O Globo
Retorno da CPI das fake news pode manter Bolsonaro sob pressão até 2022
Expectativa é que a Comissão seja reativada até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final
Mariana Carneiro / O Globo
A CPI da Covid está na reta final, mas os problemas para o governo no Senado devem continuar. Assim que a comissão da Covid acabar, a CPI das fake news vai voltar a funcionar – e desta vez, com foco em um tema nevrálgico para a campanha à reeleição de Jair Bolsonaro.
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O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), presidente da CPMI (o M vem de mista, por reunir deputados e senadores) já combinou com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que fará uma reunião com os membros da CPI depois do feriado de 7 de setembro para definir a data de reinício dos trabalhos. A CPI estava hibernando desde março de 2020, quando os trabalhos presenciais do Congresso foram suspensos em razão da pandemia.
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A expectativa é que já seja possível reativar a CPMI das Fake News até o final de setembro, quando se espera que a CPI da Covid finalize e vote o relatório final. Como a prorrogação da comissão já estava autorizada um pouco antes da parada, ela deve ter mais seis meses de funcionamento.
Considerando que a CPI ainda vai parar para o recesso de final do ano, a investigação deverá se esticar até abril de 2022, quando começa oficialmente a campanha eleitoral.
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O presidente da CPI e a relatora, Lídice da Mata (PSB-BA), já se reuniram na semana passada para fazer um primeiro inventário do que a CPMI tem e que caminhos deverá seguir.
Uma das prioridades será dar andamento ao pedido já aprovado e encaminhado ao Supremo Tribunal Federal de compartilhamento de informações do inquérito das fake news, que tem entre os alvos o próprio Jair Bolsonaro, por propagar desinformação sobre as urnas eletrônicas, e seu filho Carlos.
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Quando a CPMI aprovou esse requerimento, em setembro de 2019, o ministro Alexandre de Moraes informou que a investigação ainda era preliminar. Agora, dois anos depois, os membros da comissão esperam obter informações que permitam descobrir não só quem fez e quem pagou pelos disparos em massa ilegais realizados na eleição de 2018. Como o inquérito ainda está em curso, a CPI alimenta a expectativa de identificar quem segue cometendo crimes na internet.
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Outra providência em análise é solicitar informações ainda sigilosas obtidas em outro inquérito, o dos atos antidemocráticos, que também mirava aliados do presidente, como as deputadas Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP).
No início de agosto, a equipe técnica que trabalhava para a comissão das fake news chegou a ser cedida para a CPI da Covid, mas como os trabalhos do relator Renan Calheiros já estão próximos do final, eles já voltaram a dar expediente na CPMI das fake news.
O tamanho do problema: CPI da Covid vai investigar 68 perfis que divulgaram fake news na pandemia
O potencial da CPMI para causar dano à campanha de Bolsonaro em 2022 vai depender do andamento de todas essas iniciativas. Se ela inibir a criação de perfis e grupos usados para disseminar mentiras nas redes sociais e ajudar a tornar o ambiente da campanha eleitoral um pouco mais sadio, já se poderá dizer que foi bem sucedida.
Fonte: Malu Gaspar/O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/malu-gaspar/post/cpi-das-fake-news-volta-em-setembro-e-deve-manter-bolsonaro-sob-pressao-ate-2022.html
Fernando Gabeira: Os super-homens tropicais
É preciso fazer campanhas de uso racional de água e energia e, se dependermos do governo, isso não sairá
Fernando Gabeira / O Globo
Todos tememos um pouco as pessoas a quem perguntamos se está tudo bem e que respondem com longas reclamações, recheadas de detalhes.
Eu arrisco ser uma dessas pessoas, quando volto de algumas viagens pelo interior do Brasil. Não está tudo bem. O inverno foi duro, e as geadas em algumas regiões destruíram cafezais, milharais e até bananeiras.
Nem sei se vi tudo bem, porque me desloquei no meio de nuvens de poeira que a seca trouxe para as estradas secundárias do Sudeste. As cachoeiras, em grande número, tornaram-se discretos filetes de água, como é o caso da Rasga Canga, no Parque Nacional da Serra da Canastra.
A seca me pareceu uma realidade tão nítida, e a crise hídrica tão evidente, que não posso me calar sobre ela, embora saiba que nem sempre esses problemas interessem.
Acontece que, além da escassez de água, caminhamos para a falta de energia. Na verdade, a escassez de água não é apenas um dado conjuntural: perdemos 15,8% de nossa água doce nas últimas três décadas.
Por que menciono algo tão áspero como seca, nuvens de poeira, cachoeiras minguantes? Porque é preciso fazer campanhas de uso racional de água e energia e, se dependermos do governo, isso não sairá. Assim como não saiu a vacinação antes que fizéssemos uma tremenda gritaria.
A mesma tendência a negar está presente agora. O governo considera o voto impresso o principal problema do Brasil. O desmatamento progressivo só interessa na medida em que possam faltar árvores que dão o papel para imprimir os votos.
Menciono a insistência oficial em negar a realidade, mas queria vê-la sob outro ângulo também. O ministro da Educação afirmou que o governo não quer saber de inclusivismo, de integração nas escolas de pessoas com deficiência, porque atrapalham o ritmo dos trabalhos.
Sempre acreditei em incluir essas pessoas nas escolas. Sei que não basta a vontade, mas também a criação de condições para que isso aconteça com eficácia.
Minha filha é psicóloga e professora. Ela vê a inclusão como um dos aspectos mais importantes de seu trabalho.
Entre outras características, temos essa que nos coloca como indesejáveis para o governo Bolsonaro.
Gostaria de lembrar um grande nome da cultura alemã: Nietzsche. Foi um brilhante filósofo preocupado em libertar as pessoas de consolos em outro mundo, para que vivessem alegremente sua vida terrena.
Mas Nietzsche foi um pouco longe, na medida em que afirmava que, quanto mais solitária, mais forte seria a pessoa para suportar sua liberdade. Ele achava a comunidade uma ilusão, e sua filosofia tornou-se um risco ecológico e político. Vivemos num mundo que precisamos proteger e entre pessoas com quem precisamos colaborar.
A empatia era uma lacuna na filosofia de Nietzsche, e ele acabou inspirando algumas ideias do nazismo. O governo Bolsonaro foi também atingido por alguns dos humores dessa ácida concepção. O pavor de uma política de inclusão não o iguala ao nazismo, mas revela que pertence à mesma família política.
Nesse diálogo, lembro também apenas que não podemos seguir o caminho dos adversários e excluí-los da humanidade porque seu coração secou. Isso não significa que devamos deixar de responsabilizar essas ideias quando se apresentam numa visão de pandemia que acabou contribuindo para a morte de milhares de pessoas.
Sei que é difícil explicar que um governo com vontade de exclusão tenha apoio de muitos grupos religiosos. Mas essa contradição, trabalho num outro momento.
Não só pela empatia, como pela própria eficácia, a política de inclusão deve seguir sendo nosso horizonte na vida social. Sigamos em frente. Eles não querem o inclusivismo, não queremos o exclusivismo. Estamos empatados. Veremos adiante para quem a História sorrirá.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/os-super-homens-tropicais.html
Elio Gaspari: A briga pueril do ministro da Saúde Marcelo Queiroga
Ministro da Saúde condenou o que chama de 'demagogia vacinal' praticando obscurantismo oral em torno da dose de reforço
Elio Gaspari / O Globo
Aos 55 anos, o doutor Marcelo Queiroga meteu-se numa briga pueril com o governador paulista João Doria. Ambos correram para anunciar o início da aplicação da terceira dose das vacinas contra a Covid. É o jogo jogado, caçam-se imunizantes para o bem de todos e felicidade geral da nação. Nada a ver com Bolsonaro dizendo a um repórter para ir buscar vacina “na casa da tua mãe”.
