ONU

El País: 50 anos depois, Brasil volta a ser alvo sistemático de denúncias internacionais por violações de direitos humanos

País vive pressão inédita desde o fim da ditadura com relatores da ONU, ONGs e ativistas se sucedendo em críticas ao desmonte dos mecanismos de proteção a direitos fundamentais. Ofensiva ocorre ao mesmo tempo em que governos e parlamentares europeus questionam acordo UE Mercosul

Jamil Chade, El País

O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas se transformou em uma plataforma de ataques contra o governo de Jair Bolsonaro, denunciado por diversas violações ao meio ambiente, a mulheres e a indígenas, e pelo desmonte dos mecanismos de proteção aos direitos humanos. O encontro, que acontece desde o final de fevereiro e é considerado como a principal sessão do ano, vem colocando o Itamaraty em uma posição defensiva.

A ofensiva da sociedade civil e de alguns dos principais relatores da ONU coincide com outro momento complicado para o governo de Bolsonaro. Pela Europa, governos e parlamentares têm questionado o acordo comercial entre a União Europeia e Mercosul. Câmaras Legislativas de regiões da Bélgica e Áustria já promoveram votações para bloquear o tratado, alegando que não aceitariam uma aproximação num momento em que o governo brasileiro não se compromete em questões ambientais.

Na Suíça, que assinou um tratado em separado com o Mercosul, grupos políticos insistem que tal acordo precisa ser submetido a um referendo popular, apostando numa reação contrária da opinião pública diante da atual imagem internacional do Brasil. Mas a pressão internacional não se limita à Amazônia e as últimas reuniões na ONU escancararam como o Brasil já perdeu a confiança pelas inúmeras queixas recebidas sobre práticas incompatíveis com os diretos humanos.

Em janeiro deste ano, uma reunião privada dentro da missão diplomática do Canadá, em Genebra, fazia um exercício: como a comunidade internacional e da ONU deveriam reagir em termos legais diante de governos ditatoriais e com comprovadas violações graves de direitos humanos. O encontro, mantido em total sigilo, era organizado por entidades internacionais e ONGs, com o convite feito a governos europeus e de delegações de outras regiões do mundo. Ottawa havia cedido uma sala em sua missão diplomática para o debate. Oficialmente, tratava-se apenas de um exercício e uma simulação de cenários políticos. Mas altamente simbólico.

Entre os países com sérias violações de direitos humanos escolhidos para o debate confidencial estava o Brasil, ao lado do regime autoritário da China e da repressão no Egito. A realidade é que, 50 anos depois de o país ser alvo de denúncias nos antigos órgãos da ONU diante da tortura e desaparecimentos durante a ditadura, o Brasil volta a preocupar a comunidade internacional de uma forma sistemática.

Nos últimos 30 anos, denúncias e críticas foram apresentadas contra os diferentes governos brasileiros. Mas jamais colocando em questão a própria democracia e a existência do espaço cívico. Nos corredores da ONU e salas de reuniões, o governo brasileiro vive uma pressão inédita em seu período democrático, com relatores da entidade, ONGs brasileiras e estrangeiras, ativistas e líderes indígenas se sucedendo em críticas ao desmonte dos mecanismos de proteção aos direitos humanos no país.

Apenas em 2019, mais de 35 denuncias foram apresentadas contra o Brasil e, em 2020, essa tendência ganhou um novo ritmo. Desde que a sessão oficial do Conselho começou, dia após dia entidades e representantes de mecanismos especiais das Nações Unidas tomam o microfone na solene sala da ONU para acumular denuncias contra o Brasil. São bispos de Brumadinho ou defensores de direitos humanos que chegam para suplicar pelo apoio internacional contra um governo que, na visão de muitos, faz questão de menosprezar seus compromissos internacionais.

Um dos questionamentos veio da relatora da ONU para o direito à alimentação, Hilal Elver. Na quarta-feira passada, ela apresentou seu informe em que criticou abertamente o Brasil. Segundo o texto, o país era um “grande exemplo” de como instituições para o combate à fome estavam sendo financiadas, no marco do Fome Zero. “Infelizmente, esta boa prática foi quase perdida em 2019, quando o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional foi desmantelado”, lamentou. Os ataques levaram o governo brasileiro a tomar a palavra na ONU para questionar o informe. A delegação do Itamaraty afirmou ter ficado “desapontada” com algumas “informações enganosas” do documento. De acordo com o governo, a reestruturação das instituições de combate à fome teve como objetivo “modernizar” a administração.I

Indígenas
Outra área de atrito é a produção agrícola brasileira. Segundo o mesmo informe de Elver, é “particularmente preocupante o aumento significativo das queimadas na Amazônia brasileira, seguindo as promessas feitas pelo novo governo de abrir terras indígenas para a agricultura e mineração”. Bolsonaro e seus aliados fomentam reiteradas vezes essa postura, insistindo em projetos que abram as reservas. “O governo passou a chamar os povos indígenas que se opõem à sua política como anti-desenvolvimentistas”, criticou.

Nesse ponto, uma vez mais o governo rebateu, alegando que os incêndios foram devidamente gerenciados e que a escala do problema era “consistente” com a média histórica. Elver não se deu por satisfeita e voltou a questionar. “A Amazônia é patrimônio de toda a humanidade”, insistiu, lembrando como os incêndios em 2019 foram mais severos. Segundo ela, existem “interesses” para abrir a região para a pecuária. “É uma situação importante e delicada o uso de floresta para a Humanidade no futuro. Não podemos destruir apenas para produzir mais alimentos. Isso não seria argumento aceitável”, disse.

Lembrando do impacto dessas ações para grupos indígenas, a relatora ainda defendeu que haja algum tipo de investigação internacional sobre a relação das grandes corporações e a situação da floresta, um cenário de pesadelo para a diplomacia nacional. “Talvez com algum comitê especial da ONU”, sugeriu.

Mineração
Durante a sessão, um tema que colocou pressão sobre o governo foi a legalização da mineração em terras indígenas. O caso levou Davi Kopenawa Yanomami a viajar até Genebra para alertar a comunidade internacional sobre a situação dos povos indígenas. Há um mês, Bolsonaro assinou um projeto de lei para regulamentar a mineração e a geração de energia elétrica em reservas indígenas. O projeto de lei será analisado pelo Congresso Nacional. Mas, em sua assinatura numa cerimônia no Palácio do Planalto, Bolsonaro declarou ser um “sonho” a abertura de reservas indígenas para a mineração.

O projeto passou a ser alvo de duros ataques nas Nações Unidas. O relator da ONU para o meio ambiente, David Knox, foi um dos que pediu que o projeto seja barrado. Para ele, a medida de Bolsonaro é “profundamente preocupante” e alerta que a situação dos indígenas seria “fortemente afetada”. “Esse é um retrocesso no reconhecimento dos direitos indígenas”, insistiu. Na mesma sessão, a pressão também veio do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). Em nome da entidade, o jurista Paulo Lugon Arantes afirmou que “o arcabouço legislativo criado pelo Brasil desde sua redemocratização está sendo desmontado em uma velocidade impressionante”. De acordo com o CIMI, no Congresso há mais de 800 projetos que atentam contra o arcabouço legislativo criado no Brasil nos últimos anos.

Uma vez mais, o governo tomou uma postura defensiva. No debate, a embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, tratou o assunto como se fossem “falácias” que estariam sendo ditas sobre a situação de meio ambiente no país e indicou que “correções” seriam necessárias. Ao longo dos dias, a embaixadora fez reuniões com o segundo escalão da cúpula da ONU para pressionar por uma revisão da posição do organismo sobre a situação no Brasil. Em vão.

