Olimpíadas

Alberto Aggio: Gambiarra no centro do mundo

Os Jogos Olímpicos realizados no Rio de Janeiro, ao contrário de alguns prognósticos, não arrastaram para nossas terras o flagelo do terrorismo. Talvez seja a confirmação da suposição de que o Brasil está mesmo fora da tenebrosa rota que o terrorismo vem traçando em várias partes do mundo ou que as medidas tomadas no plano da segurança, antes e durante a realização dos Jogos, revelaram-se eficazes. Ao que parece, nesse quesito fomos tão vitoriosos quanto os melhores atletas que por aqui desfilaram, e, ao final, respiramos aliviados. O fato é que as Olimpíadas nos colocaram no centro do mundo e, nessa posição, integrados a sistemas de segurança globalizados, conseguiu-se afastar a terrível ameaça que ronda o início do século XXI.

Em termos esportivos, o Brasil marcou sua posição: não somos potência olímpica, mas também não somos residuais. Como sempre, para além do talento individual, tivemos vitórias inesperadas de atletas emergentes, a confirmação do favoritismo em alguns esportes e o fracasso, até inesperado, em outros. No final, foram atestadas as nossas deficiências de financiamento e apoio técnico, sem os quais é impossível avançar para a elite do esporte mundial. A conquista da inédita medalha de ouro no futebol masculino é um êxito a ser comemorado, mas não há razões para ilusões. São resultados que denotam mais uma vez a anemia da nossa política esportiva.

Depois das confusões iniciais, correções na organização do megaevento parecem ter contentado o público presente. Mas os custos das inúmeras construções bem como o seu custeio posterior permanecerão como um passivo de não pouca monta. A renovação urbanística do centro do Rio de Janeiro reafirmou a opção por transformar o Rio numa cidade turística global. As mudanças em termos de mobilidade urbana e de segurança foram bem recebidas por turistas e cariocas, embora, no primeiro caso, haja dúvidas quanto à manutenção da sua eficiência e, no segundo, já se sabe, infelizmente, o que esperar depois da retirada das forças nacionais de segurança. Por tudo isso, tem razão Fernando Gabeira quando afirma que “a Olimpíada foi produto de um delírio do passado, realizado com os pés no chão da aspereza do presente”.

O espetáculo de abertura dos Jogos causou certo frisson na opinião pública e entre os intelectuais. Qual Brasil deveria ser apresentado ao mundo e aos próprios brasileiros? Diante de distintas e sempre inconclusas interpretações do Brasil, que elementos essenciais e significativos deveriam orientar a coreografia de imagens, canções, sons e danças daquela abertura? A competência dos criadores produziu um resultado visualmente vibrante e surpreendentemente consensual. Tudo foi muito bem projetado, ensaiado e executado. Um espetáculo de entretenimento, com muito boa técnica e, dizem, parcos recursos por conta da crise.

O toque destoante foi a qualificação dada por seus criadores à concepção que orientou o espetáculo. Sua síntese norteadora estava na palavra “gambiarra”: o Brasil seria então um “país-gambiarra”. Na encenação, foram valorizadas as transformações ocorridas na sociedade brasileira a partir de uma leitura acomodada da nossa trajetória moderna, mas que vem em boa hora. Contudo, mesmo que o espetáculo não tivesse sido projetado para exercitar a reflexão, essa louvação ao “jeitinho brasileiro” como prática e método reiterável, esse elogio ao paliativo, ao remendo, não é apenas um exagero, trata-se de um desserviço. Uma louvação extremamente perigosa, especialmente nessa hora em que o país necessita ser reinventado e não glorificado por meio de uma interpretação mítica sobre ele. Onde há glorificação não há pensamento crítico. Afinal não é isso que se quer para as nossas escolas?

As críticas pontuais feitas ao espetáculo de abertura evitaram enfrentar a nossa crise atual em toda sua profundidade. Não conseguiram abarcar as razões pelas quais a nossa modernidade está hoje empacada pela ineficiência do Estado diante das demandas da Nação, sem mencionar a hemorragia que a corrupção impõe aos recursos públicos. Em meio à encenação se poderia bradar, com satisfação: “Yes, nós (ainda) temos modernismo”. Mas não será um “tropicalismo revisitado” que terá o condão de nos dar a chave para o futuro, retomando os velhos temas da “questão nacional”, que hoje já não é o essencial para nós, uma sociedade imersa nos desafios de uma nova era histórica, marcada pela globalização, com seu cosmopolitismo, suas interdependências e sua irrefreável mudança tecnológica. Efetivamente, nenhuma gambiarra nos serve nessa hora; nenhuma gambiarra deve salvar um governo corrupto que arrasou a economia do país e impôs sacrifícios imensos a trabalhadores e insegurança total a empreendedores.