Aborrecido porque Doria anunciou que ofereceria a terceira dose a partir do próximo dia 6, Queiroga deu-se a um lance de terrorismo sanitário: “Se cada um quiser criar um regime próprio, o Ministério da Saúde, lamentavelmente, não terá condição de entregar vacinas. Temos que nos unir aqui para falar a mesma língua. Se for diferente, vai faltar dose mesmo (...) Juiz não vai assegurar dose que não existe”.
A diferença entre a promessa de Doria e a do Ministério da Saúde é de apenas nove dias. O que Queiroga disputa é a primazia. Para isso, não precisava ameaçar. Até porque Doria oferece as vacinas que contratou e Bolsonaro desdenhou. Ademais, no dia seguinte ao destempero do doutor Queiroga, a repórter Patrícia Campos Mello expôs o vexame que a administração do general Eduardo Pazuello produziu em janeiro, correndo contra o relógio para trazer vacinas federais antes que Doria começasse seu programa em São Paulo. Torraram US$ 500 mil com o frete de um avião para ir à Índia buscar uma encomenda que não estava disponível. Querendo atrapalhar a vacinação de Doria com o gogó, Queiroga seguiu o estilo patético de Bolsonaro, quando disse que o imunizante chinês não seria comprado, e do coronel da reserva Elcio Franco, que acusou o governador de sonhar acordado prometendo vacinação para janeiro. (Ele cumpriu.)
Queiroga condenou o que chamou de “demagogia vacinal”, praticando uma forma de obscurantismo oral. O doutor pode não ter percebido, mas entrou para um governo cujo titular já chamou a Covid de “gripezinha“ e a segunda onda de “conversinha”. Isso, fazendo-se de conta de que não aconteceram as traficâncias reveladas pela CPI.
Macumba eleitoral
Quem acha que Jair Bolsonaro não terá fôlego para chegar ao segundo turno da eleição do ano que vem baseia-se numa projeção do que se denomina de “efeito Covid”.
Nessa conta, cada morte irradiou-se, afetando cem adultos entre parentes, vizinhos e colegas de trabalho. Isso resulta no comprometimento de 57 milhões de votos.
Cenas fantásticas
Um ministro de Bolsonaro imaginou uma cena catastrófica, ao estilo dos pelotões palacianos:
“Se um mandado de busca contra o presidente é expedido pelo STF, a Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. O que acontece? A PF vai retirar o solados?”
A construção é improvável, mas, ficando-se no campo da fantasia, pode-se refrasear a questão:
A Polícia Federal vai até o palácio e o encontra cercado pelo Exército. Ela volta nos dias seguintes. O que acontece? O Exército ficará cercando o palácio para descumprir uma ordem judicial?
Nem Woody Allen no seu filme Bananas imaginou uma cena tão ridícula.
Bolsonaro e André Mendonça
Bolsonaro combinou uma rotina de convivência com André Mendonça, caso ele venha a ser confirmado para ocupar a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal: os dois manteriam uma agenda de almoços semanais, para sincronizar suas posições.
Ao lado da cloroquina, do nióbio, do grafeno e da soma de -4 com +5 resultando num +9, essa é uma de suas ideias estapafúrdias.
Primeiro, porque avacalha o ministro do Supremo, seja ele quem for.
Segundo, porque o capitão desconfiará do comensal antes do terceiro almoço.
Má ideia
No escurinho de Brasília, circula a lenda de que Bolsonaro fez chegar ao Supremo Tribunal Federal o desconforto que lhe causa a possibilidade de sair do Judiciário uma notícia desagradável para seu círculo familiar.
Se for verdade, errou três vezes.
Primeiro, porque revela vulnerabilidade. Depois, porque bateu no gabinete errado. Finalmente, porque ele não tem cartas para jogar baralho com o ministro Alexandre de Moraes.
O capitão e Pacheco
Com um pouco de empenho, Jair Bolsonaro poderia ter sabido que o senador Rodrigo Pacheco mandaria ao arquivo seu pedido de impedimento do ministro Alexandre de Moraes.
De duas uma:
A assessoria parlamentar de Bolsonaro não presta.
Ela presta, e ele queria criar um caso com o presidente do Senado.
A sombra atrás de Biden
Joe Biden está mais perdido que americano em Cabul ao lidar com a crise do Afeganistão. Noves fora os fiascos, ele deu entrevistas na Casa Branca tendo às costas um quadro que retrata um cavaleiro fardado.
É Theodore Roosevelt, com o uniforme do regimento de voluntários que formou em 1898 para ir combater em Cuba contra os espanhóis. A roupa foi cortada na loja Brooks Brothers. Ele já havia ido a caçadas com uma faca feita pelos prateiros da Tiffany's. Seu desempenho na guerra de Cuba deu-lhe fama, elegeu-se governador de Nova York e presidiu os Estados Unidos de 1901 a 1909.
Na quinta-feira, Biden teve a boa ideia de não falar com Teddy Roosevelt às costas. Para o bem ou para o mal, resoluto, ele foi tudo o que Biden gostaria de ser.
O quadro, ruinzinho, é de um pintor de dondocas.
Madame Natasha
Madame Natasha não entende nada que o doutor Paulo Guedes diz, mas admite que isso se deve à sabedoria que nele abunda e nela escasseia.
Pela segunda vez em poucas semanas, Guedes reclamou de que “tudo o que eu falo é tirado do contexto”. Assim foi com as empregadas domésticas que iam para a Disney e com o filho do porteiro que entrou para a faculdade. Sua última batatada foi a seguinte: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”
O problema é que a energia, o óleo de soja e o prato feito ficaram mais caros, e o salário (quando existe) continua o mesmo.
Natasha sabe que não se pode impedir Guedes de produzir frases. Mesmo assim, sugere ao doutor que se livre da praga que o persegue valendo-se de um método simples:
Primeiro, ele avisa qual é o contexto. Depois, fala o que bem entender.
Bolsonaro acordou
Bolsonaro acordou para a crise hídrica com pelo menos três meses de atraso.
Em junho, sem se referir a ele, o professor Adilson de Oliveira, da UFRJ, escreveu um artigo com o seguinte título:
“É a água, estúpido.”
Agora o capitão reconheceu:
“Em grande parte dessas represas já estamos na casa de 10%, 15% de armazenamento. Estamos no limite do limite. Algumas vão deixar de funcionar se essa crise hidrológica continuar existindo.”
Para quem assumiu no dia 1º de janeiro de 2019 e duas semanas depois acordou com o desastre de Brumadinho, ele deveria ter procurado uma benzedeira.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/a-briga-pueril-de-queiroga-25175376
Bernardo Mello Franco: Mais fuzis, menos feijão
Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na PF
Bernardo Mello Franco / O Globo
Jair Bolsonaro tem um dom inegável: produz slogans contra seu próprio governo melhor que qualquer político da oposição. Na sexta-feira, o presidente defendeu que os brasileiros se armem com fuzis.
“Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse. “Eu sei que custa caro. Tem um idiota: ‘Ah, tem que comprar é feijão’. Cara, se não quer comprar fuzil, não enche o saco de quem quer comprar”, acrescentou.
O capitão estava no curralzinho do Alvorada. Em 25 minutos de monólogo, chamou um adversário de “gordo”, outro de “calcinha apertada”, o terceiro de “canalha” e o quarto de “bandido”. A cada insulto, colheu aplausos e gritos de “Mito”. Sem máscara, ele voltou a desdenhar a pandemia, que já matou 578 mil brasileiros. “Lamento. Acontece. A vida é essa”, comentou.
Bolsonaro deixará um país com mais fuzis e menos feijão. Em 2020, praticamente dobrou o número de armas registradas na Polícia Federal. Foram 186 mil, um aumento de 97,1% em relação ao ano anterior. O governo também facilitou o acesso a armas de alto poder ofensivo. Caso dos fuzis semiautomáticos, cujo uso era restrito às forças de segurança.