Mulheres e religião
A pressão do Itamaraty não impediu que a situação das mulheres também fosse denunciada, num gesto que gerou desconforto no Palácio do Planalto que, por sua vez, exigiu uma ação do Itamaraty. O Brasil havia sido citado em um relatório submetido ao Conselho, ao lado de países onde a religião é usada como justificativa para impedir que meninas e mulheres tenham acesso à educação sexual, assim como direitos reprodutivos e acesso à saúde sexual. Desde o início do governo Bolsonaro, o país modificou sua política externa e de direitos humanos para levar em conta valores religiosos. De acordo com o informe, consultas realizadas na América Latina em 2019 chegaram à constatação de que programas de educação sexual e saúde reprodutivas foram cortados no Brasil. Isso, segundo as pessoas ouvidas nas consultas, teria uma relação direta com a “pressão de grupos religiosos”.

O relator da ONU para Liberdade Religiosa, Ahmed Shaheed, confirmou sua preocupação e indicou que recebeu relatos de como as ameaças aos direitos de meninas e mulheres são realidades em diversos locais. Segundo ele, os estados da região continuam com leis seculares. “Mas as pessoas me relatam que existe uma visibilidade cada vez maior de grupos religiosos em espaços públicos que argumentam que alguns direitos de mulheres podem ser limitados com uma justificativa religiosa”, disse. “Meninas e mulheres têm tido dificuldades em ter acesso a direitos reprodutivos, com a consequência para a saúde e muito mais que isso”, alertou.

Ao longo dos últimos meses, o Itamaraty tem adotado uma postura que vem causando choque entre delegações estrangeiras. Em projetos de resolução na ONU, o governo tem alertado que não aceitaria referências a termos como educação sexual ou direitos reprodutivos. Em Nova York em setembro de 2019, o governo ainda se somou a uma declaração liderada pelos EUA em que países insistiam sobre a necessidade de se evitar a “criação” de novos direitos. Entre eles, mais uma vez estavam os direitos reprodutivos e sexuais. O argumento é de que tais referências poderiam abrir caminhos legais para o aborto.

Bachelet
A onda de críticas e cobranças contra o Brasil não ocorreram de forma isolada. No início do encontro da ONU, no final de fevereiro, o tom foi dado pela própria alta comissária da ONU para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet. Num encontro fechado com a ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, ela levantou a questão das violações contra indígenas e defensores de direitos humanos. O governo jamais revelou o conteúdo do encontro. Dias depois, num discurso oficial, Bachelet incluiu o Brasil na lista dos cerca de 30 países que vivem uma situação especialmente preocupante em temas de direitos humanos. Damares Alves, porém, já não estava mais em Genebra para escutá-la.

“No Brasil, ataques contra defensores dos direitos humanos, incluindo assassinatos - muitos deles dirigidos a líderes indígenas - estão ocorrendo em um contexto de retrocessos significativos das políticas de proteção ao meio ambiente e aos direitos dos povos indígenas”, alertou Bachelet. “Também estão aumentando as tomadas de terras indígenas e afrodescendentes”, disse. Outro temor da representante da ONU se refere ao trabalho dos movimentos sociais e dos ataques sofridos por ongs. Segundo ela, também estão aumentando os “esforços para deslegitimar o trabalho da sociedade civil e do movimento social”. No ano passado, ela já havia alertado sobre o encolhimento do espaço cívico no Brasil, o que gerou duras reações por parte do governo brasileiro. Desta vez, o governo optou por um ataque violento.

A embaixadora do Brasil na ONU, Maria Nazareth Farani Azevedo, pediu a palavra para descrever o questionamento de Bachelet de “lamentável” e alertando que a chilena teria sido aconselhada de forma errada. Uma análise da situação, segundo ela, não estaria sendo feita com bases em dados e evidências atualizados. “Propomos uma conversa com base em fatos”, disse. Ela ainda sugeriu que deva haver um fim para um embate entre “narrativas politicamente motivadas”.

Ela ainda se recusou a aceitar as denúncias de Bachelet. “Não há recuou para proteger o meio ambiente, muito menos na proteção dos direitos indígenas”, declarou. “Pelo contrário”, disse a embaixadora, lembrando que Bolsonaro criou o Conselho da Amazônia. Segundo ela, a demarcação de terras indígenas é uma realidade e a proteção é conduzida de forma séria. “Existe um amplo espaço cívico no Brasil”, completou a diplomata aplaudida pelo bolsonarismo mais radical, lembrando que 900 entidades apoiaram a candidatura do governo para o Conselho da ONU. Muitos desses apoios vinham de organizações religiosas e a lista contava até mesmo com agências imobiliárias no México, algo jamais explicado pelo governo.


Bruno Boghossian: Bolsonaro consolida marcas e abraça fundamentalismo político

Na ONU, aprofunda movimento de ruptura e aposta em tratamento de críticos como vilões

Em nove meses de mandato, Jair Bolsonaro já havia mostrado que não faria concessões e ignoraria qualquer apelo por moderação. Agora, o presidente levou à ONU as credenciais de um governo que abraça de vez uma espécie de fundamentalismo político.

O discurso do brasileiro na Assembleia Geral foi uma vitória da ala ideológica do Palácio do Planalto e da Esplanada –uma prova praticamente definitiva de que esse grupo determina não apenas a essência, mas todo o corpo do bolsonarismo.

O presidente fez questão de deixar sua marca completa, mas deu peso especial a sua conhecida contraposição às ideias da esquerda. Com isso, mostrou mais uma vez que não aceita nada além de alinhamento absoluto e que seus críticos se tornam imediatamente adversários e vilões.

O pronunciamento foi, segundo os próprios auxiliares de Bolsonaro, uma tentativa de apresentar ao mundo e reforçar dentro de casa a linha mestra de um movimento de ruptura. Sob esse argumento, o presidente busca um salvo-conduto até para as medidas mais controversas tomadas por seu governo.

Num pot-pourri do repertório de campanha, o fantasma socialista apareceu com destaque, o governo foi apresentado como vítima da imprensa e as queimadas da Amazônia pareceram uma ilusão.

Apostando no enfrentamento, o presidente foi capaz de dizer, sem corar, que a floresta não está sendo devastada. Bolsonaro sabe que negar a realidade não encerrará as cobranças pela preservação da Amazônia, mas explora essa fantasia para reforçar sua disposição em afrouxar a política ambiental brasileira.

O presidente usa problemas verdadeiros, como a corrupção e a criminalidade, para tentar convencer o mundo de que seus adversários políticos podem ser ignorados e de que só ele tem as soluções. Deixa de dizer, entretanto, que sua gestão mal arranhou a superfície da segurança pública e que ele passou a ser criticado por sua base política ao interferir em órgãos de controle.


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro confundiu a ONU com o Facebook

Em sua estreia na ONU, Bolsonaro fez um discurso deslocado no tempo e no espaço. Diante de cerca de 150 chefes de Estado, escolheu falar para sua base eleitoral no Brasil

Em sua estreia na ONU, Jair Bolsonaro fez um discurso deslocado no tempo e no espaço. O presidente investiu na retórica anticomunista, como se o mundo ainda estivesse dividido pela Guerra Fria. Diante de cerca de 150 chefes de Estado, escolheu falar para sua base de extrema direita no Brasil.

Bolsonaro se apresentou como um típico autocrata. Atacou a imprensa, a ciência e as universidades. Adotou um tom conspiratório contra ambientalistas e líderes indígenas que se opõem à destruição da Amazônia.

O presidente pareceu confundir as Nações Unidas com sua audiência cativa no Facebook. Mentiu à vontade sobre as queimadas, a ditadura militar e o programa Mais Médicos. Depois de exaltar o regime autoritário, disse defender a liberdade e a democracia.

Em algumas passagens, Bolsonaro ecoou as falas delirantes do chanceler Ernesto Araújo. “A ideologia invadiu a própria alma humana, para dela expulsar Deus e a dignidade com que ele nos revestiu”, disse. O olavismo, quem diria, chegou à tribuna da ONU.

Foi um discurso agressivo, como temiam diplomatas assustados com o Itamaraty da “nova era”. Em vez de moderar o tom, o presidente radicalizou na pregação ideológica e reforçou as críticas a países europeus. Só guardou elogios para os EUA. Mesmo assim, não conseguiu o sonhado jantar a dois com Donald Trump.

