orçamento secreto
O que é o orçamento secreto, que será julgado pelo Supremo
Made for minds*
O Supremo Tribunal Federal deve iniciar nesta quarta-feira (07/12) o julgamento de ações que questionam a constitucionalidade do orçamento secreto, um mecanismo pouco transparente de transferência de recursos públicos para atender a interesses de parlamentares criado em 2020, no segundo ano da gestão Jair Bolsonaro (PL).
As ações foram propostas por quatro partidos – Cidadania, PSB, PSOL e PV – e questionam a falta de transparência sobre autoria, valor e destinação das emendas de relator, que compõem o orçamento secreto, além da falta de critérios técnicos para alocação das verbas e a escolha arbitrária dos parlamentares beneficiados.
Os processos tramitam sob a relatoria da ministra Rosa Weber, atual presidente o Supremo. É possível que o julgamento seja concluído apenas no próximo ano, caso algum dos ministros da corte decida pedir vista.
A ministra já havia concedido em novembro de 2021 uma decisão liminar que suspendeu o orçamento secreto, mas no mês seguinte liberou o mecanismo após o Congresso ter alterado as normas sobre sua aplicação e passar a exigir a indicação do nome da pessoa que havia solicitado a emenda, como um deputado ou um senador.
Porém, essa regra deixou uma brecha para manter em segredo o parlamentar interessado. Ela permitiu que um "usuário externo", ou seja, qualquer pessoa, fosse incluída como a interessada na emenda, escondendo o padrinho político.
Campanha e governo de transição
O orçamento secreto foi um dos temas explorados na campanha eleitoral deste ano por opositores de Bolsonaro. Simone Tebet, candidata derrotada do MDB a presidente, que apoiou no segundo turno a campanha vitoriosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), disse que o orçamento secreto poderia ser o "maior esquema de corrupção do planeta Terra".
Lula também criticou o mecanismo e prometeu na campanha acabar com orçamento secreto. Atualmente, porém, o presidente eleito vem sinalizando que apoiaria uma solução intermediária, que mantenha as emendas de relator desde que elas sejam transparentes e destinem verbas para programas alinhados às prioridades estratégicas do governo.
A nova posição do petista contribui para que ele construa um entendimento com os atuais presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que são grandes beneficiários das emendas de relator e pretendem se reeleger para o comando das duas Casas.
Por sua vez, com Lira e Pacheco contemplados, aumenta a chance de Lula conseguir a aprovação pelo Congresso, ainda neste ano, da PEC da Transição, que amplia o limite de gastos nos dois primeiros anos do novo governo.
Os presidentes da Câmara e do Senado planejam apresentar ao Supremo uma outra alternativa para as emendas de relator, de acordo com o site Poder360. Segundo essa proposta, todas essas emendas seriam transparentes e vinculadas ao nome do congressista responsável, e 95% das verbas seriam divididas de forma proporcional às bancadas de cada partido – o restante teria seu destino decidido pelos presidentes de cada Casa, com 2,5% para cada um deles.
Como funciona hoje
O orçamento secreto é uma maneira de o governo e o comando da Câmara e do Senado distribuírem verbas públicas para atender interesses dos deputados e senadores que os apoiam.
As autorizações para destinar essas verbas são incluídas no Orçamento depois de ele já ter sido aprovado, por meio das emendas parlamentares.
Há quatro tipos de emendas: as individuais (indicadas por um congressista específico), de bancada (atendem às bancadas de cada unidade da Federação), de comissão (solicitadas por esses órgãos colegiados do Congresso) e de relator.
As usadas no orçamento secreto são as emendas de relator, sob o código RP9. Elas são incluídas pelo relator-geral do Orçamento, um parlamentar escolhido a cada ano para ser o responsável pela redação final do texto.
As emendas de relator costumavam ser usadas apenas para fazer pequenas correções no Orçamento. Em 2020, uma nova regra mudou isso.
Essas emendas passaram a destinar bilhões de reais para obras, compras de veículos e diversos outros gastos, sem transparência e às vezes ligados a indícios de corrupção.
A nova regra foi criada para assegurar apoio dos parlamentares do Centrão a Bolsonaro. O orçamento secreto foi revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo em maio de 2021.
Por que ele se chama secreto
A mídia batizou o mecanismo dessa forma porque é impossível identificar em alguns casos qual deputado ou senador é o responsável pela criação da emenda. No começo, também era muito difícil identificar o destino do dinheiro.
Quando ele veio à tona, funcionava assim: o relator-geral incluía no Orçamento uma emenda genérica destinando verbas extras a um órgão do governo – para o Ministério do Desenvolvimento Regional, por exemplo.
Em seguida, os parlamentares que tinham acordos com o governo ou com o comando da Câmara e do Senado enviavam à pasta ofícios – não disponíveis ao público – pedindo a transferência de verbas da sua "quota" para, por exemplo, asfaltar vias de trânsito ou comprar tratores. O dinheiro era então repassado.
As primeiras reportagens sobre o orçamento secreto identificaram suspeitas de compras superfaturadas de máquinas e equipamentos agrícolas com essas verbas.
Apesar de o Congresso ter alterado as regras sobre as emendas no final de 2021 para atender ao Supremo, a figura do "usuário externo" manteve a falta de transparência do mecanismo. No primeiro semestre deste ano, essa estratégia respondia por um terço do total das emendas de relator negociadas, segundo levantamento do jornal Folha de S.Paulo.
Em 4 de outubro, foram realizadas as primeiras prisões em uma operação da Polícia Federal (PF) sobre o orçamento secreto. O esquema, revelado pela revista Piauí, envolve o registro de consultas e procedimentos médicos falsos no Sistema Único de Saúde (SUS) para justificar o recebimento de verbas do orçamento secreto em pequenas cidades no Maranhão e no Piauí.
Uma das pessoas presas foi Roberto Rodrigues de Lima, ele mesmo um "usuário externo". Em seu nome, havia R$ 69 milhões em emendas do orçamento secreto – sem que estivesse claro qual era o parlamentar interessado.
A PF já havia realizado outras operações para apurar desvios ligados ao orçamento secreto em verbas destinadas para educação e saúde em Rio Largo (AL) e para obras de pavimentação em cidades do Maranhão. Há outras investigações em andamento.
Qual é o envolvimento de Bolsonaro no orçamento secreto
Bolsonaro foi eleito em 2018 com um discurso de que não repetiria as práticas adotadas por presidentes anteriores para construir e manter coalizões governamentais no Congresso, o que ele chamava de "velha política".
Ao assumir o poder, porém, ele percebeu que seria difícil governar só com o respaldo de seus eleitores, sem negociar apoios de deputados e senadores. Em 2019, ele teve uma taxa de sucesso legislativo no Congresso de 31%, a menor desde a redemocratização, segundo levantamento do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB). Essa taxa mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma.
Para reverter esse cenário, Bolsonaro começou a abrir espaço no governo a políticos do Centrão e deu aval à criação da nova regra para as emendas de relator, que resultou no orçamento secreto.
Ao fazer isso, Bolsonaro garantiu apoio do Congresso ao seu governo e proteção contra um eventual processo de impeachment. Por outro lado, abriu mão do poder de decidir o destino de uma parte relevante das verbas públicas disponíveis.
Os maiores beneficiários das emendas de relator eram integrantes da base de apoio a Bolsonaro no Congresso. Esses parlamentares, por sua vez, capitalizaram politicamente a destinação dessas verbas em suas campanhas eleitorais e no apoio aos seus candidatos, como ao próprio Bolsonaro.
Após perder as eleições, testemunhar a debandada de ex-aliados do Centrão e enfrentar dificuldade para fechar as contas do governo, Bolsonaro encaminhou em novembro ao Congresso um projeto de lei para remanejar os recursos das emendas de relator para despesas obrigatórias previstas no Orçamento deste ano.
A Transparência Internacional Brasil, organização que atua para defender o combate à corrupção, considera que o orçamento secreto é o maior processo de "institucionalização da corrupção" de que se tem registro no Brasil.