Enquanto os bolsonaristas se municiavam, a fome disparou. O número de brasileiros em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões em 2018 para 19,1 milhões em 2020. A alta da inflação ainda tende a agravar esse drama.
Não é preciso ser um idiota, como disse o presidente, para notar que os itens da cesta básica ficaram muito mais caros. Nos últimos 12 meses, o preço do feijão fradinho subiu 42,4%. O do arroz, 39,7%.
Em Cuiabá, capital do agronegócio, a imprensa mostrou famílias em fila para receber ossos com retalhos de carne. No curralzinho, Bolsonaro disse que só venezuelanos se alimentam de “resto de comida”.
Depois de ironizar a dificuldade dos pobres para comprar feijão, o presidente deixou claro que não perde o sono com o assunto. “Político preocupado com a vida do pobre tá de sacanagem. Tá preocupado é com o voto dele”, debochou.
Landim em campanha
O presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, segue firme no projeto de transformar o clube num palanque para bolsonaristas. Nos últimos dias, abriu a Gávea para mais dois ministros: Ciro Nogueira (são-paulino) e Flávia Arruda (botafoguense).
Paes não entendeu
Eduardo Paes se disse “muito impressionado” com as críticas à tentativa de vender o Palácio Capanema num “feirão de imóveis”.
É muito impressionante que o prefeito não entenda a reação da cidade ao plano de rifar o edifício na xepa do governo Bolsonaro.
Paes se referiu ao palácio, uma joia da arquitetura moderna, como “um prédio estatal” que “as pessoas defendem sem nunca ter frequentado”.
A arquiteta Maria Elisa Costa, ex-presidente do Iphan, já resumiu esse tipo de manifestação em três palavras: “atestado de ignorância”.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/mais-fuzis-menos-feijao.html
Míriam Leitão: O governo Bolsonaro é incompetente
Presidente briga, ofende, ameaça, exatamente por isso. Tenta esconder o desempenho desastroso do seu governo
Míriam Leitão / O Globo
A inflação beira os dois dígitos, o desemprego e o desalento deixam de fora do mercado de trabalho 20 milhões de brasileiros, a miséria está aumentando, a educação foi entregue a três ministros sem os atributos mínimos para estar no cargo, a Saúde elevou o número de mortes na pandemia pela mistura perigosa de negacionismo e picaretagem, a crise hídrica se agravou por falta de planejamento e o preço da energia está explodindo. O presidente briga, ofende, ameaça, exatamente por isso. Tenta esconder o desempenho desastroso do seu governo.
Se fosse só incompetente, o governo Bolsonaro já seria um enorme problema, mas ele ainda provoca crises e quer tocar o terror, como o estímulo a que pessoas tenham fuzil. É importante entender que há uma conexão entre uma coisa e outra. Seu governo vai mal em inúmeras áreas, o país perdeu prestígio internacional, desperdiçou oportunidades, aumentou o desmatamento, aprofundou o fosso social, deixará um terrível legado. O presidente atormenta o país para que a discussão seja sobre os seus absurdos e não um debate de mérito sobre o seu governo.
Um erro primário do Ministério da Economia tem sido a incapacidade de ver as tendências. O ministro subestima a inflação, e ela está num patamar perigoso. Desde o começo da pandemia, o Ministério errou nas previsões. Guedes achava que o Brasil seria pouco atingido e depois apostou que a pandemia terminaria no fim do ano passado. Com erros grosseiros de avaliação o governo agiu atrasado e elevou o custo da crise. Na economia, é fundamental fazer previsões, do contrário, o gestor sempre achará que está sendo bombardeado por meteoros.
Guedes passou a ser o Bolsonaro da economia. Uma autoridade que faz declarações preconceituosas, polêmicas e falsas. Discute-se a última de Paulo Guedes da mesma forma que se debate a última de Bolsonaro. De substância, o que há é uma sucessão de fracassos. O projeto liberal nunca existiu. O improviso é a marca da sua gestão. Agora, Guedes está comemorando uma suposta melhora fiscal, quando a verdade é que está surfando na inflação, que produziu efeitos estatísticos em indicadores como dívida/PIB.
O Ministério da Economia é péssimo formulador. A proposta da reforma do Imposto de Renda tinha uma quantidade de erros tão chocante que nem ele, Paulo Guedes, foi capaz de defender o projeto que entregou. A solução encontrada para os precatórios foi uma clara tentativa de burlar as regras fiscais do país.
Na pandemia, os problemas da educação ficaram agudos. Os três ministros do governo Bolsonaro foram desastrosos. Eles mataram o Ministério do ponto de vista administrativo e atacaram avanços educacionais com decisões e falas cheias de preconceito.
O tamanho do desastre na energia se vê no risco do apagão. Faltou o mais básico planejamento, a mais elementar capacidade de ação. O ministro Bento Albuquerque subestimou e negou a crise hídrica que está tendo enorme impacto na inflação e coloca o país sob o risco extremo de colapso de abastecimento.
A área ambiental é uma terra arrasada. Literalmente. O desmatamento cresceu. Biomas estão pegando fogo. O governo saiu do debate global. O Brasil é uma potência ambiental, mas, no melhor momento de aproveitar esse patrimônio natural, o país é neutralizado pela incompetência do governo.
O presidente é incompetente para gerir a coalizão política. Preferiu comprar o centrão com cargos e fatias do orçamento distribuídas sem transparência. Projeto do governo que entra no Congresso vira pasto dos lobbies. Um exemplo é o da privatização da Eletrobras. Foi uma falha coletiva. Erraram os ministérios da Economia, da Energia, e os da articulação política.
A CPI tem mostrado as tramoias que ocorreram no Ministério da Saúde. O governo sabotou medidas sanitárias, destratou fornecedores sérios de vacinas, e em negócios obscuros atraiu todo o tipo de estelionatário. Enquanto isso, os brasileiros morreram aos milhares. Ainda morrem. O que se vê na saúde é crime de epidemia com o agravante da corrupção.
O espaço é curto para a lista dos fracassos deste governo. Por ser muito incompetente, o presidente Bolsonaro agride o país, as instituições, os valores da civilização. Com o surreal ele tenta esconder o real de um governo absolutamente incapaz.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-governo-e-incompetente.html
Merval Pereira: As coxas do ex-presidente Lula
Coxas saradas de Lula transformaram-se em objeto de desejo de homens, e principalmente, de mulheres
Merval Pereira / O Globo
Uma foto do ex-presidente Lula com sua noiva Janja, à luz do luar na praia do Pico no Ceará, bombou nas redes sociais. Um procedimento usual dos frequentadores do Instagram - ou Insta, na intimidade -, publicar seus momentos felizes, tornou-se um fenômeno político. As coxas saradas de Lula transformaram-se em objeto de desejo de homens, e principalmente, de mulheres.
Muitos elogios à sua forma física, alguma desconfiança: “Será que é montagem?”. O efeito belíssimo da lua ao fundo do casal não saiu de um iPhone qualquer, como acontece com os comuns dos mortais. Saiu da lente de Ricardo Stuckert, o excelente fotógrafo oficial de Lula, membro de uma dinastia que começou com Roberto Stuckert, o “Stukão”, que morreu dias atrás.
A partir daí começa a história política da foto. Lula estava hospedado na casa da família do governador do Ceará, Camilo Santana. Policiais cercaram o local para garantir a intimidade do casal. Como era uma bela noite na praia cearense, normalmente o casal estaria sozinho, e a selfie seria bonita, mas nem tanto. Ou algum funcionário da casa poderia ter sido convocado para fazer a foto.
