o tempo

Marcus Pestana: Pacote Moro, desarmamento e segurança pública

Não há dúvidas que dois foram os vetores principais a desencadear o tsunami de 2018 e impulsionar as escolhas feitas: a repulsa radical à corrupção e a sensação de insegurança que tomou conta da população diante do crescimento do crime organizado.

Em 2018, foram 51.589 homicídios, representando uma taxa de 25 mortes por cada 100 mil habitantes. Taxa muito alta para os padrões internacionais. Temos baixa capacidade de investigação e esclarecimento de crimes. O processo judicial é lento. O sistema penitenciário é uma tragédia. Temos um déficit de vagas estimado em 288 mil.

A sociedade demanda mais segurança. Mas, mais uma vez, estamos fazendo uso da máxima sobre problemas complexos e soluções simples e equivocadas.

A tentação para abordagens demagógicas sobre o tema foi reforçada no debate nacional por uma parte das lideranças da chamada “nova política”, que vocalizou visões do tipo: “bandido bom é bandido morto”, “precisamos armar o cidadão de bem”.

Diante da forte demanda social por mais segurança, o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional um conjunto de medidas já conhecidas como “Pacote Moro”.

Recentemente participei de um debate promovido pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade – RAPS e pelos Institutos Igarapé e Sou da Paz, com a presença de diversos senadores e deputados federais. De tudo o que foi dito, concluí: não é um “pacote” de segurança pública, mas de qualificação da repressão já que é centrado no agravamento das penas, mesmo diante de um sistema penitenciário em crise, que serve mais à morte e como manancial de recrutamento para as organizações criminosas, do que para a recuperação e reinserção social dos que transgridem as leis.

Não cuida da prevenção em nenhum nível: seja no plano educacional e familiar, seja no fortalecimento das estruturas policiais e estratégias de dissuasão ou no, plano terciário, em evitar a reincidência. Não avança o SUSP e nem revoluciona o processo penal. Não cuida da integração das polícias e não fortalece alternativas como as APACs e as PPPs para construção e manutenção de presídios. O viés principal é o aumento de penas, o que já se revelou ineficaz.

O pior de tudo é que paralelo a tudo isto, o Governo Federal publicou decreto presidencial, considerado inconstitucional por muitos, desmantelando o Estatuto do Desarmamento e flexibilizando a posse e o porte de armas. Moro ficou distante, quase omisso, neste debate.

Cabe realçar a iniciativa de onze ex-ministros da Justiça e da Segurança Pública de publicar na Folha de São Paulo, no dia 4 de junho de 2019, a sua “Carta aberta pelo controle de armas”. Lá está dito:

“O controle de armas e munições é uma agenda central para o enfrentamento do crime organizado e para a redução de homicídios”... “Apesar desses avanços, agora se articula o desmantelamento de uma lei largamente discutida, democraticamente votada e universalmente executada por diferentes governos”... ”Como ex-ministros e cidadãos, estamos convencidos de que ampliar o acesso às armas e o número de cidadãos armados nas ruas, propostas centrais dos decretos publicados pelo Executivo federal, não é solução para a garantia de nossa segurança, de nosso desenvolvimento e de nossa democracia”.

Tudo indica que na questão vital da segurança pública, estamos pegando o atalho errado.


Marcus Pestana: O Código Florestal, a produção e a sustentabilidade

Insegurança jurídica é um dos grandes empecilhos no Brasil

A semana foi movimentada em Brasília. Não só foi aprovada a Medida Provisória (MP) 870, que reestrutura a máquina administrativa do governo federal, como também outras MPs foram apreciadas na data-limite em que venciam suas vigências.

Para o setor ambiental, no entanto, o resultado não foi bom. Não só caducou a MP 877, que estabelecia o novo Marco Regulatório para o Setor de Saneamento, como se estabeleceu enorme polêmica acerca da MP 867, que previa inicialmente apenas a prorrogação de prazos para a efetiva implantação do Código Florestal, votado em 2012.

A discussão sobre a convivência entre crescimento econômico e preservação ambiental não é nova. Antes da década de 70, a preocupação não era central. Apenas em 1972 foi realizada a 1ª Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, em Estocolmo. Em 1992, promovemos no Brasil a Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. O Brasil assumia protagonismo no tema em escala global.

Em 2012, num dos momentos mais marcantes de minha passagem pela Câmara, tivemos uma rica experiência de exercício da democracia, com um intenso debate entre ambientalistas e setor produtivo, e conseguimos aprovar o Código Florestal. O relator da matéria, o então deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), conseguiu produzir uma síntese equilibrada entre o estímulo à produção rural e a proteção ao meio ambiente.

Passaram-se sete anos. Ao final do governo Temer, foi enviada a MP 867, que em seu texto original de poucos artigos previa apenas a prorrogação dos prazos para o cadastramento voluntário dos produtores rurais, passo inicial para a implantação dos programas de regularização ambiental.

Mas a Comissão Especial Mista introduziu uma infinidade de emendas ao texto que resultaram num projeto de conversão em lei que adulterava de forma radical a lógica do Código Florestal.

A Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps) e a Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura promoveram um intenso debate sobre os riscos presentes em tal retrocesso.

Primeiro, seria uma traição à esmagadora maioria de produtores rurais que, voluntariamente, se cadastraram, preparando o terreno para a implantação de seus programas de regularização ambiental.

Segundo, a insegurança jurídica é um dos grandes empecilhos no Brasil à retomada do desenvolvimento. Como obter um ambiente de confiança e credibilidade se leis estruturantes, configuradas em códigos, longamente debatidas, são alteradas por “caronas” em MPs, que têm rito sumário de deliberação em 120 dias de tramitação legislativa e se prestam apenas para matérias urgentes? É uma contradição o Congresso Nacional adotar esses expedientes diante de sua demanda histórica de limitar as MPs e recuperar suas prerrogativas.

As mudanças introduzidas têm implicações na credibilidade do país, afetam acordos internacionais, anulam a Lei da Mata Atlântica, anistiam o desmatamento de vastas áreas e carregam uma visão atrasada de antagonismo entre geração de renda, produção e emprego e a preservação ambiental.

Felizmente, o Senado Federal se negou a votar de afogadilho tema tão complexo. Tomara que um diálogo mais profundo nos leve a bom porto e preserve o protagonismo do Brasil na questão ambiental e a sustentabilidade necessária para o nosso desenvolvimento.


Gaudêncio Torquato: Os enviados de Deus

Governantes que precisam apelar

Muitos governantes invocam o nome de Deus como escudo, registra a história. Em seu reinado, o ditador Franco, “caudillo da Espanha pela Graça de Deus” referia-se sempre à Providência Divina: “Deus colocou em nossas mãos a vida de nossa Pátria para que a governemos”. A fascista Falange Espanhola o declarou “responsável perante Deus e a história”.

Monarcas justificam tudo pelo direito divino, independentemente da vontade dos súditos. Hassan II, no Marrocos, se declarava descendente do profeta Maomé: “Não é a Hassan II que se venera, mas ao herdeiro de uma linhagem dos descendentes do profeta Maomé”.

Hirohito, imperador do Japão de 1926 a 1989, era visto como divindade. Criou uma aura, distante da população que viveu guerras e mortes. Vestia-se como um “imperador divino e perfeito”, descendente da deusa do sol, Amaterasu.

O ditador Idi Amin Dada, de Uganda, garantia ao povo que conversava com Deus em sonhos, espécie de aval aos seus atos. Um dia perguntaram: “o senhor conversa com frequência com Deus”? Ele: “Sempre que necessário”. Já em Gana, os eleitores cantavam assim a figura de Nkrumah: “o infalível, o nosso chefe, o nosso Messias, o imortal”.

Aqui se eleva aos céus a figura de Jair Bolsonaro. A quem um pastor evangélico do Congo, Steve Kunda, assim se refere: “Na história da bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus. Um exemplo, o imperador da Pérsia, Ciro. Antes do seu nascimento, Deus fala através de Isaías: ‘Eu escolho meu sérvio Ciro’. E o senhor Bolsonaro é o Ciro do Brasil”.

O nosso Messias jogou o vídeo nas redes sociais. E entoou: “Brasil acima de tudo; Deus acima de todos”.

Para reforçar, o bispo Edir Macedo pede que Deus ‘remova’ quem se opõe a Bolsonaro, acusando políticos de tentarem “impedir o presidente de fazer um excelente governo”.

O fato é que os governantes em países atrasados culturalmente e até desenvolvidos organizam seu próprio culto. Querem a imprensa cultivando sua imagem de herói, Salvador da Pátria, Super-Homem, Pai dos Pobres, Enviado dos Céus. Nietsche já alertava contra tal esperteza: “o super-homem destrói os ídolos, ornando-se com seus atributos. A apoteose da aventura humana é a glorificação do homem-Deus”.

Essa mania do parentesco com Deus ressurge na onda direitista e populista que se espraia pelo planeta, incluindo Hungria, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca, Filipinas, Turquia e, claro, os Estados Unidos de Donald Trump.

Esses governantes assumem comportamento autoritário, criam estruturas próprias de comunicação, formam alas sociais amigas e inimigas, fustigam a imprensa. Tentam impedir a mídia tradicional de cumprir sua missão de apurar os fatos, vigiar e cobrar dos poderes públicos.

Cortam investimentos publicitários, extinguem empregos e investem no “achismo” das redes sociais. Os efeitos brotam: perda de credibilidade na informação; formação de exércitos na guerra da contrainformação; apartheid social.

No meio do turbilhão, Jair ataca a imprensa e os políticos e, quem sabe, pensa subir ao trono das divindades. Já tem até identidade: afinal, Messias é seu sobrenome.

*Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP e consultor político


Marcus Pestana: O radicalismo ideológico e a revolução educacional necessária

Precisamos de ideias claras e projetos consistentes

A prioridade para a educação povoa, desde que o mundo é mundo, o discurso dos líderes políticos. Quase sempre de forma apenas retórica, vazia, carente de diagnósticos precisos e estratégias corretas de transformação efetiva da realidade. É preciso levar a discussão educacional para além dessa usual torrente de obviedades, platitudes e boas intenções.