Candidato declarado à reeleição, Bolsonaro dedicou boa parte do tempo a animar sua tropa. Elogiou militares, afagou policiais e fez uma deferência ao ministro Sergio Moro, num momento em que a militância lavajatista começa a se distanciar do governo.

Ele também acenou aos evangélicos, que apresentou como vítimas de perseguição religiosa. Sobre os ataques a cultos de matriz africana, cada vez mais frequentes, não deu nenhuma palavra.

Depois de falsear números sobre o território ianomâmi, o presidente criticou o cacique Raoni, líder indígena mais conhecido do país. Aos 89 anos, o caiapó acaba de ser lançado candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Ao atacá-lo pelas costas, Bolsonaro deu um impulso inesperado à campanha.


El País: Bolsonaro abre Assembleia Geral da ONU, agitada por novo escândalo de Trump

Um mapa das tensões na reunião em Nova York, marcada pela ameaça de desaceleração econômica e pelo incerto conflito no Oriente Médio

ameaçadora sombra de uma desaceleração econômica, a guerra comercial, o aquecimento global, o incerto conflito no Oriente Médio, a tensão na Venezuela, o Brexit... Diversas crises marcam a agenda da Assembleia Geral da ONU que começa nesta terça em Nova York. Aos assuntos mais evidentes se somam inesperados pontos de interesse, como uma reunião entre os líderes norte-americano e ucraniano, onde se buscarão chaves do enésimo escândalo interno Trump. A primeira jornada, com discursos de Bolsonaro, Trump, do egípcio Abdel Fatah al Sisi e do turco Recep Tayyip Erdogan, será uma oportunidade de comprovar que a polarizadora e populista figura do presidente do país anfitrião fez escola. Estes são alguns dos assuntos a não perder de vista em uma semana frenética:

O polêmico presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que não foi convidado para a cúpula do clima  desta segunda-feira por flertar com o ceticismo ambiental, será o primeiro dos chefes de Estado a se dirigir ao mundo na Assembleia Geral da ONU. Um privilégio que não é resultado da ordem alfabética (encabeçada pelo Afeganistão e fechada pelo Zimbábue), de sua popularidade, do peso político ou econômico de seu país, mas da tradição. Abrirá esta 74ª sessão, como fazem os mandatários brasileiros desde 1955.

Um porta-voz do Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores, explica a origem dessa tradição não escrita que persiste desde a Guerra Fria: “Conta-se que, ao buscar um país disposto a falar diante das superpotências para evitar o conflito entre os Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas para a abertura da sessão, o Brasil aceitou ser o primeiro entre os oradores”.

Bolsonaro chega a Nova York ainda se recuperando da quarta intervenção cirúrgica em pouco mais de um ano devido ao atentado que sofreu na campanha e convertido em um dos mandatários mais criticados por seus tiques autoritários, sua nostalgia da ditadura e sua política ambiental. Ao lado dele, haverá cerca de 150 chefes de Estado. O brasileiro reduziu ao mínimo sua agenda, ainda pendente da inclusão de um almoço com Donald Trump.

Especialistas em relações internacionais apontam outro possível motivo dessa cortesia em relação ao Brasil. Foi um prêmio de consolação das grandes potências para o gigante latino-americano, que deixaram fora do Conselho de Segurança em 1948. Por isso, o Brasil forjou anos atrás uma aliança com a Índia, o Japão e a Alemanha, pela qual ainda reclamam uma reforma do clube dos cinco com direito a veto (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido), com o argumento de que não representa a profunda mudança de forças sofrida pelo mundo nessas sete décadas. Os quatro países continuam batalhando pela ampliação do Conselho de Segurança e ter o poder de vetar resoluções.

O representante dos Estados Unidos, como país anfitrião, será o segundo orador. Dois mandatários pouco defensores de organismos multilaterais como a ONU e céticos com a crise climática abrirão as intervenções. Bolsonaro, que disse que iria à ONU mesmo que fosse de cadeira de rodas, tentará reduzir o tom sobre sua briga de galos com Macron em agosto, quando os incêndios na Amazônia alertaram o mundo. Quer “falar de patriotismo, de soberania, do que o Brasil representa para o mundo, de que é um país cujo povo é bem recebido em todo o mundo”.

Ucrânia. Uma nova frente interna para Trump

Em todas as frentes será crucial a postura de Trump, um líder que se caracteriza precisamente por seu desdém pelos organismos multilaterais. Falará com a Assembleia nesta terça-feira, em seu primeiro discurso internacional desde a demissão do falcão John Bolton do cargo de assessor de Segurança Nacional. Espera-se, segundo anteciparam fontes do Governo, que defenda a soberania e independência dos países da ONU, que defenda a proteção das liberdades religiosas e que apresente os Estados Unidos como “uma alternativa positiva ao autoritarismo”. Mas todos os olhos estarão voltados para sua reunião de quarta-feira com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em meio à crise desatada pela revelação de que Trump o pressionou a investigar negócios naquele país do filho do ex-vice-presidente Joe Biden, favorito democrata a enfrentá-lo nas urnas em 2020. O presidente afirmou no domingo que considera que suas conversas com Zelenski foram “absolutamente perfeitas”, mas os democratas veem novamente uma tentativa de Trump de procurar a ajuda de um país estrangeiro para sua reeleição.

Irã. A incógnita de Rohani

Depois de três anos de mandato marcados pelo mantra “A América em primeiro lugar”, Trump tratará de convencer os céticos líderes mundiais a construírem uma coalizão contra o Irã, a quem os EUA acusam pelo ataque com drones a instalações petrolíferas da Arábia Saudita em 14 de setembro. Aquela ação, definida pelo secretário de Estado Mike Pompeo como “um ato de guerra”, praticamente eliminou a possibilidade de uma reunião bilateral de Trump com o presidente Hasan Rohani, uma iniciativa na qual vinha se empenhando sobretudo o francês Emmanuel Macron. Mas com Trump nunca se sabe, pois já no domingo ele disse que “nunca nada está completamente fora da mesa”. O que parece claro é que a delegação norte-americana apresentará a seus aliados as provas sobre as quais sustenta sua acusação, e que Teerã nega. E Rohani, que fala na quarta-feira, provavelmente aproveitará para acusar os Estados Unidos de iniciarem o conflito ao se retirarem do acordo nuclear assinado em 2015 e reinstaurarem as sanções que destroem sua economia.

Reino Unido. Improváveis avanços no Brexit

O britânico Boris Johnson vai a sua primeira Assembleia Geral como primeiro-ministro em meio a uma profunda crise interna: a apenas um mês da data marcada para que seu país deixe a União Europeia, ainda sem um acordo à vista para isso, com o Parlamento fechado e pendente de que o Tribunal Supremo se pronuncie sobre Johnson extrapolou suas funções ao suspendê-lo (a decisão, na verdade, o apanhará em Nova York). O primeiro-ministro se reunirá com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e com outros líderes dos 27 países restantes na UE, como Macron, a alemã Angela Merkel e o irlandês Leo Varadkar. Será a primeira oportunidade para que os líderes europeus lhe solicitem pessoalmente detalhes sobre o plano, anunciado por Londres na semana passada, de uma possível solução para salvar o acordo de saída, resolvendo o complicado assunto da necessidade de evitar uma fronteira física na ilha da Irlanda.

Mas, à margem do ceticismo dos líderes europeus ante qualquer jogada do novo primeiro-ministro, o próprio Johnson advertiu, antes de embarcar para Nova York, que não considera muito provável que sua viagem proporcione um desbloqueio no enlameado Brexit. “Eu alertaria a todos contra a ideia de achar que este será o momento”, disse o líder tory aos jornalistas. “Não estou ficando pessimista. Vamos tentar, mas há trabalho por fazer”, acrescentou.

Venezuela. Dez meses de Guaidó como presidente interino

Quase dez meses transcorreram desde o surgimento de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, como é reconhecido por mais de 50 Governos de todo o mundo. Não obstante, aos olhos da ONU, Nicolás Maduro continua sendo o mandatário venezuelano. Uma prova disso é que, salvo uma surpresa de última hora, quem falará na Assembleia Geral representando o país caribenho será o chanceler Jorge Arreaza.