Uma parte da encenação é bastante significativa. Nela, um menino, isolado e reflexivo, singelamente se senta ao lado de uma muda de árvore, indicando que devemos, com urgência, salvar a natureza. Ele não traz consigo um livro ou um computador, ou os dois. Foi uma oportunidade estética perdida, num país que, nos últimos anos, viu crescer o analfabetismo em algumas das suas regiões. Para os brasileiros fora do Maracanã, aquele “pouquinho de Brasil” (“que canta e é feliz”), que estava lá dentro, não satisfaz. É preciso que definitivamente deixemos de ser conservadores: nossa política, se quiser ser democrática, deve superar o recado contido na estética da abertura dos Jogos.

Ao invés da consagração de “utopias retóricas” – perdoem-me a redundância –, seria mais produtivo um reencontro com a realidade. A história é mundial há séculos e a globalização cristalizou essa tendência, sem que haja possibilidade de retorno. Nosso tempo é este e nele estão as possibilidades do país e não em uma imagem edulcorada de si mesmo, projetando uma especialização passiva e fugaz diante do mundo. (Revista Será  – 09/09/2016)

Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp


Fonte: pps.org.br


“É hora de nós, deficientes, sermos protagonistas e ídolos das pessoas que não têm deficiência”

O atleta paraolímpico Anderson Dias já foi tri campeão mundial de futebol – Grécia em 2000, Espanha em 2002 e Argentina em 2004. Nas Olimpíadas disputadas na Grécia, em 2004, foi ainda campeão na modalidade do futebol para cegos.

Atualmente, Anderson é presidente da Urece Esporte e Cultura, uma organização que promove práticas esportivas e atividades culturais para pessoas com deficiência visual desde 2005. A Urece é uma das 81 instituições que formam Rede Esporte pela Mudança Social (REMS), fundada com o apoio do PNUD, e que fomenta o esporte como fator de desenvolvimento humano.

Em entrevista exclusiva ao PNUD Brasil, Anderson comentou como o esporte é um fator de inclusão social para os deficientes e quais são suas expectativas para os Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro.

Como começou sua trajetória como atleta?

Desde criança, eu tinha o sonho de ser atleta. Queria jogar bola no Flamengo, meu time. Quando fui alfabetizado, no Bejamin Constant, descobri que cego também praticava esporte. A primeira modalidade que eu fiz para competição foi o atletismo, mas onde desabrochei mesmo e tive participação foi na seleção de futebol, que era realmente meu sonho. Depois de dois anos, eu já estava na seleção jogando futebol.

Você acredita no esporte como fator de inclusão social?

Eu vejo o esporte como o maior veículo de integração do deficiente à sociedade, porque o esporte dá a independência. Além de dar a independência, um fator que vejo como preponderante é o deficiente ter contato com o outro [deficiente] e ver o que o outro faz. Se ele tem a mesma deficiência que eu, e ele faz, eu também posso fazer. Por exemplo, uma das coisas que acontecia comigo: meu irmão com uma certa idade, 13 anos, podia sair de casa sozinho, ir para outro munincípio, e eu não podia porque eu era cego. Mas quando eu cheguei no Bejamin Constant, eu briguei: “Calma aí, mãe, os meninos têm 13 e 14 anos e saem do Bejamin Constant sozinhos e vão para casa, e por que eu não posso ir?” “Porque você é cego” “Nada a ver! Eles não enxergam, eu também não enxergo”. Talvez se eu não tivesse conhecimento dos deficientes, eu ia aceitar o argumento da minha mãe, mas eu falei: “Não, se eles fazem eu também posso fazer”. Então eu vejo realmente o esporte, na minha opinião, como o maior veículo de integração para os deficientes visuais.

A Urece surgiu com esse intuito de integração dos deficientes na sociedade?

