olavo de carvalho

Bernardo Mello Franco: O governo é refém de um lunático

O autodeclarado filósofo Olavo de Carvalho indicou dois ministros e promoveu uma cruzada contra o vice-presidente. Agora quer liderar um expurgo nos quadros do governo

Antes que os bolsonaristas mais aguerridos peguem em armas, um esclarecimento. O lunático do título não é quem vocês estão pensando. Refiro-me a Olavo de Carvalho, o guru que faz a cabeça do presidente.

O autoproclamado filósofo emplacou dois pupilos como ministros: o das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e o da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez. As presepadas dos discípulos não saciaram o mestre. De seu escritório em Richmond, ele se dedica a semear intrigas e provocar novas crises em Brasília.

No fim de janeiro, Olavo se lançou numa cruzada contra o vice-presidente Hamilton Mourão. Chamou o general de “maluco”, “covarde”, “psicopata”, “charlatão desprezível” e “vergonha para as Forças Armadas”.

Como o vice não pode ser demitido, o ideólogo escolheu outros alvos. Na semana passada, o embaixador Paulo Roberto de Almeida o culpou por sua exoneração do Ipri, o instituto de pesquisas do Itamaraty. O diplomata havia chamado Olavo de “sofista” e “debiloide”.

Na sexta-feira, o guru da ultradireita surpreendeu ao pedir que seus alunos no governo, “umas poucas dezenas”, entregassem os cargos imediatamente. “O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, dramatizou.

Era só jogo de cena. Na verdade, Olavo queria revanche após saber que alguns pupilos haviam sido rebaixados na hierarquia do MEC. A tática funcionou. Ontem Bolsonaro mandou Vélez demitir três militares que se contrapunham aos olavistas no ministério. O expurgo mostra que o governo é refém de um personagem que divulga teorias conspiratórias e se descreve como “apenas um véio lôco” no Facebook.

Além de ver comunistas em toda parte, Olavo promove uma campanha incansável contra as universidades e o jornalismo profissional. Não por acaso, é cultuado por blogs governistas que propagam “fake news”.

Há poucos dias, o blogueiro que difamou uma repórter do jornal “O Estado de S. Paulo” pediu doações em dinheiro para o guru. “Professor Olavo precisa da nossa ajuda”, justificou.


Vera Magalhães: Enredo surrealista

Golden shower e guerra entre olavistas e militares animam o Carnaval de Bolsonaro

Eu tinha reunido temas e entabulado conversas com fontes para duas colunas “frias” no período do Carnaval, já que, normalmente, o noticiário político dá aquela acalmada nesta época. Mas nada mais será como antes no reino de Bolsonaro, deveríamos ter aprendido desde 2018.

Começou com o “Golden Shower Gate”, como bem batizou Mariliz Pereira Jorge, mas a curta semana de confusões autoimpostas, algo que já se tornou uma marca de gestão, termina com uma inusitada guerra entre discípulos do polemista Olavo de Carvalho e a ala militar do governo.

Há tempos o guru do bolsonarismo vem voltando seus rifles lá da Virgínia para a cabeça do vice-presidente, Hamilton Mourão. Mourão tem demonstrado savoir faire ao dedicar a Olavo as respostas debochadas que suas imposturas merecem – e que o deixam ainda mais enfurecido.

Mas a coisa ganhou outra proporção na sexta-feira, quando discípulos do curso de correspondência virtual do ex-astrólogo começaram a ser deslocados de cargos estratégicos para outros decorativos no Ministério da Educação.

Olavo, claro, estrilou. Exortou os “olavetes” – maneira pela qual, sem modéstia nem respeito, chama os próprios alunos – a deixarem todos os cargos (algumas dezenas, diz ele!) no governo Bolsonaro e se recolherem à sua rotina de estudos (que inclui, certamente, mais algumas rodadas de boletos do tal COF).

E fez mais: atribuiu, numa série de posts, a perseguição a seus aprendizes de filósofos a uma joint venture entre os militares e o empresário Stavros Xanthopoylos, que tem em comum com seu detrator o fato de militar no ramo da educação à distância – e de ter feito a cabeça dos Bolsonaro ao longo dos últimos anos.

Xanthopoylos foi cotado para assumir o Ministério da Educação nas bolsas de apostas logo após a vitória do capitão, mas foi preterido por Ricardo Vélez Rodrigues, amigo, admirador e protegido de Olavo – que rapidamente aceitou a “paternidade” pela nomeação, para demonstrar sua influência sobre o novo regime.

Essa mixórdia que opõe bastiões importantes da ascensão de Bolsonaro – militares, olavistas e os empresários entusiasmados com a possibilidade de derrotar o PT– é um fio desencapado que deveria preocupar os estrategistas mais próximos ao presidente, se esses não fossem, na sua maioria, militantes de redes sociais.

Em pouco mais de dois meses, já começaram a ruir algumas vigas mestras da narrativa de sucesso de Bolsonaro: 1) Os “postos Ipiranga” que dão alguma credibilidade ao governo, Sérgio Moro e Paulo Guedes, foram algumas vezes desautorizados; 2) A “nova política” de combate à corrupção e rigor com o dinheiro público sucumbiu ao laranjal de Fabrício Queiroz e das candidaturas femininas do PSL, e 3) a festejada comunicação direta com o povo resultou na fritura em dendê de um ministro e sua demissão, e, depois, despejou golden shower sobre a família brasileira.

Tudo isso causa fissuras cada vez mais aparentes no monólito de apoio de Bolsonaro à direita. O arranca-rabo público do até então guru com os militares, estes sim um dos pilares mais sólidos e orgânicos que o presidente ouve e respeita, tem o poder de agravá-las e de levar a rupturas em áreas sensíveis da administração, como o já citado Ministério da Educação e o Itamaraty, ambos comandados por “olavetes” e focos de irritação dos pragmáticos militares.

Por fim, é importante lembrar que todos esses episódios do Carnaval para lá de animado do reino Bolsonaro não foram provocados pela esquerda, que só consegue ofertar o espetáculo ridículo da tal presidência paralela do ex-Nilo do lixão, Zé de Abreu. É tudo obra e graça do próprio presidente e de seu núcleo mais próximo. Joãosinho Trinta não seria capaz de conceber enredo tão rocambolesco.


Alon Feuerwerker: O que é, na essência, a contradição entre “o olavismo” e “os militares”

É erro político acreditar que alguém conseguirá tutelar um presidente da República recém-instalado e com a popularidade essencialmente preservada. Outro equívoco é imaginar que o presidente, por isso, pode fazer o que dá na telha. Ele decide, mas dentro de limites definidos, em última instância, pela correlação de forças no governo, nos demais poderes e na sociedade.

Costumam levar vantagem nas disputas internas do poder os núcleos mais organizados, disciplinados e dotados de clareza estratégica. E, sempre, mais conectados aos grupos de pressão social influentes. Outro detalhe: é comum a polarização em início de governo ser intestina ao próprio governo. Pois a oposição não carrega expectativa de poder.

O que acontece na administração Bolsonaro? Quadros provenientes das Forças Armadas estão, no popular, comendo pelas beiradas e ganhando espaço. “Os militares” vai propositalmente entre aspas no título desta análise. Não há no Planalto um “Partido Militar” atuando com comando centralizado e hierarquia, paralelamente ao presidente da República.

O bolsonarismo enxerga-se como uma revolução. E toda revolução costuma trazer duas tendências, que em certo momento entram em choque mortal: 1) a revolução precisa e quer expandir-se e 2) o novo poder, para consolidar-se e governar, precisa expurgar seus elementos mais “radicais”. E alguma hora precisa fazer a velha superestrutura trabalhar para o novo status quo.

A crise entre “o olavismo” e “os militares” é indicação de que a segunda tendência vai aos poucos prevalecendo sobre a primeira, e o processo nunca é linear ou indolor. Mas costuma ser irreversível. Num paralelo histórico que talvez desagrade ao bolsonarismo, este parece estar transitando da “revolução permanente” para o “bolsonarismo num só país”.

Não é casual que o choque mais visível e agudo apareça na política externa. O governo precisa decidir se a prioridade é 1) alinhar-se a - ou seguir a diretriz de - uma “internacional trumpista” ou 2) adotar para valer a linha de “o Brasil primeiro”. E isso vem sendo exposto na crise venezuelana. Como já vinha dando as caras em outros temas externos.

O desfecho ideal para o bolsonarismo na Venezuela seria uma “Revolução dos Cravos” de sinal trocado. A cúpula militar degolar o governo bolivariano sem derramamento de sangue, e promover rapidamente a transição pacífica para um regime constitucional alinhado ao “Ocidente”. Mas a coisa não parece estar tão à mão, ainda que cautela analítica em situações voláteis seja bom.

Se tal saída não rolar, até onde o Brasil está disposto a ir na colaboração com o “regime change” em Caracas? A questão, de ordem prática, talvez seja o foco mais emblemático da tensão entre as duas tendências. Que algumas vezes é explicada como oposição entre alas “adulta” e “infantil”, ou “racional” e “irracional”. São descrições insuficientes.

