O Globo

O Globo: Stepan Nercessian mostra seu lado B em estreia como escritor

Cinquenta anos após começar na TV, ator ingressa na literatura com 'Garimpo de almas', romance que revela sua faceta menos irreverente, 'da qual não dava para ficar falando na mesa de botequim'

Silvio Essinger, O Globo

RIO - Stepan, o boa praça. Stepan, o irreverente. Mas que tal Stepan Nercessian, o literato? “As almas me procuram e delas não fujo”, escreve ele em seu primeiro romance, o recém-publicado “Garimpo de almas” (Tordesilhas). “Tal como os seres humanos, elas trazem aflições e dúvidas. Muitas choram, inconformadas com o que o destino lhes reservou. Outras brincam, galhofam e se aprazem em perturbar a vida alheia. E existem as prepotentes, tiranas, que querem impor ao mundo sua visão.”

Delírios, desemprego, depressão, bullying, escravidão, assassinos de aluguel, animais selvagens... tudo isso está nas histórias que o ator de 67 anos conta em sua narrativa fragmentada. “Garimpo” é um livro em que ele se move pelas paisagens interioranas da infância e pela cidade grande. Que lembra o tempo passado de um Brasil violento e navega por uma atualidade não muito diferente.

— As coisas que a gente imaginava enterradas voltam, porque foram enterradas em covas rasas, elas são como aqueles caixões que boiam nas enchentes — filosofa Stepan, em entrevista por telefone. — Eu tenho esse outro lado (menos alegre) do qual não dava para ficar falando na mesa de botequim, mas que eu precisava colocar para fora. Essa dualidade sempre existiu na minha vida.

Páginas na gaveta

A vontade de escrever um romance vinha de mais de 20 anos. Rendeu muitos rascunhos, textos deletados por engano e umas 20 páginas impressas que Stepan resgatou de uma gaveta em 2018. Foram essas últimas que acabaram servindo de ponto de partida para o “Garimpo de almas”.

— Usei umas oito dessas 20 páginas e o resto veio todo como coisa nova — conta ele, que daí em diante recorreu a um processo muito particular de costura de histórias para estruturar o livro. — Eu não conhecia técnicas ou regras para se fazer um romance, não sabia dizer nem quem deveria ou não ser o narrador, fui descobrindo isso enquanto escrevia. Eu brinco no livro que são as almas me pedindo para contar suas histórias. Escrevi tudo de uma vez só, uma coisa atrás da outra.

Prefaciado pelo cineasta Cacá Diegues (com quem Stepan fez o filme “Xica da Silva”em 1976), “Garimpo de almas” tem um trecho muito simbólico para Stepan, no qual um menino pergunta a si mesmo, quando velho, o que foi que ele fez com a sua vida.

— Eu me pergunto muito isso. Às vezes eu olho para trás e penso que eu era muito melhor do que sou. Eu tinha menos juízo, mas era mais puro — analisa-se o ator, que na adolescência em Goiânia participava do movimento estudantil e era filiado ao “partidão” (o Partido Comunista do Brasil). — Quando veio aquela fase horrorosa (do AI-5), eu já tinha precedente na família. Minha irmã mais velha, Armínia, tinha sido presa. Acabei sendo proibido de estudar em colégio público, ganhei uma bolsa em colégio particular e no primeiro mês já estavam me acusando de ter soltado uma bomba.

Marcelo Zona Sul

No fim dos anos 1960, Armínia foi para o Rio e começou a namorar o diretor de cinema Xavier de Oliveira, que então planejava filmar o longa de ficção “Marcelo Zona Sul” (1970). “De sacanagem”, como diz, Stepan foi ao Rio fazer teste e acabou sendo foi escolhido para o papel principal: o do inconsequente garotão que namora a bela Renata (Françoise Forton, também estreando no cinema) e, ao ter a mesada cortada, resolve viajar pelo mundo de carona.