Enquanto isso, os representantes de Guaidó prepararam uma ofensiva diplomática para tentar recuperar o impulso perdido ao longo dos meses. À frente da delegação de Guaidó se encontra Julio Borges, encarregado das relações exteriores. Borges, exilado em Bogotá, será acompanhado de outros deputados próximos a Guaidó que deixaram a Venezuela com medo de serem detidos, como é o caso de Miguel Pizarro, nomeado neste fim de semana como interlocutor da oposição ao chavismo na ONU, e José Andrés Mejía, assim como o embaixador designado, Carlos Vecchio. A delegação de Guaidó manterá uma série de encontros com representantes diplomáticos, como o chanceler espanhol, Josep Borrell, futuro chefe da diplomacia europeia, aos quais pretende insistir para que intensifiquem a pressão contra o Governo de Maduro.

América Latina. O desafio migratório

Um dos grandes ausentes na Assembleia será o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que não sai de seu país há quase dois anos e delegou a diplomacia ao chanceler Marcelo Ebrard. É uma ausência significativa, porque seria uma inédita intervenção do primeiro presidente esquerdista do México no plenário da ONU —e ainda mais quando o México enfrenta o maiúsculo desafio de lutar com Donald Trump no tema migratório.

O México se tornou uma espécie de muro com o qual os Estados Unidos freiam a passagem de migrantes centro-americanos para o seu território. O Governo de López Obrador, por sua vez, pretende desenvolver uma espécie de Plano Marshall para a América Central. Ebrard se empenhará a fundo nesta semana em obter todos os apoios possíveis —diplomáticos, mas sobretudo econômicos.


O Estado de S. Paulo: Brasil não fará parte da cúpula do clima porque não mostrou interesse, afirma ONU

Segundo reportagem do Financial Times, Brasil não enviou comunicado com considerações para cúpula da próxima segunda-feira; manifestação contra o aquecimento global contou com mais de um milhão de pessoas em todo o mundo

LONDRES - Enquanto as ruas das principais cidades do mundo são tomadas por manifestantes que pedem ações das autoridades globais em relação às mudanças climáticas, o Brasil ficará de fora da cúpula do clima organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) na semana que vem, nos Estados Unidos.

O jornal britânico de economia Financial Times disse em uma reportagem em sua versão online que o País não participará do evento porque não mostrou interesse, segundo o secretário-geral António Guterres.

De acordo com Guterres, todos os países que enviaram um comunicado à instituição contendo "desenvolvimentos positivos" sobre o tema teriam tempo para falar na cúpula de segunda-feira. "Ninguém foi recusado", disse ele. "Eles não apareceram." Reino Unido, China, Índia e União Europeia são alguns dos participantes já confirmados. O Brasil está fora assim como Japão, Austrália, Arábia Saudita e os Estados Unidos, que já afirmaram o interesse de se retirarem do acordo climático de Paris.

Nesta sexta-feira, lembrou o FT, mais de um milhão de manifestantes em todo o mundo pediram ações urgentes contra o aquecimento global. Os maiores protestos climáticos da história sobre o tema foram concluídos na véspera da cúpula e o que se espera é que, à medida que os líderes mundiais cheguem para a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, novos protestos ocorram.

A expectativa é a de que, no evento, sejam feitos mais de 60 novos anúncios climáticos. Os lançamentos, no entanto, competirão com outros assuntos que devem dominar o encontro, como as tensões globais, incluindo a guerra comercial entre EUA e China, e os conflitos no Oriente Médio.

"Estamos testemunhando simultaneamente o aquecimento global e o aquecimento político global, e as duas coisas são combinadas", disse Guterres. "E às vezes eles interagem entre si", acrescentou o secretário-geral, apontando como as mudanças climáticas podem exacerbar desastres naturais e conflitos humanos.

Sobre os protestos de sexta-feira, inclusive na Antártica, pedindo aos governos que tomem ações mais urgentes e reduzam as emissões, a ativista sueca de 16 anos Greta Thunberg, que inspirou o movimento de protesto, disse aos manifestantes de Nova York ontem que eles não eram apenas alguns jovens que faltam à escola ou alguns adultos não vão trabalhar.

"Somos uma onda de mudança", afirmou. “Se você pertence a esse pequeno grupo de pessoas que se sente ameaçado por nós, temos más notícias para você, porque este é apenas o começo. A mudança está chegando, gostem ou não", prometeu, como descreveu o FT.

A cúpula climática da ONU é o ponto mais alto de mais de um ano de trabalho de Guterres, que fez da mudança climática sua assinatura à frente da instituição. No entanto, ele também tentou diminuir ontem as expectativas sobre quais novos compromissos climáticos específicos serão feitos. "Não espero que os anúncios feitos agora sejam uma descrição já detalhada e completa - que será em 2020", disse. "A cúpula precisa ser vista em um continuum."

O próximo ano é o prazo final para os países que assinaram o acordo de Paris endureçam suas metas, conhecidas como contribuições determinadas nacionalmente. "O que gostaríamos de ver nesta cúpula são pessoas anunciando que gostariam de aumentar sua ambição em 2020", disse Guterres. O FT ressaltou que as temperaturas globais aumentaram cerca de 1°C desde a era pré-industrial e que as emissões globais de dióxido de carbono ainda estão subindo, principalmente devido à elevação na China.

Embora quase todos os países do mundo tenham assinado o acordo climático de Paris, que visa a limitar o aquecimento global a um nível bem abaixo de 2°C, os compromissos climáticos atuais sugerem que o mundo está muito longe de atingir esse objetivo, e no caminho de 3°C de aquecimento ou mais até o final do século.


Marcos Azambuja: Nosso discurso na ONU

A Assembleia Geral das Nações Unidas se reúne a cada setembro, em Nova York, há mais de 70 anos, e nessa grande festa móvel da diplomacia mundial o Brasil é sempre o primeiro orador. Depois de nós, falam os Estados Unidos e, naturalmente, a voz da potência hegemônica durante todo esse longo período carrega mais peso e influência do que a nossa.

Fomos escolhidos lá atrás para esse papel prestigioso porque tínhamos sido membros fundadores da Organização, porque a América Latina era então o maior grupo regional e nós o maior país da região, porque havíamos sido combatentes vitoriosos na Segunda Guerra Mundial e porque nosso então representante era Oswaldo Aranha, ao mesmo tempo, um estadista e um caballero de fina estampa.

Quem fala na abertura sabe que sua audiência é literalmente global. É escutado hoje pelos representantes dos atuais 193 países-membros e pelos dirigentes dos principais organismos internacionais. Os grandes meios de informação estão presentes e atentos. Às vezes, ao longo dos anos temos cometido erros de julgamento e avaliação sobre como víamos o mundo daquele momento e não seriam poucos os parágrafos de discursos nossos anteriores que seria hoje caridoso procurar esquecer.

Não há nada escrito que nos assegure que esse privilégio deva perdurar. Acada ano o Brasil, pela moderação de suas posições, sobriedade de seu comportamento e fidelidade aos princípios e procedimentos inscritos na Carta de São Francisco, readquire o direito de continuaras ero país que dá o toma os debates e que expressa, em primeiro lugar, esperanças e preocupações que costumam ser depois amplamente compartilhadas.

Era bom que continuasse a ser assim. Temos ofendido, contudo, em datas recentes, gregos e troianos e praticado uma diplomacia a um só tempo ingênua e temerária. Vamos ser ouvidos agora com uma não pequena dose de desconfiança por algumas grandes potências e por vários países islâmicos. Pelos governos de países de orientação esquerdista ou populista em todos os seus matizes; por mulheres que passaram o frescor da mocidade; pelas ONGs que atuam na proteção dos direitos humanos e do meio ambiente e por todos aqueles que defendem ou integram alguma minoria sexual. É muita gente junta.

