o tempo
Marcus Pestana: Orçamento, tributos e renda mínima
A Lei Orçamentária é peça central na democracia. Busca ordenar a aplicação dos recursos coletados pelo governo junto à sociedade na forma de tributos, e explicitar de forma transparente o perfil do gasto governamental.
Para quem não se alinha a perspectivas demagógicas há a consciência de que o orçamento não é um saco sem fundo. Há a famosa, e às vezes frustrante para muitos governantes, restrição orçamentária. A sociedade admite certo nível de carga tributária sancionada politicamente e sabemos que ela no Brasil já é alta. E se as receitas são finitas, as despesas não podem ser ilimitadas.
Isto impõe inevitavelmente um conflito distributivo embutido no orçamento. Ao se destinar muito a salários e previdência, sobra menos para as políticas de educação. Se gasto muito com incentivos e subsídios fiscais, os recursos disponíveis para a saúde e a segurança serão menores. E assim por diante. Governar é fazer escolhas. E não adianta apelar para palavras mágicas como “vontade política”. Déficits e endividamento irresponsáveis são irmãos gêmeos da inflação, da fuga de investimentos e de juros altos.
A situação fiscal já era gravíssima no quadro herdado do Governo Dilma. Em função disso, como âncora de credibilidade, o Congresso Nacional aprovou o teto de gastos, no Governo Temer. Com a eclosão da pandemia, situação absolutamente extraordinária, foi necessário ampliar os gastos à custa da elevação da dívida pública. Agora, a realidade bate à porta. Precisamos ampliar gastos com o SUS e mantermos abertos os mais de dez mil leitos de UTI criados para enfrentar o coronavírus. Necessitamos equacionar as questões da renda mínima e da desoneração da folha. E o dinheiro é curto, o equilíbrio fiscal essencial e é grave a situação do déficit e da dívida.
O ex-presidente Fernando Henrique sempre afirma que o mais importante é o governante oferecer um rumo ao país. E isto está faltando. Não há um plano global e concatenado para atacar toda esta complexa situação. Ao contrário as propostas surgem e somem de forma desordenada e errática. Em um momento fala-se na volta da CPMF, imposto de baixa qualidade, regressivo e cumulativo, rejeitado pela população e pelo Congresso Nacional. Recentemente, o governo anunciou o financiamento do “Renda Cidadão” com recursos do FUNDEB, o que é um absurdo porque só a educação pode dar resposta definitiva à pobreza e a miséria, e com a postergação do pagamento dos precatórios, que muitos interpretaram como uma “pedalada fiscal” contra o teto de gasto.
De onde viriam então os recursos? Dá trabalho, mas não há escolha. É fundamental uma reforma tributária que não só simplifique nosso sistema, mas também corrija graves distorções com as faixas mais ricas da população pagando proporcionalmente muito menos impostos que a classe média e os mais pobres. Além de um corte progressivo e firme de incentivos e subsídios fiscais de eficácia questionável. É essencial uma reforma administrativa com efeitos imediatos que combata privilégios e desperdícios, dando mais eficiência ao governo. E uma parte do ajuste inevitavelmente teria que vir do crescimento econômico, totalmente possível, se houver uma estratégia global e articulada, clara e crível.
Como disse o filósofo romano Sêneca: “Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir”.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: O futuro da economia brasileira
O projeto “O Brasil pós-pandemia”, levado a cabo pelo PSDB e pelo ITV, tem procurado dialogar com grandes economistas como Armínio Fraga, Pérsio Arida e Edmar Bacha.
Armínio Fraga tem demonstrado que retomada do crescimento e combate às desigualdades são faces da mesma moeda. Acredita que se houver clareza e coragem é possível empreender um ajuste que coloque a economia nos trilhos do desenvolvimento e da equidade social.
Mas é imprescindível um vigoroso ímpeto reformista que consiga produzir uma economia em torno de 8 a 9% do PIB para criar o espaço fiscal necessário e viabilizar investimentos na qualificação do sistema educacional, nas políticas de inovação, no fortalecimento do SUS e no estabelecimento de programas de renda mínima. Além disso, cerca de 3% do PIB deste esforço deveria ser direcionado para a recuperação do superávit primário, condição necessária para evitar a deterioração do endividamento público.
Segundo Armínio Fraga, o ajuste viria das reformas que diminuam o comprometimento do gasto público com o funcionalismo e a previdência, que chegam a 80% das receitas e do corte substancial de gastos tributários que já consomem mais de 300 bilhões de reais por ano.
Na mesma linha, Pérsio Arida crê que a reforma do Estado é essencial. Mas assinala que muito pode ser feito além das reformas estruturais como uma intensa abertura externa e a aceleração do programa de privatizações.
Para ele, também a melhoria do ambiente de negócios a partir do fortalecimento da segurança jurídica e de um clima político mais confiável, são absolutamente essenciais. Reafirma que o aumento da produtividade é imprescindível. Acredita que melhorar a imagem do Brasil no exterior, abalada por questões ambientais e alinhamentos equivocados, é também peça chave. Assim como enxugar nossa Constituição, prolixa e detalhista, que amarra decisões importantes.