— Na época, eu ficava indo e voltando de Goiás, me achava muito jovem — diz. — Meu pai brincava que ainda eu não tinha idade nem para fazer papel de corno! Mas aí o Reginaldo (Faria) me chamou para fazer o segundo filme (“Pra quem fica, tchau”, de 1971), a televisão me chamou (para a novela “Bandeira 2”, também de 71) e eu fiquei. Eu tinha 17 anos, meu primeiro salário quem recebeu foi meu pai. Sou tão velho que o primeiro filme e a primeira novela que fiz foram em preto e branco!

O sotaque que, segundo Stepan, é uma mistura de goiano, cearense (do pai), armênio (dos antepassados) e dos 50 anos de Rio nunca o prejudicou na carreira de ator.

— Ficou um sotaque nacional. Depois fiz personagens do submundo carioca, barra pesada, como na “Rainha Diaba” (filme de 1974, de Antonio Carlos da Fontoura), e tem muita gente que não acredita que eu não sou carioca — jura. — O que sofri mesmo foi com essa tendência de, quando você faz bem uma coisa, te botarem para fazer ela sempre. Nesse sentido, o Chacrinha (papel pelo qual ganhou o Grande Prêmio de Cinema Brasileiro de ator em 2019) foi surpreendente. Tem gente que só foi ver que eu era um bom ator, depois de 50 anos, vendo o “Chacrinha”.

Vereador do Rio por duas vezes (entre 2005 e 2010) e deputado federal (2011 a 2015), Stepan se afastou da política, mas não do debate: ele vê a democracia em risco no país, com um presidente “absolutamente desnorteado” e negacionistas lotando os bares da Barra da Tijuca, onde mora.

— Estou perplexo com o momento da sociedade, muita gente pensa o oposto do que eu penso. São vizinhos, amigos e pessoas próximas vendo o mundo de uma maneira que eu nunca imaginaria que alguém ainda pudesse estar vendo. É cansativo, mas não dá para desistir — aconselha. — Não tem essa história de ficar descrente com a política e achar que essa é a hora de quem não faz política. É mentira. A política precisa fazer uma reforma em si mesma.

Com trabalhos que minguaram na pandemia (sua última participação na TV foi na novela “Éramos seis”, cujo fim foi antecipado pela Covid-19), Stepan optou há um ano “pelo isolamento radical”.

— Fui ao Retiro (dos Artistas, do qual é presidente) umas três vezes só, saí uma outra vez para gravar um “Sob pressão” e depois uns três dias para gravar um filme para Netflix. O resto do tempo eu fiquei trancado em casa. É um negócio que você não pode piscar, ou tá arriscado a morrer na praia.

Guia para inadimplentes e negativados

Os dias sem casa, o ator aproveitou para escrever mais um livro, o “Guia prático para inadimplentes e negativados”.

— Vou acrescentar o capítulo “e confinados”. O personagem ensina a arte de pedir, porque você não pode pedir errado — ensina ele, uma testemunha do melhor da boemia e da vida cultural do Rio desde os anos 1970, mas que, por enquanto, não pensa em autobiografia. —Talvez eu vá contando da minha vida ao longo das coisas que for escrevendo. Realmente fui um cara privilegiado, conheci os maiores artistas brasileiros, todo mundo ainda muito novo, e posso dizer que são todos meus grandes amigos. A única coisa que eu fico triste é de não ter nascido antes para conhecer Noel Rosa!


Elio Gaspari: Lula candidato

O caroço migrou para a elegibilidade do ex-presidente

O ministro Edson Fachin sacudiu o coreto das autoridades anulando as sentenças de Curitiba contra o ex-presidente Lula, devolvendo-lhe os direitos políticos. Hoje, Lula pode ser candidato a presidente no ano que vem.

O voto de Gilmar Mendes na Segunda Turma ilustrou a suspeição de Sergio Moro. Com a decisão de Fachin, o caroço migrou para a elegibilidade de Lula e para o previsível desconforto que isso provoca em quem o detesta. Numa frase: “Esse não pode”.

Lula poderá vir a ser condenado por um novo juiz, mas a sentença ficará com cheiro de gol feito durante o replay.

O “esse não pode” já custou caro ao Brasil. Em 1950, o jornalista Carlos Lacerda escreveu:

—O sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar.

