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José Serra: Um teto seguro e possível

PEC 182 propõe excluir despesas com benefícios do RGPS e o excesso de precatórios previsto para o ano seguinte

José Serra / O Estado de S. Paulo

O Orçamento do governo federal precisa do teto de gastos, e nossos concidadãos mais vulneráveis e mais duramente atingidos pela pandemia também precisam de um teto para morar, de comida no prato e de uma renda básica para viver dignamente. O governo alega que esses dois objetivos são incompatíveis, mas existe no Congresso uma proposta de legislação tecnicamente superior, que permite ao Executivo financiar novos gastos com assistência aos mais vulneráveis, mas preservando o arcabouço institucional na área fiscal e evitando postergar infinitamente o pagamento de dívidas do governo já sancionadas em definitivo pelo Judiciário (os afamados precatórios).

A proposta do governo federal para mudar a forma de calcular o teto de gastos, combinada com a fixação de um limite de pagamento de precatórios, pode ser encarada como uma bomba fiscal. Trata-se de uma aventura que terminará com a sociedade toda sem saber o rumo que o País resolveu seguir, vivendo com juros altos e inflação descontrolada.

Após a aprovação da reforma da Previdência em 2019, apresentei a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 182, com o objetivo de aperfeiçoar e harmonizar as instituições e regras fiscais em vigor no País. São pouquíssimos artigos, mas com efeitos importantes: amplia controladamente o espaço fiscal no teto de gastos e institui no Brasil um sistema de revisão periódica dos gastos públicos. É uma mudança que permite manter o Teto Constitucional até 2036, com possibilidade de alteração em 2026, tal como estabelece a Emenda Constitucional promulgada no final de 2016.

A proposta exclui as despesas com benefícios previdenciários da base de cálculo do teto de gastos de forma retroativa a 2016. No Orçamento do próximo ano, essa medida abre espaço de R$ 9,2 bilhões. O texto também deveria retirar o excesso de precatórios previsto para o ano subsequente, em relação ao que se espera gastar no ano corrente, o que amplia o espaço fiscal adicional para R$ 43,2 bilhões.

Uma simples matemática ajuda a entender por que é uma boa medida excluir o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) do limite para gastos. As despesas com previdência social ocupam cerca de metade do teto do Poder Executivo e crescem a taxas bem acima do indicador que corrige anualmente esse limite de gastos. Isso quer dizer que as demais despesas do Orçamento, como investimentos, saúde e educação, serão comprimidas pelo crescimento do RGPS, comprometendo o suporte estatal em áreas vitais para o desenvolvimento do País.

Propostas que buscam excluir do teto os gastos com investimentos, a saúde e a educação apenas acentuam o principal problema do teto: o efeito de compressão do RGPS sobre as demais despesas do Poder Executivo. São propostas que acabam com a regra constitucional aprovada em 2016.

Excluir do teto o excesso de precatórios envolve questões fiscais e morais. Primeiro, abrir espaço fiscal limitando o pagamento de precatórios, como propõe o governo federal, é uma pedalada fiscal: gasta-se mais gerando dívida que não aparece nas estatísticas fiscais oficialmente divulgadas pelo Banco Central e pelo Tesouro Nacional. Segundo, é simplesmente um calote. O País não pode sinalizar ao mundo que deixa de pagar despesas decorrentes de sentenças judiciais.

A aprovação da PEC 182 é oportuna porque abre espaço fiscal de R$ 43,2 bilhões no teto, viabilizando uma agenda social indispensável para enfrentar a fome e a pobreza extrema. Por outro lado, permite quitar as dívidas com precatórios, dando exemplo de responsabilidade aos credores do Estado brasileiro.

A PEC 182 também avança propiciando inovação institucional. Adotando princípios gerais de um sistema de revisão periódica de gastos públicos, lá fora conhecido como

Spending Reviews, a PEC coloca o País na rota dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em matéria de governança fiscal. Mais importante: busca instituir no País um modelo de gestão fiscal que pode revolucionar a forma de discutir o orçamento público. Não há quem possa racionalmente opor-se à revisão periódica dos gastos públicos, com transparência e método racional envolvendo toda a administração pública.

Sobre a proposta do governo, tenho pouco a dizer: é uma bomba fiscal. Sua fórmula de correção do teto abre espaço fiscal comprometendo o planejamento orçamentário, já que o Orçamento do ano subsequente será enviado ao Congresso sem a definição do teto que deveria orientar a gestão dos recursos públicos. Aí, sim, transforma nosso Orçamento em peça de ficção. Sobre o limite de pagamento de precatórios, convenhamos, é calote, é pedalada, é tudo, menos responsabilidade fiscal.

As lideranças do Poder Executivo e do Congresso Nacional devem entender que o País está à beira de um precipício fiscal. Nunca foi tão importante priorizar a assistência social e os gastos que permitem retomar o caminho da prosperidade. Precisamos manter a parcela da sociedade mais vulnerável protegida por um teto bem construído, sem inflação fora do controle e longe das taxas de juros elevadas.

*Senador (PSDB-SP)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,um-teto-seguro-e-possivel,70003881843


Felipe Salto: Às favas os escrúpulos

Responsabilidade fiscal: defendida no caso dos absorventes, desprezada no caso dos precatórios

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

O relatório sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 23, de autoria do deputado Hugo Motta, constitucionaliza o calote. Essa versão piorada da proposta original do governo fixa um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entrará na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”. Na mesma semana, o presidente vetou a distribuição de absorventes em razão da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Mandaram às favas os escrúpulos de consciência que restassem.

A proposta, coassinada pela deputada Tabata Amaral, não cria despesas obrigatórias de caráter continuado e, portanto, não requer medida compensatória. O argumento na hora do veto estava errado. O próprio artigo 6.º do texto aprovado submete a despesa com a compra de absorventes aos chamados contingenciamentos. O dinheiro viria do orçamento do SUS, mas poderia ser congelado, se necessário. O artigo 17 da LRF trata de despesas obrigatórias permanentes. Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas do Senado, logo percebeu a confusão e desmontou essa base do veto.

Vale dizer, o custo da medida é estimado em R$ 119,1 milhões. Já a manobra constitucional dos precatórios abrirá folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022. Um ataque à Constituição e ao teto, com direito a calote em despesa obrigatória. E a lei? Ora, deixem-nas para os inimigos...

Para ter claro, essa folga será igual a 405 vezes o custo da distribuição de absorventes para meninas e mulheres pobres. Fere de morte o teto de gastos, como mostrei na coluna de 28 de setembro (O fim do teto de gastos). A distribuição de absorventes, por sua vez, estava rigorosamente dentro do figurino da responsabilidade fiscal.

Sabe-se que a isonomia não é o forte de quem toma decisões sob a lógica do populismo, da desfaçatez, da ignorância, do despreparo e do desconhecimento das leis. Mas o mais grave é a sensibilidade social passar longe dessa velhacaria. Água e óleo. Vale tudo – inclusive ignorar a lei – para espezinhar uma opositora do governo em franca ascensão. Aliás, Tabata Amaral, sua combatividade me representa.

Como em muitas outras ocasiões, o presidente não demonstra empatia pelos que sofrem. O “e daí?” é o mantra macabro a orientá-lo. No domingo, nova dose de irresponsabilidade. Apareceu sem máscara, em Santos, para forçar a entrada na Vila Belmiro, mesmo não vacinado. Faz de propósito. Quer animar os desvairados que ainda ocupam as arquibancadas de seu governo nefasto.

Mas não se enganem. Sobra esperteza tanto quanto falta compaixão. Ninguém chega ao posto máximo da Nação sem sagacidade. Pode, sim, chegar sem alma e sem espírito público, uma vez vendidos ao diabo, mas não sem esperteza. Seu faro indica como garantir certos apoios nas eleições de 2022, mesmo após o fracasso destes três anos: dinheiro para o Centrão. No fim do dia, é preciso pulverizar recursos sobre as bases dos amigos. O que está em jogo é isso. Não é o reajuste do Bolsa Família – a melhor desculpa que se poderia ter, diga-se.

A nova proposta para os precatórios é mais sofisticada, na forma, mas continua a calotear despesas obrigatórias. A engenhosidade está em limitar, em primeiro lugar, a expedição dos precatórios. O limite estará baseado no valor pago de 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela regra do teto (inflação). Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, restando R$ 48,6 bilhões para saldar no futuro. Permite-se, ainda, o chamado encontro de contas para anular parte do crescimento exponencial derivado, matematicamente, dessa estratégia.