Uns parecem acreditar que a sobrevivência do bolsonarismo depende centralmente de livrar a América do Sul de qualquer núcleo de poder relacionado aos partidos do Foro de São Paulo. Outros talvez achem que é melhor cuidar de consolidar o poder por aqui mesmo, a arriscar um conflito de consequências políticas - regionais e internas - potencialmente desestabilizadoras.

Ambas as correntes têm argumentos. A favor da segunda, há duas coisas que governos precisam pensar muitas vezes antes de fazer: convocar um plebiscito e começar uma guerra. #FicaaDica.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


O Globo: 'Espertalhões tentam parar a Lava-Jato da Educação', diz Olavo

Guru do bolsonarismo explica, em entrevista ao GLOBO, por que pediu saída de alunos do governo

Natália Portinari e André de Souza, de O Globo

BRASÍLIA – Depois de causar alvoroço aconselhando, nas redes sociais, seus alunos a deixarem seus cargos no governo do presidente Jair Bolsonaro, na madrugada desta sexta-feira, o professor de filosofia Olavo de Carvalho , radicado nos Estados Unidos, disse ao GLOBO que seu conselho se motivou pela informação de que "espertalhões" dentro do governo Bolsonaro estariam atuando para frear a "Lava-Jato da Educação", uma investigação sobre corrupção em contratos do Ministério da Educação (MEC) em gestões passadas.

– Inverteram a cronologia dos fatos. Estão dando a notícia de que, depois das minhas críticas, teriam demitido alunos meus, mas esses fatos já estavam acontecendo antes de eu falar qualquer coisa. O que aconteceu é o seguinte. Fiquei sabendo que alguns espertalhões estariam tentando parar a Lava-Jato da Educação e, com base nisso, pedi que meus alunos saíssem do governo – disse Olavo.

Questionado sobre a quais alunos se dirigia seu conselho, Olavo cita dois: o assessor internacional do presidente, Filipe Martins, e o advogado Tiago Tondinelli, chefe de gabinete do MEC. Segundo a "Folha de S.Paulo", Tondinelli irá deixar o cargo. Olavo diz que não travou contato com nenhum dos dois após o conselho que deu em redes sociais. O GLOBO não conseguiu falar com os dois.

– Eu não mantenho contato com membros de governo, ninguém entrou em contato comigo depois (de fazer as críticas). Não conheço pessoalmente todos os meus alunos e não fico supervisionando o que acontece nos ministérios. Vocês (jornalistas) parece que gostam de teoria da conspiração. Ernesto Araújo e Vélez Rodríguez não são meus alunos. Eu li o Vélez Rodríguez, eu é que fui influenciado por ele.

Segundo pessoas próximas ao ministro, Grimaldo e outros alunos de Olavo receberam a opção de permanecer no ministério em novas funções. Todos aceitaram, à exceção de Grimaldo. Ao GLOBO, o ministério diz que, como se trata de remanejamento interno, não se manifestará sobre o assunto.

A "Lava-Jato da Educação" foi anunciada pelo ministro Ricardo Vélez Rodríguez em meados de fevereiro. Segundo ele, trata-se de uma investigação interna sobre atos das gestões anteriores, aberta após encontrar indícios de corrupção e desvios em programas da pasta. Foi assinado um protocolo de intenções com outros órgãos do governo para apurar as irregularidades, que envolvem também concessão ilegal de bolsas de ensino à distância e irregularidades em universidades federais. Na última semana, Bolsonaro reforçou, no Twitter, o compromisso com a investigação.

Ao menos um dos alunos de Olavo, o assessor especial do MEC Silvio Grimaldo, insatisfeito com a mudança de funções na pasta, anunciou em sua página no Facebook que pediria exoneração. Segundo Grimaldo, somente pessoas ligadas a Carvalho se tornaram indesejadas no MEC e foram transferidas para cargos que, na prática, são apenas um “prêmio de consolação”.

Foram duas postagens. Na primeira, ele disse que “o expurgo de alunos” de Carvalho foi “a maior traição dentro do governo Bolsonaro que se viu até agora”. Disse ainda que nem as “trairagens” do vice-presidente Hamilton Mourão, com quem Carvalho já trocou farpas, ou do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno, que deixou o governo após desgaste com Bolsonaro, “chegaram a esse nível".

Numa segunda postagem, ele esclareceu que não foi expulso do MEC. Grimaldo disse que, durante o Carnaval, foi avisado de que seria transferido para a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), “onde deveria enxugar gelo e ‘fazer guerra cultural’.” Assim, “dada a absurdidade da proposta”, e “vendo que o mesmo destino fora dado a outros funcionários ligados ao Olavo (apenas olavetes foram transferidos) e mais alinhados com as mudanças propostas pela eleição de Bolsonaro, não vi outra saída senão comunicar ao ministro meu desligamento pedir minha exoneração, que deve sair nos próximos dias”.

Outro aluno, Murilo Resende, que também tem cargo comissionado no MEC, afirmou ao GLOBO estar surpreso com as postagens de Carvalho. Mas, diferentemente de Grimaldo, disse que, até o momento, pretendia continuar no governo.

– Até o momento sim (pretendo continuar no cargo). Mas vamos ver. Eu também me surpreendi com as postagens hoje, com os fatos que estão sendo relatados. Vamos aguardar como todo mundo para entender melhor o que está acontecendo – disse Resende.

Enquanto a polêmica envolvendo os seguidores de Carvalho ganhava as redes, uma portaria assinada na quinta-feira pelo ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, mas publicada apenas hoje, trazia a exoneração de quatro assessores. O GLOBO, porém, não conseguiu encontrar conexões entre eles e Carvalho.

Para o escritor guru do bolsonarismo, a presença de "inimigos" deveria ser suficiente para fazer os seguidores dele abandonarem seus postos e pretensões junto à administração pública para focarem apenas na "vida de estudos". "O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles", disse Carvalho”, disse ele em mensagem tornada pública na madrugada de ontem em sua página no Facebook.

Carvalho, que desde 2009 dá aulas em um curso de filosofia online, disse que não era favorável à entrada no governo de pessoas para quem leciona, mas que não havia se posicionado em relação a isso anteriormente porque achou "cruel destruir essa ilusão" dos próprios próprios alunos sobre a gestão de Bolsonaro.

"Jamais gostei da ideia de meus alunos ocuparem cargos no governo, mas, como eles se entusiasmaram com a ascensão do Bolsonaro e imaginaram que em determinados postos poderiam fazer algo de bom pelo país, achei cruel destruir essa ilusão num primeiro momento. Mas agora já não posso me calar mais. Todos os meus alunos que ocupam cargos no governo — umas poucas dezenas, creio eu — deveriam, no meu entender, abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos", escreveu .

O GLOBO identificou outros alunos de Carvalho no governo, como o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida; o secretário de Alfabetização do Ministério da Educação (MEC), Carlos Nadalim. Nadalim não quis falar com a reportagem. Sachsida não retornou as ligações feitas e mensagem enviada.


O Globo: Guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho orienta alunos a deixarem governo

Filósofo afirma que 'governo está cheio de inimigos do presidente e do povo'

João Paulo Saconi, de O Globo

RIO - Guru intelectual do bolsonarismo, Olavo de Carvalho disse nesta sexta-feira que orientou os próprios alunos a abandonarem os cargos que ocupem no governo do presidente Jair Bolsonaro , do qual ele mesmo é entusiasta.

A orientação, conforme Carvalho explicou em publicações feitas em redes sociais, foi motivada pela impressão de que há “inimigos do presidente e do povo” nos quadros do governo federal. Para o filósofo, isso deveria ser suficiente para fazer os seguidores dele abandonarem seus postos e pretensões junto à administração pública para focarem apenas na “vida de estudos”. Também na internet, o professor já se referiu ao vice-presidente Hamilton Mourão como "inimigo do presidente e de seus eleitores" e disse que a maior burrada de sua vida como eleitor foi apoiá-lo .

Carvalho, que desde 2009 dá aulas em um curso de filosofia online, disse ainda que não era favorável à entrada no governo de pessoas para quem leciona, mas que não havia se posicionado em relação a isso anteriormente porque achou “cruel destruir essa ilusão” dos próprios próprios alunos sobre a gestão de Bolsonaro.

“Jamais gostei da ideia de meus alunos ocuparem cargos no governo, mas, como eles se entusiasmaram com a ascensão do Bolsonaro e imaginaram que em determinados postos poderiam fazer algo de bom pelo país, achei cruel destruir essa ilusão num primeiro momento. Mas agora já não posso me calar mais. Todos os meus alunos que ocupam cargos no governo — umas poucas dezenas, creio eu — deveriam, no meu entender, abandoná-los o mais cedo possível e voltar à sua vida de estudos”, escreveu Carvalho em mensagem tornada pública nas primeiras horas do dia em uma página oficial no Facebook e em uma conta sem a verificação do Twitter.

O trecho em que critica a composição do governo de forma mais contundente chama integrantes do time de Bolsonaro de “pústulas”.

“O presente governo está repleto de inimigos do presidente e inimigos do povo, e andar em companhia desses pústulas só é bom para quem seja como eles”, disse Carvalho.