Mas se o problema fosse só a superficialidade do debate ou a ineficácia das políticas públicas, estaríamos numa plataforma melhor para a virada do jogo. Mas não. Como se não bastassem os graves problemas presentes, a educação brasileira patina, neste exato momento, no pântano do radicalismo ideológico que teima em tirar o foco das questões essenciais e substantivas.

Na última quarta-feira, dezenas de milhares de pessoas em mais de 200 cidades foram às ruas contra cortes orçamentários nas universidades. Não eram apenas eleitores da oposição a Bolsonaro. É verdade que a esquerda universitária e o movimento sindical dos professores têm dificuldade de aceitar a legitimidade de Bolsonaro, que, gostemos ou não, é o presidente de todos os brasileiros, democraticamente eleito. Mas o governo também demonstra dificuldades de abandonar a retórica de palanque, o que ficou claro nas atitudes do ministro da Educação, que se esmerou em apagar incêndio com mais gasolina, e na frase do presidente chamando os manifestantes de “idiotas úteis”.

À margem disso tudo, está a vida real: o cotidiano das crianças e dos jovens no sistema educacional brasileiro. No ranking internacional Pisa, que mede o desempenho da educação em 73 países, não estamos bem na foto: 59º lugar em leitura, 63º em ciências e 65º em matemática. Temos 27% de analfabetos funcionais entre os brasileiros de 15 a 65 anos. A cobertura de creches para a primeira infância, que – está provado – é o período que define a capacidade de desenvolvimento cognitivo e dos talentos e habilidades das crianças, não cobre um terço da necessidade. A evasão no ensino médio é ainda grande.

Mais do que guerrilha ideológica, parta de onde partir, precisamos de ideias claras, projetos consistentes, ações concretas, certo pragmatismo e boa gestão. Menos retórica ideológica, mais ação transformadora. A receita para uma boa educação não é nenhum segredo ou fórmula mágica. Avaliação de desempenho, qualificação e valorização de professores, foco em metas e prêmio por resultados, mobilização e participação intensa das famílias, descentralização e fortalecimento das diretorias para que a escola seja menos estatal e mais comunitária, introdução de novas tecnologias pedagógicas para que o quadro- negro possa competir com a “lan house”, transformação da escola num ambiente lúdico e acolhedor que mobilize a atenção das crianças e dos jovens. Ou seja, há bússolas e planos de ação baseados em evidências nacionais e internacionais e em experiências exitosas mesmo em municípios pobres como Sobral, no Ceará, e Teresina, Oeiras e Cocal dos Alves, no Piauí, que não deixam o pessimismo tomar conta e mostram que outra educação é possível.

Educação é cidadania, cultura, dignidade, qualificação de capital humano, aumento de produtividade. Em última instância, só ela pode transformar o Brasil. Chega de baboseira ideológica rasteira, vamos arregaçar as mangas e dar uma guinada na educação brasileira.

*Marcus Pestana é secretário geral do PSDB


Marcus Pestana: Cultura é identidade, entretenimento e produção

Ela é a alma da sociedade, 'existe porque a vida não basta'

A cultura de um povo é traço constitutivo da identidade de uma nação. É a alma da sociedade. Leonardo da Vinci disse certa vez: “A arte diz o indizível, exprime o inexprimível, traduz o intraduzível”.

A contínua necessidade humana de se expressar artística e culturalmente atravessou os tempos. Para Shakespeare, “a arte é o espelho e a crônica da sua época”. O poeta Ferreira Gullar arrematou: “A arte existe porque a vida não basta”.

A produção cultural e artística brasileira está em xeque, numa discussão distorcida pelo sectarismo e por um ambiente ideológico regressivo e radical.

O Brasil é um dos países mais ricos, culturalmente falando. Que outro país tem a nossa musicalidade? Noel Rosa, Pixinguinha, Ernesto Nazareth, Heitor Villa-Lobos, Cartola, Milton Nascimento, Paulinho da Viola, Tom Jobim, Chico Buarque de Hollanda, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Egberto Gismonti, Luiz Gonzaga e tantos outros formam uma constelação invejável. Nas artes plásticas, temos Cândido Portinari, Emiliano Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, Alberto da Veiga Guignard, Carlos Bracher, Cildo Meireles, Adriana Varejão, Alfredo Volpi e tantos outros poetas das cores e dos pincéis. Nas telas, vamos de Glauber Rocha a Cacá Diegues, de Nelson Pereira dos Santos a Bruno Barreto, de Fernando Meireles a Walter Salles. Sem falar em nossa excepcional teledramaturgia. No balé, como não se emocionar com a trajetória do Grupo Corpo ou de Deborah Colker? Como seria a vida sem Fernanda Montenegro, Marília Pera, Bibi Ferreira, Paulo Gracindo, Paulo Autran? Como imaginar Minas e o Brasil sem o Inhotim, o Masp, o MAM, o Museu Imperial de Petrópolis, o Museu Mariano Procópio, o Museu de Artes e Ofícios? E eventos como o Festival de Cinema de Tiradentes ou a Flip em Parati? Sem falar em Machado de Assis, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade e tantos mestres da palavra. Será que queremos tocar fogo em nosso belo patrimônio cultural, assim como aconteceu com o Museu Nacional do Rio de Janeiro?