Getúlio foi eleito, tomou posse, governou até agosto de 1954, matou-se e entrou na História. A revolução que Lacerda queria só veio dez anos depois.

Lacerda tinha credenciais para vencer a eleição de 1965. Fazia um governo estelar no falecido Estado da Guanabara, mas deveria disputar com o ex-presidente Juscelino Kubitschek, que dera ao Brasil “50 anos em cinco”. Até os primeiros meses de 1964, circulavam dois tipos de “esse não pode”. A esquerda não queria uma vitória de Lacerda, e uma parte da direita não queria a volta de Kubitschek.

Depois da deposição de João Goulart, a base militar da nova ordem não admitia entregar o poder a JK. Lacerda gostou da ideia, e o ex-presidente foi cassado. Por quê? Corrupção. (A sinopse diária que a Central Intelligence Agency deu ao presidente Lyndon Johnson no dia 13 de junho de 1964 contou que o presidente Castello Branco via na proscrição de JK o caminho para um governo “democrático e honesto”. Ele já havia dito que mostrar as provas “seria embaraçoso para a Nação”.) Não era bem assim.

Dias antes, fritando JK, o general Golbery do Couto e Silva, conselheiro de Castello, dividiu uma folha de papel em colunas e listou as “vantagens” e “desvantagens” da cassação de Juscelino Kubitschek. Intitulou-a com a sinceridade que se dá aos papéis pessoais: “Motivação real — Impedir que JK, fortalecido pela campanha contrária, enfrente a Revolução”. E, assim, Juscelino foi banido da vida pública por dez anos. Quando ele morreu, num acidente de estrada, seu funeral se transformou na maior manifestação popular ocorrida no país desde 1968, quando as ruas foram esvaziadas pelo AI-5.

Sem o “esse não pode”, em 1965 os eleitores brasileiros teriam votado em Lacerda ou JK. Nunca na História republicana o Brasil teve dois candidatos tão qualificados. Nem antes, nem depois. Passados os anos, nas duas turmas do “esse não pode”, muita gente qualificada reconhecia que qualquer um dos dois teria feito melhor do que se fez. (Lacerda, que defendeu a cassação de JK, dormiu preso num jirau de quartel em dezembro de 1968 e tornou-se uma alma penada na política nacional.)

O “PT não” colocou Jair Bolsonaro na Presidência. Os eleitores podiam ter colocado Geraldo Alckmin, Ciro Gomes ou João Amôedo, mas quem teve mais votos foi o capitão.

Falta mais de um ano para a eleição do ano que vem. Bolsonaro quer um novo mandato, e as inscrições estão abertas.


Bernardo Mello Franco: Eleição sem tapetão

A anulação das sentenças de Sergio Moro recoloca Lula no centro da corrida ao Planalto. É um lugar que ele ocupa desde 1989, quando os brasileiros recuperaram o direito de votar para presidente.

Lula perdeu três eleições, venceu outras duas e foi impedido de concorrer pela sexta vez em 2018. A um mês e meio das urnas, ele liderava a disputa com 39% das intenções de voto. O segundo colocado, Jair Bolsonaro, aparecia com 19% no Datafolha.

Nove dias depois, o Tribunal Superior Eleitoral barrou a candidatura do petista com base na Lei da Ficha Limpa. Bolsonaro assumiu a ponta e se elegeu com o pé nas costas, sem ir a debates e sem apresentar um plano de governo.

Nesta segunda-feira, o Supremo reconheceu que a condenação que afastou Lula das urnas foi irregular. O ex-presidente saiu do jogo pela caneta de um juiz que não tinha competência legal para julgá-lo.

Assim que a eleição terminou, o doutor abandonou a toga e se juntou à equipe do candidato vencedor. Sua adesão ao governo escancarou a utilização da Justiça como instrumento de um projeto de poder.

Ontem o ministro Gilmar Mendes perguntou qual país democrático aceitaria como ministro da Justiça o ex-juiz que afastou o principal adversário do presidente eleito. O Brasil aceitou.