Já Edmar Bacha nos provocou: porque o Brasil, que foi o país que mais cresceu do pós-guerra até 1980, não realizou seu potencial? Deixou claro que o crescimento econômico depende de um círculo virtuoso entre poupança, preço dos bens de capital (máquinas e equipamentos), aumento do estoque de bens de capital, gerando crescimento e incrementando a poupança. A poupança pública foi estrangulada pela crise fiscal, derivada do aumento exponencial dos gastos correntes e a poupança privada, pelo aumento contínuo da carga tributária e do Custo Brasil. Ainda assim, acredita que o colapso do crescimento se deu mais pela queda acentuada da produtividade e do aumento dos preços dos bens de capital.
Comparou a renda per capita brasileira que em 1950 era 120% maior que a da Coréia do Sul e em 2018 era 25% da coreana. Associou diretamente as trajetórias divergentes dos dois países ao grau de abertura externa. O comercio externo (importações+exportações) representa 125% do PIB na Coréia e apenas 25% no Brasil, o que afeta a competitividade e a produtividade da economia. O caminho apontado por Edmar Bacha: abertura externa, mas não só isso. Superar nossas deficiências na educação, na infraestrutura, no sistema tributário, nos gastos com funcionalismo e previdência, no clima de incerteza política e na sustentabilidade da dívida, são ações complementares centrais.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: As lições da pandemia
Chegamos a mais de 135 mil vidas brasileiras perdidas para a COVID-19. Lá se vão seis meses de pandemia. Todas as guerras e as grandes crises promoveram além de vítimas, mudanças, inovações e novas oportunidades. Além da tristeza, ficam as lições.
O primeiro aprendizado é que, apesar de nossa federação não garantir o grau de autonomia como nos EUA aos entes subnacionais, e os municípios não serem, diferente do Brasil, componentes da estrutura da organização federativa na maioria dos países, e o Supremo Tribunal Federal ter decidido unanimemente em abril que além do governo federal, governos estaduais e municipais tinham competência para determinar regras de gestão da pandemia em seu território, a coordenação federal é imprescindível.
O governo federal fez uma interpretação torta da decisão do STF e renunciou à liderança nacional. Transferiu para governadores e prefeitos toda a responsabilidade de gerir a situação de crise. E mais, numa postura negacionista, sinalizou contra a estratégia de isolamento social, entrou em conflito com estados e municípios, politizou a questão da cloroquina, abriu mão de centralizar a compra de equipamentos e medicamentos – atitude que evitaria várias situações de desabastecimento e corrupção- e deixou de orientar corretamente a população. Outro legado importante é a percepção da centralidade da comunicação social nas políticas públicas. Enquanto tínhamos as entrevistas diárias do então ministro Luiz Henrique Mandetta se estabeleceu uma relação de confiança, empatia e de tranquilidade social, na medida do possível.
Havia um rumo. Depois que o governo central parou de se comunicar com o país ou passou a emitir sinais equivocados, a população se sentiu órfã e insegura em relação a medicamentos, isolamento social, vacinas, prevenção, testes, etc. Aprendizado importante será a valorização do SUS, da atenção primária e das ações de prevenção em saúde. Nós, gestores do SUS, sempre tentamos mostrar que, apesar de todas as dificuldades financeiras e de gestão, o sistema tinha uma boa arquitetura e segurava a barra. Os dados reafirmam as desigualdades brasileiras. A mortalidade foi maior entre pobres e negros.
A mortalidade foi maior nos hospitais públicos do que nos privados. Mas, no limite de suas forças, o SUS deu conta do recado. E ficou claro que nos próximos anos não haverá recursos abundantes adicionais para o SUS, nem aumento da renda das famílias que as permitam contratarem planos privados.
Por isso, ao invés de erguermos “Muralhas da China” temos que perseguir o diálogo entre o SUS e a saúde suplementar, numa parceria que produza ganhos múltiplos. Os ensinamentos da crise são vários, mas o espaço aqui é curto. Sem saudosismos de estratégias cepalinas de substituição de importações dos anos de 1950, temos que estar atentos à necessidade de seletivamente termos produção local de itens essenciais para não ficarmos tão dependentes em momentos assim de países como Índia e China.
Também é impressionante a desburocratização que ocorreu durante a crise. Decisões que demoravam anos foram decididas em semanas. Fica a lição: é possível um governo ágil. Gostaria de falar sobre a mudança nos processos de trabalho, home work, tele-saúde, tele-educação, inovações e e-comerce, solidariedade social, mas o espaço acabou.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: Acima de tudo a liberdade e a democracia
O grande legado do Século XX, com o desfecho da “Era dos Extremos” como descreveu Eric Hobsbawm, foi, a meu juízo, a vitória das ideias de liberdade e democracia como valores universais e permanentes. Ainda que sobrevivam regimes autoritários mundo afora, o ideal democrático permanece sólido como o grande horizonte utópico neste início de Século XXI. Mostra disso são a impressionante mobilização popular na Belarus, as reações às ações desestabilizadoras de Trump no processo eleitoral em curso nos EUA e a resistência ao crescimento do populismo autoritário de extrema-direita em diversos países do planeta.