As leis de incentivo à cultura, Rouanet e Audiovisual à frente, estão sob artilharia pesada. Mudanças eram necessárias. Assisti ao Cirque du Soleil, nem por isso acho que a renúncia fiscal deveria financiá-lo. Acredito também que é preciso descentralizar os investimentos concentrados na região Sudeste. Artistas que têm alta performance em bilheteria não deveriam ser beneficiados. É justo que os projetos incentivados gerem contrapartidas sociais no importante trabalho de formação de público. Mas daí a crucificar nossos artistas e produtores culturais por preconceitos ideológicos vai uma grande distância.

A produção artística não tem apenas a dimensão cultural e de entretenimento. É também importante cadeia produtiva que gera empregos, renda, impostos e produtos de exportação. Estudo da Fundação Getúlio Vargas demonstrou que cada real investido pela Lei Rouanet – hoje demonizada – gerou R$ 1,59 para a economia brasileira. Os 53.368 projetos injetaram, em 27 anos, R$ 49 bilhões em nossa economia. São mais de 220 mil trabalhadores formais na criativa economia cultural.

Só no setor audiovisual (filmes, vídeos, games, séries) há 16 mil empresas, 300 mil empregos diretos e indiretos gerados e ele cresce 9,3% ao ano numa economia estagnada pela recessão.

Portanto, “devagar com o andor que o santo é de barro”. Não vamos, nessa maniqueísta e desqualificada luta entre “nós” e “eles”, destruir a rica, bela e densa cultura brasileira.

*Marcus Pestana é secretário geral do PSDB


Marcus Pestana: O complexo desafio do emprego no mundo da inovação

Na última semana, refleti sobre valores abstratos e subjetivos essenciais para nossa vida, tais como, ética e liberdade. Mas, longe de qualquer determinismo economicista, é preciso reconhecer que a vida humana é movida primariamente por necessidades muito concretas e objetivas, como a própria sobrevivência.

Desde as comunidades primitivas, o processo de trabalho vem se sofisticando. Das sociedades coletoras nômades até a era da Internet e dos robôs, o mundo do trabalho foi sacudido por ondas de inovação que revolucionaram as formas de organização produtiva. O crescimento da economia com base no aumento dos investimentos e do consumo, por si só, garantia o aumento geral do bem estar, do emprego e dos salários.

Isto não é mais verdade absoluta na economia do século XXI, após o choque de inovações trazido pelas novas tecnologias e as mudanças na produção de bens e serviços.

Precisamos reciclar a discussão no Brasil. Vários dos debates presentes – previdência, reforma tributária, estratégias de desenvolvimento – estão olhando pelo retrovisor, sem considerar a mudança de paradigma acontecido no mundo e no país, onde a economia, organizada pelo mercado maestro dos fatores de produção e com forte presença do Estado nacional, foi substituída por novos arranjos produtivos num mundo globalizado.

Nossa situação é extremamente complexa. Além dos problemas oriundos das características globais do novo mundo produtivo, que saltam aos olhos no UBER, nos caixas eletrônicos ou na robotização das fábricas, temos um desarranjo conjuntural.

Fechamos 2018 com 12,2 milhões de desempregados, ou seja, 11,6% foi a taxa de desemprego. Chegamos a 13,7% no primeiro trimestre de 2017, após a brutal recessão dos anos Dilma. Além disso, tínhamos, em dezembro, 6,9 milhões subempregados, 4,7 milhões desalentados - os que desistiram de procurar emprego – e 3,2 milhões que poderiam estar trabalhando, mas que por motivos variados não estão - ex: mulheres que abandonaram o emprego para cuidar dos filhos ou trabalhadores em tratamento de saúde.

A economia cresceu em torno de 1% a.a. no Governo Temer. As previsões para o primeiro ano de Bolsonaro não são animadoras. O Brasil precisaria crescer 3% a 4% ao ano para gerar empregos, principalmente para a juventude. Crise fiscal aguda, falta de previsibilidade e segurança jurídica, baixa produtividade e capacidade inovadora, rigidez institucional, impedem isso. A reforma trabalhista e a regulamentação da terceirização foram avanços importantes. Mas mesmo que crescermos o PIB, não necessariamente crescerão o emprego e a renda da população.

Vale ler o trabalho do economista do IBRE/FGV e dos quadros do BNDES, José Roberto Afonso, “FAT E O FUTURO DO TRABALHO: histórico e desafios”, publicado na última revista do BNDES. Ele demonstra com números e evidências que “trabalho não será mais emprego”, que não haverá mais vínculo empregatício, local rígido de trabalho, horário rígido e que é preciso repensar a proteção e a qualificação e requalificação do trabalhador, numa economia onde 52% já não têm proteção trabalhista e previdenciária, frente a 8,6% de servidores públicos e 39,4% de empregados com carteira assinada.

A estratégia de desenvolvimento e as necessárias reformas estruturais têm que olhar para o futuro e não pelo retrovisor da história.