A ideia é de que as dívidas dos precatoristas com a União possam ser anuladas. A medida evitaria o pagamento em dinheiro pela União e esses acordos estariam fora do limite máximo estipulado. Por exemplo, se uma empresa tem dívida tributária de R$ 10 milhões com o governo e o mesmo valor a receber em precatórios, poder-se-ia anular a dívida pelo crédito em precatórios. O fato é que, mesmo no caso dos governos estaduais – em que o mecanismo proposto dá poder de barganha elevado à União –, sempre haverá o risco de questionamento no Supremo Tribunal Federal.

Essa lambança fiscal representará o fim do teto de gastos, turbinará os juros (ainda mais), elevará a dívida pública e reduzirá as chances de crescimento econômico. A sanha por abrir espaços orçamentários em ano eleitoral já está sendo penalizada, naturalmente, pelas forças de mercado.

É o vale-tudo para amealhar os apoios necessários e viabilizar despesas novas. Enquanto isso, nega-se a dignidade às meninas e às mulheres pobres, sob alegação de risco à responsabilidade fiscal. Sim, a mesma atirada pela janela nesta lambança histórica com os precatórios. Hipócritas.

A esperteza, quando é muita, engole o dono. O governo seguirá na base de dois pesos e duas medidas até outubro do ano que vem. Deve pensar: às favas os escrúpulos de consciência, a ética, a lei e todo o resto. A eles, pouco importa que a mula manque. Como na marchinha de Haroldo Lobo, querem mesmo é rosetar.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,as-favas-os-escrupulos,70003865885


Bruno Boghossian: Investigação sobre emendas deve abalar relação Bolsonaro-Congresso

Ministro fala em corrupção e avisa que haverá operação mirando verba de parlamentares

Bruno Boghossian / Folha de S. Paulo

O chefe da Controladoria-Geral da União deu um aviso curioso na última semana. Wagner Rosário disse não ter dúvidas de que existem casos de corrupção no pagamento de emendas indicadas por parlamentares e anunciou que a Polícia Federal deve bater na porta de alguns dos envolvidos em breve. “Todos nós vamos ficar sabendo no dia da deflagração das operações”, declarou.

O alerta é inusitado porque um investigador não deveria dar aviso prévio de suas ações. Além disso, Rosário é ministro de Jair Bolsonaro, um presidente que sobrevive no poder graças a essas emendas. Para completar, o chefe da CGU falou sobre as suspeitas numa audiência dentro Câmara, onde essa fatia do Orçamento é partilhada.

A revelação de desvios nesses pagamentos é um cenário considerado quase inevitável pelo governo. O ministro tentou mostrar serviço e se antecipou para controlar os respingos de eventuais escândalos. A história tem potencial para criar problemas políticos para Bolsonaro.

O governo ganhou fôlego no Congresso ao entregar a deputados e senadores o controle sobre R$ 16,9 bilhões das emendas de relator. O bônus dessa barganha é uma distribuição relativamente livre e pouco transparente de verba nas bases dos parlamentares. Se a PF acabar com a festa de alguns deles, o acordo para sustentar o presidente pode ficar estremecido ou até implodir.

Uma operação que desmanche supostas cobranças de propina em obras pagas por essas emendas também teria impacto na imagem de Bolsonaro. O presidente pode lançar a culpa sobre os parlamentares e empresários que forem pegos nas investigações, mas será difícil esconder o fato de que a origem do dinheiro é o acerto do Planalto com o centrão.

O alcance do caso dependerá de personagens leais a Bolsonaro: o chefe da PF e o procurador-geral da República. A esperança do governo é que a devassa nas emendas fique limitada a políticos de baixo clero, o que restringiria os danos à governabilidade e ao discurso do presidente.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/10/investigacao-sobre-emendas-deve-abalar-relacao-bolsonaro-congresso.shtml


Benito Salomão: Auxílio Brasil e risco democrático

Proposta do novo benefício pode comprometer estabilidade macroeconômica

Benito Salomão / Folha de S. Paulo

Quando a lógica eleitoral pauta a política econômica, as consequências são indesejáveis. O Brasil viveu isso em 2013-14 diante da reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), causando nítidos retrocessos na política fiscal, tais como as contabilidades criativas e pedaladas fiscais. Naquela época, a presidente optou pelo negacionismo fiscal até novembro de 2014, quando venceu as eleições e a realidade se impôs. O desfecho daquele episódio segue fresco na memória.

A história se repete, primeiro como tragédia, depois como farsa, sentença atribuída a Karl Marx ideal para explicar a realidade contemporânea. Após o descalabro de 2014, o Brasil voltou a discutir retrocessos fiscais parecidos com os daquele momento. Em 2020, o país teve que elevar seu endividamento público em face dos danos humanitários causados pela Covid-19.

A dívida pública absorveu o choque, crescendo fortemente. Já em 2021, com várias economias superando a pandemia e retirando os incentivos fiscais, o Brasil segue na direção oposta e acumula inúmeros episódios que têm minado a credibilidade fiscal. Vale ressaltar que o prolongamento da pandemia no tempo é o primeiro fator de insustentabilidade fiscal, criando pressão permanente sobre benefícios sociais que deveriam ser apenas temporários. Isso tudo piorado pelas incertezas acerca da manutenção do teto de gastos, ou por heterodoxias como o orçamento paralelo e o escalonamento dos precatórios.

Nesse contexto de dificuldades fiscais, o governo envia para a Câmara a medida provisória 1.061/21 do novo Bolsa Família, agora nominado Auxílio Brasil. Sobre isso, ressalvas devem ser feitas: 1 - uma política dessa natureza é muito importante para ser normatizada via medida provisória; 2 - não se tem notícia de nenhum estudo que embase o novo desenho da política; e, 3° essa nova política de renda mínima será financiada por elevações de impostos ou cortes de gastos e em quais áreas? Ademais esse programa será acrescido a outras despesas como os precatórios escalonados, além de novos gastos que devem surgir na folga criada pela inflação deste ano no teto de gastos. Esse conjunto de despesas pode tornar inevitável aumentos tributários em um futuro próximo, impondo um elevado custo à sociedade.

O mais grave, no entanto, é o seu objetivo claramente eleitoral, visando reverter a desvantagem do presidente nas próximas eleições. Buchanan e Wagner (1977) sustentam que déficits fiscais causam distorções nas democracias, já que seus benefícios são sentidos no curto prazo, enquanto seus custos, associados a desequilíbrios macroeconômicos como inflação, desemprego, juros altos e elevações tributárias, demoram a se manifestar. Já Tabellini e Alesina (1990) salientam que políticos têm o incentivo de elevar déficits no presente, visando bônus eleitoral e deixando os custos futuros do ajuste para seus sucessores. Nesse contexto, a proposta do Auxílio Brasil tem todas as características de um programa cujo objetivo seja auferir prestígio eleitoral ao seu idealizador. Jair Bolsonaro está, aparentemente, disposto a comprometer a estabilidade macroeconômica do país para se reeleger.

Para 2023, dois cenários são possíveis: 1 - a reeleição do atual presidente irá impor a necessidade que ele próprio conduza o ajuste fiscal. Se isso ocorrer, Bolsonaro herdará de si um país infinitamente mais desorganizado que recebeu em 2019, tendo que lidar com desemprego, dívida pública, câmbio, juros e inflação muito elevados; ou 2 - a eleição de Lula, que também terá de implementar ajustes fiscais, que via de regra são hostilizados por ele e seu partido.

Igualmente importante, é preciso atentar à configuração do Congresso que emergirá em 2023, isso porque boa parte das medidas fiscais dependem de esforços legislativos. No Brasil, a política fiscal é predominantemente formalizada na Constituição, o que torna o poder legislativo fundamental em qualquer estratégia de equilíbrio fiscal.

Independentemente do resultado das urnas, a próxima legislatura dependerá de credibilidade para que o ajuste tenha sucesso. Caso contrário, em um contexto de polarização exacerbada, o ano de 2023 pode reeditar as turbulências de 2015, afetando a governabilidade. Medidas como aumentos de impostos e cortes de gastos são impopulares por si próprias. Em períodos pós-eleitorais, mais ainda, porque o eleitor vota escolhendo cestas de bens públicos prometidos na eleição e, ao receber benefícios a menos, ou impostos a mais, sente-se enganado e tende a radicalizar.

É preciso evitar esse cenário. Melhor seria que o respeito à responsabilidade fiscal fosse cultivado já.

*Benito Salomão é economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia)

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/10/auxilio-brasil-e-risco-democratico.shtml


Felipe Salto: O fim do teto de gastos

Discutir regras fiscais é essencial. Mudá-las para gastar bilhões em ano eleitoral é outra coisa

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

O teto de gastos está por um fio. A manobra para ampliar despesas sem economizar um centavo tem várias facetas. Todas ferem de morte essa regra fiscal. Nada entrará no lugar. Abre-se folga de dezenas de bilhões de reais em pleno ano eleitoral.