Todas as ofensas recentes não nos renderam nada, e o custo não tem sido pequeno. O mundo, convém lembrar, tem uma certa ideia do Brasil que não é, em seu conjunto, uma ideia desfavorável. Existe hoje alguma perplexidade sobre o país em que o Brasil parece ter se transformado. A nossa tolerância quase anárquica agora aparece vestida de zelo religioso. A aceitação risonha da diversidade substituída pela imposição de normas rígidas e arbitrárias. O sentido do humor abandonado por um estreito sectarismo. O mundo anda com saudades do Brasil.

Vamos ver como os nossos atuais cozinheiros preparam o discurso do dia 24. Ajudei a escrever vários deles em anos passados. Costumavam ser obra de diversas mãos e tendências. A redação podia ficar menos elegante, mas havia no fim um claro ganho em sabedoria. Pelos motivos errados vamos ser ouvidos agora com mais atenção do que costuma acontecer e não excluo que tenhamos uma audiência menos numerosa e seguramente menos receptiva do que em oportunidades anteriores.

Não tenho conselhos a dar a quem agora prepara nossa fala. Apenas gostaria de lembrar a sempre atual e oportuna advertência feita algum dia a dois porcos-espinhos inexperientes sobre como fazer o amor: que tivessem muito cuidado.


O Globo: Na ONU, Damares Alves defende 'direito à vida desde a concepção'

Em discurso na Comissão de Direitos Humanos, ministra critica regime de Maduro na Venezuela, mas não menciona assassinato de Marielle Franco, prestes a completar um ano

Valéria Maniero, especial para O Globo

GENEBRA - A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, acaba de discursar na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Genebra, na Suíça. Ela assegurou que se comprometerá com "os mais altos padrões de direitos humanos" e com a "defesa da democracia". Logo no início de sua fala — que durou mais de 10 minutos, já superando o discurso de Jair Bolsonaro em Davos —, Damares destacou que lutará para garantir os direitos das mulheres, com atenção especial a casos de feminicídio e abuso sexual. Embora não tenha mencionado a palavra "aborto", a ministra salientou que defenderá o direito de todos "à vida desde a concepção".

— Defenderemos tenazmente o pleno exercício por todos do direito à vida desde a concepção e à segurança da pessoa, em linha com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, bem como, no âmbito regional, com o Pacto de São Jose da Costa Rica.

A menos de um mês de completar um ano do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL), o caso não foi mencionado no discurso da ministra, apesar de ela afirmar que o país segue comprometido com a proteção "dos corajosos defensores de direitos humanos".

— Com essa preocupação, reforçamos o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, que passou a incluir explicitamente comunicadores sociais e ambientalistas em seu escopo — limitou-se a dizer.

Agradecimento em língua tupi e Libras
Quando falou sobre os povos indígenas, "um tópico particularmente caro e querido", ela tocou em um assunto polêmico mostrado recentemente pela revista Época: a adoção, sem ter passado por um processo formal, de uma índia.

— Esta Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, há mais de duas décadas, milita em defesa das mulheres e crianças indígenas e é também mãe socioafetiva de uma jovem indígena da etnia kamayurá — disse Damares.

Ao fim de seu discurso, a ministra se despediu em língua indígena e de sinais.

— Como se diz na língua indígena tupi, Kuekatu reté [Obrigada]. E na língua de sinais... — disse ela, fazendo em seguida os gestos que significam, em Libras, "obrigada".

A ministra também afirmou que um dos focos de sua atuação será o "fortalecimento de vículos familiares".

— Além disso, redobraremos os esforços para prevenir a mortalidade materna, neonatal e infantil. Buscaremos revigorar o Bolsa Família, por meio de desembolso do 13º benefício, ao mesmo tempo em que realizaremos auditoria para coibir irregularidades e excessos.

Ela citou, ainda, a tragédia de Brumadinho (MG), onde uma barragem da Vale se rompeu e despejou toneladas de rejeitos na cidade. A ministra avaliou que "a ação ou omissão de empresas pode ter consequências concretas sobre os direitos humanos".

Apelo sobre Venezuela
Damares também clamou para que os países se unam ao Brasil na ajuda à Venezuela e para que reconheçam Juan Guaidó como presidente encarregado do país. Segundo ela, a ação do Brasil não é para intervir no vizinho, mas para oferecer ajuda imediata:

— Não poderia deixar de expressar a preocupação do governo brasileiro com as persistentes e sérias violações de direitos humanos cometidas pelo regime ilegítimo do ditador Nicolás Maduro. O Brasil uniu-se aos esforços do presidente encarregado Juan Guaidó, não para intervir, mas para prover imediata ajuda humanitária ao povo venezuelano. O Brasil apela à comunidade internacional a somar-se ao esforço de libertação da Venezuela, reconhecendo o governo legítimo de Guaidó e exigindo o fim da violência das forças do regime contra sua própria população.

Estreia no palco internacional
Após o discurso de Damares na Comissão de Direitos Humanos da ONU — sua estreia no cenário internacional —, a ministra se reúne com jornalistas brasileiros e estrangeiros.

A programação ainda inclui reuniões com organizações da sociedade civil — mantendo uma tradição do governo brasileiro — e com representantes de diversos setores na segunda e na terça-feira.

Representando a delegação brasileira, a ministra já tem encontro marcado com Michelle Bachelet, Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, e com Filippo Grandi, Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Ela também vai se reunir com a ministra federal dos Direitos Humanos do Paquistão, Shireen Mazari, e com o secretário executivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), Francisco Ribeiro Telles.

Assim como fez o presidente Jair Bolsonaro em janeiro, Damares fará sua estreia internacional na Suíça, mas é esperado que ela tenha mais oportunidades de expressar o que pensa o governo sobre determinadas questões. Quando esteve em Davos, o presidente Jair Bolsonaro cancelou sua entrevista coletiva em cima da hora.

— As reuniões constituem oportunidade para apresentar assuntos prioritários na agenda de direitos humanos do governo brasileiro. Entre os temas, mulheres, crianças e adolescentes, indígenas, pessoas com deficiência, comunidades tradicionais, igualdade racial, juventude, pessoas idosas e família — diz a nota enviada aos jornalistas pela assessoria da ministra.

Ativistas planejam manifestação em frente à ONU
Ativistas do coletivo O Grito, de Genebra, planejam se reunir hoje em frente à ONU, onde a ministra Damares Alves vai discursar. Os manifestantes pretendem levar cartazes com frases referentes ao Brasil e à ministra.

— Estamos planejando fazer uma manifestação, gravar um vídeo e dar um recado. É uma manifestação de alerta. O grupo tem o objetivo de ser uma voz de denúncia ao que vem acontecendo no Brasil (na área de direitos humanos), ser solidário às questões de direitos humanos. É uma forma de resistência internacional — explica Ângela Faria, uma das coordenadoras do grupo formado por brasileiros e brasileiras que moram em Genebra.

O grupo, que fez protesto em Genebra logo após a morte de Marielle Franco, já tem na agenda novo ato contra a morte da vereadora em 14 de março, quando o assassinato completa um ano.

— Essa morte tem que ser esclarecida. No Brasil, morrem vítimas de feminicídio, defensores dos direitos humanos. Todas essas questões serão denunciadas esta semana em relatórios. E nós daremos apoio para que a Justiça seja feita — diz a ativista do grupo, que existe desde 2016.

Para a manifestação deesta segunda-feira, Ângela diz que a ideia é fazer um ato com humor também. Sobre a declaração dada pela ministra de que meninas devem vestir rosa e meninos, azul, ela diz que há problemas muito mais profundos para serem tratados.

— A cor não nos define. Minorias sofrem preconceito e violência no Brasil. É alto o índice de extermínio da juventude negra no Brasil. Há também uma tendência de licença para matar. Esse não é o caminho. Não é armando a população, mas dando condições, acesso à saúde e educação — afirma.


Celso Lafer: A Declaração Universal aos 70 anos

No momento atual do mundo, os direitos humanos estão fragilizados

Retomo o tema da importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos no seu septuagenário para reiterar que ela tem a característica de um evento inaugural. Assemelha-se à passagem do dever dos súditos para o direito dos cidadãos que assinala a Declaração de Direitos de 1789, da Revolução Francesa, na lição de Bobbio.