A Urece é um associação sem fins lucrativos, fundada em 2005, no auge da minha carreira de futebol, quando já fazia tempo que eu estava na seleção. Mas, naquele momento, tive um olhar, porque muitos deficientes aqui no Rio não tinham a oportunidade de praticar esporte, de sair de casa para buscar sua independência. Na época, só tinha o Bejamin Constant que não dava conta, tinha muito deficiente querendo fazer esporte, querendo entrar em contato com outros deficientes. Então fundamos a Urece. Hoje, atendemos a cerca de 70 atletas, queremos aumentar esse demonstrativo. E a gente, hoje, enxerga o esporte não só como alto rendimento. Claro que queremos tirar um atleta ou outro com alto rendimento, que ganhe medalha para o Brasil, para a associação, mas o principal é ver essas crianças, esses adolescentes, tornarem-se cidadãos, serem independentes, serem autônomos. Porque muitos não são ainda. Muitos são dependentes de seus pais, de seu responsável, e, na baixada [fluminense], acontece muito isso, nós vemos crianças de 14, 16 anos totalmente dependentes, com uma mentalidade bem abaixo da sua idade. Agora queremos inaugurar uma quadra, acho que vai ser um marco na história do paraesporte do Rio de Janeiro, principalmente para a baixada fluminense, porque eles nunca tiveram essa oportunidade de sair de casa, entrar em contato com ídolos do paraesporte, praticar a modalidade e buscar de uma forma ou de outra sua independência.

Quais são suas expectativas para os Jogos Paraolímpicos do Rio?

Eu acompanhei um processo que, antes, [a iniciativa privada] via que o deficiente ia causar uma imagem ruim da sua marca. Hoje já mudou, hoje o deficiente já é mais envolto, a sociedade, quando tem uma empresa patrocinando, também quer comprar aquele produto. Eu acho que com a participação da sociedade, o Brasil vai ficar em um lugar bem melhor do que ficou em 2012.

Há um tempo, a iniciativa privada não queria patrocionar. Eles até apoiavam de alguma forma, mas não queriam sua marca vinculada. Hoje em dia, não é mais dessa forma. Eles veem retorno da mídia, da marca investida no paraolímpico, até mesmo porque o paraolímpico pode trazer muito mais medalhas que o olímpico. A posição do Brasil vai ser bem à frente.

Você acredita que os Jogos Paraolímpicos no Rio de Janeiro vão deixar um legado social de inclusão dos deficientes no esporte para o Brasil? 

Temos sempre que aproveitar essa passagem dos jogos e, agora, com os jogos aqui no Rio de Janeiro, não só para divulgar as modalidades, mas principalmente também para focar no nosso potencial. Somos atletas, mas, além de atletas, somos cidadãos. Nós temos capacidades, nós falamos – tem muita gente nessas horas que acha que cego não fala – que estudamos, nos capacitamos, que somos pessoas normais. Só não temos, no meu caso, a visão, em outro caso, uma perna. Então, isso é muito bom porque não é veiculada na mídia a capacidade do deficiente. Quando nos veicularmos na mídia, nós vamos ter agora outros ídolos, em termos do paraesporte. É um Daniel Dias, um Ricardinho do futebol, então isso é muito bom para a gente, nós, deficientes, sermos protagonistas e ídolos das pessoas que não têm deficiência. Isso muda muito pra gente, virar protagonista.


Fonte: undp.org


#ProgramaDiferente discute o legado da #Rio2016: além do velho jogo político e de medalhas conquistadas pelo talento individual de alguns atletas brasileiros, o que o país ganhou de fato?

Com o fim dos Jogos Olímpicos do Rio, o #ProgramaDiferente desta semana retoma a questão que já tinha surgido depois da Copa do Mundo: Qual é, afinal, o legado da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 para o Brasil? Passados alguns grandes momentos de emoção, valeu a pena tanto investimento político e financeiro? Quem ganhou com isso, afinal? Sobrou alguma coisa proveitosa para o povo? Assista.

Tirando as honrosas exceções de talentos individuais do Esporte, o legado mais notável das Olimpíadas, assim como já havia ocorrido com a Copa do Mundo e os Jogos Panamericanos, foram obras superfaturadas, muita desorganização, falta de planejamento, gafes e declarações desastradas. Muita gente se beneficiou desse estelionato eleitoral. Resta saber o que vai ficar para a História do Brasil em termos de aprendizado e infra-estrutura. Será que o resultado para o Esporte compensou? E qual imagem do país ficou para o mundo?