O Globo: A filosofia de Olavo de Carvalho em debate

Professores universitários debatem lições dadas em aula online daquele que é considerado o ‘guru’ do novo governo. Olavo de Carvalho está errado e não entendeu Kant, dizem três nomes de destaque da academia brasileira

Dimitrius Dantas, de O Globo

SÃO PAULO — “A formação da personalidade”, “Introdução ao método filosófico” e “Sociologia da Filosofia” são só alguns dos 14 cursos avulsos on-line oferecidos por Olavo de Carvalho, considerado por muitos como o “guru” do governo Bolsonaro. Na internet, Olavo, que emplacou os nomes de Ricardo Vélez Rodríguez como ministro da Educação e Ernesto Araújo, na pasta das Relações Exteriores, versa sobre todos os campos da filosofia. Faz isso não só nos chamados cursos livres que oferece, mas também em séries de aulas mais aprofundadas de temas como “Simbolismo e ordem cósmica”, “Guerra cultural” e “Esoterismo”.

São mais de 400 aulas e vídeos reunidos no “Curso On-Line de Filosofia”, que Olavo e seus seguidores costumam chamar de COF. O material pode ser acessado ao custo de R$ 60 mensais — há descontos para planos trimestrais, semestrais e anuais. Apesar de se autointitular filósofo, ele não tem formação acadêmica.

A pedido do GLOBO, três filósofos especialistas na obra de Immanuel Kant assistiram a uma aula on-line de Olavo, em que ele trata da obra do pensador alemão, que viveu no século XVIII e foi um dos principais nomes do Iluminismo. Esse movimento, em defesa da razão, da ciência e do estado laico, inspirou da Revolução Industrial à criação do Estado com a separação de poderes.

Maurício Keinert, professor de filosofia moderna na Universidade de São Paulo (USP); Maria Borges, professora de filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e presidente da Sociedade Kant Brasileira; e Daniel Tourinho Peres, professor especializado em filosofia alemã da Universidade Federal da Bahia (UFBA), analisaram as interpretações de Olavo sobre um dos principais textos de Kant, “O que é ilustração”, em que o alemão defende que todos os dogmas são passíveis de questionamento, inclusive os religiosos.

Na leitura de Olavo, Kant se opõe às religiões cristãs. Na visão dos três filósofos, o guru do bolsonarismo está equivocado.

— Olavo diz estar construindo uma comunidade de amigos em que todos pensam e querem a mesma coisa. Não é à toa que Kant seja um pensador que precisa ser deturpado. Para Kant, desacordo é bom, é assim que a gente cresce — diz Tourinho Peres.

Leia a seguir trechos da aula de Olavo e a avaliação dos professores.

Acordo criminoso
Segundo Olavo de Carvalho, Kant define a função do clero como criminosa e diz que “ninguém escreveu coisa pior sobre a Igreja Católica”:

— O que ele (Kant) define como acordo criminoso é o que define a função do clero. Eu acho que nunca ninguém escreveu coisa pior sobre a Igreja Católica. Jesus Cristo é um criminoso, comprometeu as pessoas com um compromisso eterno de repetir a mesma coisa. Isso tem que acabar, é inválido, ninguém disse isso antes. É curioso que mesmo os críticos do Kant dizem que ele era um homem cristão. De onde vem esse estado de anestesia com que as pessoas leem o Kant? — diz Olavo, em sua aula.

Para Maria Borges, a interpretação de Olavo é um erro.

— Kant tem um texto que se chama ‘A religião nos limites da simples razão’. O próprio alemão foi criticado pelos iluministas porque admitia um espaço para a religião, desde que limitada pela razão —, diz ela.

Keinert concorda e diz que Kant defende a liberdade religiosa como mais importante do que ir contra uma religião:

— Olavo se equivocou. Na verdade, Kant defende nesse texto a liberdade religiosa. Isso é o que parece incomodar o Olavo, a liberdade religiosa, a ideia de que as pessoas tenham a possibilidade de ter diferentes religiões, várias visões.

Matança de cristãos
Olavo denuncia que a “missão número 1 do Iluminismo” é eliminar a religião cristã e que Kant tem uma responsabilidade, “ao menos indireta, pelas matanças de cristãos que se tornaram endêmicas” em diferentes países como França, Espanha, Itália e México.

— Será exagero imaginar que o homenzinho gentil e bondoso de Konigsberg (Kant) terá alguma responsabilidade, ao menos indireta, pela matança de cristãos que se tornaram endêmicas na França, Espanha, na Itália no México e hoje em dia um pouco por toda a parte. Se você diz isso, que Kant começou tudo isso, as pessoas ficam chocadíssimas — afirma Olavo.

O professor Keinert aponta que não se deve tratar um texto do século XVIII com anacronismo:

— Olavo é um anti-iluminista. Uma das características da modernidade é que, de fato, você tem a perda da centralidade da Igreja como fonte do que é a verdade. É lógico que temos que tomar muito cuidado ao analisar um texto do século 18, mas se a gente pensa numa atualização do que diz Kant, podemos explorar várias questões. O texto de Kant nasce no século 18 a partir de um debate sobre o casamento civil. Poderíamos interpretá-lo para analisar a questão hoje do casamento homoafetivo. Nesse sentido, o pensamento de Kant é visto como algo perigoso pelos conservadores".

Toninho Peres classifica o projeto de Olavo como “obscurantista e dogmático”.

— Ele (Olavo) diz estar construindo um comunidade de amigos em que todos pensam e querem a mesma coisa. Não é à toa, portanto, que Kant seja um pensador que precisa ser deturpado. Para Kant, desacordo é bom, é assim que a gente cresce.

Já Maria acredita que Olavo critica Kant pelo simples fato de ser "pré-iluminista":

— Olavo é um pré-Iluminista, um anti-iluminista. Por isso que critica as ideias de Kant".

Religião só na esfera privada
Segundo Olavo, Kant pregava que religiosos só poderiam “representar a Igreja em privado”. Em público, ele não seria obrigado e poderia expor “apenas suas opiniões pessoais”.

— Veja que toda uma noção que hoje aparece, a noção iraniana de que pode praticar a religião em casa mas não pode falar dela em público, essa noção está sendo imposta no Ocidente hoje. Onde está a origem disso? Aqui no Kant — afirma Olavo.

Para Keinert, Kant se posicionava contra o dogma, mas “não necessariamente contra a religião católica”.

Segundo Toninho Peres, afirmar que o projeto filosófico de Kant seria destruir a religião cristã e criar uma nova “é um disparate” e que fazer a comparação com o Irã é “mais disparate ainda”.

— Olavo faz uma confusão terrível. No fundo, o que Kant está dizendo é mais ou menos o seguinte: "eu posso obedecer uma lei e, ao mesmo tempo, se não concordar, criticá-la".

Para Maria Borges, os textos de Kant apontam para uma outra questão: a relação da religião com outras áreas.

— O que Kant não quer é uma religião que determine as questões de estado, da ciência —, afirma a professora.


Época: Quem é Antonio Paim, o filósofo baiano que fez a cabeça do ministro da Educação

Paim é visto como um mestre pelos liberais-conservadores que passaram a orbitar em torno da Esplanada dos Ministérios

Por Guilherme Evelin, da Época

Em seu discurso de posse no dia 2 de janeiro, em meio a críticas ao globalismo, ao pensamento gramsciano, ao marxismo cultural e à ideologia de gênero — o quarteto eleito como alvo preferencial dos ataques da ala ideológica do governo Jair Bolsonaro —, o ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, explicou que a “inspiração liberal-conservadora” de suas propostas educacionais, que pregam a recuperação dos valores culturais tradicionais e religiosos, vinha de “dois grandes educadores”: Antonio Paim e Olavo de Carvalho.

A ascendência do “guru da Virginia” — como Olavo de Carvalho passou a ser chamado pelos bolsonaristas — sobre o novo governo instalado em Brasília se tornou bem conhecida. Além de opinar a favor da escolha de Vélez Rodríguez para o Ministério da Educação, Carvalho também atuou pela nomeação do embaixador Ernesto Araújo para o Itamaraty. Menos alardeada, a influência das ideias de Paim é igualmente importante em setores do novo governo, e a figura do filósofo baiano é tão ou mais reverenciada que a de Carvalho.

Autor de obras como "Histórias das ideias filosóficas no Brasil" e "Evolução histórica do liberalismo", Paim é também tratado como um mestre pelos liberais-conservadores que passaram a orbitar em torno da Esplanada dos Ministérios. “Paim mostrou que a luta pelo sistema democrático-representativo e pluralista produz resultados humanamente mais aceitáveis que os sistemas cooptativos do antigo Leste Europeu, de Cuba, da Venezuela bolivariana e da China comunista”, disse o cientista político Paulo Kramer, que fez parte da equipe de transição do governo Bolsonaro e foi coautor de um livro com Paim e Vélez Rodríguez sobre o “novo patrimonialismo brasileiro”, publicado em 2015.

Para o cientista político Christian Lynch, professor da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro, “Paim é autor de uma obra ciclópica e muito respeitável sobre a história das ideias filosóficas no Brasil, que é um clássico da área”. “A preocupação central em seus textos sobre o pensamento político brasileiro tem sido compreender as raízes do iliberalismo no Brasil, que ele acredita radicar numa incompreensão da questão da representação política”, acrescentou Lynch. “Nos últimos 20 anos, o prestígio do socialismo ou da social-democracia foi relegando alguns intelectuais a um lugar marginal na academia e na mídia, como se fossem dinossauros em extinção. Com o retorno do conservadorismo, depois de 30 anos, esses autores voltaram à voga.”