Mas Ricardo Stuckert estava lá, como está sempre há anos, acompanhando Lula. Mas o que estaria fazendo naquele momento de intimidade o fotógrafo oficial de Lula ? Política, claro, para divulgar a boa forma física do ex-presidente, que aparecera em fotos anteriores com a fisionomia carregada, a cabeça branca.
Na que viralizou, um Lula sorridente escondia os cabelos cor de prata com um boné esportivo, apesar da noite avançada. E não foi só sua coxa musculosa que chamou a atenção dos fãs. Estava de sunga, e houve até quem comemorasse, sob ela, o pressentido bilau do Lula. Essa demonstração de virilidade senil claramente não foi planejada, mas a certas fãs é um detalhe fundamental do mito.
Mito? Lembro de Putin andando de cavalo com o torso nu, expondo sua virilidade, de Collor fazendo esportes radicais, mostrando sua juventude. A comparação do mito petista com o mito da direita Jair Bolsonaro também ocupou as redes, dando larga desvantagem àquele que disse que, graças ao seu “histórico de atleta”, não pegaria Covid. Aos 66 anos, quase dez anos mais novo do que Lula, o “Mito”, mesmo antes da facada, não teria condições de se comparar ao “Mito” da esquerda.
O vice-presidente Hamilton Mourão certa vez explicou bem a formação de Bolsonaro: disse que ele fez a parte de preparação física dos militares, não chegou à preparação cultural. O próprio Bolsonaro contou certa vez que o agnome tem uma origem vulgar. Como tinha as pernas finas - olha aí a diferença com Lula, mais uma vez-, chamavam-no “Palmito”.
Mas será que não vamos nos livrar desses “mitos” populistas? Quando Lula recomeça a elogiar Cuba sem pejo, quando ameaça de novo regular a mídia, dá uma sensação de desânimo, de “dejá vu”. Quando Bolsonaro faz o mesmo, elogiando Umaro Sissoco Embaló, o presidente autoritário de Guiné Bissau considerado “o Bolsonaro da África”, ou o Putin, ou o Kim Jong-un da África, dá um cansaço ao reverso.
Quando Bolsonaro ataca o Supremo Tribunal Federal (STF), inconformado com que seja ele o dono da última palavra, ou, como disse Rui Barbosa, ter o direito de “errar por último”, vejo José Dirceu, ativo na campanha de Lula para a volta ao governo em 2022, afirmando que o Judiciário nem poder é, é apenas “um órgão” e o STF deveria ser uma Corte Constitucional: “Nossa Constituição estabeleceu três poderes, mas só existem dois, os eleitos, os que têm soberania popular, o Legislativo e o Executivo”. Palavras que soam como música para Bolsonaro, que no tem mesmo as repetiu: “Só existem dois poderes, o Legislativo e o Executivo”.
Cada um deles, Bolsonaro e Lula, retornando ao governo, se sentirá fortalecido pelo voto popular e dobrará sua aposta. Teremos muito mais do mesmo. Pelas pesquisas de opinião atuais, Lula está mais perto de voltar ao Palácio do Planalto do que Bolsonaro, que está mais perto da prisão, possibilidade que ele mesmo aventou ontem, onde já esteve Lula. Enquanto isso, Diogenes, com sua lamparina, continua procurando “um homem honesto”. No Brasil, procura-se uma terceira via.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/coxas-de-lula.html
Pacheco: 'Não admitiremos qualquer retrocesso' no estado democrático
Ao Globo, Chefe do Congresso diz que anseio por ruptura há de ser coibido, e revela contato com as Forças Armadas
Julia Lindner, Paulo Cappelli e Thiago Bronzatto / O Globo
BRASÍLIA - O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), cancelou a participação em um evento em Viena, na Áustria, para monitorar em Brasília as manifestações de 7 de setembro, insufladas pelo presidente Jair Bolsonaro. Caso seja necessário, ele vai se pronunciar em defesa das instituições, em uma prática que já virou rotina. Pacheco, que na semana passada arquivou um pedido de impeachment apresentado pelo chefe do Executivo contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), também virou alvo de críticas, mas prefere não apresentar resposta.
Ameaças à democracia: Em novo discurso com ataque a instituições, Bolsonaro diz que 'tudo tem limite'
Em entrevista ao GLOBO, ele afirma que não admitirá qualquer retrocesso no sistema democrático e acrescenta que esse também será o papel das Forças Armadas, com as quais tem mantido contato.
O senhor disse que a rejeição do pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes seria um “marco do restabelecimento da relação entre os Poderes”. No dia seguinte, Bolsonaro criticou a sua decisão e atacou Moraes. Como será possível retomar a harmonia?
São duas situações. Primeiro, a crítica do presidente da República à decisão de arquivamento do processo de impeachment é natural. Ele teve uma pretensão resistida e indeferida. A segunda parte, que é a manutenção de críticas muito ostensivas à Suprema Corte e aos seus integrantes, realmente não contribuem. Isso dificulta o processo de pacificação institucional que buscamos.
Acha que está isolado ao insistir em uma nova reunião entre os Poderes?
Não. Tenho absoluta certeza de que o pensamento do deputado Arthur Lira (presidente da Câmara) é o mesmo, de apaziguar. Sei também da disposição do ministro Luiz Fux (presidente do STF) de fazer o mesmo. Há uma comunhão de vontades nesse sentido.
Por que não citou o presidente Bolsonaro entre as autoridades dispostas ao diálogo?
O presidente Bolsonaro tem falado e agido no sentido de afirmar suas próprias convicções. Espero que ele possa contribuir para esse processo de pacificação, porque há inimigos batendo à nossa porta, que não somos nós mesmos, mas a inflação, o aumento do dólar, o desemprego, o aumento da taxa de juros e a crise hídrica e energética, que pode ser avassaladora. É importante que tenhamos um freio naquilo que não interessa para cuidar do que importa ao Brasil.
Quando falou com o presidente pela última vez?
Estive com ele (Bolsonaro) muito rapidamente no Dia do Soldado, em um evento no Exército. Falei com ele na véspera do dia do desfile das viaturas e dos tanques. Pessoalmente, foi um pouco antes disso. Então, já há algum tempo que não sentamos à mesa para tratar dos problemas do país. Acho até que isso precisa acontecer mais rapidamente.
O senhor teme que as manifestações de 7 de setembro saiam do controle?
Manifestações são próprias da democracia. Temos que respeitá-las, mas manifestações que tenham como objetivo retroceder a democracia, pretender intervenção militar ou a ruptura institucional ferindo a Constituição devem ser repelidas no campo das ideias.
Como vê a mobilização de PMs em torno das manifestações pró-Bolsonaro?
Se eu disser que conheço todas as Polícias Militares, vou estar mentindo, mas conheço algumas, em especial a de Minas Gerais e a de São Paulo. Sei que são corporações absolutamente conscientes, muito respeitadas pela sociedade, cumpridoras dos seus deveres e defensoras da democracia.
Há algum risco de ruptura institucional por parte de militares? Qual é a sua percepção dos encontros que teve com integrantes das Forças Armadas?
São instituições maduras, com um patriotismo muito forte e com obediência absoluta ao estado democrático de direito. Nesta semana, estarei no comando da Aeronáutica novamente para conversar com os brigadeiros, a convite do Alto Comando da Aeronáutica. Tenho mantido esse contato constante com essas instituições e vejo nelas uma obrigação de defesa do Brasil. Nós não admitiremos qualquer retrocesso e tenho certeza que também esse será o papel das Forças Armadas.
A participação do presidente em um desfile de blindados em frente à Praça dos Três Poderes não gera ruídos?
São episódios desnecessários, que deveriam ser evitados, especialmente neste momento em que há esses rumores. Mas não faço deles algo mais importante do que verdadeiramente são. O que vale é que temos as Forças Armadas conscientes do seu papel e muito bem comandadas por pessoas que têm esse compromisso com o país e que não se aventurarão em disputas ideológica e política.