Há, evidentemente, ameaças e tensões que colocam em xeque a democracia contemporânea. Nunca se discutiu tanto a crise da democracia representativa. Há desafios a exigirem respostas urgentes. Mas não há outro caminho a não ser a democracia, invenção humana com suas virtudes e pecados, e que impõe um diálogo profundo e sincero entre conservadores, liberais, socialdemocratas, socialistas democráticos que convergem em torno da defesa da liberdade e rechaçam qualquer alternativa que rompa o Estado de Direito. Em um mundo e um país mergulhados em radical polarização entre os extremos, que alimentam suas bolhas sectárias, privilegiando a promoção do dissenso e não a política como ferramenta de construção de consensos progressivos através do debate democrático, temos nós, os democratas, a obrigação histórica de criarmos canais de diálogo para o fortalecimento da democracia e das instituições republicanas.
Acabei de ler o ensaio CHAMADO DA TRIBO, de Mário Vargas Llosa, onde o autor, com sua habitual qualidade de texto, narra sua trajetória de conversão do socialismo ao liberalismo, motivada pelas decepções com o socialismo real e o encontro com o liberalismo através de autores como Adam Smith, Ortega y Gasset, Hayek, Karl Popper, Raymond Aron e Isaiah Berlin.
Mas o que chamou atenção na leitura foi o vasto campo de diálogo possível entre conservadores, liberais e progressistas e a convergência que pode ser construída na constituição de um polo democrático para resistir aos apelos e às ameaças dos projetos extremistas, autoritários e radicais.
Temas como liberdade política, de imprensa, de organização e expressão; direitos individuais e valores morais – onde os conservadores são resistentes; papel do Estado no mundo contemporâneo, limites fiscais à expansão do “Welfare State”, ação mais regulatória do que empresarial, parcerias com o setor privado e o terceiro setor; liberdade econômica; equalização de oportunidades com foco prioritário no setor educacional e programas de renda mínima; descentralização e desconcentração do poder; combate à corrupção e compromisso com o reformismo; formam uma bela agenda onde naturalmente não haverá convergência plena, mas que tem que ser enfrentada para a construção de um programa de ação das forças democráticas.
Há poucos meses assistimos perplexos manifestações em favor de um novo AI-5 e do fechamento do Congresso Nacional, com a reinstalação de um regime autoritário. Felizmente, os desdobramentos da realidade e a reação dos setores democráticos desmontaram este cenário de confrontação.
Cabe a todos que acreditamos na democracia sacudir a poeira de certa inércia que nos abraçou desde 2018 e construir uma nova visão de futuro para o país.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: O Brasil pós-pandemia - Uma visão de futuro
O PSDB Nacional e o Instituto Teotônio Vilela, por decisão de seus presidentes Bruno Araújo e Pedro Cunha Lima, desencadearam o projeto “O Brasil pós-pandemia: uma visão de futuro”. O objetivo é após o arrefecimento da pandemia e das eleições municipais produzir um forte pronunciamento partidário, contundente e incisivo, longe de ambiguidades e tibiezas, sobre os desafios do país nas mais diferentes áreas no contexto que emergirá após o enfretamento da COVID-19. Será o estabelecimento de um rumo claro que irá nortear o diálogo com outras forças democráticas e progressistas e com a sociedade, pavimentando o caminho da ação partidária em 2021 e da preparação de alternativas em 2022.
Na última quinta-feira, 3 de setembro, tivemos uma densa e profunda conversa com o ex-presidente Fernando Henrique, a meu juízo, o melhor intérprete do Brasil contemporâneo. O diálogo envolverá nas “salas de conversa” formuladores, técnicos e intelectuais não obrigatoriamente ligados ao partido como Armínio Fraga, Edmar Bacha, Pérsio Arida, José Roberto Afonso e Maurício Moura.
Foram construídas dezenove áreas temáticas coordenadas por especialistas qualificadíssimos envolvendo ex-ministros de Estado, ex-governadores, ex-parlamentares, ex-secretários estaduais e intelectuais dos diversos segmentos das políticas públicas. Em todas as áreas será lançado um olhar sobre o futuro.
Surgirão dois produtos: um documento partidário forte e cristalino como referência para o diálogo com a sociedade, com as bases partidárias e com o polo democrático e progressista e um e-book, editado pela Fundação Teotônio Vilela, “O Brasil pós-pandemia: uma visão de futuro”, com apresentação de Fernando Henrique Cardoso e artigos autorais dos coordenadores setoriais, sintetizado o esforço coletivo de reflexão e debate.