Um caso emblemático das consequências da #Rio2016 é o que aconteceu com a pequena comunidade carioca da Vila Autódromo. Simbolicamente, espírito esportivo à parte, é este o maior legado das Olimpíadas para a maioria do povo brasileiro: problemas sociais deixados em segundo plano para garantir a beleza do megaevento. Neste exemplo específico, moradores pobres vistos como um incômodo para a realização dos jogos por políticos e organizadores.

Terminada a Olimpíada no Brasil, as atenções se voltam novamente para a política. Além da reta final do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, nesta semana começa de fato a campanha para as eleições de 2 de outubro, com o início da propaganda eleitoral no rádio e na TV e a realização do primeiro debate entre os candidatos a prefeito. Na segunda parte do programa, você relembra momentos memoráveis dos debates que ajudaram a escrever, para o bem e para o mal, a história da democracia brasileira.


Os Jogos Olímpicos do Rio serão lembrados como os Jogos da exclusão?

As instituições democráticas poderiam ter protegido e amparado brasileiros na preparação para os Jogos. Mas isso não aconteceu

Em agosto, a cidade do Rio de Janeiro vai sediar pela primeira vez os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em meio a um dos momentos políticos mais turbulentos que o país já viveu. A crise política e social no Brasil tem mostrado que muitas de nossas instituições democráticas ainda carecem de consolidação. Estas são as mesmas instituições que poderiam ter protegido e amparado brasileiros na preparação para os Jogos, assegurando um legado positivo. Isso não aconteceu.

No início deste ano, conheci e entrevistei lideranças comunitárias e moradores da Vila Autódromo, bairro do Rio localizado ao lado do Parque Olímpico. Acompanhada da Justiça Global, reconhecida organização de direitos humanos, presenciamos um protesto de moradores, com apoio de pessoas e organizações que lutam em favor da comunidade. O protesto era contra o fato de que moradores cujas casas estavam dentro da construção do Parque Olímpico estarem sendo impedidos pelas autoridades locais de entrar e sair livremente de suas casas.

Mulheres líderes, corajosas e fortes, deram seus testemunhos sobre as violações dos direitos humanos a que estavam sendo constantemente submetidas, devido às obras para sediar os Jogos. Famílias foram despejadas e removidas sem consulta ou acesso à informação. Foram deixadas sem voz para denunciar os problemas de sua comunidade, que costumava ser uma área tranquila e segura, cercada de natureza. Para algumas dessas famílias foram prometidas novas casas, e as chaves deveriam ter sido entregues na semana passada. Durante anos de construção para receber os Jogos, havia relatos frequentes de cortes de água e luz bem como de violência perpetrada pelas forças de segurança. A moradora Heloisa Helena, conhecida como Luizinha de Nanã, disse que por mais de dois anos teve o acesso restrito a sua casa e centro religioso. A casa mais tarde foi demolida.

Como afirmamos em outra ocasião, esses mesmos moradores já haviam denunciado que a prefeitura do Rio teria negociado com empresas privadas a construção de prédios a classe média no bairro onde vivem, causando com isso a remoção de ao menos mil famílias pobres. Segundo os moradores, as obras planejadas excluíam os pobres do que a prefeitura e empresas privadas têm chamado de “progresso”.

Além disso, muitas famílias perderam suas casas para a especulação imobiliária ou para reformas e construções classificadas pelo governo local como necessárias ao desenvolvimento da cidade e recebimento dos Jogos. Os atingidos pelas "remoções desnecessárias e injustas" nunca foram adequadamente consultados, tampouco participaram de tomadas de decisão, como afirmam Raquel Rolnik, ex-Relatora da ONU por Moradia Digna,RioonWatch e Lena Azevedo e Luiz Baltar em seu estudo sobre as remoções no Rio. Sem dúvida, os atingidos não estarão no público assistindo os Jogos; as construções transformaram suas vidas para sempre, não apenas no período das Olimpíadas. Acrescente-se a este legado sombrio, os trabalhadores que morreram durante as obras de construção para as Olimpíadas e para a Copa do Mundo.