Os ataques constantes do presidente ao sistema eleitoral podem colocar as eleições em 2022 sob algum risco?
Os ataques ao sistema eleitoral, sem fundamentos, são muito ruins, porque jogam em descrédito um sistema que, até pouco tempo atrás, era dado por nós como um orgulho nacional. Mas não considero que isso seja capaz de deslegitimar o resultado eleitoral. As eleições de 2022 vão acontecer, porque elas são fundamentais para a democracia.
Quais são as pautas prioritárias no Senado até o fim deste ano?
Todas são prioritárias. Nesta próxima segunda-feira, terei uma reunião com o ministro Paulo Guedes. Quero fazer uma conversa de compreensão sobre o que são as prioridades do governo como alguém que possa ser colaborativo e, ao mesmo tempo, crítico daquilo que não se deva ter. Por exemplo, eu não posso permitir que haja, a pretexto de uma reforma tributária, um projeto que pura e simplesmente aumente impostos para o contribuinte. Isso é muito ruim. Devemos evitar isso. Na próxima semana, terei uma conversa com o ministro Bento Albuquerque, de Minas e Energia, sobre um problema gravíssimo que nós temos: precisamos de um planejamento para as crises hídrica e energética. O que nós não podemos definitivamente fazer é interromper o diálogo. Se isso ocorrer, vai ser muito nocivo para o Brasil.
Como avalia a retomada das coligações partidárias nas eleições proporcionais, aprovada pela Câmara?
Sou a favor do sistema proporcional sem coligações partidárias e com imposição da cláusula de desempenho. Vamos submeter ao Senado para que a maioria decida, mas a volta ao modelo anterior é um retrocesso.
O senhor defende que o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) paute a sabatina de André Mendonça, ex-chefe da AGU, para o STF?
É importante que o Senado dê uma resposta e que haja sabatina, a submissão do nome ao plenário do Senado para o escrutínio dos senadores. Não só no caso do ex-ministro André Mendonça mas também em todas as demais indicações.
Como o senhor vê a iniciativa do governo Bolsonaro de turbinar o Bolsa Família?
O programa social é uma prioridade. É inegável que ele tem que existir, em razão da pobreza que temos. Ressinto a falta de um Ministério do Planejamento independente da Economia, para termos um planejamento nacional de políticas dos ministérios, políticas públicas. Política econômica é algo muito amplo, que deve ser feito por especialistas, mas que não possam ser despidas de sensibilidade social.
As pesquisas apontam uma polarização entre Bolsonaro e o ex-presidente Lula. É possível emergir desse cenário um candidato de centro?
Várias hipóteses podem acontecer, mas considero que vai depender muito do andamento do Brasil nos próximos meses. O cenário eleitoral vai ser definido em 2022. Neste momento, o Brasil não precisa de candidatos à Presidência. O Brasil precisa do presidente buscando unificar o país para os problemas imediatos que nós temos.
O senhor se vê como potencial candidato do centro?
Não considero essa hipótese de candidatura neste instante em que se recomenda ter um presidente do Senado que possa enfrentar os problemas. Disputa eleitoral é inoportuna no momento, em especial para o presidente do Senado.
O senhor dizia ser contra a abertura da CPI da Covid. Agora, avalia que a comissão tem desempenhado um papel importante?
Temos que avaliar o retrato do momento em que decidi não abrir a CPI. Naquele momento, tínhamos mais de 4.000 mil brasileiros morrendo todos os dias só pela Covid-19. Era um momento muito crítico, de muita desunião. Não tínhamos uma escala de vacinas. Eu achava que a CPI, naquele momento, poderia ser um fator de desagregação maior e de insegurança jurídica para a estabilização do combate à doença. Mas eu não nunca desvalorizei a CPI e o seu papel. Nem nunca disse que ela não seria aberta. Eu apenas discuti o momento da abertura. A minha esperança é que a CPI possa cumprir o seu papel de apurar responsabilidades, autoria, materialidade, tipicidade de fatos e que aqueles que tenham praticado qualquer tipo de ação antijurídica possam ser responsabilizados.
O presidente da Câmara criticou o andamento de algumas pautas no Senado como a privatização dos Correios e o licenciamento ambiental. O senhor acredita que Arthur Lira espera que o Senado passe a aceitar decisões da Câmara, sem alterações?
Eu não recebo essa ponderação do presidente Arthur Lira como uma crítica ao Senado, mas apenas como um exercício de pretensão de que aquilo que foi aprovado na Câmara também o seja no Senado Federal. Nós também temos um uma porção de projetos aprovados no Senado que, ao longo de anos, estão na Câmara aguardando uma definição. Nem por isso eu digo que a Câmara está deixando de cumprir o seu papel. O que temos no Senado é a preocupação de aprofundar as matérias, de não ter açodamento, de termos a reflexão necessária por meio das comissões e do plenário. Cada um tem o seu perfil. Eu tenho um aspecto mais moderado. Não significa que eu seja lento. Mas eu gosto de refletir, de aprofundar, de submeter aos pares uma discussão realmente mais duradoura dos projetos de lei. Cada um tem o seu perfil e ambos se complementam e prestam um bom papel de unificação no Congresso Nacional.
*Título do texto original alterado para publicação no portal da FAP
Ascânio Seleme: O poder político é civil
Ideia de reunião com os chefes das três Forças Armadas é oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem
Ascanio Seleme / O Globo
Não se deve oferecer poder político a quem por direito constitucional não o tem. A ideia dos governadores de se reunirem com os chefes das três Forças Armadas para medir a temperatura e tratar das manifestações do dia 7 de setembro é exatamente isso, dar força e poder político aos militares. O Brasil não precisa disso numa hora como esta. Conversar com os chefes militares pode até ocorrer, mas informalmente e nunca de maneira concertada e coletiva. No caso, os militares têm um dever constitucional e a ele devem se ater. Se ocorrer um badernaço de policiais militares armados no dia 7, caberá às Forças Armadas intervir para manter a lei e a ordem, como manda a Constituição. E ponto.
Generais só devem ser ouvidos sobre questões militares ou que envolvam atividades fora das definições constitucionais em que as Forças Armadas possam ser empregadas. Se um governador precisar da ajuda do Exército para abrir uma estrada ou construir uma ponte, por exemplo. Ou se um ministro precisar do serviço da Aeronáutica para transportar vacinas para um local que não é servido por linhas aéreas comerciais. Conversar com militares sobre suas atribuições constitucionais é chover no molhado. Sabem o que o general Paulo Sérgio, comandante do Exército, responderia aos governadores se estes lhes perguntassem como agiria em caso de baderna no 7 de setembro? Que agiria de acordo com o que determina a Constituição.
Aliás, o general Paulo Sérgio disse esta semana que o Exército respeitará sempre seus limites constitucionais. Falou isso no discurso que fez no dia do soldado. Foi claro diante do presidente da República, que ouviu calado. Mesmo que Jair Bolsonaro tente dar um golpe (e vai tentar), não será no dia 7 de setembro deste ano. E no momento em que tentar, pelo que se ouviu no dia do soldado, será rechaçado pelo Exército. Poderá ter o apoio de policiais militares? Sim. Mas estes nada podem sozinhos, não são organizados nem disciplinados. Sua reputação é péssima em todas as unidades da federação, ao contrário das Forças Armadas, uma das instituições mais respeitadas do país.
Exército, Marinha e Aeronáutica jamais se subordinarão a um golpe engendrado pela PM que, embora seja uma força de segurança pública, também em muitos casos é sinônimo de violência e terror. Tampouco as Forças Armadas se aliarão às milícias, quase todas formadas por ex-oficiais e ex-praças das PMs e dos Bombeiros. O que resta a estes agitadores que pretendem se manifestar armados no dia 7 é a baderna.