Marcus Pestana: A Lava Jato e a democracia

Dois valores devem obrigatoriamente constituir pilares de uma Nação: ética e liberdade. Não são conceitos pacíficos. A ética depende do contexto histórico e das bases culturais predominantes em cada sociedade. O que é ético para um, pode não ser para outro. Há uma ética da responsabilidade e outra da convicção? Fins nobres justificam meios escusos? Como estabelecer a convivência entre olhares valorativos e tradições culturais diferentes? Mas não podemos patinar num relativismo absoluto.

O sentido da palavra liberdade também é envolto em polêmica secular. A liberdade individual é ilimitada? Como conjugar direitos individuais e coletivos? As instituições e as leis são instrumentos de restrição à vocação humana para liberdade irrestrita? Cecília Meireles que nos salve!

A tradução institucional da liberdade é a democracia. Nascida na Grécia Antiga, adormecida na Idade Média e reinventada a partir das Revoluções na Inglaterra, França e Estados Unidos nos séculos XVII e XVIII. No século XX sofreu ameaças aterradoras com o avanço do fascismo, do nazismo e do stalinismo. Entramos no século XXI tendo a liberdade e a democracia com valores universais. Mas retrocessos e riscos nascem a cada minuto.

No Brasil, a população foi às ruas nas últimas décadas clamando por ética e liberdade. Resistimos bravamente a várias crises que testaram a solidez de nossa democracia.

Mas a exacerbação da corrupção em escala inacreditável minou a confiança da população no sistema político e suas principais lideranças. A Lava Jato virou um símbolo e o Ministro Sérgio Moro, sua personificação, é o personagem nacional de maior prestígio popular segundo as pesquisas.

Todos nós queremos o combate sem tréguas à corrupção. Tolerância zero com a apropriação privada da coisa e do espaço públicos. Mas este imperativo ético não pode colocar em risco a liberdade e a democracia.

A democracia moderna nasceu para limitar o poder absoluto do governante. A consolidação de seus princípios visou proteger o indivíduo e as minorias do poder ilimitado do Estado e criar freios e contrapesos para que o “príncipe” de plantão não oprimisse os discordantes.

É muito importante recuperar princípios básicos: a presunção da inocência (ninguém é culpado até que se prove o contrário), o ônus da prova cabe a quem acusa, a observância do devido processo legal com amplo direito de defesa e equilíbrio entre defesa e acusação.

No Brasil, estamos resvalando em evidentes abusos de poder. A indignação e a repulsa que todos temos ao lamentável espetáculo de corrupção endêmica não nos devem levar a um clima inquisitorial de verdadeiro faroeste jurídico embrulhado numa espetacularização midiática sem precedentes. Ou as prisões de Temer ou do presidente da CNI são exemplos do Estado Democrático de Direito?

A discussão do chamado “Pacote Moro” pode ser rara oportunidade para que o Congresso discuta de forma transparente e profunda o avanço de nossos marcos legais, conciliando o combate à corrupção e direitos democráticos individuais e coletivos, esclarecendo pontos obscuros tais quais: regras para inquéritos, delações premiadas, isonomia entre defesa e acusação, execução de sentenças, prisões temporárias e provisórias, abusos de poder, entre outros.

Democracia é o império da lei que deve ser impessoal e acima de todos.


Marcus Pestana: Mitos e evidências sobre a reforma da previdência

Como prometido, retomo hoje a discussão sobre a reforma da previdência.

A previdência tem papel central no crescente endividamento do Brasil. Nossa dívida chega, segundo o FMI, a 87% do PIB, e o déficit nominal anual está em 9,3% do PIB. Isto é grave ou não? Gravíssimo. A dívida média dos países emergentes é de 49,9% e o déficit nominal médio é de 4,2%. A Previdência é o maior fator do desequilíbrio fiscal, o gasto total previdenciário consome 14% de toda a riqueza gerada pela sociedade, sendo o déficit total dos diversos regimes 335 bilhões de reais ou 5,1% do PIB. Diante disso alguém vai dizer que não há déficit e que a situação é sustentável? Pior é o agravamento do déficit previdenciário, mais 50 bilhões de reais por ano, ou seja, o valor da construção e equipamento de 400 novos bons hospitais, temos sete inconclusos em Minas.

No mundo inteiro, reformas da previdência se fazem necessárias. Por um simples motivo, as mudanças demográficas. Nascem cada vez menos bebês e, felizmente, estamos vivendo cada vez mais. Em 1980 tínhamos apenas 4,0% da população acima de 65 anos, em 2020 teremos 9,8% e em 2060 25,5%. Paralelamente, em 1980 tínhamos 38,2 de crianças e jovens abaixo dos 14 anos, em 2020 serão 20,9% e em 2060 teremos 14,7%. Menos gente contribuindo, mais gente usufruindo. Simples assim. Ou será que o IBGE está mentindo?