Os desafios futuros a serem enfrentados pelo país serão enormes. Como equacionar o estrangulamento fiscal e ao mesmo tempo enfrentar as inaceitáveis desigualdades sociais; como fortalecer o SUS e suas parcerias com a saúde suplementar; como potencializar os efeitos do novo FUNDEB e da reforma do ensino médio e impulsionar a qualificação da educação no Brasil; como atacar os desafios da segurança pública e viabilizar a vitória sobre o crime organizado; como equacionar com ações concretas a péssima imagem internacional nas relações exteriores e na proteção ao meio ambiente; como transitar da proposta vitoriosa do deputado federal Eduardo Barbosa (PSDB/MG) estabelecendo o auxílio emergencial para um programa de renda mínima permanente; como viabilizar o retorno dos investimentos e a retomada do crescimento da economia, da renda e dos empregos; como dialogar com as Forças Armadas sobre a política de defesa nacional? São muitas perguntas a cobrar respostas consistentes e ações eficazes das políticas públicas.
Além disso, responder às questões universais e estruturais como a reinvenção da democracia, a convivência com as novas tecnologias e seu consequente desemprego estrutural, a transformação das plataformas digitais e das redes sociais em poderosas ferramentas para o fortalecimento da participação democrática da cidadania brasileira, da tele-saúde, da tele-educação, longe das fakenews e da promoção do ódio, da violência e da discriminação. A sociedade cobra de todos os atores políticos e sociais, que têm responsabilidade pública, rumo, clareza, coerência, consistência e ações concretas para tirar o país da crise. E o PSDB, independente de estar no poder ou não, sempre teve postura construtiva como recentemente na reforma da previdência, no novo marco legal do saneamento, na criação do auxílio emergencial, entre outros temas relevantes.
De imediato temos que encarar as reformas tributárias, administrativa e da máquina estatal. Nenhum líder ou partido isoladamente poderá enfrentar sozinho crise de tamanha dimensão. O projeto “O Brasil pós-pandemia” pretende dar a sua contribuição.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: Gastança, responsabilidade e pandemia
Imagina que maravilha viver num mundo onde a concretização de todos os nossos sonhos não tivesse limites. Se alguém quisesse uma Ferrari 250 GT que custa a bagatela de 52 milhões de dólares, bastaria estalar os dedos e o carro apareceria na sua garagem. Se outro quisesse um apartamento de 500 m2 na Avenida Vieira Souto de frente para o mar de Ipanema, colocaria a mão na cartola e sairia além do coelho, a escritura. Se uma pessoa quisesse realizar a viagem que sempre desejou, cinquenta dias na Europa em hotéis 5 estrelas e restaurantes no top do Guia Michelin, esfregaria a Lâmpada Maravilhosa de Aladim e na mesa apareceriam as passagens e os vouchers para a realização do sonho. E aí vêm os chatos dos economistas, verdadeiros desmancha-prazeres, falar em um detalhe essencial chamado restrição orçamentária.
A linguagem dos economistas, na maioria das vezes, é hermética, quase incompreensível. Mas esconde verdades muito simples. Qualquer cidadão sabe que não pode gastar indefinidamente mais que a renda familiar. Isto gera um buraco permanente no orçamento da família e agrava o endividamento. E quando maior o abismo, maior os juros. E a dívida começa a crescer qual bola de neve. Resultado: venda do patrimônio para pagar dívidas, aperto crescente, perda de credibilidade indo parar no SERASA ou no SPC e, no final, o estrangulamento financeiro total e a crise quase insolúvel. Assim também é com os governos e o país.
O Brasil tinha antes da pandemia uma situação fiscal gravíssima. Os demagogos e populistas acham que os gastos podem ser ilimitados. A dívida bruta brasileira era antes do coronavírus, em 2019, 79,8% do PIB. O déficit primário, que não leva em consideração as despesas financeiras, no ano de 2019 foi de R$ 95,1 bilhões de reais. Felizmente, graças ao teto dos gastos, à recessão e à reforma da previdência, os juros básicos (SELIC) que incidem sobre a dívida pública estão hoje no menor patamar de sua história, 2,0%. Ou seja, quanto maior o nível de risco de calote, maior a taxa de juros.
Veio a pandemia, evento fora do controle, não planejado. Como todos os países do mundo, o Brasil ampliou o endividamento. Foi aberta uma inevitável bolha de ampliação dos gastos para bancar o auxílio emergencial, as despesas adicionais com o sistema de saúde, o crédito subsidiado às pequenas e médias empresas, as transferências compensatórias a estados e municípios e o programa de sustentação do emprego para evitar demissões. Foi o chamado “orçamento de guerra”. Como “não há almoço grátis” a dívida subirá para o perigoso patamar de 100% do PIB, os prazos de rolagem da dívida estão se encurtando e o juro futuro crescendo, e o déficit primário que foi de 95,1 bilhões em 2019 subirá para 787,45 bilhões de reais em 2020. No próximo ano, inevitavelmente teremos que retomar o teto de gastos e a responsabilidade fiscal, apesar das pressões políticas para que isso não aconteça.