Prestes a completar 92 anos, Paim, nascido em Jacobina, no interior da Bahia, vive hoje numa casa de repouso particular para idosos, repleta de jardins e com um lago, no Jardim Bonfiglioli, bairro de São Paulo, às margens da Rodovia Raposo Tavares. ÉPOCA o encontrou lá em dois domingos, dia que ele reserva para ouvir música clássica, num quarto em que mantém uma TV, um computador e uma estante com seus livros e fotos de suas duas filhas. Paim precisa recorrer a um andador para se locomover, mas, em meio a alguns resmungos contra a velhice (uma m..., resume), ele se mantém bem-humorado, com uma conversa afiada e atualizado sobre tudo que ocorre com o governo Bolsonaro.

O ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, na posse de seu cargo, cumprimenta seu antecessor Rossieli Soares Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

O ministro da Educação Ricardo Vélez Rodriguez, na posse de seu cargo, cumprimenta seu antecessor Rossieli Soares Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Sua ligação mais direta com o novo governo é, claro, com Vélez Rodríguez, com quem falou, por telefone, para desejar sucesso no governo. O ministro da Educação foi seu aluno quando chegou ao Brasil na década de 70, com uma bolsa da Organização dos Estados Americanos (OEA) para estudar pensamento brasileiro num curso ministrado por Paim na Pontifícia Universidade Católica (PUC) no Rio de Janeiro. Paim rememora, com prazer, como conheceu Vélez Rodríguez, colombiano de nascimento, depois naturalizado brasileiro. “No primeiro dia de aula, ele falou em América Latina. Eu disse a ele: Você ganhou uma bolsa para estudar pensamento brasileiro. Não me venha com conversa de América Latina, que isso não existe aqui’. Ele, ainda um garoto, não respondeu nada e ficou em pânico”, contou Paim, aos risos.

O mestre disse que depois o “discípulo” se mostrou de grande valor e fez uma pesquisa primorosa sobre o caudilho gaúcho Júlio Prates de Castilhos (1860-1903), prócer do começo da República brasileira. Castilhos ajudou na difusão do positivismo, doutrina filosófica importada da França com grande penetração entre os militares brasileiros e inspiração do lema “Ordem e Progresso”, inscrito na bandeira nacional. A pesquisa redundou depois no livro Castilhismo, uma filosofia da República , de Vélez Rodríguez. A obra bebe no pensamento de Paim. Para o filósofo, “o positivismo era um troço primitivo”, a República foi instalada no Brasil por meio de “um golpe de Estado” articulado por uma minoria e a derrubada da monarquia em 1889 foi “um retrocesso brutal que abortou a construção no país de instituições representativas democráticas” no modelo liberal inglês — para Paim, o ápice da civilização política.

Paim e Vélez Rodriguez também comungam a mesma ojeriza às ideias socialistas e ao que eles chamam de doutrinação marxista nas universidades brasileiras. Para o filósofo baiano, o “Brasil é o único país do mundo, além da França, onde o comunismo parece que não acabou”. Ele diz ainda que “um marxismo vagabundo” prolifera nos campi nacionais. “A USP é hostil ao pensamento brasileiro. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, órgão do Ministério da Educação responsável pela supervisão dos cursos de pós-graduação) está na mão dos comunas, dos marxistas. O MEC só dá passagem e bolsa para quem está na chave gramsciana. Se você não estudar Gramsci, você perde o emprego. É exatamente isso”, afirmou Paim, que considera Gramsci um “totalitário”. Ele manifesta a esperança de que o novo ministro “vai liquidar isso”. “Não tem cabimento dar ao Estado o poder de dar pontuação às instituições culturais”, afirmou Paim, referindo-se ao método usado pela Capes para avaliar a pós-graduação.

Mestre e discípulo têm uma velha pinimba com a Capes. Em 2009, Vélez Rodríguez publicou um artigo na imprensa em que acusou os “burocratas da Capes no setor de filosofia” de agir de forma persecutória, entre 1979 e 1999, para extinguir os cursos de graduação e pós-graduação em filosofia brasileira, um nicho de atuação de filósofos conservadores, considerados minoritários na academia brasileira.

Segundo Vélez Rodríguez, “uma guilhotina ideológica” ceifou esses cursos por eles serem considerados de direita. A ação teria sido comandada por antigos ativistas marxista-leninistas, seguidores do filósofo e padre jesuíta Henrique Claudio de Lima Vaz. Vaz era mentor, na década de 60, da Juventude Universitária Católica (JUC) e da Ação Popular (AP), uma corrente política de esquerda em que militaram, no passado, José Serra e Herbert de Souza, o Betinho, entre outros. Quase uma década depois de sua publicação, o artigo de Vélez Rodríguez continua a reverberar no mundinho acadêmico. Após sua nomeação para o Ministério da Educação, circulou um manifesto de professores de filosofia, assinado inclusive por Marilena Chauí, que rebate “as insídias” contra o padre Vaz.

A rixa de Paim e Vélez Rodríguez com os seguidores do padre Vaz dura décadas. Paim diz que foi “boicotado” por antigos militantes da AP, quando eles assumiram o Departamento de Filosofia da PUC do Rio de Janeiro no final da década de 70. Uma reforma foi feita na pós-graduação, e o curso de filosofia brasileira, de Paim, foi retirado do currículo. Quando textos do jurista e filósofo Miguel Reale — mestre de Paim e pai do ex-ministro da Justiça Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff — foram retirados de uma antologia distribuída aos alunos, Paim publicou uma “denúncia” em forma de artigo no Jornal do Brasil.

A polêmica gerou meses de controvérsia na imprensa nacional e depois virou o livro "Liberdade acadêmica e opção totalitária". “Excluíram o Miguel Reale porque ele tinha sido integralista, o que é um absurdo. Eu tinha arrumado bolsas para os marxistas, em pleno governo militar, porque achava um absurdo a discriminação a eles, mas a convivência é difícil. Você não deve dar cargo de poder a eles, porque eles vão liquidar os outros. É da alma deles”, disse Paim.

Raul Landim, ex-diretor do Departamento de Filosofia da PUC, tem uma versão diferente. Disse que a exclusão do curso de filosofia brasileira estava relacionada a uma modernização do departamento para adequá-lo à realidade de outros cursos de filosofia no mundo. Da mesma forma, a antologia de textos distribuída aos alunos passou a incluir apenas filósofos considerados clássicos.

“Fui da AP, mas não sou marxista, como também não era o padre Vaz. Estávamos preocupados em melhorar a competência dos alunos, mas o Paim transformou tudo em questão ideológica”, disse a ÉPOCA Landim, hoje professor aposentado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na última terça-feira 8. A querela não terminou bem para ele. Seis meses depois, Landim e outros professores perderam seu emprego na PUC. Ele acha que a polêmica teve um efeito indireto em sua saída.

Apesar desse passado, Paim avalia que Vélez Rodríguez deve agir com prudência em sua faxina ideológica no Ministério da Educação. “Não pode generalizar. O Ministério da Educação tem muito funcionário decente. Não pode achar que tudo é marxista, tudo não presta, como os procuradores fizeram com a classe política. Não é bem assim”, afirmou. Perguntado sobre o Escola sem Partido, Paim disse que os professores devem adotar a mesma postura que ele tinha na sala de aula.

“Em meu tempo de professor, eu dava um curso sobre Kant (Immanuel Kant, filósofo alemão do final do século XVIII, considerado um dos pilares da filosofia moderna). Eu transmitia a eles como ler "A crítica da razão pura", mas não fazia doutrinação. Se eu fizesse isso, dizia a eles que podiam me criticar e me botar para fora”, afirmou. Paim disse que o curso de filosofia serve para ter conhecimento de todos os principais pensadores, inclusive Marx. Mas ressalva que Marx deve ser lido à luz da “complexidade do idealismo alemão”. Fora desse contexto, alertou, “marxismo vira bestialógico”.

Antes de virar um conservador e um anticomunista ferrenho, como ele próprio admite, Paim fez um caminho sinuoso. Foi ele próprio um comunista de carteirinha. Na juventude dos seus 20 e poucos anos, estudante no Rio de Janeiro, entrou no Partido Comunista do Brasil, o Partidão, entusiasmado com a União Soviética depois da Segunda Guerra Mundial. Achava que os soviéticos encarnavam a liberdade, que não existia na ditadura de Getulio Vargas.

Virou secretário de redação da Tribuna Popular, o jornal do partido, em que militava, entre outros, o poeta Carlos Drummond de Andrade. Durante o governo de Gaspar Dutra (1946-1951), num enfrentamento de jornalistas e gráficos que resistiram a bala a uma ação da polícia para fechar o jornal, levou um tiro que o deixou com um buraco na cabeça e foi condenado a sete anos de prisão. Foi enviado para uma casa de detenção, onde, segundo Paim, o diretor queria matá-lo. Paim contou que numa ocasião em que o diretor tentou pegá-lo com as mãos pelas grades da cadeia, reagiu e quase quebrou o braço do agente. Como punição, foi mandado para um cubículo numa solitária, onde ficou em condições degradantes. “O anticomunismo brasileiro era de um primarismo brutal. Uma pessoa com um mínimo de caráter ou enfrenta aquele negócio, ou se avacalha. Aí, eu virei comuna mesmo”, afirmou.