A Declaração não é uma soma aperfeiçoada de declarações nacionais. Parte do princípio da igualdade – e seu corolário lógico, a não discriminação (artigos 1.º e 2.º) – contempla de maneira articulada os direitos civis e políticos e os econômicos e sociais e culturais, mas inova ao formular, como pontua René Cassin, um dos seus redatores, direitos fora do alcance das jurisdições nacionais. É por isso que a Declaração aponta o caminho para o que Hannah Arendt denominou o direito a ter direitos, para atribuir “a todos os membros da família humana” os benefícios do princípio da legalidade, que é uma qualidade do exercício do poder que circunscreve o arbítrio dos governantes.

Destaco o direito de toda a pessoa ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa perante a lei (artigo 6.º), que se contrapõe ao aniquilamento jurídico da pessoa humana, característica da dominação totalitária. Anoto, por exemplo, o artigo 13, que trata da liberdade de locomoção de todas as pessoas dentro e fora das fronteiras do seu Estado, e o 14, que afirma o direito da pessoa vítima de perseguição de procurar e gozar asilo em outro país. Esses dois artigos inovadoramente postulam a livre circulação das pessoas e o 14 traduz a aspiração a um kantiano direito à hospitalidade universal.

A Declaração é um desdobramento da Carta da ONU, que considera entre os seus propósitos “promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. Introduz, dessa maneira, a “ideia a realizar” não apenas da paz, da segurança, da solução pacífica de conflitos, da cooperação entre Estados igualmente soberanos, mas de indivíduos livres e iguais, inserindo assim uma abrangente agenda normativa na pauta internacional.

A Declaração traduz a “ideia a realizar” de “um ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações”. É um marco histórico, afirmador da plataforma emancipatória representada pela promoção dos direitos humanos como critério organizador e harmonizador da vida coletiva não só no plano dos Estados, mas em escala planetária.

Ela tem como antecedente conceitual a conjectura kantiana de um direito cosmopolita, cujo objeto não seriam apenas as relações interestatais, mas os seres humanos.

A sensibilidade generalizada em relação à violação dos direitos humanos aflorou com as atrocidades do século 20, com os campos de concentração, o genocídio, a descartabilidade em larga escala dos seres humanos e os sofrimentos dos flagelos da guerra.

Essas são as fontes materiais que inseriram os direitos humanos nos propósitos da ONU. A Declaração é uma resposta ao problema do mal ativo da prepotência sem limites dos governantes e do mal passivo de suas incontáveis vítimas que sofreram uma pena sem culpa, para valer-me da formulação de Bobbio. Esse mal se agravou com a dissociação entre os direitos dos povos e os direitos humanos que redundou num inédito número de expulsos da trindade Estado-povo-território, os refugiados, os deslocados no mundo, que não tiveram como recorrer aos direitos humanos por não terem acesso aos benefícios da legalidade, como expôs Arendt em As Origens do Totalitarismo.

A internacionalização abrangente dos direitos humanos tem início com a Declaração, que está redigida na perspectiva dos seres humanos que precisam da tutela do direito a ter direitos. Tem como pressuposto que a igualdade em dignidade e direitos, base dos direitos humanos, não é um dado, mas um construído de convivência coletiva baseada na pluralidade dos seres humanos que compartilham a Terra com os outros seres humanos.

A Declaração aponta para um novo nomos da Terra, que transita pela garantia de mútuos acordos da comitas gentium. Tem a sua razão de ser quando se deseja que a nova vizinhança internacional trazida pelo processo de unificação do mundo seja algo mais promissor do que o aumento do ódio mútuo e da irritabilidade de todos contra todos, na lição de Arendt.

A relevância desse nomos é destacada no artigo 28, que postula o direito de todas as pessoas a uma ordem internacional em que os direitos e liberdades nela estabelecidos possam ser plenamente realizados. A nossa Constituição está em sintonia com ele ao estabelecer, entre os princípios que regem as relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos.

O reconhecimento e a positivação dos direitos humanos, tanto no plano interno quanto no internacional, são uma expressão da integração histórica de valores de convivência humana. Valores, como destaca Miguel Reale, são um bem cultural. Têm um suporte na realidade, que é a sua capacidade de efetivar-se na prática. Referem-se assim à realidade, mas a ela não se reduzem pois apontam igualmente para uma direção de dever ser – sempre podem ser aprofundados. Ser e dever ser coexistem numa dialética de mútua implicação e polaridade. Nessa interação, os direitos humanos, como um adquirido axiológico, podem se adensar ou se fragilizar. No momento atual do mundo eles estão fragilizados.

A afirmação dos direitos humanos não é nem uma marcha triunfal nem uma causa perdida, como lembra Danièle Lochack. É um combate na lida com os contextos e as circunstâncias. Continua prioritariamente na ordem do dia para quem vive a crença no valor da dignidade humana e tem na Declaração uma fonte de inspiração permeada pelo alcance da sua plataforma emancipatória.

* Celso Lafer é professor emérito da Faculdade de Direito da USP, foi ministro de Relações Exteriores (1992 e 2001-2002)


El País: Cúpula do clima sela um pacto pouco ambicioso para evitar o fracasso

A cúpula climática da ONU na cidade polonesa de Katowice, conhecida como COP24, conseguiu selar na noite deste sábado um pacto que servirá para desenvolver o Acordo de Paris a partir da próxima década. As tensões entre os blocos de países na hora de assumir a necessidade de mais ambição na luta contra a mudança climática estiveram muito presentes nas negociações. No lado mais conservador, situaram-se os Estados Unidos e a Arábia Saudita; no outro, a União Europeia e um grupo de países em desenvolvimento, além de pequenos Estados insulares ameaçados pelo aumento do nível do mar, que almejavam um texto mais ambicioso.

Em cúpulas desse tipo, com a participação de quase 200 países, os acordos devem ser aceitos por unanimidade. Daí que as negociações possam se prolongar e passar horas bloqueadas, como ocorreu novamente na sexta, quando a cúpula deveria ter acabado.

O texto final aprovado é menos ambicioso que os seus rascunhos, especialmente no capítulo referente a reduções das emissões de gases do efeito estufa. “A COP24 não refletiu a ambição necessária nem os compromissos dos países para que a ação climática aumente”, resume Tatiana Nuño, especialista em negociações climáticas do Greenpeace.

Duas coisas deveriam sair desta cúpula. Por um lado, uma nova etapa na regulamentação do Acordo de Paris. Por outro, uma declaração que refletiria as conclusões do relatório de especialistas que assessoram a ONU, segundo os quais está terminando o prazo para que o mundo evite as piores consequências da mudança climática.

Com relação ao primeiro ponto, a parte mais importante da regulamentação do Acordo de Paris foi aprovada, mas de forma inconclusa. O capítulo relativo aos mercados de carbono (o intercâmbio de cotas nacionais de emissões de gases do efeito estufa) bloqueou a negociação durante horas. Finalmente, diante das pretensões do Brasil, que se beneficia economicamente desses mecanismos, por contar com amplas zonas florestais, decidiu-se que esse assunto será concluído dentro de um ano, na próxima cúpula.

O resto da regulamentação, que inclui medidas de transparência comum, cortes nas emissões, adaptação aos impactos do aquecimento global e financiamento, pôde ser satisfatoriamente concluída.

Teresa Ribera, a ministra espanhola para a Transição Ecológica, participou até o último momento das negociações na cúpula. Ela lamentou que o resultado final não seja “tão ambicioso” quanto a Espanha e a UE gostariam, mas destacou que se trata de um momento muito complicado para o multilateralismo, numa referência aos países, como os Estados Unidos, que boicotam instituições como a ONU.