Apenas 12 países não têm, como o Brasil, idade mínima. No México, no Peru e no Japão é de 65 Anos. Na Argentina e no Chile, 65 para homens e 60 para mulheres. Nos EUA, 66. Será que Irã, Iraque, Nigéria e Brasil estão certos e o resto do mundo errado? E não há evidências demográficas para a diferenciação de idade entre homens e mulheres. As mulheres vivem muito mais. O argumento é o peso inegável da maternidade. Neste sentido, achei interessante a proposta de que a idade seja a mesmo, mas a mulher tenha um prêmio de um ano abatido da idade mínima por cada filho. Hoje 30% das mulheres não têm filhos.

Mas a questão central é combater os privilégios e a previdência como fator de concentração de renda. O servidor do Legislativo Federal tem um benefício médio 18,9 vezes maior que os 30 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, o Judiciário 12,7 vezes, Ministério Público Federal 10,3 e o Executivo Federal, seis vezes. É justo isso? O déficit é financiado pelos impostos pagos pela população que poderiam ser usados para melhor a saúde e a educação de todos. Sabem qual é a renda transferida para o aposentado a cada ano para o financiamento do déficit? São 63 mil reais para os servidores civis da União, 43,5 mil reais para os aposentados dos Estados e apenas 4,6 mil reais para os do INSS. Será que os que dizem defender os pobres não enxergam isso?

Se não fizermos a reforma, em 2027 o sistema consumirá 82% dos recursos disponíveis. Sobrarão 18% para educação, saúde, segurança, meio ambiente, ciência e tecnologia, diplomacia, forças armadas. É isso que queremos? E não adianta falar que é só cobrar a dívida dos devedores do INSS, que equivale apenas ao déficit de um ano e é relativa na maioria das vezes a empresas falidas como a VASP e VARIG. Ou o mito que é só gastar menos com juros da dívida, o que é uma tolice econômica.

Precisamos de menos mitos e mais evidências na discussão. É o futuro do país e das novas gerações que estará em jogo!


Marcus Pestana: Por uma previdência sem privilégios

O sistema previdenciário tem um papel fundamental para assegurar dignidade à vida do trabalhador que já esgotou sua capacidade laborativa. A previdência não era um problema tão grande no mundo inteiro porque a expectativa de vida era pequena e havia muito mais jovens do que idosos. Isto mudou radicalmente. Não é uma questão ideológica. É uma questão atuarial e econômica. Prova disto é que o todo poderoso líder de direita da Rússia, Vladmir Putin, o centrista recém-eleito na França, Emmanuel Macron, e o líder de esquerda da Nicarágua, Daniel Ortega, propuseram reformas em seus respectivos sistemas previdenciários. Todos encontraram enormes resistências.

No Brasil, além das características universais, acumulamos distorções enormes que tornam o sistema absurdamente injusto e claramente insustentável.

Foi por entender a gravidade da situação que o PSDB e o Instituto Teotônio Villela promoveram, na última quarta-feira, um excepcional debate sobre a reforma da previdência com três grandes especialistas: o ex-ministro e ex-deputado Roberto Brant e os economistas Paulo Tafner, da FIPE, e Felipe Salto, diretor da Instituição Fiscal Independente, ligada ao Senado Federal.

Roberto Brant, do alto de sua experiência e qualidade intelectual, realçou a centralidade da reforma da previdência não só para inevitável ajuste fiscal, mas principalmente para que se abra espaço para a retomada do crescimento e dos investimentos, assim como para a recuperação de outras políticas públicas essenciais como as de educação, saúde e segurança, hoje estranguladas. Colocou enfaticamente que é preciso construir uma narrativa sólida e convincente, esclarecer a população, dialogar com a sociedade e com o Congresso Nacional e agir com coragem. Realçou ainda sua convicção que se o Presidente Jair Bolsonaro não chamar para si a liderança do processo, usufruindo do cacife político conquistado nas urnas, as chances de aprovação são mínimas ou teremos uma reforma tão desidratada, que nem vale a pena fazer. Num caso ou outro, as perspectivas para o país, para o próprio governo federal e para estados e municípios serão sombrias.

Paulo Tafner, um dos maiores especialistas brasileiros no assunto, e Felipe Salto desfilaram números, comparações, evidências, que demonstraram sobejamente que o sistema previdenciário brasileiro é injusto e insustentável. Falarei disso no próximo sábado.

Com base na rica discussão e por entender que essa reforma não é do governo, de um partido, mas sim uma necessidade nacional, o PSDB decidiu formar um grupo de trabalho para no prazo de 15 dias, explicitar quatro ou cinco pontos dos quais não abre mão e as mudanças que vai sugerir, principalmente em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a aposentadoria rural.

O mote central será “uma previdência sem privilégios”. O PSDB, embora não seja da base do governo, quer apoiar uma reforma robusta, mas corrigindo as distorções da proposta enviada ao Congresso. O PSDB quer agir com convicção e coragem política em favor das mudanças necessárias e inadiáveis.