A regra do teto, instituída pela Emenda Constitucional n.º 95, de 2016, limita o crescimento das despesas. O IPCA acumulado em 12 meses até junho corrige o teto para o ano seguinte. Essa necessidade de controlar as despesas continua presente. Pode-se discutir o melhor desenho das regras, tema que perpassa diferentes correntes de economistas. Mas é preciso zelar pela responsabilidade fiscal.

A Instituição Fiscal Independente (IFI) tem alertado, desde 2019, para o risco de rompimento do teto, situação contemplada na Emenda 95. Os chamados gatilhos – medidas automáticas de ajuste fiscal – seriam acionados no caso de descumprimento do teto. Cristiane Coelho, Daniel Couri, Paulo Bijos, Pedro Nery e eu defendemos, na Folha (4 de setembro de 2020, Regras permitem romper teto de gastos sem abandonar ajuste fiscal), que a Emenda 95 autorizava romper o teto. O projeto de lei do Orçamento seria o lugar geométrico desse evento. O governo preferiu a tese da impossibilidade. Mais realista que o rei, propôs a PEC Emergencial.

A PEC morreu e foi ressuscitada, no fim de 2020, para ser promulgada como Emenda 109 em março de 2021. A nova regra criada para acionar as medidas de ajuste fiscal nada tem que ver com o limite original. Os gatilhos só poderão ser acionados se as despesas obrigatórias ultrapassarem 95% das despesas primárias totais (que não incluem juros). A IFI mostrou que é impossível superar esse porcentual sem cortar as despesas discricionárias (custeio da máquina, investimentos e outros) ao ponto de colapsar o Estado.

Para ter claro, os gatilhos preservariam a lógica do teto se estivessem em condição de acionamento. A regra do teto seria mantida. O plano B da própria Emenda 95 (gatilhos) seria ativado. Haveria tempo, sobretudo, para discutir uma reforma fiscal e orçamentária. Agora, o governo volta à carga com outra PEC – a dos Precatórios. Ameaça com o calote nos salários dos servidores e nas vacinas, caso não seja aprovada.

Os precatórios foram mal gerenciados. Faltou transparência. A Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Balanço-geral da União deveriam apontar as projeções para as despesas de precatórios ano a ano. Esses gastos estão fixados em R$ 89,1 bilhões no Orçamento de 2022. Antes, previa-se R$ 57,8 bilhões. O excesso de R$ 31,3 bilhões poderia ser financiado com cortes em despesas discricionárias até o nível de R$ 104 bilhões. Baixo, mas compatível com o funcionamento da máquina pública, como mostra artigo assinado por mim e pelos outros diretores da IFI na edição de sábado do Estado.

Com inflação em torno de 8,5%, em 2021, as despesas do ano que vem cresceriam, mas haveria folga de R$ 17 bilhões no teto. Ela se somaria ao corte das discricionárias para saldar a fatura dos precatórios. Sobrariam R$ 14 bilhões para aumentar o Bolsa Família, de cerca de R$ 190 para R$ 250 ao mês, zerando a fila de 1,6 milhão de famílias.

A inflação poderá ser maior, mas a correção de um erro de interpretação da Emenda 95 ajudaria com outros R$ 16 bilhões. Os precatórios do Fundef (antecessor do Fundeb) não têm de estar sob o teto. Se os gastos do Fundeb/fundef não estão, seus precatórios também não deveriam estar, como argumentei neste espaço em 31 de agosto. Mas o desejo é abrir folga bem maior em 2022, de pelo menos R$ 40 bilhões.

A retirada de todos os precatórios da base do teto (2016), com recálculo para a frente, abriria R$ 48,6 bilhões no teto do ano que vem, mesmo valor decorrente da proposta de limitar o pagamento anual a um nível máximo, empurrando o resto. Se o Bolsa Família ou o Auxílio Brasil, seu substituto, for ampliado para R$ 300 ao mês, com 17 milhões de famílias beneficiadas, o custo seria de R$ 27 bilhões. Os outros R$ 21,6 bilhões seriam gastos em quê? Emendas de relator-geral do Orçamento.

Esse instituto é inconstitucional, segundo Heleno Torres, professor de Direito Financeiro do Largo São Francisco. Em 2021, são R$ 18,5 bilhões em emendas de relatorgeral. Para o ano que vem, o pagamento integral dos precatórios, respeitado o teto, não deixaria espaço para isso. Eis o nó.

Há, ainda, um elemento “novo”. Formadores de opinião de relevo passaram a defender a retirada dos precatórios do teto, com medo do parcelamento ou da postergação. Alguns deles, sim, defendem que a medida seria o caminho para preservar a regra. Discordo, mas respeito. Mexer em regra fiscal para facilitar o seu cumprimento é contabilidade criativa, ainda que introjetada na Constituição. Quem garante que outras despesas não seriam retiradas? Ninguém.

Discutir as regras fiscais é essencial. Mudá-las para gastar dezenas de bilhões em ano eleitoral é outra coisa. A Emenda 95 já reza a última oração para, então, pender e seguir no cortejo fúnebre. É o fim do teto de gastos.

*Diretor-executivo e responsável pela implantação da IFI

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,o-fim-do-teto-de-gastos,70003852526


Benito Salomão: Crescimento e confiança no mundo real

Benito Salomão / Correio Braziliense

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE) divulgou, recentemente, os dados do Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira, referente ao segundo trimestre de 2021. O resultado põe fim ao frenesi dos crentes na tese de que a economia poderia apresentar um crescimento sustentado, alheia ao que acontece no front da política nacional. A queda de 0,1% reflete, objetivamente, dois problemas: o péssimo ambiente político e institucional do governo brasileiro, representado em seus Três Poderes, e a ausência de políticas de estímulo ao crescimento econômico.

No que se refere à instabilidade institucional, é preciso deixar claro que, enquanto as autoridades brasileiras perdem tempo e se desgastam com teses irrelevantes como voto impresso, as coisas acontecem (ou deixam de acontecer) no mundo real. As decisões econômicas, dentre elas a de investir na produção, tida como a principal decisão de uma economia capitalista, dependem das expectativas quanto às condições futuras da economia. Para Keynes, essas expectativas dependem do estado de confiança dos empresários quanto à possibilidade de seus investimentos retornarem na forma de lucro. Em outras palavras, uma economia empresarial moderna precisa de estabilidade para que investimentos ocorram.

No livro Animal Spirits, os Prêmio Nobel de economia Robert Shiller e George Arkelof discorreram sobre fatores que afetam a confiança: corrupção, injustiça, falta de transparência por parte das autoridades causando ilusão monetária, típica de economias com inflação elevada, são fatores que afetam a confiança e os investimentos. É importante salientar, que, em momentos de elevada instabilidade, as políticas macroeconômicas perdem a eficácia, em outras palavras, é difícil estimular a economia com quedas na taxa de juros ou expansão dos gastos públicos se os agentes não confiam na retomada. Diante disso, os autores argumentam acerca da importância de guiar a economia de um equilíbrio inicial de baixa confiança para um novo equilíbrio de alta confiança.PUBLICIDADE

Para Arkelof e Shiller, a confiança (ou a falta dela) se espalha em uma economia aos moldes de uma epidemia, isto é, quanto mais pessoas confiam que a economia irá crescer, mais pessoas tendem a também confiar e a confiança se espalha. Este ciclo de otimismo desencadeia novos investimentos, ampliando o produto e a renda. O inverso também é verdadeiro, quanto mais pessoas deixam de confiar no desempenho da economia, mais esse pessimismo contagia outras tantas pessoas, e os investimentos não ocorrem. Sem confiança não há investimento e, portanto, os dados do PIB tendem a seguir uma trajetória modesta. Sob predominância de pessimismo, a crença em um mau desempenho na economia coloca os agentes em posições defensivas tornando a esperança de recessão uma profecia autorrealizável.

O outro ponto a ser levantado para explicar o baixo crescimento econômico verificado no Brasil nos últimos anos é a escassez absoluta de políticas econômicas capazes de estimular o crescimento. As agendas apresentadas até aqui, apelidadas de reformas, têm pouco, ou nenhum, efeito sobre o crescimento econômico de curto e de longo prazos. Se, no campo da macroeconomia, não é possível haver grandes estímulos à economia, porque a inflação elevada requer aperto na política monetária e os níveis elevados da dívida pública sugerem restrições fiscais que inviabilizam a expansão do gasto público. Do lado da microeconomia, os estímulos ao crescimento podem se dar em duas frentes: medidas pró-concorrência e medidas pró-competitividade.