O desafio é encontrar espaço orçamentário para financiar o programa de renda mínima permanente e os investimentos públicos para alavancar a retomada. Isso deve ocorrer não com aumento de impostos, revogação do teto ou mais endividamento, mas com a reforma administrativa cortando privilégios, com a reforma tributária aumentando a eficiência arrecadatória e com o corte de subsídios e incentivos injustificáveis.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: Irresponsabilidade e fakenews também têm limites
Volto hoje ao tema do confronto entre liberdade de manifestação e controle social sobre abusos e crimes cometidos nas redes sociais. Confesso que escrevo com uma ponta de revolta e indignação. Por um lado, porque uma fakenews fez a mim e muitas pessoas sofrerem com a antecipação da morte de um grande amigo. Por outro lado, chegamos ao limite da atrocidade, desrespeito e crueldade no caso da criança grávida de 10 anos, que desde os seis é vítima de abuso sexual, exposta publicamente pela suposta líder protofascista Sara Winter. Felizmente, a Justiça, o Ministério Público e o próprio YouTube já tomaram providências para punir exemplarmente os algozes de uma indefesa criança.
No dia 7 de agosto, fiz entrevista no perfil do Instagram @amatutina, sobre os “Engenheiros do Caos” do suíço-italiano Giuliano da Empoli. Há uma vasta literatura recente sobre a crise da democracia. Mas o livro de Empoli desnuda como as plataformas digitais foram manipuladas ilegitimamente no nascimento do movimento italiano “5 Estrelas”, no plebiscito do Brexit, na campanha de Trump e como isto chegou ao Brasil pelas mãos do estrategista-chefe da Casa Branca no início da administração de Donald Trump, Steve Bannon.
A crise da democracia tem como pano de fundo as mudanças da economia capitalista que resultaram numa sociedade mais complexa e fragmentada, os sucessivos escândalos de corrupção mundo afora que desmoralizaram as elites dirigentes tradicionais e o surgimento de novos movimentos fora da órbita do sistema como o ambientalista, o feminista, o LGBT, o antirracista, o evangélico, etc. E o advento das redes sociais que jogaram lenha nesta fogueira permitindo a individualização da participação política e social.
Os “Engenheiros do Caos” patrocinaram, em escala global, o “populismo autoritário”. A revolução digital não carrega, em si, valores éticos e morais. A qualidade do uso das ferramentas digitais está nas mãos de quem as usa.
Giuliano da Empoli mostra em seu livro que os “Engenheiros do Caos” não se preocupam com a verdade ou a mentira, o real ou o irreal, a coerência. Querem apenas e a qualquer custo instrumentalizar as redes, prender audiência, mobilizar seguidores e criar uma corrente de opinião a favor de determinadas ideias e candidatos. Empoli cita um senador americano que disse certa vez: “cada um tem o direito às suas próprias opiniões, mas não aos seus próprios fatos”. Os “Engenheiros do Caos” criam seus próprios fatos.
Como as forças democráticas e progressistas podem enfrentar este monstro sem precisarem se igualar em práticas condenáveis e ilegítimas? Primeiro, como sugeriu um dos nossos maiores youtubers, Felipe Neto, educação digital. Em segundo lugar, construir a rede dos algorítimos e atores do bem e da verdade. Sem fakenews, sem agressividade e promoção do ódio, privilegiando o debate democrático e a promoção de consensos. E usar uma linguagem mais leve, transgressiva, bem humorada, como sugeriram o próprio Empoli no debate com Fernando Gabeira no “Sempre um Papo” de Afonso Borges, com base em experiência de Taiwan na pandemia e dos jovens que esvaziaram comício de Trump através do aplicativo TikTok, e o humorista Marcelo Adnet no Roda Viva. Por último, uma boa Lei de controle social sobre as redes, sem afetar a liberdade de opinião e a privacidade das pessoas.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB – MG))
Marcus Pestana: As mudanças recentes na conjuntura política
Como estávamos em 2019? A radicalização ideológica atingiu grau máximo. Manifestações pela volta do AI-5 e pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF reafirmaram a divisão do país, na reprodução modificada do nefasto nós contra eles, que já vigia na era petista. O Presidente se pronunciava diariamente em temas polêmicos estimulando o bolsão mais radical do bolsonarismo. A recuperação econômica após a grande recessão do Governo Dilma era tímida e lenta. O desemprego permanecia em níveis elevados.
A base parlamentar do governo era frágil para sustentar as inadiáveis reformas. O desgaste na imagem do país foi enorme nos campos ambiental, educacional, dos direitos humanos e diplomático. De bom houve a reforma da previdência, graças à lucidez das lideranças congressuais. Mas municípios e estados ficaram de fora. Resultado: inflação baixa, PIB crescendo insuficientes 1,1%, desemprego alto, queda na aprovação do governo federal e tensão institucional inédita.
Veio a pandemia. Já são mais de 105 mil vidas brasileiras perdidas. O foco da sociedade e dos governos se voltou inteiramente para a saúde. O SUS e a saúde suplementar foram submetidos a um teste radical. Com o isolamento social, período para acúmulo de informações sobre o vírus e a preparação da retaguarda hospitalar, responderam satisfatoriamente. Infelizmente, o governo federal renunciou a seu papel coordenador. Ao contrário, patrocinou o confronto com governadores e prefeitos. As desigualdades profundas foram escancaradas. Os invisíveis tornaram-se visíveis. O Congresso Nacional assumiu o protagonismo aprovando o estado de calamidade pública, o auxílio emergencial, o “orçamento de guerra”, o apoio de crédito às empresas e o programa de manutenção dos empregos.