A anulação das sentenças de Moro não repara o que ocorreu em 2018, mas abre caminho para uma eleição com menos interferência judicial em 2022. É uma boa notícia para uma democracia ameaçada por surtos autoritários.

A volta de Lula ao palanque ainda inspira muitas dúvidas. A primeira é se o ex-presidente vai endurecer o discurso ou retomar o figurino conciliador que o levou ao poder. A segunda é se ainda haverá espaço para uma candidatura competitiva na geleia geral que se intitula como “centro”.

Por enquanto, o único fato concreto é que Bolsonaro ganhou um adversário forte. Pesquisa divulgada no domingo pelo Ipec mostrou que o ex-presidente é, neste momento, o único político a superar o capitão em potencial de votos para 2022.

Quem embarcar na tese de que a candidatura Lula ajuda Bolsonaro arrisca comprar gato por lebre — ou pagar por vacina e levar cloroquina.


Vera Magalhães: Paredão falso no STF

Na segunda-feira, a expectativa era de que a coalizão de governadores e a intervenção branca do Congresso no Plano Nacional de Imunização poderiam suprimir poderes para a dupla Bolsonaro-Pazuello sabotar o país e dar algum rumo para o Titanic desgovernado no qual estamos enfiados rumando céleres para 3.000 mortes diárias por covid-19. Mas o Supremo Tribunal Federal decidiu que havia coisas mais urgentes para tratar.

Do nada, o ministro Edson Fachin acordou de um sono de quatro anos em que é o relator da Lava-Jato na Corte e, alarmado, constatou: a 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba não era, vejam só, o foro adequado para julgar o ex-presidente Lula. Foi tudo um lamentável engano, pelo qual ele infelizmente ficou preso, aliás em Curitiba, por 580 dias. Com o voto do próprio Fachin, esse distraído.

Metade das 46 páginas da decisão extemporânea do ministro é gasta para ele explicar o inexplicável: por que agora? E qual a extensão de sua decisão? Ele não diz. Talvez ainda não saiba.

Diante do inesperado, o ministro Gilmar Mendes resolveu abrir sua gaveta, espanar o pó e tirar de lá o HC da defesa de Lula que arguia a suspeição de Moro. O mesmo que Fachin esperava que fosse parar no triturador de papel diante da sua decisão.

Não só não foi como ele ameaça ficar isolado na Segunda Turma, uma vez que até a ministra Cármen Lúcia dá sinais de que votará com Gilmar, contra Moro.

Por que Fachin se expõe a tanto desgaste? Qual o cálculo de que anéis poderiam ser dados e dedos poupados com essa lambança?

E Gilmar Mendes, que nesta terça-feira repetiu a performance indignada de sempre contra a Lava-Jato, por que então aguardou mais de um ano com esse HC em seu gabinete? Se de um dia para outro já tinha um voto tão sólido e volumoso?

Nada para de pé na conduta do STF, em ziguezague há cinco anos na Lava-Jato, ao sabor não do Direito, mas das circunstâncias políticas.

Ou não foi o mesmo Gilmar que concedeu liminar para sustar a nomeação do mesmo Lula para a Casa Civil como forma de — vejam só! — escapar da jurisdição do mesmo Moro, lá em 2016?

Sim, sua mudança foi sendo gradativa ao longo dos anos, e veio antes da Vaza Jato. Mas a demora em trazer o caso da suspeição de Moro à Turma evidencia um cálculo político e colabora para que agora, no momento dramático da pandemia, em que o país deveria estar focado, com o STF, com tudo, em exigir vacinas do governo federal, estejamos acompanhando esse BBB de palavrório inalcançável e personagens pouco carismáticos.

Aproveitando que estávamos todos brincando de juristas e traçando cenários para o ainda distante 2022 a partir do advento do Lula livre, Bolsonaro emplacou duas de suas cheerleaders mais negacionistas, Bia Kicis e Carla Zembelli, em comissões importantes da Câmara.