Pode-se detalhar melhor as agendas pró-concorrência e pró-competitividade em artigo futuro. No que se refere à primeira, medidas no sentido de redução de barreiras à entrada em mercados oligopolizados, abertura econômica, incentivo à inovação e diversificação em pequenas e médias empresas são bons exemplos. No que tange à segunda agenda, simplificação tributária, investimento em ciência de fronteira e capital humano, melhora do ambiente regulatório estimulando segurança jurídica, estímulo ao capital físico, sobretudo na área de logística e energia, são soluções que podem contribuir.

Na ausência de medidas efetivas de estímulo ao crescimento, que não devem ser pautadas no curto prazo, a harmonização institucional e política do país já traria enormes ganhos para a economia pelo canal da confiança e da previsibilidade. A convivência harmônica entre os Poderes tem que ser o foco das autoridades para que a população não pague o preço na forma de baixo crescimento e elevada inflação, ou seja, estagflação.

*Economista do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFU

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/09/4947598-crescimento-e-confianca.html


Congresso se articula para dobrar valor do fundo eleitoral para, no mínimo, R$ 4 bi

Alternativa é derrubar decisão de Bolsonaro, que vetou teto de R$ 5,7 bi, ou negociar a ampliação do valor na Lei Orçamentária

Bruno Góes e Jussara Soares / O Globo

Após o presidente Jair Bolsonaro vetar trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que destinava cerca de R$ 5,7 bilhões ao Fundo Eleitoral, o Congresso Nacional se mobiliza para garantir ao menos R$ 4 bilhões para as campanhas de 2022. A interlocutores, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que os parlamentares não trabalham com valor menor.

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O montante é mais que o dobro do custo das eleições gerais de 2018, quando as legendas tiveram R$ 1,7 bilhão à sua disposição. Até que o veto de Bolsonaro seja analisado pelo Congresso, porém, ainda há incertezas sobre qual alternativa legal seria usada pelos parlamentares para fazer valer a vontade do Legislativo.

A disposição de Lira é negociar com o Palácio do Planalto uma despesa para o processo eleitoral na ordem de R$ 4 bilhões ou R$ 4,5 bilhões. Bolsonaro, por sua vez, vem sendo fortemente pressionado pela militância, e teria sinalizado à área técnica do governo que fixaria, por meio da Lei Orçamentária Anual (LOA), o valor de R$ 2 bilhões da eleição de 2020, corrigidos pela inflação, o que resultaria em aproximadamente R$ 2,2 bilhões.

“É lógico que (Bolsonaro) vai enviar um valor menor. Nós não esperávamos um valor que achamos que é suficiente, valor de R$ 4 bilhões a R$ 4,5 bilhões”
PAULINHO DA FORÇA / Solidariedade (SP)

Lideranças partidárias, porém, consideram o valor insuficiente para a realização das campanhas de 2022. O argumento é o de que as eleições para prefeito e vereador teriam custos menores que os registrados nas eleições gerais, quando são escolhidos deputados federais, estaduais, distritais, senadores, governadores e o presidente da República.

— A eleição é para deputado estadual, federal, senador, governador e presidente da República. Portanto, não são suficientes os R$ 2 bilhões corrigidos pela inflação. Vamos discutir com os partidos e verificar um valor suficiente para as eleições e vamos aprovar no Congresso. Temos que aumentar esse fundo que ele mandar — disse o presidente do Solidariedade, o deputado federal Paulinho da Força (SP).

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O deputado afirmou ainda que a expectativa é, mesmo, que Bolsonaro envie uma proposta com valor bem inferior aos R$ 5,7 bilhões por meio da LOA.

— É lógico que ele (presidente Bolsonaro) vai enviar um valor menor. Nós não esperávamos que ele enviasse um valor que achamos que é suficiente, valor de R$ 4 bilhões a R$ 4,5 bilhões — afirmou o parlamentar.

Busca da solução jurídica

Bolsonaro tem até o dia 31 de agosto para enviar ao Congresso a LOA de 2022. A votação, porém, deve acontecer apenas em dezembro deste ano. Enquanto a LDO fixa as balizas para o Orçamento, a LOA determina os valores exatos para cada ação governamental.

Na LDO, a projeção de R$ 5,7 bilhões foi feita a partir do parâmetro que havia sido redigido pelo Congresso. Nele, havia a determinação de que parte da verba do fundo seria equivalente a 25% do orçamento de dois exercícios (2021 e 2022) da Justiça Eleitoral.

Esse valor do fundo também obedecia a outro critério: a origem do recurso seria o remanejamento de emendas de bancada impositivas.

“O valor da eleição municipal com correção não é o ideal. Vamos começar as discussões sobre esta semana”
ISNALDO BULHÕES(MDB-AL)

Ao indicar o veto, a área técnica do governo avaliou que não há necessidade de correção da LDO. Isso porque a Lei das Eleições, que criou o Fundo Eleitoral, trata das fontes de recursos que devem ser usadas para bancar as campanhas. Assim, bastaria ao governo indicar um valor menor na Lei Orçamentária.

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No Congresso, parlamentares do Centrão ouvidos reservadamente avaliam que a decisão de Bolsonaro pode forçar a construção de um acordo para a derrubada do veto. Há dúvidas sobre a legalidade do repasse ao chamado Fundão sem uma baliza fixada pela LDO. Neste caso, se o veto for derrubado, a negociação prevê que valor intermediário passaria por um corte do orçamento da Justiça Eleitoral ou o envio de um novo projeto para estipular um novo critério.



Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
 Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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— Só tem duas alternativas: modificar a lei, buscando um outro texto para essa previsão, ou derrubar o veto e a previsão ficar mantida, e, depois, discutirmos o valor na Lei Orçamentária — disse o líder do MDB na Câmara, o deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL).

O parlamentar também concorda que o valor de R$ 2 bilhões é insuficiente e que o Congresso buscará aumentar o montante.

— Vai ter que discutir esse valor. Acredito que o valor da eleição municipal com correção não é o ideal. Vamos começar as discussões sobre esta semana — disse Bulhões.

Censura: ABI repudia censura de juiz a reportagem do GLOBO sobre remédio sem eficácia comprovada contra Covid-19

Outros congressistas avaliam que é preciso sentar à mesa para tratar do assunto com clareza. Presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO), a senadora Rose de Freitas (MDB-ES) diz que não é necessário derrotar o governo em plenário.

— Esse não é o caminho (derrubar o veto). Há uma controvérsia muito grande. Vamos ter que sentar à mesa e dialogar dentro da realidade que existe. Há uma pressão da sociedade sobre esse assunto. Mobilizar o Congresso para alocar R$ 5 bilhões numa eleição... é muito dinheiro para um país que está com tantas dificuldades, como desemprego e fome — diz a senadora.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/congresso-se-articula-para-dobrar-valor-do-fundo-eleitoral-para-no-minimo-4-bi-apos-veto-de-bolsonaro-25166375


'Tempestade perfeita' derruba cenário de crescimento econômico para 2022

Combinação de inflação e juros em alta, desemprego, crise hídrica e conflitos institucionais cria um caldeirão que faz crescer o temor de populismo eleitoral do presidente Bolsonaro

Adriana Fernandes / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Inflação e juros em alta, desemprego, dólar caro, crise hídrica, conflitos institucionais, atropelo nas votações de projetos do Congresso e novos riscos fiscais. A “tempestade perfeita” dos últimos dias obrigou economistas e investidores a reverem suas estimativas para o crescimento da economia no próximo ano para o mesmo patamar baixo comum nos anos pré-pandemia, abaixo de 2%.

Enquanto a população sente os efeitos da deterioração da economia no bolso e reclama da alta dos preços do gás de cozinha, da gasolina, da conta de luz e dos alimentos, o mercado parece estar caindo na real. Com todos esses problemas, o Brasil segue com risco de ter mais um crescimento estilo “voo de galinha”, depois da retomada mais rápida da crise econômica provocada pela pandemia da covid-19, sem aproveitar todo o potencial do ciclo de commodities (produtos básicos, como alimentos e minério de ferro) que bombou as exportações.

A aceleração da inflação está obrigando o Banco Central a ser mais duro na alta dos juros e esfriar a economia, comprometendo o crescimento do PIB em 2022. O cenário internacional também ficou menos favorável. No front doméstico, a crise política entre os poderes se acirra, elevando a percepção de risco de populismo eleitoral do presidente Jair Bolsonaro para recuperar a popularidade e chegar em 2022 com chances de se reeleger.

“Podemos ter um momento melhor no curto prazo, um ano um pouco melhor, mas a perspectiva é de um País medíocre”, diz o presidente do Insper, Marcos Lisboa, que se diz assustado com a tramitação dos projetos no Congresso: a reforma do Imposto de Renda e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) de parcelamentos do precatórios, dívidas judiciais que a União é obrigada pela Justiça a quitar. A aprovação desses projetos é chave para Bolsonaro porque, sem eles, será mais difícil para o governo anunciar um benefício elevado do novo Bolsa Família para impulsionar a campanha eleitoral, sem mudar as regras fiscais.