A nova realidade produziu mudanças significativas. O Presidente mudou de atitude, eliminou seus polêmicos pronunciamentos diários, procurou o apoio do Centrão e assumiu a necessidade de distensionar o relacionamento com o parlamento e o poder judiciário. Moro, símbolo do lavajatismo, saiu do governo, tirando do Presidente, segundo especialistas, 10% de aprovação na opinião pública, que foram substituídos por uma nova base social de apoio, os beneficiários do auxílio emergencial. Graças ao teto dos gastos, à reforma da previdência e à expectativa de manutenção da agenda reformista, os juros básicos chegaram ao menor patamar da história. Mas a recessão em 2020 será gravíssima. Ao final da pandemia, o número de desempregados e desalentados chegará a níveis bem superiores aos do início do governo.
Há vários desafios pela frente. A polêmica - aumento de investimentos públicos versus teto dos gastos e responsabilidade fiscal - não pode ter desfecho inspirado por tentações populistas. A globalização enfrentará um inevitável recuo e o Brasil terá que mudar sua orientação diplomática. Medidas como o novo marco do saneamento já aprovado podem também produzir resultados em áreas como gás e petróleo. As reformas tributária e administrativa são imprescindíveis e urgentes. O compromisso com as privatizações tem que ser retomado. Houve uma debandada na equipe econômica liberal. Há que se repensar o papel do Estado e o mundo digital na vida do Brasil pós-pandemia. Que não vença uma anacrônica visão populista-nacional-desenvolvimentista. Isso é o que esperamos.
*Marcus Pestana, foi deputado federal e, por dois mandatos consecutivos, presidente do PSDB de Minas Gerais.
Marcus Pestana: Novo Fundeb e o futuro da educação
Desnecessário reafirmar a centralidade da educação de qualidade para a sociedade e a economia de um país, preparando crianças e jovens para o exercício da cidadania e a sua inserção no mercado de trabalho e na vida social e política. Como disse certa vez o ex-senador Cristovam Buarque: “o berço da desigualdade é a desigualdade do berço”. E só a educação pode democratizar as oportunidades.
O compromisso com a educação povoa todos os discursos políticos, mas muitas vezes não transborda o nível da simples retórica. Para a construção de um grande país temos que arregaçar as mangas e agir para superarmos o terrível passivo que temos na área educacional.
Em 1996, o Governo FHC criou o FUNDEF, que foi responsável por garantir uma fonte de financiamento estável para o ensino da 1ª. à 8ª. séries e pela universalização do ensino fundamental. Em 2007, o Governo Lula ampliou o financiamento para o ensino infantil e médio com o FUNDEB. A complementação do Governo Federal cresceu de 1% para 10%. Foram avanços, mas os resultados que temos hoje são claramente insuficientes.
O Senado Federal votará na próxima semana a Emenda Constitucional No. 26/2020, que já foi aprovada na Câmara relatado pela Deputada Professora Dorinha (DEM/GO), renovando o FUNDEB e promovendo mudanças.
O texto altera critérios de distribuição dos recursos; procura aprimorar a equidade social privilegiando municípios mais pobres; pretende aumentar a transparência, a avaliação de resultados e os controles; intenciona estimular o aumento da qualidade e amplia a complementação federal dos atuais 10% para progressivamente alcançar 23% em 2026. A extinção do FUNDEB, que se daria em 2021, seria um desastre e o aumento de investimento é importante, desde que os recursos sejam bem gastos. Mas há problemas.
Primeiro, a nossa desconfiança histórica em relação ao caráter perverso e excludente de nosso modelo de desenvolvimento e à qualidade da ação dos gestores locais, nos leva a constitucionalizar tudo e a criar vinculações detalhistas que resultam em um modelo rígido demais para uma realidade em constante mutação. A revisão é prevista para daqui a dez anos. Mudanças constitucionais são difíceis e complexas. Quais serão os impactos no sistema educacional e nas políticas públicas da transição demográfica com cada vez mais idosos e menos crianças, da reforma tributária, da crise fiscal, da revolução da tele-educação?
Segundo, a exclusão do pagamento de aposentados da educação dentro dos cálculos, conceito correto, mas sem uma transição, colocará muitos estados brasileiros em extrema dificuldade em cumprir o texto constitucional. Vamos criminalizar esses governadores?
E por último, há estudos e evidências que comprovam não haver associação obrigatória de aumento de recursos com a ampliação da qualidade e a obtenção de resultados.
Se não introduzirmos mais flexibilidade para os gestores locais e regionais, não superarmos o corporativismo, não estimularmos o empreendedorismo das diretoras de escola, não introduzirmos a remuneração variável premiando desempenho e resultados e não envolvermos profundamente a comunidade e as famílias no processo educacional das crianças e dos jovens, poderemos aplicar preciosos recursos escassos e não promover a tão necessária revolução educacional. Intenção e gesto nem sempre caminham juntos.