Usar a arma da corporação para se manifestar em vias públicas e ameaçar a democracia é crime. PMs armados em ato civil são declaradamente covardes. Qualquer ato de violência que vier a ocorrer será de responsabilidade destes que desrespeitam as leis e a Constituição. E devem ser punidos. É importante que os opositores de Jair Bolsonaro entendam isso e não insistam em se manifestar no mesmo dia. Podem dar o argumento que os extremistas precisam para iniciar a baderna e responsabilizar o outro lado.
Embora o Congresso estude uma quarentena de cinco anos para militares disputarem eleição, ninguém tem medo de medir forças com eles. Mas que venham desarmados, sem as fardas, reformados, e pelo voto. Em 2018, arrastados pelo fenômeno que elegeu Jair Bolsonaro, 72 militares foram eleitos para exercer mandatos nas câmaras estaduais e federal e no Senado. Menos de 5% dos 1626 parlamentares eleitos naquele ano excepcional. Dos 27 governadores eleitos, dois são militares reformados.
Todos os militares foram eleitos depois de se reformarem. Embora muitos usem seus antigos cargos antes do nome, como o ex-senador major Olímpio, nenhum deles é mais militar. São todos civis e só por isso foram habilitados para disputar um cargo eletivo. O poder político é civil no Brasil, manda a Constituição. Quer usar farda e armas pagas pelo Estado? Então fique no quartel. A beleza da democracia é que o eleito será sempre aquele que o povo escolher. Pode ter sido coronel, sargento, professor ou advogado, pode nem ser o melhor, mas sempre será um civil escolhido pelos eleitores de maneira livre e secreta.
Negociar o quê?
Os governadores, liderados por João Doria, erram ao tentar negociar com o presidente Jair Bolsonaro. Não há o que negociar. Não há mais diálogo possível com o chefe do Executivo. Os entendimentos têm que ser feitos com os Poderes Legislativo e Judiciário, com os setores organizados da economia, o agronegócio incluído, com sindicatos patronais e profissionais, com a comunidade acadêmica e com a sociedade civil. É impossível pacificar o país convencendo Bolsonaro que o caminho moralmente aceito e constitucionalmente possível não é o dele.
Não chamem os bombeiros
Neste momento, bombeiros apenas atrapalham o percurso que o Brasil terá de seguir até se ver livre de Bolsonaro. O ministro Luiz Fux já tirou o uniforme e o capacete e voltou a usar a toga.
Cabeça de bozo
Os brasileiros lotaram as praias e os parques no fim de semana passado. Ipanema, vista de quem andava do outro lado da calçada, parecia viver um veranico normal, como se estivéssemos em agosto de 2019. Havia de tudo naquela orla, menos máscaras. Ah, sim, faltaram também as bandeiras do Brasil.
Beija mão 1
O presidente parece mesmo disposto a destruir a candidatura de André Mendonça para o Supremo. Jogou Mendonça aos lobos ao informar aos apoiadores do seu curralzinho no Alvorada que o candidato a juiz se comprometeu de rezar na primeira sessão de cada semana da Corte e com ele almoçar uma vez por semana.
Beija mão 2
Quem notou o gesto e já fez um rápido movimento para ocupar o vácuo involuntário deixado por André Mendonça foi o ministro do STJ João Otávio Noronha.
Beija mão 3
O apoio do pastor Silas Malafaia ajuda ou atrapalha a candidatura de Mendonça? Se desse para agradecer e dizer “não, obrigado”, essa era a hora.
Nosso Rio
Muito bom o Instagram da Prefeitura do Rio. Moderno, ágil, didático, bem humorado. Vale como uma aula de comunicação.
Melhor calar
Lula é mesmo muito corajoso. Podia ficar na dele, calado sobre assuntos polêmicos em que o PT está do lado errado da corda esticada. No caso da censura à imprensa, apelidada de regulação da mídia pela sua turma, Lula disse que será prioridade em seu governo. Por falar demais, deixou escapar sua real motivação: “Eu vi como a imprensa destruía o Chávez”. Significa que é melhor calar a imprensa antes de ouvir dela denúncias contra o seu governo. Na Venezuela, aliás, a imprensa foi dizimada por Chávez e Maduro.
Respeitem os índios
Não é de hoje que os índios brasileiros são desrespeitados e vilipendiados por seus conterrâneos não originários. Quase todos os ataques que sofrem têm natureza econômica em razão da ocupação e exploração de terras. Mas eles também sofrem preconceitos racistas facilmente identificados. O que os índios brasileiros querem é viver em paz nas suas terras. E querem também, se entenderem ser este o caso, ter o direito de eles próprios explorarem seus recursos naturais e suas áreas agricultáveis. Deve-se respeitar o índio como nosso mais rico patrimônio antropológico.
Pobre Minas
Quem achava que Minas Gerais não poderia chegar mais fundo no poço em que se meteu, surpreendeu-se com a aparição de Romeu Zuma, na cola do meteoro Bolsonaro de 2018. O governador causa mais vergonha aos mineiros do que um de seus mais célebres antecessores. Minas está cada vez mais parecida com o Rio. Acha o governador atual ruim? Corrupto? Espere o próximo.
Chora mais
Fabio Rigo, herdeiro da empresa que produz o arroz Prato Fino, atacou o SUS no seu Twitter, disse que teve Covid sem sentir cócegas, que não vai se vacinar e concluiu com a frase imortal dos abusados: “Quem pode mais, chora menos”. O tweet foi postado 16 horas depois de o Grêmio, seu time de coração, levar de 4 X 0 do Flamengo. Com todo respeito aos demais gremistas, chora mais, Rigo.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/o-poder-politico-civil-25174643
Vera Magalhães: Choro ainda é grátis, ministro Paulo Guedes
Ministro chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços e do impacto que isso terá na vida dos brasileiros
Vera Magalhães / O Globo
Para o ministro Paulo Guedes, a conta de luz vai aumentar mais, e não adianta nada ficar sentado chorando. Em tempos de inflação descontrolada, mortes aos borbotões e ataques sistemáticos à democracia e ao bom senso, chorar é uma das poucas coisas de graça à disposição do brasileiro.
O resto todo ofertado pelo governo que Guedes insiste em servir tem cobrado um alto preço moral, mental, político e econômico.
É altamente oneroso ter de aguentar uma frase fora de esquadro do ministro da Economia cada vez que a vida real evidencia o descompasso entre o que foi prometido por ele desde 2018 e o que vemos todos os dias no Brasil.
A crise hídrica de agora, que ameaça descambar para crise grave de fornecimento de energia e, consequentemente, para mais um entrave numa já não cumprida retomada econômica, não é uma inevitabilidade contra a qual não adianta chorar, como quer fazer crer o ministro.
Pode ser que, para alguém como ele, o aumento na conta de luz devido ao reajuste da bandeira tarifária não tenha nada demais. “Qual o problema?”, questiona — e o mais grave é que ele parece de fato não entender qual é!
Assim como não vê a escalada autoritária do presidente a que responde nem admite que está sendo empurrado pelo Centrão para a beirinha do precipício fiscal, o ministro agora chega ao cúmulo de fazer pouco do galope dos preços, administrados ou não, e do impacto que isso tem para levar muitos brasileiros (eleitores, ministros) de fato às lágrimas.
O aumento da conta de luz pode significar a diferença entre a pessoa ter dinheiro para pagar o boleto ou não. Assim como a escalada dos combustíveis está deixando em casa o desempregado que já tinha migrado para os serviços de aplicativo de transporte para ter uma renda. Muitas vezes o que esse “engenheiro, advogado que está dirigindo Uber”, categoria que já mereceu o desprezo de Milton Ribeiro, outro colega de Guedes desconectado da realidade da pasta que dirige, tira com uma corrida não compensa o que despende para encher o tanque. Mas qual o problema, não é mesmo? Vai ficar chorando em casa?