Campos Neto: Promessa de que o BC vai controlar o processo de aceleração da inflação em meio à piora dos indicadores do mercado. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Veja abaixo quais são os fatores que estão criando essa "tempestade perfeita" na economia:

1 - O desafio da inflação e dos juros

Não foi uma semana fácil para o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. O comandante da política de juros no Brasil teve de fazer várias aparições públicas para transmitir confiança de que o BC vai controlar o processo de aceleração da inflação em meio à piora dos indicadores do mercado. Na sexta-feira, o dólar, por exemplo, chegou a atingir um patamar próximo de R$ 5,50, e acabou fechando em R$ 5,38.

“Temos os instrumentos, podemos fazer o trabalho. Estamos comunicando ao mercado com mais transparência como usamos nossos instrumentos”, disse Campos Neto, na quinta-feira, 19, com a mensagem de que fará tudo o que for possível e necessário para atingir a meta de inflação em 2022. Um trabalho também de coordenação das expectativas futuras da inflação, esforço que, como ele próprio admitiu, está sendo atrapalhado por um “fiscal descontrolado”.

Se o presidente Jair Bolsonaro contava com uma atividade econômica em recuperação e números mais robustos para pavimentar seu caminho à reeleição, esse cenário está cada vez mais distante. A espiral negativa é alimentada por ruídos políticos provocados pela percepção de que o presidente vai gastar mais para se reeleger, o que eleva a volatilidade do mercado e provoca a alta do dólar, que impacta ainda mais a inflação, renovando o círculo vicioso negativo.

O IPCA, índice oficial, fechou o mês passado em 0,96%, com alta acumulada de 8,99% em doze meses. E pior: as previsões do mercado não param de subir e apontavam, na última pesquisa Focus do BC, uma alta de 7,05% no final desse ano e de 3,90% em 2022. Projeções que devem subir ainda mais na pesquisa que será divulgada nesta segunda-feira pelo BC.



Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coletiva do ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Marcos Corrêa/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Paulo Guedes durante cerimônia do Novo FUNDEB. Foto: Isac Nóbrega/PR
O Ministro da Economia, Paulo Guedes e o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Paulo Guedes e Bolsonaro durante o Latin America Investment Conference. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante palestra. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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A inflação mais salgada puxou os juros para o patamar de 5,25% ao ano, e já se espera um aumento de mais 1 ponto porcentual na próxima reunião do Copom. É uma medida para esfriar a atividade da economia e segurar a disseminação da elevação dos preços. A consequência é menos crescimento em 2022. 

“Há uma tempestade perfeita”, diz Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon) e professor do Programa de pós-graduação em Economia Política da PUC de São Paulo. Lacerda lembra que a divulgação do PIB no primeiro trimestre gerou euforia, mas, retirando o efeito estatístico, o crescimento não será muito diferente do padrão de 2017-2018-2019, ao redor de 1,5%. 

A crise hídrica, que afeta os preços de alimentação e abastecimento de energia, chegou para complicar. “A crise hidrológica tem um impacto grande sobre a capacidade de expansão do PIB”, diz Fabio Terra, professor de economia da Universidade Federal do ABC (UFABC). 

2 - O risco fiscal está de volta ao radar

A inflação mais alta prejudica a população, mas deu um refresco para as contas públicas. Fez aumentar a arrecadação e reduziu a relação entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB). Essa melhora fiscal, porém, despertou ainda mais o ímpeto para gastos no governo Bolsonaro e nos seus aliados do Centrão.

Ao invés de melhorar a percepção da política da sustentabilidade das contas públicas, o resultado tem sido mais ruídos que aumentaram o risco fiscal. O temor que ronda as expectativas é a percepção de que a queda de popularidade do presidente Jair Bolsonaro, que vem sendo registrada nas pesquisas, vai levar o governo a adotar medidas mais populistas para buscar a sua reeleição, comprometendo regras fiscais, como o teto de gastos (a norma que limita o crescimento das despesas acima da inflação) e ligando o botão da contabilidade criativa.

Nas últimas três semanas, dois focos de tensão do lado fiscal contaminam as expectativas e têm gerado alta volatilidade no mercado: o projeto que altera o Imposto de Renda (IR) e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que parcela em até dez anos o pagamento de parcela dos precatórios (dívidas que a União precisa quitar depois de decisões judiciais).

As preocupações com o projeto do IR são várias, a depender de quem ganha ou perde mais com a mudança, mas do lado das contas públicas o risco é de queda da arrecadação futura, com as vantagens que estão sendo dadas nessa reta final antes da votação. Além disso, a negociação do projeto, envolve custos adicionais, como o aumento da parcela de recursos da União que é transferida para as prefeituras via Fundo de Participação dos Municípios.

Plenário da Câmara dos Deputados. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

Já a PEC dos precatórios divide o mercado. A maior polêmica é o fato de poder levar o Congresso a retirar essas despesas (só em 2022 são R$ 89 bilhões) do teto de gastos para não comprometer o espaço no Orçamento para o novo Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil, para dar um benefício maior que R$ 300. O presidente alimentou o risco do mercado ao falar em subir o benefício para R$ 400.

“A PEC dos precatórios envolve uma operação triangulada com dívidas que ataca de uma vez só duas regras: o teto e as metas fiscais. Ou seja, dribla normas de controle do gasto público e ainda distorce o resultado fiscal do governo central”, avalia Leonardo Ribeiro, analista do Senado e conhecedor dos meandros da confusa legislação fiscal brasileira.

“Não há como cumprir o teto de gastos, pagar os precatórios e manter os programas de governo ao mesmo tempo”, diz. “Esse triângulo se assemelha às pedaladas fiscais desenhadas pelo ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, do governo Dilma.”

3 - Ruídos políticos e crise institucional

Os ruídos políticos e a crise institucional entre os poderes também têm elevado a tensão, nos últimos dias, em meio à pressão do presidente Jair Bolsonaro sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaças de ruptura institucional.

Além de trazer o risco de afugentar os investidores, a crise política entre Executivo, Judiciário e Legislativo, amplificada pela briga do presidente pelo voto impresso, tem afetado também o mercado. Uma preocupação adicional é com a antecipação da campanha eleitoral e a sinalização do presidente Jair Bolsonaro de que vai acionar medidas de populismo fiscal para ganhar a eleição em 2022, como aumento de subsídios para a concessão de vale-gás e desoneração do diesel. A crise tem dividido o Senado e a Câmara e deve trazer mais dificuldades para que as votações de projetos em uma Casa se completem na outra.


DESFILE MILITAR - OPERAÇÃO FORMOSA


Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
Desfile militar na Esplanada - Operação Formosa. Foto: Pedro França/Agência Senado
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Na sexta-feira, 20, a notícia da agência Associated Press de que o presidente teria falado abertamente sobre seu arrependimento de apoiar a autonomia do BC reforçou a preocupação. O ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, teve de sair a campo para garantir a autonomia do BC. O desconforto do presidente com a inflação, com o desemprego e com a queda de popularidade é cada vez maior, o que coloca pressão sobre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do BC, Roberto Campos Neto.

“A tensão política é bastante sentida no mercado e existe um sentimento de que ficou mais provável o cenário negativo do que positivo olhando para o futuro”, diz o economista Gabriel Galípolo. Ele pondera, no entanto, que não consegue enxergar a ideia de que o mercado esteja fazendo uma ruptura com ideias que são representadas pelo governo Bolsonaro no campo econômico. Para ele, hoje a preocupação fiscal é mais uma questão de expectativas e apostas, especulando sobre o que vai ser o futuro, porque no quadro atual as contas públicas estão numa situação melhor, com déficit menor. “Mas o ambiente político está muito conflagrado e isso colabora para uma tensão interna, que, somado ao cenário externo, azedou o mercado.”

Na avaliação do professor da PUC de São Paulo Antônio Corrêa de Lacerda, o presidente Bolsonaro, em meio à pressão, cria factoides, sendo o mais recente o pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes. Bolsonaro prometeu entregar “nos próximos dias” outro pedido de afastamento tendo como alvo o ministro Luís Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TST). “No campo econômico, claramente ele vai jogar todas as fichas num auxílio emergencial turbinado que seria uma combinação de Bolsa Família visando criar algum impacto eleitoral”, avalia Lacerda. 

4 - Commodities, China e Fed também são empecilho

Grande exportador de alimentos e minérios, o Brasil tem sido favorecido desde o ano passado com o boom dos preços das commodities (produtos básicos), que se seguiu ao processo de recuperação da economia global depois da pandemia. Agora, os ventos começam a ficar diferentes com impacto na economia, que já passa por problemas domésticos como inflação e juros altos e desemprego resistente e persistente. 