Depois de uma inspeção feita por uma Comissão da Câmara dos Deputados, Paim foi reconhecido como preso político e enviado para uma penitenciária onde, em condições melhores, cumpriu pena de dois anos e dois meses de prisão. Solto, virou dirigente do Partido Comunista. Em 1953, foi enviado para a União Soviética para estudar teoria leninista, na Universidade Lomonosov, em Moscou. Aprendeu a ler O capital, de Marx, em russo para traduzi-lo para o português. Paim disse que transformou-se em um “bolchevique sem alma, sem amigo, sem família, sem p... nenhuma, integrante de uma casta devotada à causa”.

Na Universidade Lomonosov, Paim, porém, apaixonou-se pela russa Margarita Anatolia Rodanov — que fazia a tradução simultânea para os brasileiros. Seus colegas comunistas não gostaram daquele namoro, porque achavam que atrapalhava as relações do Partido Comunista brasileiro com o soviético. Terminado o curso, Paim voltou para o Brasil, mas ficou poucos meses aqui antes de resolver voltar para a União Soviética para casar com Margarita.

“O amor foi um processo de humanização para mim”, declarou numa ocasião Paim, que disse ter sido salvo do comunismo pela paixão. Ele foi gradualmente afrouxando os laços com o partido. A ruptura final veio com a divulgação dos crimes de Stálin com o relatório Kruschev, de 1956, quando Paim ainda morava na União Soviética. “Fui eu que lutei para distribuir o relatório para o Partido Comunista brasileiro. Não dava para ficar no partido depois daquilo. Da minha geração, ninguém ficou”, contou Paim. O processo de desencanto daquela geração com o stalinismo é contado no livro "O retrato", de outro ex-comunista baiano, Osvaldo Peralva, que foi jornalista da Folha de S. Paulo. A reedição de 2015 de "O retrato" tem prefácio assinado por Paim. “A leitura de 'O retrato' pode contribuir para que pessoas de bom senso revejam esse tipo de opção”, escreveu o filósofo na apresentação.

Depois de conseguir a autorização do regime soviético para que Margarita saísse da Rússia, Paim voltou para o Brasil com a mulher. Instalaram-se em Copacabana, no Rio de Janeiro, tiveram uma filha. Mas o casamento com Margarita, que traduziu Machado de Assis e fez um dicionário russo-português, durou pouco. Por volta de 1962, quando o Brasil já vivia o acirramento dos ânimos anticomunistas que culminaria no golpe militar contra o governo João Goulart em 1964, a russa resolveu voltar, com a filha, para a União Soviética, onde a mãe era uma dignitária do regime. Paim confessou ter ficado “desarvorado”. “Eu era muito agarrado a minha filha. Era um potocozinho”, disse Paim, que nunca mais a viu. Não é o único momento que usa da suavidade baiana para se referir a suas ligações com antigos camaradas e a Rússia soviética. “O povo russo é uma gente muito simpática, bonita, alegre. Sinto saudades deles, do período em vivi lá”, contou. Recentemente, disse ter descoberto a existência de duas netas na Rússia. Uma delas, volta e meia, lhe escreve e-mails em português — e torna a desaparecer.

O processo de saída do marxismo, disse Paim, foi igualmente penoso. “Uma coisa é sair do Partido Comunista, outra é sair do marxismo”, explicou. Ele fez a opção deliberada de “passar anos estudando para aprender” e conseguir o rompimento com a antiga ideologia. “O Fernando Henrique não fez isso e continuou se arrastando”, disse. Passou a estudar Kant com um engenheiro alemão, especialista na obra do filósofo. Com ele, disse Paim, fez “terapia kantiana” para se libertar do marxismo. A transição para o liberalismo conservador, brincou, foi igualmente “gradual, lenta e segura”. Por um tempo, flertou com a social-democracia. Contou que só virou liberal mesmo em meados da década de 70, depois de ter estudado como o liberalismo inglês se reformou, ao longo do século XIX, para tornar suas instituições políticas mais representativas.

Paim se disse animado com a perspectiva de dar maior consistência programática às várias propostas liberais que ganharam força nos últimos anos no Brasil. Disse ter o lido o programa do PSL, o partido de Bolsonaro, e o achou “muito bom”. Considera que o novo presidente “tem uma proposta liberal, sem dúvidas”, e que ele pode liquidar o PT, outro porta-voz do que ele chama de “marxismo vagabundo”. Mas mantém um certo ceticismo em relação aos resultados que podem ser alcançados pelo novo governo. “O Brasil elegeu um governo militar-liberal. Tem mais milico lá do que no tempo do Castello Branco. É um arranjo complicado. Você não pode dizer isso a priori, mas pode não dar certo. Depende muito da relação com o Congresso”, disse.

Em relação ao Brasil, Paim disse ter menos ilusões ainda. “Se não houver um cataclismo que mude sua base social, o Brasil jamais será um país desenvolvido”, afirmou. Adepto de uma filosofia que faz uma leitura culturalista das sociedades, ele acha que o obstáculo está relacionado a valores morais desenvolvidos nos tempos do período colonial, quando a Inquisição impediu que o país acompanhasse a Revolução Industrial. “No Nordeste, havia um dito: ‘Não herdou, não roubou, emerdou’. Isso mostra que o ódio ao lucro e à riqueza é um troço arraigado, profundo, no Brasil. A moral social é muito ruim. O grande obstáculo que impede a sociedade liberal no Brasil é a Igreja Católica. A Igreja Católica é hoje uma espécie de Partido Comunista”, disse Paim. Segundo ele, o máximo que o Brasil poderá aspirar em termos de participação da riqueza mundial será como país agroexportador, graças ao sucesso do agronegócio. “E PT Saudações”, completa ele, peremptório.


El País: Os tentáculos de Olavo de Carvalho sobre 57 milhões de estudantes brasileiros

Três discípulos do filósofo ocupam cargos importantes no Ministério da Educação de Bolsonaro. Ideias do pensador da ultradireita devem influenciar políticas da alfabetização às universidades

Por Beatriz Jucá, do El País

Considerado uma espécie de guru intelectual da direita brasileira, o filósofo Olavo de Carvalho emplacou três discípulos em cargos estratégicos do Ministério da Educação sob o presidente Jair Bolsonaro. Além do próprio titular da pasta, Ricardo Vélez, os seguidores Carlos Nadalim e Murilo Resende ocupam, respectivamente, a Secretaria Especial da Alfabetização e a direção da Avaliação da Educação Básica do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Tratados pelo mentor como "olavistas", Vélez, Nadalim e Resende chegam ao poder afinados com as ideias que aprenderam principalmente nos cursos online oferecidos pelo filósofo direitista, e pelos quais já passaram cerca de 12.000 pessoas.

A primeira pasta inédita do Governo Bolsonaro será comandada por Carlos Nadalim, que é mestre em Educação, defensor da alfabetização domiciliar e coordenador da escola de sua mãe, o colégio Mundo Balão Mágico em Londrina.

As ideias de Carvalho  centradas principalmente no fim da "doutrinação ideológica marxista" que diz existir no ensino público do país  devem influenciar as políticas dos próximos quatro anos nas duas pontas da educação brasileira: da alfabetização ao ensino superior, cujo impacto deve recair sobre os cerca de 48,6 milhões de estudantes matriculados nas escolas da educação básica e sobre os pouco mais de 8,3 milhões de alunos do ensino superior (segundo o último Censo Escolar, de 2017).

No centro do discurso de Olavo de Carvalho, estão críticas ferrenhas a Paulo Freire (1921-1997), o educador e filósofo brasileiro mais referenciado em universidades do mundo, nomeado patrono da educação brasileira em 2012, laureado dezenas de vezes com o título doutor honoris causa fora do Brasil. O pedagogo pernambucano, criticado pelo Governo Bolsonaro, defendia a educação como um ato político, mantendo os alunos em contato constante com os problemas contemporâneos no processo educacional. Ainda que não seja o único teórico no qual se apoiam os professores brasileiros, Paulo Freire é um dos principais alvos de crítica de Olavo e também dos seguidores que agora ocupam secretarias complexas no Governo Federal.

Distante dos espaços acadêmicos, Carvalho se construiu como um filósofo outsider. Não tem título universitário, mas é autor de 19 livros e dissemina suas ideias por cursos online e pelas redes sociais, onde expõe posições fortes e que costumam causar controvérsia entre educadores. Defende, por exemplo, que o Governo perca o papel de educador. A constituição brasileira estabelece que municípios são responsáveis prioritários pela oferta pública de educação infantil e pelo ensino fundamental. Já os Estados são responsáveis pelo ensino médio. Para o filósofo, é preciso desregulamentar a educação e resumir o papel do Governo ao de selecionador, pelo qual seria responsável apenas por testes de aprovação baseados na avaliação de três aptidões básicas: ler, escrever e fazer contas. Nesta perspectiva mais ampla, Olavo de Carvalho  que fez o ensino básico em uma escola mantida pela igreja católica  defende um sistema de fundações privadas que subsidiem essas escolas. "Por que tem que ser tudo subsidiado pelo Governo central ou mesmo pelos governos estaduais?", questionou em um vídeo publicado em agosto do ano passado, intitulado Como salvar a educação no Brasil?.