"O que a gente chama de institucionalização da corrupção é uma forma de dar um verniz legal, institucional, a uma prática absolutamente corrupta na sua essência, que é a apropriação do erário público para interesses privados, sejam eles políticos, de reprodução de poder, ou pecuniários mesmo, interesses materiais", afirmou o diretor executivo da organização, Bruno Brandão, à BBC Brasil.
Qual é o valor do orçamento secreto
Em 2020, primeiro ano do orçamento secreto, as emendas de relator tiveram R$ 13,1 bilhões em valores aprovados. No ano seguinte, a cifra foi para R$ 17,14 bilhões. Neste ano, são R$ 16 bilhões, segundo o OLB. Nesses três anos, a soma de valores autorizados chega a R$ 46,2 bilhões.
Desde o início do orçamento secreto, seu montante superou em muito o destinado a emendas individuais e de bancada, que eram as mais usadas até então para atender pedidos dos deputados e senadores.
Em 2022, o valor aprovado para as emendas de relator foi 50% maior do que o das emendas individuais, e o triplo do das emendas de bancada.
Com tanto dinheiro a mais indo para o orçamento secreto, o volume de recursos disponível para o governo definir prioridades e decidir livremente onde gastar diminuiu. Para manter esse mecanismo, o governo teve de cortar verbas de outras políticas públicas, como da Farmácia Popular.
Em 2019, as emendas parlamentares representavam 5,4% do gasto com despesas discricionárias do governo. Neste ano, elas são 24% do valor aprovado para essas despesas.
Na prática, isso significa que cada vez mais são os deputados e senadores que decidem para onde irão as verbas, com menos transparência e coordenação de prioridades.
Texto publicado originalmente no portal Made for Minds.
PEC da Transição será protocolada até terça (29) no Senado, diz relator do Orçamento
Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato
O relator-geral do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou, nesta quinta-feira (24), que o texto da “PEC da Transição” será protocolado no Congresso Nacional até a próxima terça-feira (29). A medida traz a previsão de gastos não projetados na proposta de orçamento enviada pela gestão Bolsonaro ao Legislativo para o ano que vem.
“Os dois grandes desafios que temos para que o país continue funcionando são a aprovação da PEC do Bolsa Família e o orçamento do próximo ano. Para que possamos focar na elaboração do orçamento, precisamos que a PEC seja aprovada no Senado e na Câmara até 10 de dezembro. Portanto, até a próxima terça irei protocolar o texto da PEC para darmos celeridade à aprovação da matéria nas duas Casas e garantirmos a continuidade do pagamento dos R$ 600 reais do Bolsa Família e mais R$ 150 reais por criança de até 6 anos de idade”, disse, em nota.
A proposta tem terreno fértil na Câmara dos Deputados, mas ainda é alvo de divergências no Senado, casa por onde deve iniciar a tramitação do texto. “Estamos fazendo as conversas no Congresso Nacional, no Senado. Eu aposto muito na solução política, como disse o presidente [Lula], que o Congresso Nacional tem responsabilidade para com o povo brasileiro. Obviamente que, se isso não for possível, vamos buscar outras saídas”, disse nesta quinta a coordenadora de articulação política da transição de governo e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann.
Questionada sobre as dificuldades em torno do texto, Gleisi também negou a afirmação dada mais cedo pelo senador Jaques Wagner (PT-BA) de que estaria faltando a indicação do futuro ministro da Fazenda para a equipe de Lula conseguir destravar as negociações no Senado.
“Não vejo isso. eu acho que a articulação política se dá no Congresso, independe de quem é ministro. Eu acho que a gente tem que respeitar o tempo do presidente Lula de avaliar quem ele quer nos ministérios, até porque isso é uma responsabilidade muito grande. Se você colocar um ministro, não pode tirar logo em seguida, então, acho que tem que ser avaliado.”
A presidenta também creditou o embaraço da pauta ao modo como as costuras vêm sendo feitas e sugeriu que falta habilidade no processo conduzido pelos correligionários. “Está faltando articulação política no Senado, por isso que eu acho que nós travamos na PEC. [Foi] a forma como foi iniciado o processo, sem falar ou sem formatar uma base mais forte de governo. Não é falta de ministro”.
*Texto publicado no site Brasil de Fato
"Situação caótica": Randolfe diz que falta verba para proteção de pessoas em áreas de risco
Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse, nesta terça-feira (22), que a Defesa Civil está com o orçamento escasso para 2023, primeiro ano da gestão Lula (PT), e que falta dinheiro para ações relacionadas ao socorro da população que vive em áreas de risco no país.
De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), 8,2 milhões de brasileiros moram em locais do tipo e é comum esse segmento precisar de iniciativas emergenciais por parte dos governos durante o período de chuvas, que ocorre especialmente a partir de janeiro em diferentes pontos do país.
"Para se ter ideia da gravidade da situação, para as eventualidades de acionamento da Defesa Civil em janeiro, nós não temos nenhuma dotação orçamentária. Para não se dizer que não se tem nenhuma, a dotação da Defesa Civil para contenção de encostas é de R$ 2 milhões. Eu acho que R$ 2 milhões são insuficientes para uma enchente em uma cidade do interior do país", exemplificou Randolfe.
O parlamentar integra o Grupo Técnico (GT) de Desenvolvimento Regional que atua no processo de transição, núcleo que reúne nomes como o do senador eleito Camilo Santana (PT-CE), do senador Otto Alencar (PSD-BA) e do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).
A equipe se reuniu pela primeira vez nesta terça, em Brasília (DF), com o ministro do Desenvolvimento Regional do governo Bolsonaro, Daniel Ferreira, e trouxe à tona a preocupação dos aliados de Lula com o que Randolfe chamou de "situação caótica e dramática" na pasta.
"O primeiro cenário que encontramos no ministério é um cenário que inspira muitos cuidados. Pela situação orçamentária que nós temos na atualidade, em janeiro, a União não terá capacidade nenhuma de investimento na área de desenvolvimento regional. Os recursos orçamentários do ministério estão todos desfragmentados", disse, ao acrescentar que o problema está relacionado ao chamado "orçamento secreto" da gestão Bolsonaro, também conhecido como emendas do relator ou RP-9.
Randolfe destacou que a forma como o governo do ex-capitão decidiu manusear os recursos mostra uma "ausência de sintonia" em relação à execução orçamentária nessa área. "Ao passo que tem quase R$ 2 bilhões destinados à Codevasf, por outro lado, falta dinheiro para ser investido em contenção de encostas, em obras da Defesa Civil. E, como todos sabem, [por conta das] emergências, nós precisaremos ter uma atuação já em janeiro deste [próximo] ano por conta das chuvas de verão e da iminência dessa situação."
Ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) foi entregue por Bolsonaro ao centrão em troca de apoio político e hoje é alvo de investigações da Polícia Federal (PF) por conta de acusações de fraude em licitação pública.
Realocação
Randolfe afirmou que a situação atual do MDR amplia a necessidade de diálogo da equipe de Lula com o parlamento em torno da realocação de verbas na administração federal. O grupo trabalha atualmente no sentido de tentar emplacar a "PEC da Transição" junto ao Congresso Nacional. O foco do presidente eleito neste momento é a obtenção de apoio político para a aprovação do texto, que deve dar ao novo governo condição para custeio de algumas ações.
"Nós temos para a Habitação algo em torno de R$ 18 milhões. Não tem mais política habitacional no Estado brasileiro neste momento. Precisamos ter redirecionamento de recursos para política habitacional, precisamos voltar a construir casas. Nós estamos com muito dinheiro para as necessidades parlamentares individuais e estamos com ausência de dinheiro para as necessidades discricionárias do Estado brasileiro", acrescentou Randolfe.
O parlamentar destacou que o cenário tem maior gravidade pelo fato de Bolsonaro ter desmontado uma série de políticas públicas e também os fundos constitucionais. Estes últimos são fontes geralmente estáveis de verbas utilizadas para investimento no desenvolvimento das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. "A situação orçamentária é grave. É um quadro que inspira muita atenção", disse Randolfe.