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: Eleições em meio à pandemia
Entre tantos desafios que o país tem pela frente diante da pandemia da COVID-19, que já nos levou mais de noventa mil vidas brasileiras, temos programadas eleições municipais em 2020.
Numa atitude sensata, o Congresso Nacional aprovou emenda constitucional adiando o primeiro turno para 15 de novembro e o segundo para 29 de novembro, confiante que até lá a curva de contaminação e óbitos tenha cedido substancialmente.
Sempre achei que o poder local é o mais importante na determinação da qualidade das políticas públicas. Acesso à saúde, qualidade do ensino, habitação, saneamento, mobilidade urbana, meio ambiente, desenvolvimento social são tarefas que se definem no concreto na instância municipal. O governo federal induz políticas, cuida de questões gerais como política econômica, defesa nacional e relações exteriores, mas aquilo que interessa às pessoas é bem ou mal executado no plano municipal. Os governos estaduais concentram a política de segurança pública, apoiam os municípios, mas a interface direta com os cidadãos é feita na esfera municipal.
O poder local é o mais próximo da população e o controle social sobre a ação pública é muito maior. A centralidade do poder local foi realçada ao extremo na gestão do combate à pandemia.
A eleição de 2020 será completamente diferente de todas as outras. Tudo indica que a onda devastadora do “novo pelo novo” contra a “velha política” perderá força. Atributos clássicos que sempre foram importantes – experiência, competência, capacidade de formar e liderar equipes, conhecimento sobre políticas públicas – tendem a ser revalorizados.
Em boa hora, o Congresso Nacional ampliou o horário eleitoral de rádio e TV de 10 para 15 minutos diários o programa e de 70 minutos para 100 minutos diários as inserções durante a programação. Isto por que o combate à COVID-19 e o necessário distanciamento social impedirão o uso intensivo de ferramentas clássicas como comícios, grandes reuniões, presença dos candidatos no trabalho de porta em porta, visitas domiciliares, etc.
Surgiu logo uma crítica ao Congresso Nacional, que julgo equivocada e precipitada, alegando que as redes sociais supririam a necessidade dos candidatos se comunicarem com o eleitor. Ledo engano, está provado que as redes sociais operam em “bolhas”, cada um pregando para convertidos ou sendo objeto de violenta ação de adversários, que não visam o diálogo, mas a desconstrução de imagem.
Principalmente a disputa majoritária para prefeito produz a decisão coletiva a partir da comparação entre os candidatos. O candidato que já tem 90% de conhecimento na população não teria tantos problemas, por já ter construído uma imagem, positiva ou negativa, junto às pessoas. Mas um candidato novo precisa se tornar conhecido, depois respeitado, mais à frente admirado, e assim se habilitar a conquistar o voto de confiança dos eleitores. As redes sociais são inegavelmente importantes, mas não substituem a televisão e o rádio. Tanto que a audiência cresce nos últimos dias quando uma parcela enorme da população mais despolitizada procura se informar para definir o voto a partir da comparação entre o conjunto de candidatos.
O importante é que façamos boas escolhas. O Brasil vive uma crise dramática e aos futuros prefeitos e vereadores cabe papel essencial na construção do Brasil pós-pandemia.
*Marcus Pestana, foi deputado federal (PSDB-MG)
Marcus Pestana: O eterno retorno à questão previdenciária
O Brasil precisa urgentemente olhar para o futuro. A retomada no pós-pandemia não será nada fácil. Mas, para rasgarmos horizontes melhores temos, inevitavelmente, que acertar as contas com os fantasmas do passado.
A aprovação da Reforma da Previdência, em 2019, passou a equivocada percepção de que o problema tinha sido equacionado. O Congresso Nacional avançou muito no sistema geral do INSS e no Regime Próprio da Previdência da União. Infelizmente, em decisão política altamente questionável, foram excluídos dos efeitos da reforma os Estados e os Municípios. Ficaram fora de seu alcance as 27 unidades estaduais da federação e 2.108 municípios que possuem regime próprio de previdência. Para esses, a bomba relógio da previdência continuou armada.
Recentemente, ficamos sabendo que apenas 13 Estados aprovaram reformas previdenciárias substantivas, entre eles São Paulo e Rio Grande do Sul. Oito unidades da Federação simplesmente aumentaram as alíquotas, o que é claramente insuficiente, já que a manutenção das antigas regras frouxas para concessão de benefícios reafirmará a perspectiva de aumento acelerado do déficit previdenciário. E pior, seis Estados nada fizeram, o principal deles é Minas Gerais.
O desafio previdenciário não é privilégio brasileiro. A raiz das reformas recentes feitas em todo o mundo está na chamada transição demográfica. Hoje nascem cada vez menos crianças e felizmente, graças aos avanços civilizatórios alcançados, as pessoas estão vivendo cada vez mais. Isto é bom para todos, mas é fatal para o sistema previdenciário. Menos gente contribuindo e mais gentes usufruindo por mais tempo. A conta não fecha.