Isso, por saber que fora da reforma repetiremos experiências como as da Grécia e de Portugal e decretaremos o sequestro do horizonte de nossos filhos e netos, com o empobrecimento do Brasil, baixo investimento, crescimento medíocre, desemprego alto e governos falidos.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)


Marcus Pestana: O novo, o velho e a criminalização da política

Ninguém mais tem dúvidas sobre o caráter disruptivo das eleições de 2018. Foi uma forte ruptura com os padrões de organização do sistema político tradicional. Os grandes partidos – PSDB, PT, DEM, MDB – sofreram revés eleitoral. Surgiram novas forças. A renovação foi grande: 47,3% dos deputados eleitos e 85% dos vitoriosos nas vagas disputadas no Senado são nomes novos.

As eleições de Bolsonaro para a Presidência e de governadores como Zema, Witzel, Ibaneis, Comandante Moisés, Wilson Lima, representam a vitória de “outsiders” sobre o establishment. O Congresso ficou mais plural e fragmentado, com a presença de 30 partidos.

Tudo isso foi resultante de um forte sentimento antipolítica potencializado pelo protagonismo inédito das redes sociais, a partir da corrupção endêmica, do impeachment e dos efeitos da crise econômica. O sinal já estava presente nas jornadas de rua de 2013. As lideranças tradicionais operaram com software obsoleto. “Abaixo a velha política”, “Contra os mesmos políticos de sempre”, “Não reeleja ninguém”, foram os lemas vitoriosos.

Mas Aristóteles já resolveu isso antes de 300 a.C.: “O Homem é um animal político”. A eleição de 2018 não representa o fim da política e da democracia. Foi um momento de explosão social e catarse coletiva.

Agora os eleitos pelo discurso contra a política terão um novo desafio: fazer política e dar forma ao que seria a “nova política”. Na verdade, não há nova ou velha política, existe boa e má política, incorporados os avanços de cada época. Sempre lembrava Tancredo Neves em 1985. Maluf provocou: “O Brasil não deve eleger um presidente com mais de 70 anos de idade”. Do alto de sua sabedoria, Tancredo respondeu: “Churchill, aos 75 anos, levou os aliados à vitória contra o nazismo e salvou a democracia. Nero, aos 20, incendiou Roma”. Pano rápido.

Mas a cultura antipolítica está disseminada por todos os lados. A criminalização da política começa no sistema judiciário. Setores da Lava Jato, apesar dos méritos no combate à corrupção, querem criminalizar inclusive o caixa um e tudo que cheire à política.

Até o Congresso caminhou para a autocriminalização. Indiquei uma pessoa para a diretoria de administração pública e política urbana do BNDES diretamente ao presidente Michel Temer. Era um ex-político, mas tinha dois mestrados exatamente nas duas áreas em instituições acadêmicas qualificadas. Semanas após, recebi a resposta: a Lei das Estatais não permiti que integrantes de diretórios partidários, coordenadores de campanha ou detentores de mandatos sejam diretores ou conselheiros de estatais sem uma quarentena de três anos. Não acreditei que o Senado tinha votado isso. Qual é a autoimagem que passamos? Política é coisa suja, abjeta, não participe.

Por último, a criminalização pelo próprio mercado. Um conhecido tentou abrir uma conta no Banco Itaú. Já era cliente do banco há muitos anos. Foi negada a abertura. Alegação: a pessoa tinha sido diretora do instituto de estudos e pesquisas de seu partido político e supostamente um ex-diretor do instituto estaria envolvido na Lava Jato.

São exemplos absurdos de criminalização da política, sinais desses tempos nebulosos.
Fora da liberdade e da democracia não há salvação. A exacerbação do espírito antipolítica nos levará a impasses e ameaças autoritárias. É uma escolha. Só depende de nós.

*Marcus Pestana é secretário geral nacional do PSDB e ex-deputado federal (MG)


Marcus Pestana: Liberalismo, protecionismo e o leite

O novo mandato presidencial, na verdade, se iniciou na última semana. Isto não impediu que os primeiros cinquenta dias fossem povoados por declarações estapafúrdias e exóticas de ministros e desencontros políticos monumentais.

Mas entre os diversos tropeços e ruídos, um precisa ser discutido. Trata-se da renovação das medidas antidumping de proteção à produção doméstica de leite.

O novo ministro da economia vem de uma matriz de pensamento liberal, corrente sem grande protagonismo na história brasileira.

O liberalismo surgiu no século XXVIII, como face teórica da nascente economia capitalista, tendo sua primeira sistematização relevante feita pelo grande economista escocês Adam Smith, em sua obra seminal A RIQUEZA DAS NAÇÕES. Na concepção dos liberais clássicos a liberdade deveria ser total para os indivíduos, que ao procurarem maximizar seus ganhos, inconscientemente produziriam a melhoria do bem estar coletivo. No livre mercado, o encontro entre oferta e demanda de mercadorias produziria, orquestrado pelo sistema de preços relativos, o equilíbrio geral. A mão invisível do mercado seria o melhor maestro e não o Estado.

Depois, com a evolução do capitalismo, descobrimos que as informações entre os agentes econômicos são assimétricas, a evolução leva a formação de oligopólios e monopólios que obstruem a concorrência perfeita e o livre mercado não produziu o equilíbrio geral, mas sim crises cíclicas.