O deputado distrital Leandro Grass (PV), que integra o mesmo GT do senador na equipe de transição, acredita que a equipe de Lula conseguirá remanejar recursos para garantir uma injeção de verbas nas áreas mais sensíveis do MDR, como é o caso dos investimentos do segmento de habitação.
"São pontos de alerta, mas também não são pontos irreversíveis. Acho que é mais uma questão de inteligência orçamentária e planejamento para que, no momento em que for reordenada a estrutura ministerial, a gente saiba o que vai para onde".
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Nas entrelinhas: PEC da Transição troca o Bolsa Família pelo orçamento secreto
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
Não gosto de afirmações categóricas na política, porque ela é como uma nuvem, como dizia o governador mineiro e banqueiro Magalhães Pinto. Você olha pro céu, parece um elefante; olha novamente, já virou um jabuti; olha de novo, e desaba um aguaceiro danado. A nuvem desta semana no céu de Brasília é a PEC da Transição, que está sendo objeto de intensas negociações entre representantes da equipe de transição, sob coordenação do senador eleito Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí, e os caciques do Centrão, liderados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Ontem, o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda Nelson Barbosa rebateu as críticas à PEC da Transição com uma comparação que soa como música para os políticos do Centrão: disse que o governo Lula em 2023, o seu primeiro ano de mandato, gastará menos do que o governo Bolsonaro em 2022, ou seja, no seu último ano. Segundo o relatório de orçamento mais recente, o atual governo deve gastar o equivalente a 19% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, ao passo que a proposta do novo governo é reduzir esse percentual para 17,6% do PIB.
Segundo Barbosa, haveria um espaço de até R$ 136 bilhões para elevar despesas sem interferir nessa proporção gasto/PIB. Nessa contabilidade, ocorreria uma “recomposição fiscal” e não uma “expansão do gasto”. O espaço para aumentar gastos públicos em 2023 sem aumentar as despesas, em relação a esse ano, seria de R$ 136 bilhões, o que representa quase 69% dos R$ 198 bilhões previstos na PEC da Transição (valor que ficaria fora do teto de gastos). O gasto com o Bolsa Família ficaria fora do teto de forma permanente, num total de R$ 175 bilhões anuais, além de investimentos adicionais de até R$ 23 bilhões, para o Orçamento 2023. Qual o custo de um acordo no qual o governo Lula não teria que se preocupar com a aprovação de recursos para o Bolsa Família durante todo o mandato?
O cientista político Paulo Fábio Dantas, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), pôs o dedo na ferida: a pressão dos atuais congressistas sobre o futuro governo para aprovar a exclusão do Bolsa Família do teto de gastos seria “a fixação explícita, na mesma PEC, da imperatividade da execução das emendas do relator, porta de entrada de uma constitucionalização do ‘orçamento secreto’, antes que a ministra Rosa Weber o anule”. Sua conclusão decorre de uma entrevista do líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), na sexta-feira, na qual essa raposa felpuda do Congresso afirmou que a equipe de transição teria assimilado a legitimidade das “emendas de relator”. Faz sentido, porque não foram poucos os parlamentares da oposição, inclusive do PT, que se beneficiaram dessas emendas neste ano eleitoral.
Orçamento fatiado
Voltando aos números da PEC, com o Bolsa Família fora do teto de gastos, haveria um espaço de R$ 105 bilhões no Orçamento que estavam reservados para o Auxílio Brasil e que poderão ser destinados à recomposição dos orçamentos da Saúde, da Educação e outras despesas da área social. Como esses gastos são permanentes, a reação do mercado financeiro ao acordo em curso vem sendo muita negativa, porque a conta não fecha em quatro anos. Quem entende de contas públicas afirma que 77,1% do PIB de endividamento corresponde a R$ 7,3 trilhões. Esse patamar é muito elevado para os países emergentes, cuja média é de 65% de endividamento. Isso aumentaria nossos indicadores de risco financeiro e afugentaria investimentos externos.
Tudo seria fácil, se não fossem as dificuldades, como diria Aparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o humorista Barão de Itararé. Para viabilizar o Bolsa Família por quatro anos, antes mesmo de tomar posse, com uma oposição de extrema direita rosnando na porta dos quartéis e pedindo intervenção militar, Lula precisa contar com amplo apoio no Congresso. Sua bancada pode chegar a 139 deputados e 15 senadores. Ou seja, é impossível aprovar qualquer coisa sem os partidos de centro que o apoiaram no segundo turno e o Centrão. Além, disso, há 172 deputados da base bolsonarista que não se elegeram e são feras feridas no plenário da Câmara, que somente Arthur Lira pode controlar.
O senso comum é de que um acordo com Lira seria construído com base na sua reeleição à Presidência da Câmara, mas isso é considerado favas contadas. Ou seja, ocorreria mesmo que Lula estivesse articulando outro nome para comandar a Casa. O acordo seria outro: trocar o Bolsa Família pela manutenção do orçamento secreto durante os quatro anos. Mesmo assim, há quem duvide do acordo, como o vice-líder do PP, Doutor Luizinho (RJ): “Por que entregar quatro anos se o Orçamento da União precisa ser negociado todo ano?”
Nas entrelinhas: PEC da Transição esconde disputa pelo controle do Orçamento
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin iniciou ontem as conversas sobre o Orçamento de 2023 com o relator geral do Orçamento, Marcelo Castro (MDB-PI), o nome mais cotado para assumir a relatoria da PEC da Transição, cujo objetivo seria abrir espaço para o cumprimento das promessas de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão final sobre a relatoria cabe ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com quem Lula deve se encontrar para tratar do assunto hoje. A opção pela PEC é polêmica e envolve questões jurídicas que estão sendo analisadas também no Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
“Essa PEC não tem nenhum sentido, a não ser encobrir o rombo fiscal de 2022 e institucionalizar o Orçamento Secreto (RP9). Tudo pode ser resolvido por Medida Provisória (MP) no dia 2 de janeiro, sem necessidade de mexer-se na Constituição”, avalia o ex-presidente do Senado Eunício de Oliveira (MDB-CE), que está de volta ao Congresso como deputado federal eleito. Segundo Eunício, durante a campanha eleitoral, houve uma avalanche de recursos federais por meio de emendas do Orçamento, que desequilibrou a disputa em razão do abuso do poder econômico em favor dos que foram beneficiados pelas emendas. “Consegui me eleger sozinho, mas a disputa foi muito desigual, porque as emendas foram usadas para comprar apoios e até esvaziar campanhas alheias”, declarou.
As negociações para aprovação da PEC corroboram as reclamações de Eunício, porque envolvem parlamentares da base do governo e também setores da oposição que se beneficiaram da PEC. Marcelo Castro está sendo escolhido relator a dedo, porque é um dos poucos que conhecem a destinação dos recursos do chamado orçamento secreto e, em tese, poderia compatibilizar os interesses do Centrão com os do novo governo que está se formando. Entretanto, mesmo o PT está dividido em relação ao assunto. O deputado Paulo Teixeira (PT-SP), por exemplo, avalia que a PEC deve ser mais estudada e pode até se tornar matéria vencida, se a presidente do STF, ministra Rosa Weber, decidir pôr em votação a constitucionalidade do orçamento secreto.
