom, que no último mês de 2020 atingia o recorde de 37%, caiu até chegar ao atual patamar, de 24% (queda de 13 pontos percentuais).
O grupo dos que consideram o governo ruim ou péssimo, que em dezembro correspondia a 32%, cresceu até atingir os atuais 45% (alta de 13 pontos). Bolsonaro amarga ao mesmo tempo o maior percentual de rejeição e o menor de aprovação.
Lula vive o melhor momento de sua vida desde que foi preso, condenado e trancafiado em Curitiba por 580 dias. A Justiça anulou suas condenações e declarou suspeito o ex-juiz Sergio Moro, que conduziu os processos. Por ora, nada de ruim gruda nele.
Tornou-se de bom-tom adversários políticos responderem a acenos de Lula com afabilidade, e se convidados, reunirem-se com ele. Sua passagem recente por Brasília foi um sucesso. Quem não esteve com ele insinua em conversas que poderia ter estado.
Em vista disso tudo, é compreensível que na simulação de primeiro turno feita pelo Datafolha Lula apareça com 41% das intenções de voto, contra 23% de Bolsonaro, 7% de Moro, 6% de Ciro, 4% de Luciano Huck, 3% de João Doria e 2% de Mandetta.
Num eventual segundo turno contra Bolsonaro, Lula o derrotaria por 55% dos votos a 32%. Para o petista, migraria a maioria dos votos de Doria, Ciro e Huck. Bolsonaro herdaria a maior fatia dos votos de Moro, seu ex-ministro da Justiça e desafeto declarado.
Lula venceria Moro no segundo turno por 53% a 33%, e Doria por 57% a 21%. Bolsonaro empataria tecnicamente com Doria (39%, a contra 40%) e perderia para Ciro (36%, a 48%). Os que disseram que jamais votariam em Bolsonaro são 54%, contra 36% de Lula.
O barco do PT navega, por enquanto, em mar de almirante. O céu não é de brigadeiro para Bolsonaro.
Candidato de centro a presidente ainda não deu o ar de sua graça
Quem souber de um, favor informar aos partidos interessados em construir alternativa a Lula e a Bolsonaro
Por ora, a eleição presidencial daqui a 20 meses será travada por apenas dois nomes com chances de vencer, segundo a pesquisa de intenções de voto do Datafolha, a primeira aplicada presencialmente: Lula e Bolsonaro. Não tem para mais ninguém.
Ciro Gomes, do PDT, que será pela quarta vez candidato? Foi rebaixado pela entrada de Lula no páreo. Antes, apostava em atrair boa parte dos votos da esquerda. Agora, ambiciona os votos do centro direita para tirar Bolsonaro do primeiro turno.
João Doria, do PSDB, governador de São Paulo e pai da vacina? Reúne míseros 3% das intenções de voto e enfrenta forte resistência dos seus governados. Eles o rejeitam até quando reconhecem que, se não fosse Doria, não se vacinariam tão cedo.
Sergio Moro, o ex-juiz? É carta fora do baralho. Não só porque anunciou que não se candidatará, mas porque os políticos em geral não o suportam. Moro criminalizou a política, e os políticos querem vê-lo morto e enterrado. Não há acordo possível entre eles.
Luciano Huck, o apresentador do programa das tardes de sábado na Rede Globo de Televisão? Seu destino é trocar de dia, sucedendo Faustão nos fins de tarde do domingo. É jovem, pode esperar que a fila ande e trocar de palco mais adiante.
Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde? Esse até quer ser candidato e deixa boa impressão por onde passa. Mas seu partido, o DEM, está em liquidação e sem cacife para alçar voo. Mandetta admite disputar o governo do Rio ou uma vaga no Senado.
Faltou algum nome na lista dos pretendentes a candidato do centro? O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) e o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite (PSDB) foram lançados só para atrapalhar a vida de Doria, e estão atrapalhando.
O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) encabeça um movimento para que seu partido não tenha candidato próprio a presidente. Ele e boa parte dos seus pares estão interessados na grana do Fundo Partidário para se reeleger. Sobrará mais grana para eles.
Em resumo: quem souber do paradeiro de um viável candidato de centro a presidente da República será regiamente gratificado.
Fonte:
Metrópoles