onda de alta
Vinicius Torres Freire: Maior onda de alta do preço da comida em 18 anos não vai ter refresco tão cedo
Coincidência rara de dólar e commodities em alta pressiona inflação: entenda os motivos
O preço da comida passa pela maior onda de alta em 18 anos no Brasil. Tem sido assim desde o último trimestre do ano passado. Nos 12 meses contados até fevereiro, o custo da comida que se leva para casa aumentou 19,4%.
A carestia dos alimentos pode andar mais devagar neste 2021, com alta de uns 6%. Ainda que seja assim, nos dois anos de epidemia o preço da comida terá subido 25%. O rendimento mediano do trabalho terá crescido nada.
Há uma rara coincidência de preços de commodities em alta com dólar caro. Commodities: petróleo, ferro, cobre, grãos como soja e milho etc. Quando sobem os preços dessas mercadorias que o Brasil vende para o mundo, o dólar fica mais barato, ou costumava ficar —agora, não ficou.
Os motivos dessa situação mais rara são controversos e ficam para outro dia. Importa mais lembrar que a matéria prima de combustíveis e alimentos está em alta forte, multiplicada ainda pelo dólar caro, e a coisa vai continuar assim até meados do ano, na hipótese bem otimista.
Por que as commodities estão em alta? Porque parte da economia mundial se recuperou (China e entorno) ou vai se recuperar (Estados Unidos). Porque também as duas maiores economias do mundo mais lançaram pacotes de estímulos gigantes.
O clima frustrou a produção de alguns grãos e até mesmo de minério de ferro. Os chineses recuperam rebanhos perdidos (porcos perdidos para a peste) ou os alimentam com rações melhores, o que consome mais grãos.
Países seguram estoques de comida na epidemia, seguram exportações, ou facilitam importações. Em tempos de horror sanitário, desemprego e tensão social latente, a ideia é manter os preços da comida baixos o quanto possível.
Há ainda especulação financeira com certas commodities. Com dinheiro sobrando no planeta, taxas de juros a zero no mundo rico e alguma hipótese de inflação, investe-se em commodities a fim de cobrir o risco de alta de preços e de manter alguma rentabilidade.
O petróleo sobe porque os países petroleiros mantêm a produção em nível relativamente baixo e a economia mundial se recupera. A “virada verde” das economias e o uso intensivo de internet eleva o consumo de cobre.
Para quase cada commodity há uma história altista. Neste ano, o Goldman Sachs prevê altas na casa de 20% para energia e metais industriais, em torno de 5% para produtos agrícolas e nada para carnes. No máximo, haveria um refresco na comida, pois: pararia de aumentar muito.
A alta dos preços dos produtos brasileiros de exportação, como se dizia, tende a ser boa coisa, de costume (quando o dólar se valorizava, nesse processo). Nesses tempos de melhoria de “termos de troca”, a renda dos exportadores cresce, claro, e costuma haver alta de investimento em novas construções, máquinas, equipamentos (em capital, pois).
Dada a desordem da epidemia, não sabemos bem o que será do investimento (embora no ano passado a queda tenha sido surpreendentemente pequena). O efeito combinado de matérias primas e dólar em alta, porém, persistirá. A inflação média (IPCA) deve chegar a mais de 7% ao ano lá por junho e julho.
Sim, parte da alta do dólar se deve à desordem e à falta de perspectiva econômicas do Brasil. O grosso da desvalorização do real, porém, tem motivo externo desde o início da epidemia. Não há o que fazer a não ser melhorar emprego e renda, mas não há governo.
Não há sinal de descontrole da inflação, que deve voltar à casa dos 3,9% no final do ano. Mas haverá alta de juros, o que vai dificultar ainda mais o controle da dívida pública.
Comida cara costuma talhar a popularidade de governos no Brasil, o que até agora não ocorreu de modo notável com Jair Bolsonaro, talvez por causa da massa de auxílio emergencial de 2020. Neste ano, não haverá tanto auxílio.