“Orçamento secreto é inconstitucional, isso não existe; as emendas ao orçamento precisam ser transparentes. Além disso, juridicamente, o ajuste a ser feito no Orçamento de 2023 pode vir por medida provisória”, avalia Teixeira. Entretanto, há um problema político, que precisa ser levado em consideração: um confronto com o Centrão nessa matéria seria desastroso para o governo Lula já na largada do mandato. “Precisamos levar em consideração o Congresso, é possível negociar uma PEC que regulamente as emendas e atenda aos parlamentares, com o governo estabelecendo prioridades que seriam observadas nas emendas de bancada, por exemplo”, sugere o deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Suprema decisão
Quem terá de descascar o abacaxi é o vice-presidente Geraldo Alckmin, que coordena a equipe de transição e ontem nomeou os economistas que vão discutir o Orçamento: André Lara Resende, um dos idealizadores do Plano Real, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no governo Fernanda Henrique Cardoso; Persio Arida, outro dos pais do Plano Real, que presidiu o BNDES entre 1993 e 1994 e o Banco Central, em 1995; Guilherme Mello, professor de economia e coordenador do programa de pós graduação em desenvolvimento econômico da Unicamp, que foi assessor econômico da campanha de Lula; e Nelson Barbosa: ex-ministro do Planejamento e ex-ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff. A opinião da equipe econômica da transição é crucial para compatibilizar o que for aprovado com a política econômica do novo governo.
A opção pela PEC é defendida tanto pelo Centrão quanto por parlamentares ligados ao presidente Lula, mas há vozes críticas ao encaminhamento no próprio PT. “Estamos fazendo muitas concessões ao Centrão, não vejo necessidade de tratar desse assunto com tanta pressa, pois ele pode ser resolvido em janeiro”, questiona o ex-senador Lindhberg Farias, que também está voltando à Câmara como deputado federal eleito. Segundo ele, o economista José Roberto Afonso, com quem conversou, uma dos autores da Lei de Responsabilidade Fiscal, sugeriu que o governo utilize a legislação vigente para gastar um duodécimo do Orçamento em janeiro e remanejar o Orçamento por medida provisória. Apesar da polêmica, a expectativa é de que a PEC comece a tramitar no Senado, assinada pelo líder do PT na Casa, senador Paulo Rocha (PT-PA), além de outros parlamentares de diferentes partidos. A bancada de senadores do PT votou a favor do orçamento secreto e da PEC das bondades.
Dentre as ações sobre a RP9, a mais importante é a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 854, apresentada pelo PSol. Ao analisar o caso em novembro de 2021, a ministra Rosa Weber suspendeu o pagamento das emendas. Depois, flexibilizou a decisão, permitindo o pagamento, desde que houvesse mais transparência. A derrubada das emendas RP9 pelo Supremo era considerada um confronto como o Congresso e o Centrão, mas a derrota do presidente Jair Bolsonaro, que perdeu a eleição, abre espaço para uma decisão que pode facilitar a vida do presidente Lula, sem impedir a negociação de um acordo com Congresso, que contemple o Centrão.
Nogueira e Guedes se reúnem com TCU para discutir transição de governo
Alexandro Martello*, g1
Os ministros Ciro Nogueira (Casa Civil) e Paulo Guedes (Economia) se reuniram nesta quinta-feira (3) com ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) para discutir a transição do governo Jair Bolsonaro para o governo do presidente eleito Lula.
Na última segunda (31), um dia após a vitória de Lula nas urnas, o TCU informou que iria acompanhar a transição. O tribunal criou um comitê, formado pelos ministros Bruno Dantas (presidente do TCU), Vital do Rêgo, Jorge Oliveira e Antonio Anastasia.
Após o encontro, Anastasia afirmou que há uma "grande receptividade por parte da equipe do atual governo”" em fornecer as informações necessárias.
"Eu acredito que, assim, [a transição] vá ocorrer de maneira muito serena e tranquila", acrescentou.
Segundo ele, o TCU irá atuar para que as informações "fluam de maneira oportuna, no tempo adequado e que sejam de fato aquelas que foram solicitadas".
Paralelamente à reunião dos ministros do atual governo com os integrantes do TCU, o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin fará reuniões nesta quinta-feira em Brasília para discutir a transição.
No Congresso, por exemplo, Alckmin se reuniu com o relator do Orçamento da União, senador Marcelo Castro (MDB-PI). À tarde, o vice-presidente eleito se reunirá com o ministro Ciro Nogueira.
Atuação do TCU na transição
O prazo de funcionamento do comitê do TCU será de 90 dias. A função do grupo será acompanhar:
- todos os atos da transição;
- o compartilhamento de informações;
- analisar eventuais reclamações de sonegação de informações por parte do atual governo.
Um processo também foi aberto para acompanhar e consolidar os resultados do trabalho do comitê. O processo será relatado pelo ministro Antônio Anastasia.
Em nota, o presidente do TCU, Bruno Dantas, afirmou que o tribunal tem "larga tradição na fiscalização do cumprimento da lei".
"O arcabouço normativo que fixa padrão civilizado para a transição de governos no saudável rito periódico de alternância de poder é um patrimônio da democracia brasileira e merece o máximo de atenção de todas as instituições", disse.
Na última terça-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro (PL) fez o primeiro pronunciamento após perder a eleição. Bolsonaro leu um discurso, de dois minutos, em que disse que continuará cumprindo a Constituição. Depois, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, afirmou que dará início à transição de governo.
Transição é prevista em lei
Presidente eleito, Lula terá direito a uma equipe de transição para os próximos dois meses. As regras para o processo de transição estão listadas na Lei 10.609/2002 e no Decreto 7.221/2010.
A "equipe de transição" terá a missão de se inteirar do funcionamento dos órgãos e entidades da administração pública federal – e preparar os primeiros atos do novo governo, geralmente editados já no primeiro dia do ano.
Para isso, a equipe do atual governo tem que colaborar fornecendo informações. O TCU vai acompanhar justamente esse processo.
A expectativa dos ministros do TCU é que a transição seja "tranquila" e "harmoniosa".
As autoridades que compõem o poder Executivo têm a plena consciência de que o Brasil é um país com uma democracia sólida, uma democracia robusta, com instituições que cumprem as suas atribuições e competências constitucionais e legais", afirmou Dantas nesta terça-feira (1º), durante sessão plenária.
"Não tenho dúvida alguma que essa transição se dará da maneira mais tranquila e harmoniosa possível", completou.
O ministro Jorge Oliveira, que compôs o governo Bolsonaro antes de ser indicado ao TCU, elogiou a iniciativa inédita do tribunal e disse que o TCU pode somar ao trabalho de transição que será feito.
"Não há qualquer receio que não tenhamos uma transição republicana. Mas, de fato, o Tribunal de Contas tem muito a contribuir com esse processo."
A própria lei que estabelece a transição entre governos diz que os órgãos e entidades da administração pública federal "ficam obrigados a fornecer as informações solicitadas pelo Coordenador da equipe de transição, bem como a prestar-lhe o apoio técnico e administrativo necessários aos seus trabalhos".
*Texto publicado originalmente no G1
Entenda por que o orçamento secreto flerta com ilegalidades e com a corrupção
Tiago Pereira*, Brasil de Fato
O orçamento Secreto está produzindo um rastro de destruição em áreas sensíveis do Estado brasileiro, como saúde e educação, já combalidas com a perda paulatina de recursos, em função do teto de gastos. Recursos que iriam para políticas públicas, por exemplo, foram desviados para atender ao apetite por emendas da base aliada do presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional. No episódio mais recente, o governo Bolsonaro bloqueou mais R$ 2,4 bilhões de recursos que seriam destinados ao Ministério da Educação (MEC) deste ano. A verba vai para parlamentares aliados aplicarem como bem entenderem, em mais uma manobra do chamado orçamento secreto.
A manobra é resultado de um governo fraco, que precisou do Congresso para não investigar seus crimes de responsabilidade que poderiam levar a um impeachment. Desse modo, o Executivo passou a subordinar grande parte do Orçamento da União passou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira coordena o esquema e sentou em cima de mais de 140 processos de impeachment contra o atual presidente. Por meio dessa barganha que fere os princípios republicanos, Lira recebeu somente neste ano R$ 492 milhões em emendas para aplicar nos seus redutos eleitorais. Como resultado, ele viu sua votação crescer mais de 50% nas últimas eleições, na comparação com pleitos anteriores.
Ignorando critérios técnicos, esses recursos são aplicados ao sabor dos interesses dos parlamentares agraciados com as chamadas “emendas de relator”. É possível saber quanto cada parlamentar recebeu. No entanto, não há transparência, e não se pode saber ao certo onde foi aplicado o dinheiro.