Aqueles que têm resistido bravamente em protestos nas ruas em oposição aos abusos relacionados aos Jogos têm muitas vezes sofrido com violência policial e das forças de segurança. Infelizmente isso provavelmente ocorrerá novamente com grupos e também membros do Comitê Popular da Copa e das Olimpíadasque estão organizando mais uma vez importantes debates e protestos, dias antes dos Jogos começarem, para mostrar o quanto tais jogos excluíram pessoas e direitos. Neste contexto cabe lembrar que a lei de antiterrorismo, recentemente aprovada, já tem sido usada infelizmente para deter manifestantes e continuará a colocar em riscos direitos humanos muito tempo depois de terem terminado as Olimpíadas.

A promessa de proteger o meio ambiente durante a preparação para os Jogos também não foi cumprida. Muitas árvores foram derrubadas, piorando a já comprometida qualidade do ar, afetando diretamente as comunidades do entorno. Exemplos tristes e perturbadores do descaso com o meio ambiente sãoa Baía de Guanabara contaminada e rios poluídos, os quais o governo havia prometido limpar. E chama a atenção a construção controversa de um campo de golfe em área de proteção ambiental, o que revela planejamento e políticas equivocadas, para dizer o mínimo.

Os Jogos receberam altos investimentos públicos mas que prioritariamente favorecem interesses privados. Para muitos brasileiros, isto maculou o que poderia ter sido um momento de orgulho para o país. É lamentável que uma vez mais a oportunidade de deixar um legado duradouro e positivo tenha sido totalmente perdida. Recentemente até o prefeito do Rio assumiu ser esta uma oportunidade perdida, embora pouco tenha feito para impedir que isso acontecesse. Ainda está por saber se haverá algum legado positivo decorrente dos dois grandes eventos esportivos que o Brasil sediou a Copa do Mundo 2014 e Jogos Olímpicos 2016. No momento, identificamos algumas instalações esportivas novinhas em folha e algumas melhorias de transporte, resta saber porém se esses novos estádios e outras construções terão de utilidade pública após os eventos.

Tanto o governo como as empresas deveriam ter feito muito mais e tragédias não teriam ocorrido. Más condições de trabalho e mortes teriam sido evitadas se os direitos humanos e os princípios e as boas leis trabalhistas que o país tem tivessem sido respeitados. O mesmo pode ser dito sobre as remoções e outras violações já mencionadas. Infelizmente, porém, parece que os Jogos Olímpicos Rio 2016 serão lembrados como os "Jogos da exclusão".


Por: JÚLIA MELLO NEIVA, pesquisadora sênior e representante para o Brasil, Portugal e países Africanos de língua portuguesa no Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos.

Fonte: brasil.elpais.com


Luiz Carlos Azedo: A bandeira da ordem

NAS ENTRELINHAS – CORREIO BRAZILIENSE

Os atentados de Nice, na França, e de Munique, na Alemanha, na sexta-feira, acenderam a luz amarela dos serviços de segurança do Brasil e das principais potências ocidentais em relação às Olimpíadas do Rio de Janeiro a duas semanas dos jogos. Por aqui, o fato relevante foi a prisão preventiva, pela Polícia Federal, de 11 suspeitos de envolvimento com Estado Islâmico, que supostamente estariam se organizando para realizar um ato terrorista e agora correm o risco de serem enquadrados na nova Lei Antiterror.

O episódio reacende o debate sobre a segurança dos jogos e os direitos e garantias individuais, porém, em contexto muito diferente das prisões dos black blocs durante as grandes manifestações de junho de 2013, que antecederam a Copa do Mundo de 2014. A paranoia em relação ao terrorismo no Brasil, diante dos atentados de inspiração islâmica na Europa e nos Estados Unidos, não é uma coisa sem sentido. A maioria dos ataques de “lobos solitários” ou grupos ligados virtualmente ao Estado Islâmico foi perpetrada por indivíduos que haviam sido monitorados pelos serviços secretos dos respectivos países.

As Olimpíadas são o maior evento de massas do mundo e, de fato, põem o Rio de Janeiro em situação de risco, devido à presença de grandes delegações de atletas dos países diretamente envolvidos nos conflitos do Oriente Médio, particularmente na guerra contra o Estado Islâmico na Síria e no Iraque. É nesse contexto que o governo interino de Michel Temer, responsável pela segurança das Olimpíadas, empunha a bandeira da ordem, às vésperas da votação do impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, de quem herdou o problema e pode fazer desse limão uma doce limonada.