Neste vídeo, Olavo de Carvalho chega a questionar a necessidade de existência do Ministério da Educação e chama de "mágica" uma proposta apresentada por Bolsonaro na campanha, de ampliar as escolas militares, que segundo o presidente teriam melhor qualidade no ensino que as escolas tradicionais. "Isso é uma bobagem. O erro essencial é a ideia de que o Governo central tem que educar a nação. É uma ideia comunofascista que Getúlio Vargas pôs na cabeça do brasileiro", diz.

As críticas feitas à proposta de Bolsonaro durante a pré-campanha eleitoral não impediram que o presidente desse a ele um amplo poder de influência nas políticas educacionais dos próximos quatro anos. Dos Estados Unidos  onde vive desde 2005, o filósofo indicou três nomes para o MEC, inclusive o chefe da pasta, Ricardo Vélez, que segundo ele, "a pessoa que mais entende de pensamento político-social brasileiro" no mundo. No discurso de posse, o ministro destacou sua relação com o olavismo e a "inspiração liberal e conservadora" que deverá representar nas políticas educativas.

Carlos Nadalim assume a recém criada Secretaria de Alfabetização com a função de enfrentar o problema do analfabetismo em todos os níveis de escolaridade —segundo dados do IBGE de 2017, o Brasil ainda possuía quase 12 milhões de analfabetos. Nadalim já foi apresentado por Olavo de Carvalho em vídeos como um dos poucos que de fato educam no Brasil. Coordenador de uma escola em Londrina chamada Balão Mágico, implantou o método fônico de alfabetização  baseado na relação entre as sílabas e os sons para só depois ler frases completas  a pouco mais de uma centena de alunos e apresentou resultados que lhe renderam o prêmio Darcy Ribeiro, da Câmara dos Deputados. Mantém o blog Como educar seus filhos, onde oferece cursos online. Nele, escreveu que seu projeto é "apenas uma nota de rodapé do imenso trabalho" desenvolvido por Olavo de Carvalho. Agora no Governo, tem defendido a ideia de banir métodos globais de ensinar a ler e escrever (associados à teoria construtivista e a Paulo Freire)  para promover o método fônico. Atualmente, não há um único método de alfabetização nas escolas brasileiras, embora a maioria delas utilize o método construtivista.

Na outra ponta do ensino, está o professor de economia Murilo Resende, 36 anos, novo diretor do Inep. É ele o novo responsável pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a principal porta de entrada nas universidades federais brasileiras. Assim como Nadalim, Resende atribui a Olavo de Carvalho seu "amadurecimento intelectual" e oferece cursos online sobre economia e filosofia política a partir da perspectiva conservadora. Ao ser anunciado ao cargo, foi criticado pela falta de experiência na Educação. O próprio presidente saiu em sua defesa, pelo Twitter. "Murilo Resende, o novo coordenador do Enem, é doutor em economia pela FGV e seus estudos deixam claro a priorização do ensino ignorando a atual promoção da 'lacração', ou seja, enfoque na medição da formação acadêmica e não somente o quanto ele foi doutrinado em salas de aula", afirmou. Depois que assumiu o cargo no Governo, Resende desativou o site onde oferecia seus cursos.

Olavo de Carvalho diz que a esquerda exerce o controle do ensino brasileiro, no qual imporia ideias marxistas, especialmente pela predominância das ideias de Paulo Freire, que defende o poder de assimilação maior do aluno pela relação os problemas sociais em vez de valorizar apenas a técnica. Carvalho vai na contramão. Critica, por exemplo, os métodos de alfabetização "introduzidos por essa mesma turma esquerdista nos anos 1970 e 1980, como o socioconstrutivismo, que cria deficiências estruturais de leitura que não se curam nunca mais". Leva anos insistindo que 50% dos formandos das nossas universidades são analfabetos funcionais. De acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) da Ação Educativa, 4% dos que chegam ao ensino superior são de fato considerados analfabetos funcionais, mas apenas 34% alcançam o nível proficiente.


Paulo José Cunha: A direita não é mais aquela!

Comeram a inteligência dela! Larárárá…

A ditadura militar teve um guru. Chamava-se Golbery do Couto e Silva. General e estudioso de geopolítica (tem um livro excelente, embora chatíssimo, sobre o tema), foi um dos principais teóricos da doutrina de segurança nacional, idealizada nos anos 50 na Escola Superior de Guerra e depois exportada para várias ditaduras latino-americanas da época.

Tinha como eixo o apoio ao capitalismo clássico e o combate a qualquer “ideologia exótica”. Por inspiração de Golbery, o primeiro ditador, General Castelo Branco, criou o temido Serviço Nacional de Informações, o SNI, o “Ministério do Silêncio”, a partir de cujas indicações eram cassados mandatos e suprimidos direitos. Mas seus agentes praticaram tantos crimes e arbitrariedades que o próprio Golbery reconheceria, anos depois: “Eu criei um monstro”. Apesar disso, era reconhecido pela sua inteligência e sagacidade. O cineasta Glauber Rocha causou furor ao declarar que Golbery era “o gênio da raça”.

Daquele tempo pra cá a direita brasileira emburreceu muito. Na ampla maioria de seus quadros impera ruidosa imbecilidade e truculência. Ganha uma mariola e um cigarro Yolanda quem se lembrar de um expoente da direta brasileira neste momento a quem se possa atribuir o título de pessoa minimamente inteligente.

O governo de Jair Bolsonaro, que está pra começar, também já elegeu seu guru. É o astrólogo e “filósofo” de botequim (com todo o respeito aos botequins) Olavo de Carvalho. Já indicou alguns ministros do futuro governo e deve ser o oráculo a quem Bolsonaro e sua trupe recorrerão em busca de conselhos nos momentos críticos (e bota crítico nisso) que o futuro governo enfrentará.

Os Estados Unidos apoiam o Estado Islâmico!

Difícil prever o tamanho do desastre que poderá advir se o futuro governo aceitar as indicações de Olavo de Carvalho. Compilando uma coleção das imbecilidades que já proferiu, vale destacar algumas para alegrar o leitor.

Continue a leitura mas por favor não ria muito alto. Pois esse farsante que se diz filósofo foi capaz de afirmar, sem prova alguma, como de resto tem feito em todas as suas declarações, que os Estados Unidos estão trabalhando juntamente com o Reino Unido pela ascensão islâmica mundial! “Eu digo para vocês: o Príncipe Charles é membro de uma tarica. Ele protege um sheik islâmico”. Eu avisei pra não rir. Não me desobedeça!

De outra feita, Olavo de Carvalho disse que existem sinais claros (não disse nem vai dizer quais) de que há um movimento mundial de extinção das religiões, principalmente a católica. Aqui no Brasil, segundo ele, Dilma Roussef e Gilberto Carvalho estão por trás desse trabalho.

Só pra constar, eu, PJC, o locutor que vos fala, não vou com a cara de nenhum dos dois. Mas daí a achar que estão trabalhando pelo fim das religiões no mundo vai uma distância maior do que a burrice posuda de Olavo de Carvalho.

Combustíveis fósseis não existem!

Da coleção de idiotices do sujeito, há uma que chega abaixo do nível do pré-sal. Pois o cabra teve o desplante de dizer, sem se ruborizar nem deixar cair o cigarro, que os combustíveis fósseis... não existem! E com a cafajestice que lhe é peculiar, garantiu que já foram encontrados hidrocarbonetos numa galáxia que fica “na puta que o pariu, onde nunca teve dinossauro nem fóssil, porra”.

Portanto, “combustível fóssil é o cu da sua mãe!”. Eu já mandei você não rir, leitor. Estou começando a me zangar. E afaste as crianças, que aqui tem palavrão!

Uma das principais características de qualquer idiota é acreditar sem checar a fonte ou verificar as provas. Olavo de Carvalho afirma com absoluta convicção que a Pepsi-Cola “está usando células de fetos humanos. E essa denúncia foi para uma agência do governo, que não sei o nome, e ela disse que isso é um procedimento comercial normal! Portanto, ao beber Pepsi-Cola você é um abortista terceirizado”.

Olha, se você continuar a rir eu juro que paro esta coluna bem aqui!

Das pérolas olavianas, uma das mais criativas e basbaques é a afirmação dele de que não existe qualquer prova de que o sistema descoberto por Copérnico (sol ao redor do qual giram planetas, ao redor dos quais giram satélites) seja real. Mais adiante, na mesma entrevista, Olavo, o Gênio, afirma com todas as letras que Albert Einstein, diante da falta de provas para confirmar o sistema copernicano preferiu modificar a física inteira. E introduziu conceitos como a curvatura do espaço, que o gênio Olavo diz não ter entendido. Eu, o locutor que vos fala, também não entendo. Mas Einstein é Einstein. E eu sou apenas um pobre diabo, que Olavo, o Sábio, não admite ser.