“Maior esquema de corrupção do planeta”
De acordo com a senadora Simone Tebet (MDB-MT), “podemos estar diante do maior esquema de corrupção do planeta Terra”. Em entrevista recente ao podcast Flow, a então candidata à presidência – que agora declarou apoio ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno – explicou o funcionamento do esquema.
Ela citou o caso, revelado pela revista piauí, do município de Pedreira (MA). Com 39 mil habitantes, para justificar as emendas recebidas via Orçamento Secreto, a prefeitura informou que realizou mais de 540 mil extrações dentárias.
“Significa ter tirado 14 dentes de cada cidadão da cidade, inclusive do bebê recém-nascido, que não tem dente.”
A mesma reportagem mostra outro município do interior do Maranhão que realizou mais testes de HIV/aids do que toda a cidade de São Paulo, que tem mais de 12 milhões de habitantes.
“Então posso estar falando de uma nota fria onde digo ‘fiz tal coisa, me paguem’. Não estou falando daquela coisa de levar 10%, não (superfaturamento). Estou falando de uma nota inteira. O dinheiro pode ter saído de Brasília, chegado lá e ter ido para o bolso de alguém. Não tem sentido as menores cidadezinhas do Maranhão receberem os maiores recursos desse orçamento”, criticou Simone.
Para se ter ideia da influência das emendas do orçamento, o Maranhão deu 69% dos votos a Lula, elegeu o ex-governador Flávio Dino (PSB) com 62%, e também o candidato apoiado por ele, Carlos Brandão (PSB), com 51%. Por outro lado, dos 18 deputados federais eleitos pelo estado, 12 são de partidos apoiadores de Bolsonaro no segundo turno. Inclusive os quatro mais votados, dois do PL e dois do União Brasil.
Os “vencedores”
O Orçamento Secreto explica, em parte, porque o Brasil votou em Lula, mas deu ao PL de Bolsonaro a maior bancada de deputados federais.
Além das suspeitas de corrupção e dos desvios de finalidade, o Orçamento Secreto é um dos fatores que contribuiu para o crescimento das bancadas dos partidos do chamado Centrão – como o PL, PP, e Republicanos. O PL, por exemplo, conquistou 33 cadeiras nas eleições de 2018. Com a janela partidária, o partido de Bolsonaro subiu para 76, antes da eleição. Ma no último domingo (2), o partido elegeu 99 deputados para a próxima legislatura.
A votação de Bolsonaro, que teve cerca de 51 milhões de votos no primeiro turno, por si só, não explica o crescimento da bancada do seu partido. Fosse assim, o PT, que elegeu 68 deputados, deveria ter ficado com mais de 100 cadeiras na Câmara. Isso porque o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) obteve mais de 57 milhões de votos, 6 milhões a mais que Bolsonaro. Assim, uma das causas da diferença do tamanho das bancadas entre os dois partidos é o Orçamento Secreto, que serviu para irrigar candidaturas de aliados do presidente, e não da oposição.
Levantamento do jornal O Globo mostra que dos 13 que receberam de R$ 100 milhões do orçamento secreto neste ano, apenas um não se reelegeu. Outros dez tiveram votações mais expressivas agora do que nas últimas eleições. Arthur Lira, por exemplo, que recebeu R$ 492 milhões em emendas, viu sua votação saltar de 143.858, em 2018, para quase 220 mil votos nessas eleições, crescimento de 52,55% no total de sufrágios.
“Como você se sente ao ver que o Arthur Lira embolsou sozinho MEIO BILHÃO DE REAIS em emendas do orçamento secreto?”, questionou o cientista social Leonardo Rossato. “Não tem discussão de ideias que consiga concorrer com isso”, frisou o especialista. Assim, o orçamento secreto destrói com qualquer princípio de equidade entre os atores que disputam as eleições.
Batalha
A discussão em torno da revogação ou manutenção do Orçamento Secreto deve ser uma das principais batalhas no Congresso no ano que vem. Em caso de vitória de Bolsonaro, pouca coisa deve mudar, com os parlamentares avançando sobre fatias cada vez maiores das verbas da União. O ex-presidente Lula, por outro lado, promete acabar com o esquema, retomando para o governo federal a prerrogativa de decidir sobre a alocação dos recursos federais. O ex-presidente aposta no diálogo com os líderes do Congresso para pôr fim às emendas de relator.
Outro caminho é sepultar o orçamento secreto através do Supremo Tribunal Federal (STF). A ministra Rosa Weber, que assumiu a presidência da Corte no mês passado, é a relatora de um processo que questiona a legalidade das emendas de relator. O tema entraria em votação após o segundo turno das eleições.
No entanto, caciques do Centrão, como o próprio Arthur Lira, dizem que caso o STF ou o próximo presidente da República decida acabar com o Orçamento Secreto, os parlamentares do Centrão e aliados fariam passar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), oficializando o esquema. Lira ameaça inclusive se antecipar ao próprio STF, colocando a PEC em votação também logo após o segundo turno.
*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato
Nas entrelinhas: Bolsonaro recupera expectativa de poder
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A aprovação da PEC Emergencial e a redução do preço dos combustíveis alteraram o cenário eleitoral. Na pesquisa feita pelo Instituto FSB para o banco BTG Pactual, divulgada ontem, a diferença entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera a corrida presidencial, e o presidente Jair Bolsonaro (PL) caiu de 13 para sete pontos. O petista está com 41% das intenções de voto, enquanto Bolsonaro tem 34% no primeiro turno. Também se alterou a avaliação do governo, que era ruim ou péssima para 47% dos eleitores e, agora, está em 44%. Entre os que acham o governo Bolsonaro ótimo ou bom, o número subiu de 31% para 33%. O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) está com 7% dos votos; a ex-senadora Simone Tebet (MDB), com 3%; e André Janones (Avante), com 2%. José Maria Eymael (DC) e Pablo Marçal (Pros) têm 1% cada.
A pesquisa FSB/BTG Pactual explica o empenho de Lula para remover as candidaturas de Janones e Marçal e tentar atrair esse 3%. Mesmo assim, a simples soma de votos de Ciro e Simone inviabilizaria, hoje, uma vitória no primeiro turno. Vêm daí as previsões baluartistas do Palácio do Planalto, explicitadas com clareza pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, na entrevista publicada pelo Correio, no domingo. O presidente do PP fez duas previsões audaciosas: de que Bolsonaro chegará à frente de Lula no primeiro turno e o Centrão elegerá 350 dos 513 deputados da Câmara.
Presidente do PP, Nogueira é a raposa política por trás da estratégia de reeleição de Bolsonaro, cujo eixo é a PEC Emergencial, que permitirá farta distribuição de recursos pelo governo, a menos de 60 dias das eleições, burlando os princípios da “paridade de condições” e de “neutralidade da máquina pública” contidos na atual legislação eleitoral. Suas previsões sobre o desempenho do presidente nas eleições se baseiam, principalmente, no impacto do Auxílio Brasil na população de baixa renda, que receberá do governo, neste mês de agosto, as duas primeiras parcelas de uma só vez, no valor total de R$ 1,2 mil. Os subsídios para caminhoneiros, taxistas e do vale gás também estão sendo pagos. São aproximadamente R$ 41 bilhões em transferências de recursos para uma base eleitoral que está majoritariamente com Lula.
A outra previsão importante de Nogueira está diretamente relacionada às emendas parlamentares do chamado “orçamento secreto”, que devem somar R$ 16 bilhões neste ano. Essas emendas favorecem a reeleição dos parlamentares do Centrão, sem que a opinião pública saiba sequer quanto é que cada um está recebendo realmente. Pela projeção de Nogueira, serão eleitos 350 parlamentares governistas. Os deputados que estão manipulando esses recursos têm grande vantagem em relação aos concorrentes, inclusive dentro de seus próprios partidos. Nas contas de Nogueira, o bloco de esquerda liderado por Lula elegeria 150 deputados. São projeções muito otimistas, mas que refletem a confiança no sistema de blindagem da base de apoio do governo montada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Obviamente, entram nessa contabilidade parlamentares que estão nos partidos de oposição e votam sistematicamente com o governo.