A mesma Câmara que ainda discutia na noite de terça um auxílio emergencial que já deveria ter voltado a ser pago, pois no mundo real, esse cuja existência o Supremo preferiu começar a semana sublimando, tem gente morrendo de fome ou de falta de leito em hospital. Uma situação sinistra à qual chegamos por inépcia absurda e criminosa dos Poderes.

À mais alta Corte do país numa democracia cabe assegurar a segurança jurídica e ter a última palavra para garantir que os demais Poderes não exorbitem suas atribuições e respeitem a Constituição.

Ao exibir ao país suas entranhas e suas vaidades, seu casuísmo com casos sérios que dizem respeito ao nosso passado e ao nosso futuro, suas Excelências jogam água no moinho dos golpistas que clamam contra o Judiciário e se fragilizam para cobrar do Executivo suas obrigações no enfrentamento da pandemia. Que deveria ser a única preocupação de todas as autoridades, mas não é.


Vera Magalhães: Lava Jato vira letra morta, e 2018 parte 2 é logo ali

A inesperada decisão do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, que anulou todas as condenações do ex-presidente Lula faz da Lava Jato letra morta e abre um caminho para que as eleições presidenciais de 2022 sejam um repeteco de 2018, com a polarização entre Jair Bolsonaro e Lula, desta vez sem intermediário.

Para além da discussão sobre se havia ou não provas para condenar Lula nos casos do triplex no Guarujá e do sítio em Atibaia, a decisão de Fachin é uma excrescência jurídica e institucional. Ele percebeu quatro anos depois de ser designado relator que a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para julgar Lula não em um ou dois processos, mas em quatro?

Foram várias as vezes em que, em diferentes processos, o STF se debruçou sobre a questão da jurisdição de Curitiba na Lava Jato. Ficou decidido que tudo que tivesse conexão com a Petrobras ficaria lá. Nos casos de Lula, o Ministério Público Federal fez a conexão nas denúncias, os juízes de primeira instância a reconheceram e o tribunal de segunda instância, o TRF da 4ª Região, chancelou as decisões (em dois dos casos).

O STF julgou dezenas de habeas corpus da defesa de Lula. Inclusive decidiu mantê-lo preso preventivamente em 2018. Uma questão tão básica, inicial, passou ao largo da análise de tantas instâncias da Justiça?

A decisão de agora de Fachin não é só o atestado de óbito da Lava Jato -- que podemos discutir, em vários outros textos, e provavelmente vamos, se merece este fim. Ela é um atestado de falência de todo o sistema judicial brasileiro, uma vez que não houve instância do Judiciário que não tenha sido instado a analisar a situação do ex-presidente e de outros réus.

A nova decisão, e tomada de forma monocrática, deverá desencadear uma nova avalanche de recursos de diversos réus da operação, colaboradores ou não, para ter a favor de si o mesmo julgamento. 

Se Fachin tomou a decisão por medo de ficar vencido no julgamento do HC pela suspeição de Moro, então ele preferiu dar um tiro no coração da Lava Jato para evitar que ela fosse atingida no braço ou no pé. Não é compreensível.

Quando ele, na decisão, diz que a Justiça tem de ser imparcial e apartidária, está dando vazão para que a defesa e os apoiadores de Lula, com razão, apontem parcialidade e partidarização também em "n" decisões do Supremo, e não apenas de Sérgio Moro e Gabriela Hardt. Afinal, eles tiveram sentenças confirmadas.

Uma coisa seria anular as condenações à luz do que se descobriu na Vaza Jato. Os fatos ali demonstrados são posteriores às condenações, e suscitam uma complexa, porém compreensível discussão a respeito da legalidade das condenações. Esta análise deveria se dar pelo pleno da corte, e a partir de uma premissa: as provas obtidas na Operação Spoofing, que por sua vez analisou dados de uma interceptação ilegal de diálogos entre integrantes da Lava Jato e Moro, poderiam ser usados?

Fachin atravessou este samba para dizer: olha só, pessoal, esqueçam isso, porque tudo que fizemos até aqui estava errado, e a gente esqueceu de ver este detalhe. Risível! Joga por terra tudo que se descobriu no esquema de desvio de recursos da Petrobras, suas subsidiárias e demais empresas públicas por agentes públicos e políticos, em conluio com grandes empresas.