A desaceleração da China acendeu o alerta para o Brasil. E, como mostrou reportagem do Estadão, o avanço da variante Delta da covid-19 também tem reduzido o otimismo dos economistas em relação à recuperação da atividade global neste ano. A nova cepa tem levado a China a fechar cidades, freando a retomada. O governo chinês vem retirando estímulos econômicos, o que acaba impactando os preços de commodities importantes para a atividade econômica brasileira, como o minério de ferro. 

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Pessoas aguardam em estação de trem em Wuhan; cidade confirmou novos casos de covid Foto: Aly Song/REUTERS

“De repente, o que acontece no mundo deu uma virada e temos uma desaceleração da China e uma nebulosidade sobre o que o Banco Central dos Estados Unidos vai fazer na política de juros”, diz o economista Fábio Terra, da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Tudo que o Fed (o banco central americano) decide é política monetária (no sentido de controlar a inflação) para eles, mas para a gente é política cambial (afeta o valor do real)”, diz Terra, para explicar a importância da conexão dos juros americanos com o comportamento do dólar no Brasil.

Para o economista, o mundo está muito ressabiado com a variante Delta, o que atrapalha o cenário externo. “Isso sozinho nos atrapalharia bastante, só que ainda se soma aos problemas internos, como a crise hidrológica”, diz.

Antônio Corrêa de Lacerda ressalta que a possível elevação da taxa de juros americana é sempre um problema para a economia global e para o Brasil. Para ele, a desaceleração do ritmo de crescimento chinês é uma má notícia para as exportações brasileiras, porque o Brasil é dependente das commodities.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,tempestade-perfeita-derruba-cenario-de-crescimento-economico-para-2022,70003817774


Congresso não julga contas presidenciais há 20 anos

Para especialistas, o quadro expõe uma crise no orçamento público e aumenta o poder de barganha das verbas federais em troca de apoio político

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O Congresso deixou de fiscalizar o Orçamento aprovado pelos próprios parlamentares nos últimos anos. O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle de Execução Orçamentária (CFIS) da Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deveria acompanhar o andamento dos programas financiados por verbas federais, está parado e nunca funcionou. Além disso, o Legislativo não julga as contas presidenciais há quase 20 anos.

Para especialistas, o quadro expõe uma crise no orçamento público, que ficou à mercê da negociação política, e aumenta o poder de barganha das verbas federais em troca de apoio político. Em entrevista ao Estadão/Broadcast Político, a presidente da CMO, senadora Rose de Freitas (MDB-ES), prometeu formar um grupo para acompanhar as obras paralisadas e chamar os ministérios do governo a fazer um Orçamento conjunto com o Congresso antes mesmo do envio da proposta orçamentária para 2022, até o final deste mês. 

A comissão é responsável por analisar o Orçamento da União e dar um parecer sobre as despesas antes do plenário. Além disso, tem o papel de acompanhar a execução dos gastos. O Comitê de Avaliação, Fiscalização e Controle da Execução Orçamentária, formado por integrantes do colegiado, no entanto, está parado e nunca funcionou efetivamente. A única atividade ocorreu em 2011, quando o órgão fez uma reunião e solicitou informações sobre as ações alvo de contingenciamento no Executivo.

Se funcionasse, o CFIS poderia fiscalizar o desempenho dos programas governamentais e discutir a estimativa das despesas obrigatórias. No Orçamento deste ano, por exemplo, o Congresso lançou mão de uma manobra para subestimar as despesas obrigatórias, como aposentadorias, e turbinar emendas parlamentares, a maior parte delas destinadas a obras definidas por deputados e senadores. Os únicos comitês com funcionamento regular têm sido justamente aqueles que destravam verbas de interesses dos parlamentares, como o Comitê de Avaliação das Informações sobre Obras e Serviços com indícios de Irregularidades Graves (COI), que nos últimos anos vem autorizando os gastos para obras questionadas pelo Tribunal de Contas de União (TCU), e o Comitê de Admissibilidade de Emendas (CAE), que tem carimbado as emendas apresentadas pelos congressistas no Orçamento.

Contas. Além de paralisar o comitê de fiscalização, o Congresso está há quase 20 anos sem julgar as contas presidenciais. Nas últimas duas décadas, o Legislativo deixou de dar um parecer sobre os gastos realizados por quem ocupa a presidência da República. Na prática, os parlamentares deixaram de fiscalizar o Orçamento que eles próprios aprovaram e de viabilizar mudanças no modelo atual.

As últimas contas analisadas pelo Congresso foram as de 2001, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, julgadas em 2002. De lá para cá, nenhum julgamento foi até o final. Além disso, duas contas do governo Collor, de 1991 e 1992, ainda estão na gaveta. A Constituição determina ao Legislativo o julgamento das contas prestadas anualmente pelo presidente como instrumento de fiscalização e de ajustes na administração.

Especialistas alertam para a falta de transparência e distorções no processo de alocação das verbas federais na relação entre o governo e o Congresso, como nos casos do orçamento secreto e das emendas "cheque em branco", revelados pelo Estadão. Nesse sentido, o julgamento das contas poderia servir para orientar os dois lados a aprimorar os gastos públicos, o que não vem acontecendo. O Tribunal de Contas da União emite um parecer prévio todos os anos, mas a análise fica parada no Congresso.

"Esse é um problema, é uma questão preocupante. O TCU faz um trabalho de análise não só das contas, mas às vezes de uma política específica, e nós perdemos a oportunidade de retroalimentar o planejamento porque o Congresso realmente não está interessado nisso", afirma o consultor de orçamento da Câmara Paulo Bijos. "O Orçamento está de ponta-cabeça. É um modelo que está em crise crônica e precisa ser repensado."

Em caso de descontrole fiscal, o julgamento das contas poderia apontar crime de responsabilidade, motivo para a abertura de um processo de impeachment, e deixar o chefe do Executivo inelegível por oito anos. No governo de Dilma Rousseff, por exemplo, o TCU orientou pela rejeição das contas de 2014 e 2015, mas o parecer não foi analisado pelo Congresso. Desde 1988, o Congresso nunca rejeitou as contas de um presidente, mas, por outro lado, deixou de emitir qualquer julgamento nas duas últimas décadas.

Uma ala da Comissão Mista de Orçamento ameaça pautar as contas presidenciais do ano passado para pressionar o chefe do Planalto a ampliar a negociação com o Congresso. Bolsonaro é acusado de privilegiar o Centrão na distribuição de verbas em detrimento de outros grupos. Aliados de Bolsonaro, por outro lado, agem para evitar qualquer julgamento das contas de 2020, pois a análise implicaria em questionar um modelo defendido pela base do governo, que ficou com a maior fatia das emendas de relator.

Em entrevista à reportagem, a presidente da CMO admitiu as distorções e propôs uma mudança radical no processo de definição e fiscalização das verbas federais. Ela chamará os ministros das principais áreas do governo para, até o fim deste mês, elaborar o Orçamento de 2022 em conjunto com o Congresso antes mesmo do envio do projeto ao Legislativo, no dia 31 de agosto.

Ao falar sobre a paralisia do comitê de fiscalização, a senadora afirmou que o CFIS não poderia fazer um pente-fino nos programas de forma isolada e que isso precisa ser corrigido por meio de um grupo específico de acompanhamento, ao qual ela promete dar andamento. "Tem obras no Brasil inteiro que estão paralisadas com um conceito cultural político esdrúxulo 'eu não vou continuar essa obra porque foi do governo anterior.' Vamos levantar todas as obras paralisadas, por que estão paralisadas, se é falta de recurso, se é apenas falta de gestão política, e vamos discutir isso a fundo", disse a parlamentar.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-paralisa-comite-de-fiscalizacao-do-orcamento-e-deixa-de-julgar-contas-presidenciais,70003812598


Crescimento da economia requer incentivo a investimento

Sérgio Cavalcanti Buarque vai mediar debate da FAP na sexta-feira, com transmissão ao vivo pelo portal e pelas redes sociais

Cleomar Almeida, da equipe FAP

A reforma tributária deve considerar que o crescimento da economia requer mais incentivo a investimento e desestímulo ao consumo, diz o economista e consultor de planejamento estratégico Sérgio Cavalcanti Buarque. Ele vai mediar evento on-line sobre desenvolvimento e equidade na tributação dos dividendos, a ser realizado, pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Folha da Manhã, sexta-feira (13/8), das 16h às 19h.

Com a presença de outros especialistas no assunto e transmissão pelo portal e pelas redes sociais (Facebook e Youtube) da FAP, o debate deve abordar, sobretudo, duas questões relacionadas às propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional: justiça tributária e redução do imposto sobre o lucro direto de empresas com criação de imposto sobre dividendos.