Agenda conservadora
Nos cálculos de Nogueira, a peça chave da governabilidade é a eleição de uma ampla maioria na Câmara, no primeiro turno. Em qualquer resultado, na avaliação do ministro, o próximo presidente eleito terá uma taxa de rejeição acima de 40% e precisará de uma base parlamentar sólida, no caso o Centrão. Isso vale para Bolsonaro e dificultaria muito a vida de Lula no segundo turno, porque seu projeto político estaria em franca oposição à maioria parlamentar eleita. O candidato natural dos parlamentares do Centrão, mesmo no Nordeste, no segundo turno, será Bolsonaro. Não haveria mais adesão por conveniência eleitoral, pois os parlamentares já estarão eleitos. Vale destacar que isso também garantiria a reeleição de Lira na Câmara, o controle do Orçamento da União pelo Centrão e a aprovação de uma reforma constitucional ultra-conservadora.
É um cenários que restabelece a expectativa de poder de Bolsonaro, que havia se transferido para Lula, desde quando as pesquisas mostravam a possibilidade de o petista vencer no primeiro turno. Entretanto, como diria Mané Garrincha, é preciso antes combinar com o eleitor. Até porque existe uma contradição entre a estratégia política traçada pelas raposas do Centrão e o modo como Bolsonaro faz campanha eleitoral, com uma narrativa ideológica de cunho messiânico, ultra-conservadora, com ataques à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e ao Supremo Tribunal Federal (STF), com impacto negativos na sociedade civil e até mesmo na alta burocracia federal. O próprio Nogueira reconhece que isso mina a reeleição de Bolsonaro.
Nas entrelinhas: PEC sob medida para bagunçar a economia
Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense
A Câmara dos Deputados concluiu, ontem, a votação em primeiro turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que cria uma série de benefícios às vésperas das eleições, que vigorarão até 31 de dezembro. Patrocinada pelo Centrão e agasalhada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a proposta representa rombo adicional de R$ 41,2 bilhões no Orçamento deste ano, com propósito de conceder benefícios à população de baixa renda. A PEC passou por mais um turno de votação na noite de ontem.
A menos de três meses das eleições, a PEC aumenta o valor do Auxílio Brasil, amplia o Vale-Gás e cria um “voucher” para os caminhoneiros. Como a legislação eleitoral proíbe esse tipo de medida às vésperas das eleições, inventa um “estado de emergência” que livra o presidente Jair Bolsonaro (PL) das punições previstas em lei para esse tipo de crime eleitoral. Os benefícios aprovados começarão a ser pagos em agosto, mas vigorarão somente até dezembro. A medida é um estelionato eleitoral escancarado, mas foi aprovada com os votos da oposição, com exceção do Novo.
A aprovação da PEC foi marcada por suspeitas de fraude na votação de terça-feira e uma mudança regimental de ultima hora, ontem, para permitir a aprovação com quórum virtual. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), alterou as regras de votação a fim de permitir que parlamentares registrassem presença remotamente. Sessões extraordinárias foram realizadas para encurtar o prazo entre a primeira e a segunda votação, sendo que uma delas durou um minuto.
A PEC começou a tramitar no Senado, onde obteve apoio quase unânime — somente o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra. Um acordo entre o Palácio do Planalto, que dobrou as resistências da equipe econômica, o Centrão e a oposição foi o ovo da serpente da quebra de institucionalidade da economia e das regras do jogo eleitoral. Velha raposa política, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), ex-líder do governo, na hora da votação, inclui no projeto o “estado de emergência” para burlar a legislação eleitoral. A justificativa é marota: a guerra da Ucrânia.
A institucionalidade das políticas econômicas é uma chave para que o país possa atingir bons resultados. O vale-tudo institucional, tanto quanto no mercado, compromete a interação entre o Estado, as instituições, as empresas e a sociedade, joga o crescimento para baixo e os preços para cima. Medidas como a de ontem contrariam as expectativas dos investidores. Seu resultado são a falta de investimentos, a redução da atividade econômica, o aumento da inflação, as altas taxas de desemprego.
Consequências
O Orçamento da União foi capturado pelo Centrão, por meio do chamado “orçamento secreto”. A aprovação da PEC foi a contrapartida para que Bolsonaro liberasse a execução das emendas parlamentares às vésperas da eleição. O resultado é a bagunça fiscal e a execução caótica do Orçamento, que passa ao largo de projetos estruturantes, porque as emendas apresentadas, em sua maioria, têm objetivos clientelistas. O pacote está em contradição e impacta a política monetária, que foge à alçada do Congresso e foi completamente blindada pela autonomia do Banco Central (BC).
O combate à inflação pelo autoridade monetária, por meio da elevação da taxa de juros, e a garantia de alta rentabilidade dos capitais aplicados em ativos financeiros, principalmente os títulos públicos, provocam a retração da atividade econômica e a concentração de renda, na contramão dos objetivos imediatos das medidas aprovadas pela PEC. Os investimentos estrangeiros feitos no país, atraídos pela alta rentabilidade dos títulos públicos, têm caráter especulativo. O Estado também não é capaz de financiar a modernização da infraestrutura, nem é esse o objetivo do “orçamento secreto”, consumido por distribuição de tratores, caminhões, estradas vicinais etc. O país perde complexidade econômica e competitividade no mercado mundial.
Como a economia está ancorada no regime de metas da inflação, que já foi para o espaço, e no câmbio flutuante, que se tornou um grande estorvo para o governo por causa da alta do petróleo, o grande ponto de interrogação é o resultado da equação benefícios concedidos pela PEC versus processo inflacionário. Às vésperas da eleição, ninguém sabe se as medidas serão capazes de reverter a desvantagem eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL) em relação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Trocando em miúdos: a oposição entrou numa casa de caboclo sem saber como vai sair. Quem não tem nada a perder é Bolsonaro. E o Centrão? Também, pois seus políticos têm como característica principal é a capacidade de adaptação.
Congresso amplia ‘tratoraço’ após STF liberar orçamento secreto
André Shalders e Breno Pires / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA — Desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou novamente a execução do orçamento secreto, no começo deste mês, o governo empenhou até esta terça-feira, 14, R$ 1,38 bilhão. Ao contrário do que alegou o comando do Congresso ao STF, porém, a saúde e a educação estão longe de ser prioridade. Os ministérios responsáveis por essas áreas receberam apenas 4,6% dos recursos que foram reservados pelo Executivo. A maior parte das verbas (77%) foi para ações orçamentárias ligadas à pavimentação de ruas e à compra de maquinário pesado, como tratores.
Ao longo de 2020 e 2021, o governo reservou para despesas mais de R$ 30 bilhões das emendas de relator, identificadas pelo código RP9. A modalidade está na base do esquema do orçamento secreto, revelado pelo Estadão, e tem sido usada pelo Palácio do Planalto para distribuir indicações entre políticos aliados, em troca de apoio em votações importantes no Congresso.
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Ao defender no STF a liberação das emendas de relator, o comando do Congresso apontou que nessa rubrica havia R$ 7,6 bilhões autorizados no Orçamento, mas não empenhados. Se não for utilizado até o fim do ano, o dinheiro “se perde”, ou seja, volta para o Tesouro Nacional. Do montante pendente, R$ 2,4 bilhões são da área da saúde, segundo o Congresso.
O argumento convenceu a relatora do caso, ministra do STF Rosa Weber. “Por ora, entendo acolhível o requerimento (...), considerado o potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população, especialmente nas áreas voltadas à saúde e educação”, escreveu Rosa na decisão que liberou os pagamentos.