A partir daí, voltemos ao leite. Em 2001, o Brasil editou medidas antidumping em relação às importações de leite da Europa, da Nova Zelândia e dos EUA, após exaustivos estudos que demonstraram a gama enorme de subsídios ao produtor praticada por esses países. Uma coisa é a defesa da economia de mercado – e eu a defendo – outra coisa é ingenuidade no comércio internacional. Em todo o mundo, segundo a EMBRAPA, os preços do leite são administrados. A Europa, a Nova Zelândia e os EUA dominam 75% do mercado mundial.

Após 2001, a renovação das medidas que defendiam o produtor brasileiro era automática. No final de 2018, o Governo Temer preferiu deixar a decisão para o novo governo eleito. A natural dificuldade de comunicação em início de governo entre os ministérios da economia e da agricultura resultou no cancelamento da legítima defesa da produção nacional. O raciocínio da equipe econômica foi simplista. Ao verificar que a importação de leite era pequena, concluíram ser desnecessária a renovação. Na verdade, a importação era pequena porque havia a defesa comercial.

Corretamente o Governo recuou, atendendo aos apelos do agronegócio. Aí, foi uma ladainha geral: o Ministro Paulo Guedes teria sido derrotado nas suas convicções liberais, o governo teria cedido ao protecionismo anticonsumidor. Bobagem pura.

Os efeitos econômicos e sociais seriam devastadores. São um milhão, cento e quinze mil famílias produtoras. Três quartos são tipicamente pecuária familiar, que respondem por 25% da produção. O Brasil produz quase 34 bilhões de litros por ano, o mundo 800 bilhões e Minas, nove bilhões. O déficit na balança comercial do leite é de 450 milhões de dólares.

No Brasil, a abertura externa e a integração às grandes cadeias produtivas são inevitáveis. Mas o mundo globalizado demanda aumento de produtividade e de competitividade, e não a rima pobre da ingenuidade.


Marcus Pestana: O futuro e a formação de maioria parlamentar

No último sábado, procurei demonstrar que a democracia é o império da liberdade e da Constituição. Pressupõe a convivência de todos com a pluralidade, num ambiente de tolerância e respeito recíproco. O poder, na democracia, não é absoluto e existem freios e contrapesos para evitar que a maioria eventual aniquile politicamente a minoria, objetivo número um de todos os ditadores.

O parlamento é a própria tradução e o símbolo da democracia.

Apenas três frases de Tancredo Neves são suficientes para definir a convivência com a divergência e a centralidade do parlamento: “Cada governo tem a oposição que merece. A um governo duro, intransigente e intolerante corresponde sempre uma oposição apaixonada, veemente e destrutiva”. “Não são os homens, mas as ideias que brigam”. “Fico mais feliz quando consigo um acordo entre partes contrárias que quando venço um adversário”. É preciso dizer mais?

A primeira preocupação de qualquer ditador é esvaziar o parlamento. É fácil perceber isso na dualidade de poder instalada na Venezuela, onde o governo chavista quer anular o poder da Assembleia Nacional. E o que dizer do Congresso Nacional do Povo na China, da Assembleia Nacional do Poder Popular em Cuba e da Assembleia Popular Suprema da Coréia do Norte? Todos subservientes aos seus respectivos partidos comunistas.

Nos países de democracia avançada, a questão da formação de maioria e sua interface com a governabilidade também tem sido um grande desafio.

Na Alemanha, Angela Merkel levou seis meses para formar um governo estável, num parlamento com sete partidos, assim mesmo precisando construir um programa comum com a socialdemocracia, seu histórico e maior opositor, diante do crescimento de uma extrema-direita voraz.

Na Itália, diante de um parlamento com quatro blocos e onze partidos, a governabilidade foi estabelecida por uma exótica aliança entre os populistas do Movimento 5 Estrelas, a extrema-direita da Liga do Norte e a centro-direita da Forza Itália.

Em Portugal, mesmo com o PSD (centro-direita) chegando em primeiro lugar nas eleições, num parlamento com sete partidos, a maioria para governar foi formada pela caricatura que ganhou o apelido de “Geringonça”, uma aliança entre socialistas, comunistas e bloco de esquerda (uma espécie de PSOL). Há um acordo para governar, mas nas ruas, o pau quebra entre eles.

E o que dizer do impasse do BREXIT no Reino Unido, onde a primeira-ministra Thereza May não consegue formar maioria para aprovar as regras de saída da União Europeia, gerando instabilidade e incerteza.

Em resumo, governo eficaz exige maioria parlamentar.

O Governo Bolsonaro ainda é uma grande incógnita. O afastamento involuntário do Presidente e as divergências entre os núcleos econômico, familiar, militar, ideológico, jurídico e parlamentar deixam mais dúvidas do que certezas. Há uma agenda nacional complexa e polêmica inevitável a ser enfrentada: reformas da previdência e tributária, política de segurança e combate a corrupção, privatizações, novo pacto federativo, etc. Muitas decisões dependerão do apoio de 3/5 dos congressistas. Com 30 partidos presentes no Congresso e as características políticas do governo eleito, não será nada fácil a construção de maioria.

Fortes emoções nos aguardam neste já turbulento ano de 2019!