Por esse motivo, alguns observadores acreditam ser quase milagroso que algum pacto tenha sido selado na cúpula de Katowice; outros, entre eles muitos ambientalistas, se mostram decepcionados com o resultado, por sua pouca ambição. “Ninguém vai ficar satisfeito depois destas negociações”, alertou António Guterres, secretário-geral da ONU, falando na sexta-feira às ONGs. Frente ao risco de fracasso, Guterres teve que comparecer a Katowice para se envolver na reta final das negociações. As mudanças em muitos Governos, com a irrupção de líderes que inclusive flertam com o negacionismo da mudança climática – caso do norte-americano Donald Trump –, complicaram o evento.

Uma das batalhas mais duras foi a que afeta a declaração final da cúpula, a chamada decisão, que tem um caráter mais político. Esse texto deveria insistir aos países para que sejam mais ambiciosos e apresentem planos mais duros para as reduções das emissões de gases do efeito estufa. E, no centro da discussão sobre esse texto (que deveria ser acatado pelos quase 200 países presentes) estava o relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, na sigla em inglês). Esse documento detalha os riscos que o planeta enfrenta se a temperatura subir 1,5 grau em relação aos níveis pré-industriais (atualmente, já subiu 1 grau). As alusões ao relatório e às suas principais conclusões – basicamente, que o tempo está se esgotando para o mundo – estiveram no centro da discussão em Katowice. Enquanto os Estados Unidos, Arábia Saudita, Rússia e Kuwait buscavam minimizar a importância do relatório e de suas conclusões, outros Estados queriam que esse documento científico estivesse no centro da discussão.

O Acordo de Paris tem como objetivo que a temperatura média do planeta não suba além de 2 graus acima dos níveis pré-industriais, e se possível que fique abaixo de 1,5 grau. Para isso, todos os países devem apresentar planos para reduzir suas emissões de gases do efeito estufa. As propostas sobre a mesa não são suficientes, já que levariam o planeta a um aumento de 3 graus até o final deste século. E o relatório do IPCC deixava claro o que os países devem fazer para cumprir o objetivo mais ambicioso, de 1,5 grau: reduzir suas emissões em cerca de 45% sobre os níveis atuais. Mas as referências diretas a esse corte foram eliminadas da declaração final de Katowice, devido à pressão dos EUA e da Arábia Saudita, o que poderia levar a um fracasso total. “Eu preferia uma linguagem mais explícita”, admite a espanhola Ribera sobre esse relatório científico.


El País: Brasil assina pacto global de migração, mas chanceler de Bolsonaro anuncia retirada

165 Estados dos 193 que integram a ONU apoiam primeiro acordo sobre mobilidade internacional de pessoas. EUA boicotaram evento e pressionaram por não adesão

O chamado Pacto Global por uma Migração Segura, Ordenada e Regular foi adotado formalmente na manhã de segunda-feira em Marraquexe por consenso pela conferência intergovernamental da ONU. O encontro teve a participação de representantes de 165 países dos 193 que integram a ONU. O texto contém 23 objetivos não vinculantes aos Estados que o assinam. Pelo Brasil, esteve presente o chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que exaltou o acordo e lembrou da nova lei de imigração brasileira, considerada positiva. Apesar de o documento não comprometer juridicamente nenhum Governo, só levou algumas horas para que o futuro chanceler do Governo Bolsonaro, Ernesto Araújo, fosse ao Twitter anunciar que o Governo brasileiro vai se dissociar do pacto no ano que vem. "(É) um instrumento inadequado para lidar com o problema. A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país", escreveu ele.

Até o momento, somente uma dezena de países expressou abertamente sua oposição ao pacto. Além dos Estados Unidos e agora o futuro Governo Brasileiro, se destacam Áustria, Polônia, República Tcheca, Eslováquia, Bulgária, Austrália e Chile, país que se afastou um dia antes do começo do encontro de Marraquech.

Aprovação deve acontecer em sessão em Nova York

Ernesto Araújo

@ernestofaraujo

1/A imigração é bem vinda, mas não deve ser indiscriminada. Tem de haver critérios para garantir a segurança tanto dos migrantes quanto dos cidadãos no país de destino. A imigração deve estar a serviço dos interesses nacionais e da coesão de cada sociedade.

 

Ernesto Araújo

@ernestofaraujo

2/O Governo Bolsonaro se desassociará do Pacto Global de Migração que está sendo lançado em Marraqueche, um instrumento inadequado para lidar com o problema. A imigração não deve ser tratada como questão global, mas sim de acordo com a realidade e a soberania de cada país.

 

Ernesto Araújo

@ernestofaraujo

3/O Brasil buscará um marco regulatório compatível com a realidade nacional e com o bem-estar de brasileiros e estrangeiros. No caso dos venezuelanos que fogem do regime Maduro, continuaremos a acolhê-los, mas o fundamental é trabalhar pela restauração da democracia na Venezuela.

 

 

O processo para adotar o pacto começou há 18 meses, ainda que as negociações formais tenham se iniciado em janeiro desse ano e concluído em julho, após seis rodadas. Sua aprovação definitiva depende somente da votação que será realizada em 19 de dezembro na sede da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. De qualquer modo, fontes da organização afirmam que o fato de que somente 165 compareceram, no lugar dos 180 esperados, é irrelevante. “O fato de que alguns não vieram porque perderam o avião ou por qualquer outra razão não significa que não irão adotá-lo”, disse a mesma fonte diplomática. “A Itália e a Suíça, por exemplo, disseram que não viriam a Marraquech porque queriam submeter o acordo a um debate parlamentar. Mas isso não significa que no final não irão apoiá-lo”, frisou.

Na Bélgica a direita nacionalista flamenga se negou a respaldar o acordo e rompeu a coalizão de Governo da qual fazia parte. De modo que, por fim, a delegação belga foi ao Marrocos, mas com seu Governo rachado. O primeiro-ministro belga, Charles Michel, foi interrompido duas vezes por aplausos durante seu discurso. Ele lembrou que submeteu o Pacto à decisão de seu Parlamento e foi respaldado por dois terços dos deputados. “Isso demonstra os valores de meu país de apoiar o respeito, a coragem e a responsabilidade. (...) Precisamos de coragem e responsabilidade. Esse é um momento importante e me apresento diante dos senhores tendo tomado a decisão de optar pela cooperação internacional”.

O nível de representação de cada país foi menor do que o esperado. Os chefes de Governo presentes na reunião foram minoria, 21 no total, como informou a presidenta da Assembleia Geral das Nações Unidas, María Fernanda Espinosa. O primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro português, António Costa, o belga, Charles Michel, e o grego Alexis Tsipras foram os destaques da União Europeia. Outros líderes que pretendiam comparecer, como o presidente brasileiro Michel Temer, delegaram a seus ministros e diplomatas a representação em Marraquexe. Outros Governos reduziram o nível de representação e o número de enviados à reunião.

Em alguns países como a Suíça e o Canadá, a ratificação do pacto causou acalorados debates. Na Espanha, entretanto, a adoção do acordo e a presença do primeiro-ministro, Pedro Sánchez, não foram contestadas pela oposição. “Os partidos, até mesmo os que usam o fenômeno migratório para conseguir crédito eleitoral, são conscientes da solidariedade espanhola. Os líderes da oposição foram conscientes da importância de se estar aqui e o Governo da Espanha agradece por isso não ter sido motivo de confronto”, disse a Secretária de Estado de Migrações, Consuelo Rumí.

Os organizadores previam a presença do rei do Marrocos, Mohamed VI, e montaram uma tenda para recebê-lo. Por fim, durante a noite de domingo os funcionários da ONU foram informados de que o monarca não estaria na abertura da conferência. O Palácio Real não informou sobre a causa de sua ausência. O país anfitrião ofereceu um almoço às delegações no qual o monarca também não compareceu.

Mohamed VI, entretanto, emitiu um comunicado em que afirmou: “Por enquanto, o pacto mundial é uma promessa que a história julgará. Ainda não é o momento de comemorar seu sucesso (...) “A conferência de Marraquech é, acima de tudo, uma chamada de atenção. E a África responde à essa chamada agora: Presente! O desafio dessa conferência é mostrar que a comunidade internacional fez a escolha de uma solidariedade responsável”. O monarca também disse: “A página da história que se escreve hoje em Marraquexe honra a comunidade internacional e a conduz mais um passo em direção a uma nova ordem migratória, mais justa e humana”.