Até agora, no entanto, o Executivo não priorizou a saúde e a educação na liberação dos recursos da rubrica RP9. Desde terça-feira foram empenhados R$ 1,38 bilhão. Deste total, 78% (ou R$ 1,08 bilhão) foram transferidos para o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR). Comandada por Rogério Marinho, a pasta tem sob seu guarda-chuva orçamentário a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) e é responsável pela distribuição de maquinário pesado a municípios. Em seguida vêm os ministérios da Cidadania (R$ 100 milhões empenhados), e da Ciência, Tecnologia e Inovações (R$ 75 milhões).
A reserva de dinheiro para as pastas da Educação e da Saúde foi pequena até agora: R$ 62,8 milhões e R$ 788 mil, respectivamente. Juntos, os dois ministérios perfazem menos de 5% do total. Os dados foram extraídos na terça-feira do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) pela ONG Contas Abertas.
As obras de pavimentação e a compra de maquinário pesado para apoiar prefeituras têm sido prioridade para o Executivo desde que o STF autorizou novamente a execução das emendas de relator. As duas ações orçamentárias com mais recursos liberados foram as de Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado (código 7K66) e Apoio à Política Nacional de Desenvolvimento Urbano Voltado à Implantação e Qualificação Viária (1D73). A primeira inclui, além da pavimentação de vias, a “aquisição de máquinas e equipamentos de apoio à produção”. A segunda diz respeito à “implantação e qualificação de infraestrutura viária urbana”. Juntas, as duas ações tiveram pouco mais de R$ 1 bilhão empenhado até agora, ou 77% do total.
O relator-geral do Orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), começou a publicar, na terça-feira, nomes e ofícios de congressistas e prefeitos que solicitaram a destinação de recursos das emendas. As informações estão sendo divulgadas pouco a pouco no site da Comissão Mista de Orçamento (CMO), de forma parcial, e não sistemática. Há uma tabela que sistematiza as indicações, mas ela traz algumas anotações incompreensíveis.
“O detalhamento mostra que a ação orçamentária com maiores valores empenhados é a de ‘Apoio a Projetos de Desenvolvimento Sustentável Local Integrado’, do Ministério do Desenvolvimento Regional. Nesta ação é que se dá a compra de escavadeiras e tratores”, afirmou o economista e presidente da Contas Abertas, Gil Castello Branco.
Para o cientista político Marcelo Issa, do Movimento Transparência Partidária, o modelo do RP9 continua tendo problemas, mesmo com a divulgação de alguns responsáveis pelas indicações. “Os dois principais problemas continuam: primeiro, a inconstitucionalidade do uso que está sendo feito (das emendas de relator). Não se prestam a isso, mas simplesmente a corrigir erros e omissões (no texto da Lei Orçamentária). Segundo ponto: a falta de critérios objetivos para a distribuição dos recursos (...). Se o relator começar a receber uma enxurrada de pedidos, vindos de todas as prefeituras do País, qual será o critério para atender ou não? A LDO determina que sejam seguidos critérios socioeconômicos objetivos”, afirmou Issa.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Deputados temem repercussão da divulgação do orçamento secreto
A queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso em torno das emendas do relator, que distribuem recursos do orçamento secreto, deixou ainda mais evidente a preocupação da cúpula do Legislativo com as repercussões de uma eventual divulgação dos nomes dos parlamentares beneficiados.
Na noite de quinta-feira, os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pediram, em documento endereçado à ministra Rosa Weber, do STF, a revogação de trecho da decisão dela que suspendeu a execução das emendas do relator, também chamadas de RP9. No despacho, a magistrada determinou, ainda, que o Executivo e o Legislativo tornem públicos os detalhes desses procedimentos nos anos de 2020 e 2021.
Ao contrário das emendas individuais e de bancada, que têm critérios, são transparentes e distribuem verbas de forma igualitária entre os parlamentares, as RP9 são negociadas nos bastidores entre o relator do orçamento e a cúpula do Congresso. Os nomes dos parlamentares beneficiados ficam ocultos, e a distribuição dos recursos entre eles é desigual.
Uma eventual divulgação dos detalhes da execução dessas emendas deve provocar ruídos na relação entre a base aliada e a cúpula do Congresso. Isso pode, por exemplo, prejudicar os planos de Arthur Lira de conquistar um novo mandato à frente da Câmara.
"Com a revelação desses nomes, vai ficar evidente que há um desnível entre os parlamentares. Parlamentar classe A, classe B e classe C. E o Lira já está em campanha. Neste momento, ele quer manter uma boa relação com todos os deputados, seja governista, seja de oposição", avaliou o cientista político André Pereira César, da Hold Assessoria Legislativa".
Para o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, "os parlamentares que controlam o orçamento secreto têm medo da transparência, pois o que fizeram é repugnante, sob o ponto de vista da democracia, já que as emendas do relator foram usadas para negociatas que ferem, frontalmente, os princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e publicidade".
O economista afirmou que "a distribuição bilionária de recursos não obedeceu a critérios republicanos e houve, sim, a cooptação de parlamentares com recursos públicos para que votassem conforme os interesses daqueles que operacionalizam essa relação promíscua entre o Legislativo e o Executivo". Segundo Castello Branco, "se vier à tona o nome dos verdadeiros autores das emendas do relator, associados aos respectivos valores e destinações, a cúpula do Congresso e do Executivo será implodida".
Expectativa
Lira disse, ontem, esperar que o Supremo reverta a decisão sobre a suspensão da execução orçamentária das emendas do relator. Como ainda não foi publicado o acórdão da decisão liminar de Rosa Weber, para que o Congresso apresente os embargos de declaração, os dois presidentes apresentaram o pedido à ministra.
Segundo o deputado, são mais de R$ 13 bilhões paralisados no Orçamento de 2021, sem a perspectiva de receitas para diversos municípios que teriam dificuldades financeiras e fiscais neste final do ano. Para ele, é importante fazer uma modulação da decisão do Supremo.
"Isso (emendas de relator) é uma ocupação de espaço da qual o Legislativo abriu mão por muitos anos. A execução do Orçamento cabe ao Poder Executivo. Legislar sobre o Orçamento é função imprescindível e única do Poder Legislativo. Não cabe a nenhum outro Poder", disse o presidente da Câmara, durante entrevista ao Jornal da Jovem Pan.
De acordo com Lira, não é possível identificar quem foram os autores das emendas do relator entre 2020 e 2021, porque a lei não exigia esse pré-requisito. Ele ressaltou que, a partir de agora, inclusive para os R$ 7 bilhões que precisam ser cadastrados ainda neste ano no Orçamento, o relator-geral poderá identificar os parlamentares e dar mais transparência ao processo.
"São mais de R$ 13 bilhões que podem ser perdidos na Saúde, na Educação, nos hospitais filantrópicos, nas obras de água, nas prefeituras sob a tutela que a lei não exigia a identificação", detalhou. "Não temos nenhum problema com transparência, com acesso a dados. A Câmara e o Senado são as instituições mais acessíveis. (Chamar de orçamento secreto) é uma adjetivação injusta, e esperamos, antes do embargo de declaração, a anulação da paralisação do orçamento. Outras medidas legislativas, não tenho dúvidas, que iremos fazer", declarou.
Lira acrescentou que "não se pode criminalizar as emendas parlamentares" e que o objetivo da petição é mostrar ao STF as dificuldades enfrentadas com a paralisação do empenho dos recursos. O deputado informou que os parlamentares têm até 3 de dezembro, ou seja, na próxima semana, para indicar outras emendas e destravar as que já foram contratadas e conveniadas.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/11/4966403-deputados-temem-repercussao-da-divulgacao-dos-beneficiados-com-o-orcamento-secreto.html
Orçamento secreto: Congresso vai descumprir ordem do STF e manter sigilo
Comunicado oficial das mesas diretoras da Câmara e do Senado propõe abrir informações somente de repasses feitos daqui para a frente
Breno Pires e Daniel Weterman / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – O Congresso Nacional redigiu um ato conjunto no qual afirma que não fará a divulgação dos nomes dos deputados e senadores que direcionaram verbas do orçamento secreto até agora e só abrirá informações sobre solicitações feitas daqui para a frente. O comunicado oficial das mesas diretoras da Câmara e do Senado contraria decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que, há 20 dias, determinou ao Executivo e ao Legislativo dar ampla publicidade sobre a distribuição das verbas secretas.