Enquanto Guedes e também Bolsonaro dão de ombros para a economia real — o primeiro porque vem sendo acossado pelo segundo para dar um jeito de parir a fórceps um programa de renda que salve seu couro nas urnas, e o segundo porque está todo dia tramando um golpe contra a democracia — , a crise hídrica galopou sem que houvesse um plano consistente de enfrentamento. O governo deixou de fazer seu trabalho, e o brasileiro que chore. E lute.
Na crise energética de 2001, igualmente um ano pré-eleitoral, Fernando Henrique Cardoso enfrentou um desgaste político enorme com o risco de apagão, mas entregou um racionamento para consumidores privados e públicos, empresariais e domésticos. Quem não economizasse pagava mais.
Foi criado um superministério para comandar o racionamento, comandado por Pedro Parente. O resultado foi que o apagão não veio.
Ganha um voto impresso emoldurado quem se lembrar de uma reunião que o fanfarrão Bolsonaro tenha organizado entre as várias pastas ligadas ao problema para equacionar a crise hídrico-energética e oferecer um plano que evite o colapso. Ele está muito ocupado redigindo pedidos de impeachment de ministros do Supremo em primeira pessoa e conclamando a população para um ato no Sete de Setembro, cujo objetivo sub-reptício é provocar a depredação ou invasão das sedes dos demais Poderes e fornecer uma desculpa esfarrapada para um autogolpe com base na deturpação do artigo 142 da Constituição. Prioridades, pessoal. Qual o problema de a energia ficar um pouco mais cara enquanto quem foi eleito para governar se ocupa com balbúrdia? Chorões, vocês, hein?
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/vera-magalhaes/post/choro-ainda-e-gratis-guedes.html
Míriam Leitão: Crise se agrava no setor elétrico brasileiro
Governo está atrasado porque é negacionista também no assunto e tem medo da queda da popularidade de Bolsonaro
Míriam Leitão / O Globo
A crise no setor de energia se agravou nos últimos dois meses, mas os especialistas já haviam alertado que isso iria acontecer. Ontem o governo convocou a imprensa para anunciar que haverá três programas para redução de consumo. Um para as grandes empresas, um para os consumidores residenciais e outro para os órgãos federais. A coletiva foi marcada pelo improviso e pela falta de informações sobre o funcionamento e os custos dessas medidas. O ministro Bento Albuquerque continua errando na comunicação, ao afirmar que não trabalha com a hipótese de racionamento. Na prática, isso já começa a acontecer para os órgãos federais. O governo está atrasado porque é negacionista também nesse assunto e tem medo da queda da popularidade do presidente Bolsonaro.
Os programas de redução de consumo só foram apresentados agora, no oitavo mês do ano. As empresas dizem que levará tempo até que haja confiança para uma adesão expressiva. Os órgãos federais que descumprirem as metas não serão punidos. E o consumidor residencial não sabe quem pagará pelo seu bônus. O risco é que seja ele mesmo, com aumento de bandeira tarifária. Ganha-se um desconto de um lado, paga-se mais via encargos de outro. Os especialistas são unânimes em afirmar que não há uma campanha de comunicação que mostre a gravidade desta crise elétrica.
O nível de água dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste está em 22,7%, o menor patamar para agosto dos últimos 20 anos, superando inclusive 2001. Essas duas regiões representam 70% da capacidade de armazenagem do sistema. A situação é crítica. Circula a informação no setor de que o presidente Bolsonaro vetou um pronunciamento que seria feito pelo ministro Albuquerque em rede nacional na última segunda-feira. Bolsonaro não quer notícia ruim às vésperas das manifestações do 7 de Setembro. Trocou-se isso por uma coletiva transmitida pelo canal oficial do ministério nas redes sociais.
As grandes indústrias dizem que é cedo para avaliar a eficácia do programa de racionamento voluntário. O consumidor cativo pagará os custos da medida sob a forma de Encargo de Serviços do Sistema. Esse é o mesmo encargo que contabiliza os gastos com as termelétricas, que continuarão operando em carga máxima. Ou seja, um custo irá se somar ao outro. As indústrias temem que o voluntário vire compulsório.
— Como o governo é pouco confiável, se você entrar nisso ele pode te obrigar depois. É o risco de o governo forçar a mão caso a situação se agrave. Ainda não houve uma postura de real conversa com a sociedade, com abertura dos dados para todos os agentes sobre esta crise. Como confiar? — diz o representante de um setor industrial.
O ex-diretor-geral da ANP David Zylbersztajn, especialista em setor elétrico, afirma que o risco de faltar energia em horários de pico no final do ano tem aumentado. No passado, houve governantes que contaram com a sorte e a chuva os salvou, mas não se deve apostar nisso.
— Bolsonaro precisa entender que há um risco de 30% de faltar energia. É um percentual muito alto. Ele está apostando nos 70%. O Lula fez isso em 2008 e deu certo. A Dilma fez isso em 2014 e empurrou a crise para 2015. Mas é papel do governo pensar no pior cenário. Se ele acontecer, será dramático para a economia — afirmou.
O consultor Luiz Augusto Barroso, da PSR, diz que o cenário piorou muito em relação às suas análises anteriores e as previsões de chuvas para o mês de setembro não estão boas. Com o baixo nível de água, o sistema elétrico já está operando no limite, o que aumenta o risco de falhas nos sistemas de geração e transmissão. Ele acha que algumas medidas do governo têm dado certo, como a flexibilização dos limites de armazenamento e vazão de água das hidrelétricas e o aumento de importação de energia de países vizinhos. Sobre o programa de redução de consumo das residências, diz que é fundamental, mas ainda faltam detalhes.
— Disseram que o dinheiro não virá do Tesouro, mas da tarifa. Ainda está pouco claro sobre como isso vai funcionar — afirmou.
Itaipu está hoje gerando 39% da sua capacidade. Se não fosse a energia dos ventos e do sol, que não havia na crise de 2001, o Brasil já poderia estar em colapso. A eólica em agosto gerou 166% mais energia do que Itaipu no Brasil, e o sol chegou a 10 GW de potência instalada.
A crise hídrica impacta a economia dramaticamente e já está afetando as famílias pela inflação da energia. O governo ao atuar do lado da oferta — e só agora ter medidas para conter a demanda — está contratando aumentos futuros e elevando os riscos do país.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/crise-se-agrava-no-setor-eletrico.html
Malu Gaspar: República dos bananas
Encontro de governadores acabou girando em torno das ameaças à democracia feitas pelo presidente Jair Bolsonaro
Malu Gaspar / O Globo
Quando os governadores se reuniram na segunda-feira, a partir de Brasília, um pedido de impeachment do ministro do Supremo Alexandre de Moraes, enviado ao Senado por Jair Bolsonaro, esperava na gaveta por uma resposta do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Em São Paulo, um coronel da ativa, comandante de sete batalhões com 5 mil homens da Polícia Militar em 78 municípios do estado era afastado pelo governador João Doria (PSDB).
Ele se manifestara politicamente, o que é vedado aos militares, atacando o STF e o próprio Doria e insuflando, nas redes sociais, a participação em atos bolsonaristas previstos para 7 de setembro. O risco de ruptura ocupava as mentes de figuras de proa do Judiciário, do Legislativo e até do Executivo. Daí por que o encontro de governadores que previa discutir temas mais práticos, como a reforma tributária, acabou girando em torno das ameaças à democracia feitas por Bolsonaro. Mal se começou a discutir a ideia de uma carta conjunta contra os arroubos golpistas do presidente, a coisa desandou.
O governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), apelou para a abertura de um diálogo com o presidente. O mineiro Romeu Zema (Novo) completou:
— (Se) ficar mandando pedra mais uma vez, nós vamos cair nessa vala da polarização de que estamos só seguindo caminhos opostos e cada vez mais distantes.