Assista!




“O consumo é importante porque vai gerar demanda e estimula o investimento, mas, se invisto diretamente, também vou gerar aumento da capacidade produtiva e gerar demanda da cadeia produtiva. Então, é preferível incentivar investimento do que consumo”, explica o mediador.

Ele lembra que o governo federal apresentou “um projeto de reforma tributária muito tímido” e que vai na direção contrária à de duas propostas que já estão no Congresso, mais abrangentes, porque sugere simplificação de impostos, concentrando cinco impostos em apenas um.


Na avaliação do mediador, a proposta do governo tem aspecto interessante que trata de imposto de renda, o que, conforme observa, não está contido nas que foram apresentadas pelo Congresso. “Na proposta de imposto de renda, produz-se um item inovador, muito controverso, que é a cobrança de impostos sobre dividendos”, afirma.

Na prática, este último significa que a empresa paga o imposto de renda sobre o lucro dela e o que sobra é distribuído para os acionistas. “Então, o que está sendo discutido é que esse imposto sobre dividendos faz com que seja imputado, também, com tributos, aos acionistas de empresas, ou, digamos, a renda do capital”, diz o economista.

A pergunta que se coloca, de acordo com o mediador, é a seguinte: na medida em que se cobra imposto sobre a renda do trabalho, que é o salário, por que não cobrar imposto da renda do capital? “É exatamente o que os acionistas recebem de distribuição do lucro que ficou retido na empresa”, explica ele.

Outro ponto importante, na opinião de Buarque, é que o segundo projeto reduz o imposto sobre o lucro direto da empresa e cria imposto sobre dividendos. “Queremos refletir se essa equação não significa um estímulo ao investimento e um desincentivo ao consumo”, ressalta o consultor.

De acordo com o analista, o recurso que fica na empresa só tem uma forma de ser utilizado por ela: investimento. “Então, reduzindo imposto sobre lucro direto da empresa, deixa mais recurso para ela investir ou distribuir para os acionistas. Em tese, ela poderia distribuir mais”, diz.

No entanto, neste caso, segundo Buarque, como imputa-se imposto sobre dividendos, desincentiva mais recursos para os acionistas, que, em geral, os transformam em consumo. “Claro que uma parte pode ser poupança que volta a ser investimento, mas é um incentivo ao consumo”, observa.

“Quando se reduz imposto direito na empresa e se cria imposto sobre dividendo ou imposto distribuído, a pergunta é se isso não tem o lado extremamente positivo, que, ao mesmo tempo, incentiva o investimento e desestimula o consumo, que, em geral, é de luxo”, pondera.

Webinar | Desenvolvimento e equidade na tributação de dividendos
Data: 13/8/2021
Transmissão: das 16h às 19h
Onde: Portal e redes sociais da FAP (Facebook e Youtube)

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Congresso manobra para liberar R$ 7 bilhões de verba pública a partidos

Após aumento do fundo eleitoral para R$ 5,7 bi, parlamentares tentam ampliar para R$ 1,3 bi valor destinado ao custeio de partidos; recursos podem abastecer campanhas

Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Além de aumentar o fundo eleitoral para R$ 5,7 bilhões em 2022, o Congresso se movimenta para adotar duas medidas que têm influência nas eleições do ano que vem: turbinar o Fundo Partidário, aquele pago todos os anos às legendas, e retomar a propaganda das legendas no rádio e na TV fora do período eleitoral. As mudanças devem ampliar o montante de recursos públicos para as campanhas e pressionar o teto de gastos, que limita o crescimento das despesas à inflação do ano anterior.

Em 2021, o Orçamento prevê R$ 979,4 milhões para o Fundo Partidário. Para 2022, a estimativa é de que o fundo tenha R$ 1,061 bilhão, caso não haja mudança na lei. Um projeto aprovado no Senado em julho, porém, traz a volta da propaganda das siglas e aumenta os recursos do Fundo Partidário para financiar as inserções no rádio e na TV.


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Se a proposta receber o aval da Câmara e for sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, o valor vai aumentar para R$ 1,3 bilhão no ano que vem, conforme análise da Consultoria de Orçamento do Senado repassada ao Estadão/Broadcast. Somados os dois fundos (eleitoral e partidário), o gasto público com as eleições de 2022 pode chegar a R$ 7 bilhões, um patamar inédito.

Diferentemente do fundo eleitoral, pago apenas no período das disputas, o Fundo Partidário é transferido todos os anos para as legendas com registro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É um recurso para bancar o funcionamento dos diretórios e as atividades diárias das siglas. Em ano eleitoral, porém, o dinheiro pode ser usado para irrigar as campanhas. A única exigência é gastar 5% do total com a promoção da participação de mulheres na política, regra que o Congresso tenta flexibilizar.

A articulação para ampliar os valores ganhou força após o Supremo Tribunal Federal (STF) proibir o financiamento empresarial de campanhas. A retomada dessa proposta chegou a ser ensaiada no Legislativo neste ano, mas não andou. O presidente Jair Bolsonaro já prometeu vetar o aumento do fundo eleitoral, mas admitiu negociar uma reserva de R$ 4 bilhões, patamar exigido pelo Centrão.

Propaganda. No dia 14 de julho, o Senado aprovou um projeto para recriar a propaganda partidária, extinta em 2017. A proposta foi apresentada pelos senadores Jorginho Mello (PL-SC) e Wellington Fagundes (PL-MT) e é relatada por Carlos Portinho (PL-RJ), todos aliados de Bolsonaro. O PL é um dos principais partidos do Centrão. A proposta estabelece que o Fundo Partidário seja reforçado em ano eleitoral com os valores da compensação fiscal que as emissoras de rádio e TV receberam em 2016, por causa da propaganda. Em ano não eleitoral, a referência será 2017.

Se os valores forem aplicados, o Fundo Partidário terá R$ 1,291 bilhões em 2022 e R$ 1,658 bilhão em 2023, sempre aumentando nos anos seguintes, de acordo com a análise da consultoria. Os senadores aprovaram o aumento sob a justificativa de bancar o retorno da propaganda, que gera renúncia fiscal para a União. A Consultoria do Senado afirma, porém, que a compensação não é suficiente, em razão do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas independentemente da arrecadação.

Nos últimos anos, o Fundo Partidário tem sido reajustado pela inflação por causa do teto. É o que estabelece o projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado no Congresso. O texto precisa ser sancionado ou vetado pelo presidente Jair Bolsonaro até o próximo dia 20.

A intenção de retomar a propaganda partidária é tão efetiva no Congresso que os parlamentares aprovaram um dispositivo na LDO de 2022 para obrigar o governo a prever despesas com o ressarcimento das emissoras de rádio e TV pelas inserções. No parecer do projeto do Senado, o relator Carlos Portinho argumentou “que há necessidade do fortalecimento do Fundo Partidário” para arcar com o novo gasto previsto”.

“A propaganda nunca foi gratuita. (O eleitor) não tinha ideia dos volumes de compensação. E a gente está falando de dinheiro público e de tributo”, disse o senador ao defender no plenário do Senado o aumento do Fundo Partidário para financiar o retorno da propaganda das legendas no rádio e na TV. 

Impacto. Da forma como foi aprovado pelo Congresso, o fundo eleitoral vai tirar R$ 4,93 bilhões de obras e serviços de interesse dos próprios parlamentares no ano que vem, como mostrou o Estadão. O valor corresponde aos recursos que sairão das emendas de bancada estadual, calculadas em R$ 7,06 bilhões no próximo ano.

O aumento do Fundo Partidário, por outro lado, vai acabar pressionando outras ações da Justiça Eleitoral, como a manutenção dos tribunais e os investimentos em tecnologia. Motivo: os recursos saem justamente do orçamento da Justiça Eleitoral e do total arrecadado com multas no Judiciário.

Os dois fundos são despesas obrigatórias e garantidas em lei. Precisam estar na previsão de gastos da União e são blindadas de cortes. Na prática, de acordo com técnicos ouvidos pela reportagem, o aumento retira dinheiro de outras áreas, como saúde e educação. No ano que vem, por exemplo, se o Executivo verificar a necessidade de bloquear gastos federais para cumprir a meta de resultado primário – a conta que precisa fechar no fim do ano entre receitas e despesas –, o corte em outras áreas pode se tornar obrigatório, já que os fundos partidário e eleitoral estão protegidos.

No mês passado, um grupo de parlamentares entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a votação da LDO e proibir o aumento do fundo eleitoral. A Corte ainda não se pronunciou sobre a ação, mas pediu esclarecimentos à Câmara e ao Senado. A cúpula do Congresso defende a votação do projeto e nega descumprimento de normas do Legislativo, como alegam os críticos da proposta.