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Na terça-feira, o Estadão revelou uma articulação para manter sob sigilo a caixa-preta das emendas de relator-geral do orçamento (RP9), base do orçamento secreto, o esquema criado pelo presidente Jair Bolsonaro para garantir apoio político. O ato conjunto é assinado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e pelo primeiro-vice presidente Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). A reportagem apurou que o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), está de acordo com o texto, segundo interlocutores.
A cúpula do Congresso apresenta dois argumentos para manter os nomes dos parlamentares em sigilo. Um dos trechos do ato destaca “a não exigência e a inexistência de procedimento preestabelecido por Lei para registro formal das milhares de demandas recebidas pelo Relator-Geral com sugestão de alocação de recursos por parte de parlamentares, prefeitos, governadores, Ministros de Estado, associações, cidadãos, formuladas no dia a dia do exercício dinâmico do mandato”. Outro trecho do documento afirma que há uma “impossibilidade fática de se estabelecer retroativamente um procedimento para registro das demandas referidas no item anterior”.
De acordo com o ato conjunto (veja abaixo), em seu artigo 4º, “as solicitações que fundamentam as indicações a serem realizadas pelo Relator-Geral, a partir da vigência deste Ato Conjunto, serão publicadas em sítio eletrônico pela Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização e encaminhadas ao Poder Executivo”. Nada, portanto, que se refira às demandas feitas em 2020 e 2021, que estão englobadas no objeto da decisão do Supremo.
Pacheco confirmou ao Broadcast Político que a publicação do ato ocorrerá entre hoje e amanhã e que o princípio da transparência está atendido, apesar dos questionamentos. Além disso, ele convocará uma sessão do Congresso amanhã para votar um projeto de resolução regulamentando as emendas de relator a partir do Orçamento de 2022.
Em liminar, Rosa determinou ‘ampla publicidade’ aos documentos
Na liminar que determinou a “ampla publicidade” aos documentos “que embasaram as demandas e/ou resultaram na distribuição de recursos das emendas de relator-geral (RP-9)”, a ministra Rosa Weber, do Supremo, estabeleceu que os nomes dos parlamentares beneficiados devem ser divulgados, incluindo os valores que já foram pagos. Em seu voto, a ministra escreveu que “o regramento pertinente às emendas do relator (RP 9) distancia-se desses ideais republicanos, tornando imperscrutável a identificação dos parlamentares requerentes e destinatários finais das despesas nelas previstas, em relação aos quais, por meio do identificador RP 9, recai o signo do mistério”, deixando claro que a decisão busca tornar públicos os nomes dos solicitantes por trás do relator-geral.
O Estadão publicou reportagem na terça-feira revelando a articulação do Congresso para não dar publicidade às indicações por trás da fachada do relator-geral. Na ocasião, diversos especialistas em contas públicas, transparência e direito apontaram que seria uma burla à decisão do STF.
Para especialistas e técnicos de órgãos de controle, o governo e o Congresso são obrigados a dar transparência a essas indicações e a todos os critérios adotados para aprovação e execução das emendas, incluindo a digital de quem indicou o recurso. “Do contrário, seria um descumprimento à decisão do Supremo, porque não é plausível que não existam as informações”, disse o diretor da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino.
“A inexistência de norma infraconstitucional não afasta a existência constitucional de uso transparente dos recursos públicos", disse o professor titular de Direito Financeiro da USP, Fernando Scaff, ao Estadão.
“Observe que eles estão dizendo que passarão a fazer, e que não farão retroativamente. Desta forma, reconhecem a existência de irregularidade e buscarão ultrapassá-la, o que é positivo. Todavia, não adotar o mesmo procedimento para as condutas que já ocorreram torna a medida insuficiente, pois não atinge integralmente a necessária transparência e publicidade no uso dos recursos públicos. Deixa no ar a impressão de que não querem informar a sociedade sobre a origem e destino desses recursos”, observou Scaff.
Parlamentares da oposição já haviam dito também que, se isso ocorresse, seria um drible ilegal. “A decisão do STF que determinou a total publicidade e transparência das emendas destinadas terá que ser cumprida. É direito do povo saber como o seu dinheiro foi usado. Não há razão para que todos dados não sejam divulgados”, disse ao Estadão o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), na terça-feira, 23. “Qualquer tentativa de ocultar informações sobre o orçamento deve ser entendida como descumprimento da decisão do Supremo, com as punições consequentes”, disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), também na terça-feira.
A líder do PSOL, Talíria Petrone (RJ), disse que as propostas de transparência que vêm sendo prometidas pela Câmara e pelo Senado são insuficientes e não devem desviar o debate.
“O cenário que se desenha é o de que não haverá transparência na divulgação de quais parlamentares solicitaram as emendas de relator geral. Isso vale tanto para os orçamentos de 2020 quanto de 2021. Pior, as soluções que circulam na Casa (projetos de resolução) tampouco resolvem essa questão, já que apenas indicam a publicação das emendas de relator em sítio eletrônico. Permanecerão as dúvidas: Quem indicou? E Por que?”, disse Talíria, que pretende acionar o Supremo se as determinações forem burladas. “É inadmissível que bilhões de reais sejam distribuídos em troca de votos, violando inúmeros princípios constitucionais, dentre os quais destaco a impessoalidade, a moralidade e a publicidade. A sociedade tem o direito de saber quem está trocando voto por indicação de emenda”, afirmou a deputada.
Planilha
Apesar da alegação contida no ato conjunto, a série de reportagens do Estadão tem demonstrado desde maio que o governo e a cúpula do Congresso detêm as informações sobre os beneficiados com os repasses. O Estadão obteve, por exemplo, uma planilha elaborada por integrantes do governo na qual se podem ver 285 parlamentares como autores de solicitações de repasses com emenda de relator-geral do orçamento, que obtiveram verbas empenhadas no Ministério do Desenvolvimento Regional em dezembro de 2020. Paradoxalmente, para manter em sigilo os parlamentares contemplados, o ato conjunto utiliza como fundamento justamente a informalidade do esquema de distribuição de repasses por meio de barganha política.
No ano de 2020, as emendas de relator-geral do orçamento de 2020, em parte, foram direcionadas atendendo pedidos individuais feitos por deputados e senadores, registrados em ofícios. Depois que o mecanismo foi revelado, porém, o Congresso concentrou os pedidos no relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar (PSL-AC), cortando as solicitações diretas. O dinheiro, no entanto, é distribuído pelas cúpulas da Câmara e do Senado, que acompanham em planilhas secretas o fluxo de liberação dos recursos e de parlamentares atendidos.
Assim, em paralelo ao ato conjunto do Congresso, o Palácio do Planalto pode dar publicidade apenas aos ofícios do relator-geral e alegar que, formalmente, desconhece os nomes dos deputados e senadores solicitantes desses repasses – apesar de essas informações serem conhecidas informalmente, pois fazem parte da articulação do Executivo com o Legislativo. O Congresso, por sua vez, também alega não ter as informações centralizadas. O Supremo não intimou diretamente o relator-geral a apresentar os nomes dos parlamentares, que nesse jogo de empurra poderão continuar em segredo.
A deputada Adriana Ventura (Novo-SP) frisou que a ministra Rosa Weber pediu as informações do passado também. “Como assim não conseguem resgatar estes dados? Nem os presidentes das casas, nem a secretaria de governo, nem os ministérios e nem os beneficiários sabem informar? Cabe então ao relator-geral prestar estas informações, afinal ele é o autor oficial das emendas. O que não pode acontecer é continuarmos no escuro”, disse.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,orcamento-secreto-congresso-vai-descumprir-ordem-do-stf-e-manter-nome-de-parlamentares-em-sigilo,70003908637