Ronaldo Caiado (DEM), de Goiás, apoiou. Não adiantou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PSB), apelar, dizendo que “o silêncio pode significar a omissão dos bons” ou mesmo conivência. Nem lembrar que, passado o golpe de 1964, “todos os governadores sofreram, sem exceção, inclusive os que haviam apoiado a ruptura antidemocrática”.
Ao final, a carta enfática em defesa da democracia virou um pedido de reunião com Jair Bolsonaro. Ele, porém, deu de ombros. Por meio de seus ministros palacianos, já mandou dizer que só se encontrará com governadores aliados, porque não quer dar palco para os outros fazerem proselitismo em cima dele. Ou seja, mandou a proposta de diálogo para a “vala da polarização”.
No Senado, no dia seguinte, o procurador-geral da República, Augusto Aras, protagonizou um espetáculo. Disse que bate, sim, no presidente da República, mas listou uma série de apurações internas que não deram em nada. Para justificar por que afinal não aplicou sequer uma multa a Bolsonaro por não usar máscara e promover aglomerações na pandemia, Aras lançou uma pérola:
— Não tenho dúvida da ilicitude, de que há multa, mas também não tenho dúvida de que, num sistema em que vige o Direito Penal despenalizador, falar em crime pode ser extremamente perigoso.
Ora, o que pode haver de perigoso em aplicar a lei? Se o próprio procurador-geral da República opinou em processos no STF a favor de multas e sanções para quem desrespeitasse a obrigatoriedade do uso da máscara? Talvez a melhor resposta esteja no termo “perigoso”. Para Aras, é perigoso afrontar o “sistema e criminalizar a política”, mesmo que os políticos cometam crimes.
Os governadores voltaram a seus dilemas locais, buscando formas de monitorar e evitar maiores problemas no 7 de setembro. O procurador-geral da República saiu do Senado reconduzido, alisado e bajulado indistintamente por governo e oposição. Pelo menos o senador Rodrigo Pacheco rejeitou o pedido de impeachment do ministro Moraes, como esperado. Com seu gesto, jogou água na fervura da crise, mas sabemos que o alívio só dura até a próxima provocação.
A raiz do problema, porém, permanece. Parece que se estabeleceu um consenso tácito — em estrato relevante da classe política e do próprio sistema de Justiça — de que realmente é perigoso seguir a lei no Brasil. Que é perigoso se posicionar a favor da democracia. Que é melhor não irritar o presidente da República para não causar ainda mais tumulto.
Parecem confortáveis numa espécie de acomodação bem abrasileirada, em que as mesmas pessoas que num dia garantem não haver risco de golpe, no dia seguinte afirmam que afrontar Bolsonaro seria “perigoso”. Vamos ignorá-lo, sugerem alguns. Vamos contê-lo, promete o Centrão, que a cada semana recebe uma prova de que não está dando muito certo. Só não vamos provocar o maluco. É perigoso.
Enquanto isso, Bolsonaro segue seu jogo, que — admitamos — é transparente e aberto. E que dificilmente chegará ao almejado golpe, mas fará muito estrago no caminho. Vai ver estamos esperando muito de nossas lideranças políticas, e quem está certo é o presidente, que obviamente confia estar comandando não uma República de bananas, mas sim a República dos bananas.
Fonte: O Globo
Merval Pereira: Visão regressiva dificulta aprovação de Mendonça
Bolsonaro parece querer dificultar ainda mais a aprovação do ex-advogado-geral da União na sabatina do Senado
Merval Pereira / O Globo
Ao afirmar que fez um pacto com seu indicado a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), André Mendonça, de que ele abriria toda semana os trabalhos no tribunal com uma oração e de que se encontrariam toda semana para conversar, o presidente Bolsonaro parece querer dificultar ainda mais a aprovação do ex-advogado-geral da União no Senado.
Anunciar que “despachará” semanalmente com um ministro do Supremo é desmerecer o tribunal, embaralhar a separação dos Poderes, rebaixar o Judiciário a um “puxadinho” do Palácio do Planalto. Não se sabe se o outro ministro indicado por Bolsonaro, Nunes Marques, tem esse hábito de “despachar” com o presidente, mas dá para perceber a interferência dele nos votos, quase sempre favoráveis às posições do governo.
Tanto quanto dá para vislumbrar no procurador-geral da República, Augusto Aras, agora reconduzido, uma postura mais que respeitosa ao presidente da República. Basta ver que Aras, em sua sabatina no Senado, fez questão de dizer que não era o PGR da oposição, mas não fez a ressalva quanto à situação.
Quanto às orações semanais no início das sessões do Supremo, André Mendonça prometeu o que não poderá cumprir. Depende do presidente do STF, hoje o ministro Luiz Fux, abrir as sessões. Se alguém tivesse de rezar, seria ele ou outro de seus pares quando presidir as sessões, não um ministro, muito menos o mais novo.
Essa questão religiosa já foi enfrentada pelo Judiciário, na teoria e na prática. A escolha religiosa do indicado nunca foi empecilho para nomeação, ser ou não adepto de uma religião não é característica nem favorável nem contrária à nomeação de alguém com “notável saber jurídico”. O que se deve evitar é a subserviência do indicado ao presidente que o indicou.
Boa parte dos senadores considera ser esse o caso de André Mendonça. Quando presidente, Lula indicou para uma das vagas do Supremo o ministro do STJ Carlos Alberto Direito, “terrivelmente católico”. Ele morreu no exercício do cargo, tendo sido um ministro austero e competente.
Quando presidiu o Supremo, de 1971 a 1973, Aliomar Baleeiro, que era agnóstico, mandou retirar o crucifixo feito por Alfredo Ceschiatti que ficava na parede de madeira pau-brasil atrás do presidente. Só em 1978 ele voltou à parede, na presidência do ministro Thompson Flores. Muitos tribunais pelo país têm crucifixos, e já houve uma representação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para retirar símbolos religiosos de repartições do Poder Judiciário, mas a decisão foi a favor da tradição, de um país majoritariamente cristão, sem significar uma quebra da separação da Igreja com o Estado, definida na Constituição republicana de 1891.
A influência que Bolsonaro quer ter no plenário do Supremo foi posta à prova recentemente, durante a pandemia. O ministro Nunes Marques, atendendo a uma ação da Associação Nacional de Juristas Evangélicos, permitiu atividades religiosas presenciais, que haviam sido proibidas em alguns estados devido à necessidade de distanciamento social.
Para complicar a situação, Nunes Marques deu como razão “por vivermos em momentos tão difíceis, mais se faz necessário reconhecer a essencialidade da atividade religiosa”. Dias depois, em outra ação, o ministro Gilmar Mendes confirmou decisão do governo de São Paulo de proibir reuniões religiosas na fase mais aguda da pandemia. Gilmar se referiu em seu voto à hipocrisia dos que falam em Deus e defendem a morte.
No julgamento em plenário sobre o tema, o então ministro da Advocacia-Geral da União André Mendonça defendeu a reabertura dos templos citando trechos da Bíblia. O advogado do PTB na sustentação oral também citou a Bíblia ao se referir aos ministros que votariam pelo fechamento dos templos: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”. O presidente Luiz Fux o repreendeu: “Nossa missão, além de guardar a Constituição Federal, é lutar pela vida e pela esperança. Estamos vigilantes na defesa da vida e da Humanidade”.
A pretexto de defender “valores cristãos”, o que Bolsonaro quer, na verdade, é tentar reverter decisões do Supremo como as a favor da união homoafetiva, a permissão de aborto de feto anencéfalo e outros temas que representam uma evolução moral civilizatória oposta a sua visão regressiva.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/visao-regressiva.html
*Título do texto original foi alterado para publicação no portal da FAP