Teria a consciência vindo do dedão do pé?

Ele afirmou também, com toda a convicção, que não há nenhuma prova de que a consciência seja causada pelo cérebro. Mas não disse de onde ela poderia vir. No caso dele, suspeito que a consciência tenha vindo, sei lá, do dedão do pé.

Esse lunático afirma sem perder a pose de sabichão, entre outras sandices, que “a história da origem das ciências é tudo empulhação, não foi nada disso que aconteceu”. Caramba, quando vai parar de rir, cacete!

Agora eu vou deixar você rir um pouquinho, porque essa é ótima: “A União Soviética foi quem armou a Alemanha nazista, em segredo. Não haveria nazismo nem Alemanha nazista se não fosse o plano de Stálin de usar a Alemanha nazista como ponta-de-lança da revolução. O Stálin planejou toda a Segunda Guerra usando os nazistas como instrumentos, isto está mais do que provado!”

Pronto, já riu o suficiente. Agora, é pra ficar sério, senão eu vou continuar a lhe fazer cócegas. A última dele foi dizer que “o fundador do Haiti dedicou o país a Exu, daí os terremotos que destruíram o país. Da mesma forma como Louisiana, devastada pelo furacão Katrina, é a central da macumba nos Estados Unidos”. E conclui dizendo que os negros americanos são os mais felizes do mundo porque, em sua maioria, são protestantes... Baianos, fujam já daí que a qualquer momento pode ocorrer um terremoto ou um furacão mais forte do que Ivete Sangalo que vão devastar a Bahia!


El País: Olavo de Carvalho, o Brasil só fala dele

Ignorado nas universidades do país e tido como figura folclórica da direita nas redes sociais, filósofo sai da obscuridade ao indicar dois ministros do novo Governo

O homem por trás da indicação de dois dos mais importantes ministros do governo Jair Bolsonaro não é militar nem político. Não lidera qualquer bancada de deputados na Câmara nem é porta-voz de uma frente parlamentar temática que apoie o capitão reformado do Exército, como a Evangélica ou a Agropecuária. Aos 71 anos, Olavo de Carvalho vive desde 2005 nos Estados Unidos, de onde ministra cursos de Filosofia que são transmitidas por vídeos na Internet. Até pouco tempo atrás era tratado como uma espécie de caricatura da extrema direita e do neoconservadorismo no Brasil, mas algo definitivamente mudou com a eleição de Bolsonaro para a presidência da República. Não só descobriu-se que Carvalho é o guru intelectual de alguns dos mais próximos assessores do presidente eleito, como ele mesmo foi o padrinho direto das nomeações de Ernesto Araújo para comandar o Ministério de Relações Exteriores e de Ricardo Vélez Rodríguez para o Ministério da Educação (MEC).

A chamada nova direita que chegou ao poder pelas mãos de Bolsonaro, que mistura a defesa do liberalismo econômico com o conservadorismo moral, tem no filósofo brasileiro Olavo de Carvalho uma clara referência intelectual. Tanto Flávio Bolsonaro, senador eleito pelo Rio de Janeiro e filho do futuro presidente do Brasil, quanto seu irmão Eduardo já foram a Richmond, na Virgínia, e participaram de transmissões no YouTube ao lado dele. A lista de seguidores não para por aí: também estão entre os discípulos de Carvalho personagens como o blogueiro de direita Felipe Moura Brasil e a deputada federal eleita por São Paulo Joyce Hasselmann, do mesmo partido do presidente eleito.

"Muito embora não seja um acadêmico, o Olavo de Carvalho é um intelectual de influência considerável na opinião pública brasileira. E já exerce uma atividade intelectual há várias décadas, primeiro como articulista em grandes jornais e depois nas redes sociais, onde ele difunde o seu pensamento e encontra os seus aderentes", explica Alvaro Bianchi, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Apesar de ressalvar que "há pouca verdade" na narrativa filosófica apresentada por Carvalho, Bianchi explica que ela se mostra persuasiva e eficaz por abordar "os medos e as inseguranças do homem comum perante as transformações do mundo contemporâneo."

Além de filósofo, Olavo de Carvalho é escritor —são 18 livros, segundo seu perfil no Twitter—, conferencista e jornalista. Ele se apresenta como um intelectual (venerado por seu apoiadores como a mente que se rebelou contra um suposto monopólio do pensamento de esquerda na imprensa e na academia brasileira), mas construiu sua carreira sempre de costas para os círculos universitários (não tem, por exemplo, um título acadêmico formal e boa parte do seu trabalho concentra-se justamente em desqualificar a academia).

O desprezo parece ser recíproco nas faculdades brasileiras, onde a obra de Carvalho é praticamente ignorada ou tratada como algo sem valor científico. "Na minha geração e entre os meus colegas ninguém leu Olavo de Carvalho. [Ele] é absolutamente irrelevante do ponto de vista filosófico", afirma José Arthur Giannoti, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) e membro fundador do Centro Brasileiro de Análise e Plenajemento (Cebrap). "Não tenho nenhum interesse em ler o Olavo de Carvalho, a não ser [para] explicar como é que a nova direita o tenha como um ídolo e que tanta gente no Brasil seja influenciado por ele", acrescenta.

Olavo de Carvalho na Virgínia (EUA), em cena de 'O jardim das aflições'.
Olavo de Carvalho na Virgínia (EUA), em cena de 'O jardim das aflições'. REPRODUÇÃO

A imagem de outsider entre a intelectualidade brasileira só é reforçada pelo seu passado pouco ortodoxo. Na década de 80 deu cursos de astrologia e, por aqueles tempos, chegou a fazer parte de uma confraria mística muçulmana (tariqa). Hoje denuncia em vídeos o que considera o perigo da islamização do Ocidente e o abandono de valores judaico-cristãos.

O sucesso que Olavo de Carvalho atingiu na nova direita brasileira, ao ponto de converter-se num fenômeno editorial e alcançar o status de um verdadeiro guru, se deve principalmente à sua militância online ao longo dos últimos anos. Ele mantém um perfil no Facebook que conta com mais de 543.000 seguidores. Para além disso, disponibiliza em sua web oficial um seminário de filosofia —"o único que pode ajudar você a praticar a filosofia em vez de apenas repetir o que outras pessoas, ilustres o quanto se queira, disseram a respeito dela"— com videoaulas e cuja mensalidade custa 60 reais.

Os temas dos vídeos publicados por Carvalho na Internet são vários. Já definiu o ex-presidente Lula como "líder supremo do comunismo latino-americano"; considera o Foro de São Paulo, fórum criado nos anos 90 que reúne partidos de esquerda da América Latina, "a maior organização política que já existiu no continente"; classificou o fascismo de "variante do movimento socialistas" e afirmou que "ideologia de gênero, abortismo e gayzismo" são parte de uma "revolução cultural" coordenada por esquerdistas.

Nas publicações, não raro as suas análises se misturam com teorias conspiratórias de procedência duvidosa —ou em alguns casos comprovadamente falsas. Em um texto de novembro de 2008 intitulado Milagres da fé obâmica, por exemplo, Olavo de Carvalho descreve Barack Obama, então o presidenciável democrata prestes a arrematar a Casa Branca, como um político "apoiado entusiasticamente pela Al-Qaeda, pelo Hamas, pela Organização de Libertação Palestina, pelo presidente iraniano [Mahmoud] Ahmadinejad, por Muammar Khadafi, por Fidel Castro, por Hugo Chávez e por todas as forças anti-americanas, pró-comunistas e pró-terroristas do mundo, sem nenhuma exceção visível."

Num episódio mais recente, já na última campanha presidencial brasileira, Carvalho publicou em suas redes sociais uma mensagem na qual afirmava que Fernando Haddad, candidato do PT que acabou derrotado, fez em um livro apologia à prática do incesto. O conteúdo da postagem, posteriormente apagada por Carvalho, foi considerado mentiroso por sites de checagem de informações no Brasil.

Para Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e organizadora do livro Ódio como política (editora Boitempo), assim como ocorreu no caso de Bolsonaro, a força de Olavo de Carvalho no movimento neoconservador brasileiro só pode ser entendido a partir do fenômeno das redes sociais. "[Ele] é a típica pessoa que soube se capitalizar com base nesse novo formato de se comunicar: fácil, rápido, polêmico e combativo", afirma. "Ele sabe se comunicar com base em frases polêmicas, conteúdos curtos, mensagens fáceis e ataques. É a forma comunicativa do best seller, daquele palestrante que tem um conteúdo muito simples e mastigado. Uma coisa fácil, polêmica e que faz sucesso."

Guerra cultural

Se em seus textos e vídeos Olavo de Carvalho mostra-se como alguém que transita com naturalidade entre diversos temas filosóficos e da atualidade, um assunto parece merecer sua atenção especial. Trata-se da ideia de "marxismo cultural", teoria conspiratória difundida em diversos círculos de extrema direita ao redor do mundo. Basicamente, ela se apropria de textos do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci para atacar uma suposta infiltração do pensamento comunista em diversas instituições culturais —de escolas e universidades à própria imprensa— com o fim de destruir valores civilizatórios.