Para entender: fontes de financiamento

O Fundo Partidário é destinado aos partidos políticos para o custeamento de despesas diárias, como contas de luz, água, aluguel, etc. Ele é constituído por uma mistura de verba pública e doações privadas, em que entram dotações orçamentárias da União, multas, penalidades e outros recursos atribuídos pela Lei 9.096/1995. O Congresso aprovou que esse dinheiro também fosse destinado ao impulsionamento de conteúdo na internet, compra de passagens aéreas para não filiados e contratação de advogados e contadores.

Já o fundo eleitoral é um valor retirado inteiramente da verba pública (Tesouro Nacional) e destinado aos partidos em anos eleitorais para bancar as campanhas de seus candidatos, como viagens, cabos eleitorais e material de divulgação. Para ter acesso aos recursos, diretórios nacionais dos partidos precisam aprovar em votação os critérios para distribuição do dinheiro. Em seguida, as siglas enviam um ofício ao TSE com as informações sobre os critérios fixados.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,congresso-manobra-para-liberar-r-7-bilhoes-de-verba-publica-a-partidos-em-2022,70003808271

* Título original do texto foi alterado para publicação no portal da FAP


Medidas para elevar popularidade de Bolsonaro já custam R$ 67 bi

Para economistas, medidas são populistas e um risco para o equilíbrio fiscal; equipe econômica se prepara para Orçamento mais difícil em uma década

Fábio Pupo / Folha de S. Paulo

Medidas sinalizadas para impulsionar a popularidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) já demandam R$ 67 bilhões dos cofres públicos em 2022. O impacto fiscal deve ser ainda maior nos anos seguintes.

O presidente mobiliza ministros a aumentar gastos no ano em que tentará a reeleição ao Palácio do Planalto. Somam-se ao movimento também pressões do Congresso por mais recursos públicos.

A escalada pressiona o time do ministro Paulo Guedes (Economia) contra as regras fiscais e leva interlocutores a constatarem que o Orçamento para 2022 é o mais desafiador dos últimos dez anos.

Fazem parte da conta itens como a isenção para o diesel no próximo ano (R$ 26 bilhões, segundo Bolsonaro), a expansão no Bolsa Família (de ao menos R$ 25 bilhões, segundo Guedes), a reforma tributária (que subtrai R$ 7,7 bilhões de estados e municípios) e o aumento no funcionalismo (que a equipe econômica tenta limitar a R$ 5 bilhões).

Acomodar todos os números nas contas de 2022 é uma tarefa que tem gerado incertezas entre os analistas, assim como percepção de risco sobre o real cumprimento de regras fiscais.

Pessoas próximas ao ministro já admitem que se preocupar neste momento "faz sentido". Os receios se acentuaram nos últimos dias.

Após o governo começar a discutir uma proposta para parcelar os precatórios —dívidas de sentenças judiciais contra a União–, driblando o teto de gastos ao jogar a despesa de 2022 para anos seguintes e já provocando questionamentos de especialistas, aliados do governo no Congresso foram além.

Eles começaram a debater não só o parcelamento dos precatórios, como a retirada dessas obrigações do teto de gastos, para dar espaço a outras despesas. O teto limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE), afirmou em entrevista ao jornal Valor Econômico que R$ 19 bilhões poderão ser liberados com a iniciativa.

Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, disse considerar exaustiva a necessidade de sucessivos alertas a clientes sobre esses movimentos.

"Todo tipo de contorno ao teto de gastos, ainda mais nesse momento, é um retrocesso no arcabouço fiscal brasileiro, que gerou tantos benefícios em passado recente", afirmou.

"A dicotomia entre determinadas alíneas do Orçamento e os precatórios é inexistente, trata-se apenas de uma estratégia populista para melhorar a aceitação dessa proposta que não tem o menor cabimento econômico", disse.

A percepção de risco do mercado é alimentada pela aceleração das promessas de Bolsonaro sem a devida explicação de como as medidas atenderão as regras, em um ambiente institucional já tumultuado pelo próprio presidente –que fala até em não cumprir a Constituição –, e também pela ausência de um discurso público e firme da equipe econômica para acalmar as preocupações sobre a política fiscal.

Guedes tem dado sinalizações no sentido contrário. Recentemente, defendeu "arriscar" uma perda anual permanente de R$ 30 bilhões da arrecadação dos cofres públicos no projeto de Imposto de Renda.

O texto passou por sucessivas transformações em busca de apoio para ser aprovado ainda neste ano e dar respaldo jurídico à turbinada do Bolsa Família e acabou sendo chamado por Marcos Cintra, ex-secretário da Receita de Guedes, de "confuso, burocrático, inconsistente e inoportuno".

Depois disso, o ministro ainda reembalou a ideia criticada pelo mercado em 2021 para alterar regras de pagamentos de precatórios e abrir espaço no teto de gastos para outras despesas, reavivando discussões sobre calote e pedala.

Caio Megale, economista-chefe da XP, afirmou há pouco mais de uma semana que as eleições demandam cautela ao serem observadas melhoras recentes em indicadores como a arrecadação e a dívida pública.

"Discussões sobre o aumento dos gastos para o ano eleitoral, especialmente se isso incluir mudanças ao atual quadro fiscal, podem erodir rapidamente esses ganhos de curto prazo", afirmou em relatório.

Enquanto a equipe econômica reafirma que todas as despesas recorrentes ficarão sob o teto de gastos, as dúvidas continuam e a conta cresce.

Na quarta-feira 4), após meses de trabalho da equipe econômica para elevar o valor médio do Bolsa Família de R$ 190 para algo próximo de R$ 300, Bolsonaro defendeu publicamente que o ideal é o programa pagar um valor médio de R$ 400.

Tanto o presidente como aliados continuam pressionando por mais, ignorando que o valor de R$ 300 caberia no teto de gastos já ocupando praticamente todo seu espaço de R$ 30 bilhões em 2022.

Na sexta-feira (6), Bolsonaro também disse que planeja desonerar o óleo diesel em 2022.

"Gostaria de zerar o imposto federal do diesel a partir do ano que vem. Vou me empenhar sobre isso. Não posso garantir, não é uma promessa, é um estudo", afirmou a apoiadores na frente do Palácio da Alvorada.

De olho no apoio dos caminhoneiros, Bolsonaro já lançou repetidas iniciativas para diminuir o preço dos combustíveis e, em janeiro, havia falado que a desoneração do diesel custaria R$ 26 bilhões em 2022.

Há pouco mais de uma semana, Bolsonaro ainda sinalizou a criação de um vale-gás e apontou o dedo para a Petrobras, dizendo que ela tem R$ 3 bilhões disponíveis para isso.

As ações da estatal caíram na Bolsa no dia útil seguinte, mesmo após a empresa explicar que os valores mencionados seriam uma parte dos dividendos a serem pagos à União —que por sua vez poderia usar os recursos em medidas.

Nesse caso, Bolsonaro tenta endereçar outro problema para sua popularidade —o preço do gás.

O valor médio do botijão atingiu o maior patamar neste ano desde que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) começou a compilar os dados, em 2004, o que tem multiplicado relatos de famílias cozinhando a lenha.

Diante da maior percepção de risco, Guedes procurou ressaltar nos últimos dias a interlocutores que não dá respaldo à flexibilização do teto e à retirada dos precatórios da limitação. Segundo ele, sua proposta de parcelamento tem como objetivo evitar essa medida extrema.

Segundo ele, todas as despesas regulares de 2022 serão abrigadas sob o teto. Isso inclui a expansão do Bolsa Família e um eventual reajuste para o funcionalismo.

Para cumprir as normas, o Ministério da Economia tenta limitar as despesas. Parte desse objetivo está na busca por barrar um grande aumento para servidores no próximo ano.

A pasta planeja, por exemplo, conter a expansão da folha de pagamento a R$ 5 bilhões ou até menos. Esse número é defendido como "mais razoável" agora do que os R$ 15 bilhões ventilados anteriormente, correspondentes a 5% de reajuste, embora seja ressaltado que nada está decidido.

Além de todas as demandas diretas do presidente, deve ser motivo especial de problema para as contas de 2022 as chamadas emendas de relator, instrumentos usados para destinar valores extras a medidas de interesse de deputados —em geral, da base aliada do governo.

Os recursos foram de aproximadamente R$ 20 bilhões em 2020, o que levou a uma disputa de números com o Executivo. Ainda não se sabe qual será o tamanho da conta em 2022, mas a equipe econômica admite se preocupar com ela.


Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/08/medidas-para-elevar-popularidade-de-bolsonaro-ja-custam-r-67-bi.shtml