Ordem e Progresso, o lema positivista da bandeira nacional, é o slogan oficial do governo Temer. Adotado no contexto da crise político que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, parecia uma sacada artificial e démodé, em meio à crise econômica, política e ética. A onda terrorista protagonizada por indivíduos que se associam ao Estado Isâmico pelas redes sociais, porém, com a aproximação das Olimpíadas, fez da manutenção da ordem uma necessidade real. O que não se pode é derivar para a lógica do Estado Leviatã.

Terror e tráfico

Publicado em 1651, O Leviatã, de Thomas Hobbes, foi uma resposta à Guerra Civil inglesa, provocada pela destituição do rei Carlos I pelo parlamento, em meio ao conflito entre anglicanos e presbiterianos. O resultado foi o caos, uma guerra de todos contra todos, que Hobbes atribuiu à natureza humana. Segundo ele, sem uma ordem política estabelecida, a vida se torna “solidária, pobre, repugnante, brutal e breve”. Para construir uma sociedade é necessário que cada indivíduo renuncie a uma parte de seus desejos e chegue a um acordo mútuo de não aniquilação com os outros.

Nasceu daí a ideia hobbesiana do “contrato social”, de modo a transferir os direitos que o homem possui naturalmente sobre todas as coisas em favor de um soberano dono de direitos ilimitados. Este monarca absoluto, cuja soberania não reside no direito divino, mas nos direitos transferidos, seria o único capaz de fazer respeitar esse contrato e garantir, desta forma, a ordem e a paz, exercendo o monopólio da violência que, assim, desapareceria da relação entre indivíduos. Ironicamente, foi a ditadura de Cromwell, o “Lorde Protetor”, que primeiro deu forma ao Estado Leviatã e realizou a revolução burguesa na Inglaterra. Mais tarde, em 1689, na Revolução Gloriosa, que foi pacífica, o parlamento promulgou a Declaração dos Direitos (Bill of Rights), que serve de base para o parlamentarismo monárquico britânico.

A crise humanitária do Mediterrâneo e os atentados terroristas na Europa parece reproduzir o “estado natural” descrito do Hobbes no Leviatã. São consequência da guerra civil e do caos que se instalou com a desestruturação dos estados nacionais do Iraque e da Síria pelas desastradas intervenções das potências ocidentais, lideradas pelos Estados Unidos durante o governo Bush, após o 11 de Setembro de 2003, que agravaram ainda mais os conflitos do Oriente Médio e do Afeganistão. O Brasil manteve-se sempre à margem desses conflitos, apesar das grandes comunidades brasileiras de origem árabe e judaica.

Entretanto, os indicadores de violência e a presença ostensiva do tráfico de drogas no país, principalmente no Rio de Janeiro, se assemelham a uma espécie de “guerra civil” não declarada. Não há, porém, registro de conexões entre traficantes e supostos apoiadores do Estado Islâmico, mas nem por isso deixa de ser prudente a transferência dos chefes das quadrilhas que atuam no Rio de Janeiro de Bangu para presídios federais de segurança máxima em outros estados e a prisão temporária de suspeitos de envolvimento com organizações terroristas. O que não se pode, porém, é derivar para uma concepção de segurança pública contrária aos fundamentos da democracia, ainda mais num ambiente político pautado pelo processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. (Correio Braziliense – 24/07/2016)


Fonte: www.pps.org.br


Luiz Ruffato*: Estamos preparados para enfrentar as ameaças à segurança promovidas pelo terrorismo internacional?

A pouco menos de 15 dias para o início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro uma pergunta permanece sem resposta convincente: estamos preparados para enfrentar as ameaças à segurança promovidas pelo terrorismo internacional? Os recentes atentados contra alvos civis reivindicados pelo autointitulado Estado Islâmico, sejam cometidos por militantes armados, carros-bomba, homens-bomba ou “lobos solitários”, mostram a ousadia e a crueldade desses que, embora falem em nome de Deus, agem sob a égide da intolerância e do obscurantismo.

O aparato mobilizado pelo Governo para proteger os 10,5 mil atletas de 206 países e os cerca de 300 mil turistas aguardados consta de 85 mil profissionais, sendo 47 mil pertencentes às polícias federal, civil e militar, e 38 mil às Forças Armadas. Foram gastos até agora, neste que é o maior esquema de segurança da história do Brasil, um total de 1,5 bilhão de reais. A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) elevou para o nível 4 o risco de atentado durante os Jogos, numa escala de 1 a 5, sendo 5 a certeza de que um ato terrorista está em curso.