O Brasil era um dos poucos países no mundo, até 2019, que não tinha idade mínima para a aposentadoria. No Brasil, 15 Estados e mais de dois mil municípios continuam sem essa importante regra moderadora.
Adianto que não é uma condenação moral aos que utilizaram a legislação vigente e que não vejo o servidor público como o vilão, já que fui um deles por 36 anos. Quando era secretário-adjunto do planejamento de Minas Gerais encomendamos o primeiro estudo sistemático sobre a previdência estadual à FGV/RJ e o resultado, já em 1997, foi como diria Gabriel Garcia Marquez a “Crônica de uma Morte Anunciada”. E na Câmara dos Deputados fui absolutamente coerente com as minhas convicções sobre o tema quando ocupei a vice-presidência da Comissão Especial da Reforma, em 2017.
O sistema previdenciário tem que ser justo e sustentável. No Brasil, ele nunca foi nem uma coisa nem outra. Produz concentração de renda e estrangula as finanças públicas de forma acelerada e crescente. Quem não reformar seu sistema não terá o retorno dos investimentos, boa saúde, segurança ou educação, verá cada vez mais recursos serem esterilizados sem produzir serviços ou obras públicas. Vocês já pensaram como a queda da qualidade dos serviços públicos tem a ver com o gargalo previdenciário ao não permitir a reposição de servidores aposentados e comprimir a possibilidade de melhor remuneração dos ativos?
Minas gasta quase 70% das suas receitas com pessoal, sendo 47% disso com pensões e aposentadorias. E tem um endividamento explosivo. Estado que esteve em muitos momentos na vanguarda da administração pública brasileira, não pode perder o bonde da História. Com a palavra a Assembleia Legislativa.
Marcus Pestana: Redes sociais, política e fakenews
O surgimento da Internet e das redes sociais promoveu uma verdadeira revolução na vida econômica, social e política do mundo contemporâneo.
Na política o impacto foi devastador. Muito da crise da democracia representativa clássica se explica pela expansão da Internet e das redes sociais, que limitou o papel intermediador dos partidos políticos, sindicatos e instituições, ao propiciar a comunicação direta e horizontal entre os cidadãos e dar vazão a multiplicidade de interesses presentes na sociedade. A combinação do potencial participativo das redes com as estruturas tradicionais de poder é uma obra em construção, já que as redes sociais podem até derrubar ou eleger governos, mas não são aptas a governar.
O problema é que qualquer inovação pode servir ao bem ou ao mal. Esta semana o Facebook, pressionado por mais de 900 anunciantes que suspenderam suas publicidades, desencadeou uma operação de combate às fakenews e à promoção do ódio em doze países, inclusive no Brasil. Aqui, foram removidos 88 contas, páginas e grupos ligados à base de apoio bolsonarista e ao já tristemente famoso “Gabinete do Ódio”, com dois milhões de seguidores Também foram suspensas 10 contas de WhatsApp ligadas ao PT por disparo maciço de mensagens.
Hoje, tornou-se vital debater como conciliar a liberdade de expressão e proteção à privacidade com o combate à desinformação deliberada através das fakenews e o uso das redes para manipular a opinião pública por instrumentos ilegítimos. Não é trivial construir boas políticas públicas em relação ao tema.
Foi isso que levou o Senado Federal brasileiro, em deliberação relâmpago, a aprovar a Projeto de Lei 2630/2020, apelidada de “Lei das Fakenews”. O projeto começa agora a ser debatido na Câmara dos Deputados e a polêmica já se instalou em alta temperatura.
Em sã consciência, nenhuma pessoa de bom senso pode ser contra a exclusão de robôs, perfis falsos ou que as empresas identifiquem na mensagem quem está patrocinando o impulsionamento de um determinado conteúdo e emitam relatório trimestral sobre posts censurados e contas canceladas. Ou contra a existência de um conselho nacional para acompanhar a transparência nas redes e as condutas inadequadas.
A polêmica reside na tipificação penal de condutas criminosas na Internet, hoje já cobertas parcialmente pelos crimes de calúnia, difamação e dano moral; na previsão da rastreabilidade em plataformas como WhastApp e Telegram, o que poderia ferir o princípio do direito à privacidade; e na definição do que é ou não fakenews em confronto com o estímulo à autocensura ou a restrição à liberdade de expressão. Há consenso que propagação do terrorismo, exaltação à pedofilia, desinformação grave sobre saúde pública, entre outros, devem ser expelidos sumariamente. Mas a partir daí há muitas controvérsias.
A discussão é tão complexa e delicada, que contraditoriamente setores que reivindicam a volta do AI-5 e da ditadura se levantaram contra o “PL das Fakenews” em defesa da liberdade de expressão, lado a lado, por razões opostas, a ONGs e pensadores progressistas.
A Câmara dos Deputados certamente saberá democraticamente construir um texto que combine o rigoroso combate aos abusos cometidos na Internet com a defesa dos princípios fundamentais da liberdade de expressão e do direito à privacidade.