Carvalho trata de adaptar essa teoria ao contexto brasileiro. Há gravações na Internet nas quais ele diz que essa ação coordenada de avanço da esquerda sobre as instituições brasileiras ocorreu a partir do golpe militar de 1964. "Na estratégia do [Antonio] Gramsci [filósofo marxista italiano] a maior parte da militância envolvida não saía pregando ideias comunistas. Ao contrário, [ela] atacava pontos específicos que representavam pilares da civilização, como a própria ideia de família, moral sexual e as bases do direito penal e civil", diz Carvalho em um dos seus vídeos. "Gradativamente eles [comunistas] foram ocupando todos os espaços. Para se fazer uma ideia de como levaram isso a sério, no tempo do governo militar a esquerda já dominava a imprensa brasileira inteira. Você não tinha um jornal cujo diretor de redação não fosse comunista", conclui. A teoria propagada por Carvalho pode ter pouco ou nenhum amparo entre historiadores e especialistas, mas encontra solo fértil no neoconservadorismo brasileiro.

De acordo com Bianchi, da Unicamp, Carvalho "reciclou" para o contexto brasileiro "de modo bastante eficaz" um assunto que começou a ser discutido nos Estados Unidos na década de 70. "A ideia de um marxismo cultural que estaria ameaçando os valores e as tradições intelectuais das nossas sociedades é um tema recorrente no debate político norte-americano já há bastante tempo", diz o professor. Para Bianchi, que estuda justamente a obra de Gramsci, não há dúvidas de que as teses apresentadas por Carvalho nessa área são teorias conspiratórias. "Ele [Olavo de Carvalho] atribui um peso ao marxismo nas universidades brasileiras que simplesmente não existe", pontua.

A ascensão de Bolsonaro tirou Olavo de Carvalho das sombras e o colocou como uma das figuras centrais para compreender o que pensam tanto o capitão reformado do Exército quanto algumas pessoas do seu círculo de confiança. Carvalho tem sido alvo de elogios do secretário de relações internacionais do partido do presidente eleito (PSL), Filipe Martins. "O imaginário do jornalista brasileiro médio não é capaz de abarcar um homem de pensamento, dedicado à vida interior e à construção de uma vida bem examinada, como Olavo de Carvalho", publicou Martins recentemente no Twitter.

Para além disso, Carvalho já provou todo o alcance da sua influência sobre Bolsonaro. Na formação do novo governo, o filósofo conseguiu emplacar dois nomes na Esplanada dos Ministérios, justamente os de perfil mais ideológico. Ernesto Araújo, por exemplo, é um diplomata que, à frente das Relações Exteriores, promete combater o "alarmismo climático" e as "pautas abortistas e anticristãs em foros multilaterais", segundo um artigo que ele publicou na semana passada no jornal Gazeta do Povo. Os dias em que Carvalho era retratado apenas como um excêntrico agitador de direita nas redes sociais, sem maiores consequências, ficaram para atrás.


Eliane Cantanhêde: Sujeito (não tão) oculto

Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes

Assim como o “Escola sem Partido” significa na verdade trocar um partido por outro, a nova ordem está trocando a “ideologização da esquerda” pela “ideologização da direita”, sob a mesma inspiração, grandiloquência, antipetismo, atingindo em cheio duas das áreas mais sensíveis: Relações Exteriores, com o diplomata Ernesto Araújo, e Educação, com o filósofo Ricardo Vélez Rodríguez.

A inspiração vem de fora, do também filósofo Olavo de Carvalho, ideólogo da direita brasileira, que mora desde 2005 nos Estados Unidos, tem Twitter em inglês e já avisou que até topa um cargo no governo do qual ele é mentor, mas com uma condição: que seja lá, nos EUA, como embaixador. O PT já era e Jair Bolsonaro está chegando, mas bom mesmo continua sendo a Virgínia.

Assim como Ernesto Araújo causou enorme perplexidade ao ver o “globalismo” como complô interplanetário liderado pela “China maoista” para exterminar o Ocidente e os valores cristãos, Vélez Rodríguez se coloca como um Dom Quixote na guerra pela preservação do “valores tradicionais de nossa sociedade”. Ambos, aliás, pelo mesmo veículo: seu blog anti-PT e pró-Bolsonaro.

Professor emérito da Escola de Comando do Estado Maior do Exército e professor colaborador de Pós-graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora, o futuro ministro da Educação se destaca por ser contra o PT, o Enem, as cotas, a ideologia de gênero e, claro, a favor do “Escola sem Partido”, mas sem pressa.

Nascido na Colômbia, está convencido de que as escolas brasileiras vêm sendo usadas para impor à sociedade uma doutrinação marxista e desmontar os valores tradicionais “no que tange à preservação da vida, da família, da religião, da cidadania, em suma, do patriotismo”.

Ou seja: na visão do novo governo, o Itamaraty e as escolas estão infestados de comunistas, contaminados pela ideologia marxista, servindo de instrumentos para o “climatismo” e o “antinatalismo”, conceitos criados por Araújo para explicar como os ambientalistas, abortistas e ateus se articulam para, ardilosamente, destruir o mundo.

No “Novo Brasil”, portanto, há o risco de expurgos, dedos em riste, dossiês, acusações, suspeitas, danças estonteante de cadeiras, sabatinas para apurar a ideologia de servidores e professores concursados e “depurar” o Estado. Ou é só impressão, um temor delirante? Tomara que sim.

Num campo mais concreto: assim como o futuro chanceler deve explicações sobre como projetar a imagem do Brasil, atrair investimentos, melhorar as condições de comércio e fortalecer parcerias, espera-se que o ministro da Educação diga com clareza o que ele pretende fazer pela... educação.

Pela valorização dos professores, qualidade do aprendizado, a escola como fator de igualdade de oportunidades, a qualificação dos jovens, a excelência das universidades. No primeiro texto depois de anunciado, ele prometeu focar nos municípios, na perspectiva individual e nas diferenças regionais. E terminou com a saudação bolsonarista: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”.

Com Mozart Neves, sabia-se o que ele significava e pretendia, porque ele não divaga sobre ideologias e ameaças fantasmagóricas e é, sim, uma reluzente referência do Instituto Ayrton Senna. Precisa dizer mais? Por isso, foi descartado com tanta ligeireza e escorraçado pela bancada evangélicas, que testou forças e ganhou.

Talvez fosse melhor Jair Bolsonaro trocar a metafísica do distante Olavo de Carvalho pelos critérios de Paulo Guedes. Vamos combinar que as escolhas do ministro da Fazenda para salvar a economia do País estão sendo bem mais pragmáticas, úteis e consensuais do que as do filósofo erudito para salvar o mundo e o Brasil dos próprios demônios dele.


Bernardo Mello Franco: O olavismo passou de piada a doutrina oficial de governo

O ideólogo Olavo de Carvalho já havia emplacado um trumpista no Itamaraty. Agora escolhe o ministro da Educação, que repete suas teses sem usar os palavrões

Jair Bolsonaro correu o risco de acertar na escolha do ministro da Educação. Mozart Ramos tinha currículo para o cargo. Ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco, hoje diretor do Instituto Ayrton Senna, conquistou respeito no meio privado e na academia. Sua indicação parecia boa demais para ser verdade. E era.

O educador foi vetado pela bancada evangélica, aliada do presidente eleito. “Somos totalmente contra o nome dele”, resumiu o deputado Sóstenes Cavalcante. Ele participou da comitiva que foi do Congresso ao CCBB, quartel-general do futuro governo, para torpedear a nomeação que já era dada como certa.

A pressão funcionou. Ontem Bolsonaro cancelou a reunião que selaria a escolha de Ramos. Em seu lugar, recebeu o procurador Guilherme Schelb. As credenciais do novo ministeriável eram desconhecidas. Em poucos minutos, o enigma se desfez: ele havia virado propagandista do projeto Escola Sem Partido.

Sem deixar a Procuradoria, Schelb se tornou um ativista de rede social. No Facebook, sustenta que há um complô para “doutrinar” e “erotizar” criancinhas nas escolas. Entre seus alvos, estão a ministra Cármen Lúcia, a atriz Fernanda Lima e o ex-presidente Barack Obama.

É uma militância lucrativa. Ele mantém um site para agendar palestras e vender o curso on-line “Família educa, escola ensina”. Um lote de cartilhas sai por R$ 1.700. O pastor Silas Malafaia apoiou sua nomeação com entusiasmo. “Esse é o cara!”, vibrou, no Twitter.

O lobby evangélico bateu na trave. À noite, Bolsonaro anunciou a nomeação de Ricardo Vélez Rodríguez. Apresentou-o como “filósofo autor de mais de 30 obras, atualmente professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército”. Esqueceu de apontar o pai da indicação: o ideólogo e polemista Olavo de Carvalho.

O guru ultraconservador já havia emplacado o trumpista Ernesto Araújo nas Relações Exteriores. Agora apadrinha o ministro da Educação, que repete suas teses reacionárias com a vantagem de não usar palavrões. O olavismo passou de piada a doutrina oficial de governo. Parece ser a hora de adaptar um lema de outros tempos: “Chega de intermediários, Olavo para presidente!”.