Logo após os atentados em Paris, em novembro do ano passado, Maxime Hauchard, um francês que adotou o nome de Abou Abdallah al-Faransi, membro do alto escalão do Estado Islâmico, postou um texto no Twitter dizendo: “Brasil, vocês são nosso próximo alvo”. Em maio, foi lançado o Nashir Português, uma plataforma de comunicação e propaganda em português na internet, visando o proselitismo da causa jihadista para recrutamento de simpatizantes brasileiros. Seu principal aliciador nas redes sociais usa o nome de Ismail Abdul Jabbar Al-Brazili, conhecido como “O Brasileiro”.

Nesta semana, um grupo extremista brasileiro autodenominado Ansar al-Khilafah Brazil declarou lealdade ao Estado Islâmico e criou um canal no Telegram, serviço de mensagens semelhante ao WhatsApp. Segundo Rita Katz, do SITE (Search for International Terrorist Entities) Intelligence Group, organização que monitora atividades terroristas na internet, esta é a primeira vez que uma entidade sul-americana anuncia aliança com o Estado Islâmico e submissão ao líder do grupo fundamentalista, Abu Bakr al-Baghdadi.

Agentes da Divisão Antiterrorismo da Polícia Federal já monitoram 42 suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional. Um deles, o libanês Ibrahim Chaiboun Darwiche, dono de um restaurante em Chapecó (SC), indiciado por três crimes – incitação à violência, preconceito religioso e desrespeito à lei de segurança nacional –, é monitorado 24 horas por dia, com uso de tornozeleira eletrônica. Darwiche produziu um vídeo defendendo os ataques do Estado Islâmico ao jornal francês Charlie Hebdo, e, entre janeiro e abril de 2013, ficou 87 dias numa região da Síria controlada pelo Estado Islâmico, segundo a Polícia Federal.

Agentes da Divisão Antiterrorismo da PF já monitoram 42 suspeitos de ligação com o terrorismo islâmico em território nacional

Na semana passada, o Governo brasileiro extraditou o franco-argelino Adlène Hicheur, que há dois anos dava aulas na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Hicheur foi detido em 2009 e permaneceu preso na França por quase três anos por suspeita de envolvimento com a rede terrorista Al Qaeda. Físico respeitado na comunidade científica internacional, ele trabalhou nos laboratórios do CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), sediada em Genebra, na Suíça. Na época, o serviço secreto francês decifrou mensagens criptografadas em seu computador, nas quais Hicheur conversava amistosamente com Mustapha Debchi, membro da Al Qaeda no Magreb Islâmico, sobre uma possível associação em empreendimentos terroristas.

Em maio, o chefe da Direção de Inteligência Militar da França, general Christophe Gomart, anunciara, em depoimento na comissão parlamentar de luta contra o terrorismo, que o Estado Islâmico havia planejado ataques contra a delegação francesa durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Ele revelou ainda que um brasileiro estaria por trás da ação, sem indicar, no entanto, quem seria ele. Já a nossa Polícia Federal afirma que negou a entrada no Brasil de pelo menos quatro suspeitos de envolvimento com terrorismo que tentavam se credenciar para as Olimpíadas.

Marginalizados, filhos da humilhação e da ignorância, os jihadistas, que representam uma corrente minoritária dentro do islamismo, cultuam valores tribais e primitivos – machismo, xenofobia, homofobia – e têm como bandeira o ódio e a violência. Sua principal forma de propaganda é o espetáculo da intimidação da população civil. Desconhecendo regras, os militantes fundamentalistas julgam que toda forma de luta contra os valores ocidentais (judaico-cristãos, mas também muçulmanos) é válida e para isso transformam qualquer coisa em arma – sejam aviões comerciais, como os que derrubaram as Torres Gêmeas, nos Estados Unidos, matando quase três mil pessoas, seja um caminhão como o que tirou a vida de 84 pessoas na França ou até mesmo um machado como o usado em um ataque dentro de um trem na Alemanha, na segunda-feira.

Entre os dias 5 de agosto, quando ocorrerá a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos, até o dia 21, data de encerramento, respiraremos com ansiedade, torcendo para que as ameaças de atentados não passem de bravatas e que o Brasil se mantenha longe da insânia terrorista dita religiosa.


Luiz Ruffato é escritor e jornalista.

Fonte: El País