O secretário geral da ONU, Antonio Guterres, pediu aos presente durante a inauguração da reunião que não “sucumbam ao medo”. Louise Arbour, enviada especial da ONU à Migração Internacional, acrescentou: “É surpreendente que tenha existido tanta desinformação sobre o que é e o que diz o Pacto [...] Não cria nenhum direito de migrar, não impõe nenhuma obrigação aos Estados”.

A chanceler Angela Merkel, que em 2015 impulsionou na Alemanha a acolhida de 890.000 refugiados e no ano seguinte a de 280.000, recebeu uma clamorosa salva de palmas após sua fala aos representes das delegações. “Precisamos lembrar a nós mesmos que a ONU foi fundada como resultado da Segunda Guerra Mundial. Foi uma resposta ao nacionalismo, uma busca de respostas comuns. É disso que se trata esse Pacto, da cooperação internacional. Essa é a única forma de fazer desse planeta um lugar melhor”.

Vários representantes de delegações consultados afirmaram que o mais importante da conferência de Marraquech não é que os Estados Unidos e uma dezena de países se oponham ao pacto e sim que o acordo foi adotado pela esmagadora maioria dos Governos que integram as Nações Unidas.


Folha de S. Paulo: Declaração dos Direitos Humanos faz 70 anos

Confira a íntegra dos 30 artigos da declaração, documento mais traduzido do mundo e que foi elaborado por dois anos

SÃO PAULO - Assinada há exatos 70 anos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos representa o reconhecimento de que os direitos básicos e as liberdades fundamentais são inerentes a todo ser humano e foi responsável por avanços na defesa desses direitos em diversas partes do mundo.

Elaborada durante dois anos, numa época em que o mundo sentia os efeitos da Segunda Guerra Mundial e estava dividido entre países capitalistas e comunistas, foi pontuada por desacordos entre nações dos dois blocos até ser aprovada, em Paris, às 23h56 de 10 de dezembro de 1948.

Com 30 artigos, a declaração é considerada o documento mais traduzido do mundo —para mais de 500 idiomas— e inspirou as constituições de vários Estados e democracias recentes.

O texto condena a escravidão e a tortura, defende o asilo para indivíduos perseguidos e o direito à educação gratuita, à liberdade de reunião e à propriedade privada e proclama que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos”, “sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação”.

Foi aprovado na 3ª Sessão da Assembleia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), que na época reunia 58 países. Entre os que 48 que votaram, houve unanimidade.

União Soviética, Belarus, Ucrânia, Tchecoslováquia, Polônia, Iugoslávia, Arábia Saudita e África do Sul se abstiveram. Honduras e Iêmen não estavam presentes.

A pedido do delegado polonês Julius Kitzsoctly, foram lidos todos os artigos. Silêncio significava consentimento da audiência. A leitura durou quatro horas.

A ex-primeira-dama dos EUA e então presidente da Comissão de Direitos Humanos, Anna Eleanor Roosevelt (1884-1962), atingiu o cargo de coordenadora da Declaração por votação direta, no começo dos trabalhos, em 1946, e teve papel decisivo na aprovação do documento.

Confira abaixo a íntegra do texto de introdução e os 30 artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.

Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,

Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,

Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,

Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades,

Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,

Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.

Artigo 2
1. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo 3
Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.

Artigo 5
Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

Artigo 6
Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.

Artigo 7
Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.

Artigo 8
Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.

Artigo 9
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.

Artigo 10
Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

Artigo 11
1.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo 12
Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.

Artigo 13
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado.
2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar.

Artigo 14
1. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países.
2. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 15
1. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.

Artigo 16
1. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução.
2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes.
3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Artigo 17
1. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros.
2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.

Artigo 18
Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.

Artigo 19
Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.

Artigo 20
1. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.

Artigo 21
1. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país.
3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo 22
Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.

Artigo 23
1. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.

Artigo 24
Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.

Artigo 25
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.

Artigo 26
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

Artigo 27
1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios.
2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.

Artigo 28
Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.

Artigo 29
1. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.

Artigo 30
Nenhuma disposição da presente Declaração poder ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.


El País: Nações Unidas apontam aumento dramático da desnutrição na Venezuela

É o país das Américas que teve o maior aumento de desnutrição, segundo novo relatório da FAO apresentado na última semana

Por Alonso Moleiro, do El País

A Venezuela é o país latino-americano que teve os maiores aumentos em matéria de fome e desnutrição no biênio 2016-2018. É o que indica o novo estudo apresentado na última semana pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) juntamente com o Programa Mundial de Alimentos e a Organização Pan-Americana da Saúde.

A Bolívia e a Argentina são os outros dois países que acompanham a Venezuela neste quadro, que integra o tóxico coquetel de subnutrição, má nutrição e obesidade. A República Bolivariana responde por 1,3 milhão do total de 1,5 milhão de pessoas com novos problemas estruturais em sua ingestão cotidiana de calorias. O estudo mostra que, em termos gerais, os quadros de desnutrição aumentaram em média de 5% a 6% da população dos países latino-americanos e caribenhos no período de 2015 a 2018. Haiti, Antígua e Barbuda, Bolívia e Granada são as nações com maiores níveis de desnutrição em relação ao total de suas populações.

O novo relatório da FAO sobre a segurança alimentar na Venezuela reflete um dos muitos paradoxos da crise econômica atravessada pelo país caribenho. Em 2012, com Hugo Chávez ainda vivo, a mesma organização havia feito um reconhecimento público ao Governo venezuelano por seus avanços na quantidade e na qualidade do consumo diário de calorias. A instituição parabenizava a Venezuela “por ter alcançado antecipadamente a meta número um do Objetivo de Desenvolvimento do Milênio: reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem de fome em 2015”.

Durante aquele 2012 em que Chávez foi reeleito, o Governo bolivariano orquestrou com o certificado da FAO uma poderosa campanha de propaganda para alcançar seus objetivos. Na época, a economia venezuelana continuava crescendo na esteira dos altos preços do petróleo, a inflação não chegava aos brutais índices de hoje e o Governo, diante dos imperativos eleitorais, havia elaborado um ambicioso sistema de distribuição de alimentos baratos, expressado sobretudo nos estatais Mercados de Alimentos (Mercal) e nas Casas de Alimentação. Durante um tempo, ambos os programas tiveram uma inquestionável penetração nas zonas populares e empobrecidas do país.

O período compreendido entre a doença e a morte de Chávez e a chegada ao poder de Nicolás Maduro veio acompanhado de uma grave crise cambial que gerou uma sangria de divisas no país. Os programas sociais do Mercal declinaram e desapareceram entre as propinas e a corrupção desenfreada. Muitos alimentos importados começaram a apodrecer na alfândega e nos portos. A decisão de Maduro de radicalizar o modelo político chavista produziu a histórica derrubada da economia venezuelana, que se traduziu numa contração de 44% do PIB entre 2014 e 2018. Algumas organizações especializadas, como a Fundação Bengoa e o Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade Central da Venezuela, questionavam havia tempo o pronunciamento da FAO, alertando quanto à piora violenta das condições sociais da população e ao crescimento da fome no país – um dos aspectos sobre os quais o chavismo considera que tem conquistas concretas para mostrar. Nem os líderes do governista Partido Socialista Unido da Venezuela nem o gabinete de Maduro se pronunciaram sobre o novo relatório da FAO.

A desnutrição e a fome, embora jamais tenham deixado de ser um problema que gera inquietudes e polêmicas, historicamente não haviam ocupado um lugar de destaque no radar das preocupações imediatas do venezuelano médio, segundo as pesquisas de opinião. Nos melhores tempos de Chávez, esse ponto inclusive tinha desaparecido da lista de preocupações imediatas dos habitantes, afetados tradicionalmente por outros assuntos, como a segurança cidadã, os serviços públicos e o desemprego.

Hoje, a ingestão de alimentos, a escassez de produtos e o aumento de preços estão no topo de todas as respostas da população nas consultas feitas pelos institutos de pesquisa.