Do ponto de vista político, a decisão é tudo que Bolsonaro poderia querer neste momento. Desvia o foco da imprensa, da sociedade civil, da oposição e da Justiça da sua criminosa gestão da pandemia, lhe dá uma narrativa segundo a qual o "sistema" opera para beneficiar Lula e o PT e fazer letra morta da "roubalheira" na Petrobras e permite a ele reconquistar parte de seus apoiadores com base no discurso mistificador de que se não for ele o PT volta. Sopa no mel!


Merval Pereira: A suprema guerra

O debate político desde a divulgação pelo “Intercept Brasil” das conversas entre os procuradores de Curitiba e deles com o então juiz Sergio Moro, fruto da invasão por hackers de aplicativos de mensagem de autoridades em Brasília, desenvolveu-se entre os favoráveis ou contrários à Operação Lava-Jato, no meio político e também no Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora as conversas não possam servir como prova, pois conseguidas de maneira ilegal, elas foram divulgadas amplamente, mesmo com a autorização do Supremo, e certamente influenciaram a mudança do ambiente político. Essa guerra de narrativas encontrou na Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) sua representação nas pessoas dos ministros Gilmar Mendes, contrário, e Edson Fachin, favorável.

O que aconteceu ontem foi apenas mais uma etapa dessa disputa, que pode ter hoje, na reunião da Segunda Turma, seu prosseguimento. O ministro Gilmar Mendes estaria disposto a levar para o plenário da Turma a questão da parcialidade de Sergio Moro e provavelmente ganharia, pois, com a chegada do ministro Nunes Marques, a maioria contra a Lava-Jato ficou fixada antes mesmo de qualquer julgamento.

Daí o movimento brusco de Fachin de encaminhar os processos contra Lula para a Justiça Federal de Brasília, preservando os atos de investigação e acusação, mas anulando as decisões. Os movimentos de Gilmar Mendes e Edson Fachin têm pouco a ver com o ex-presidente, que acabou se beneficiando desse embate. Gilmar quer acabar com a Lava-Jato, que já apoiou enfaticamente, e Fachin quer preservá-la, mesmo abrindo mão dos processos contra Lula.

Se a votação da parcialidade de Moro fosse referendada pela Segunda Turma, todos os processos da Lava-Jato estariam em xeque. Nada é mais importante do que analisar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) nos últimos tempos no país para definirmos seu papel neste momento político. A suprema guerra se desenvolve às claras, nas reuniões plenárias, e sobretudo nos bastidores.

Fachin tentou uma manobra, colocando no plenário virtual uma ação da defesa de Lula pela parcialidade de dois ministros do Tribunal Regional Federal (TRF-4) que avalizaram a condenação de Lula no caso do sítio de Atibaia. Como as razões aventadas eram muito frágeis, provavelmente a defesa do ex-presidente perderia, o que levaria Fachin a argumentar que, como o TRF-4 havia julgado Lula, e inclusive aumentado sua pena, não poderiam ser anuladas as decisões de Moro.

O risco era grande, e a defesa de Lula retirou o caso do plenário virtual “para aperfeiçoá-lo”. O movimento de Fachin ontem talvez não impeça a decisão de Gilmar Mendes de levar à reunião de hoje a questão da parcialidade de Moro. Ele estaria disposto a arrostar a decisão de Fachin, e a disputa pode ter que ser resolvida pelo presidente Luiz Fux, adepto da Lava-Jato.

A pressão política para que o ex-juiz Moro seja julgado é grande, mesmo com a decisão do relator da Lava-Jato de considerar extinta a causa, por falta de objeto. Fachin alegou na sua decisão que, embora a questão da competência já tivesse sido suscitada indiretamente, “esta é a a primeira vez que o argumento reúne condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo Supremo Tribunal Federal”.

Ele se refere à jurisprudência que teria sido alterada nos últimos meses, restringindo o alcance da competência da 13ª Vara Federal e enviando para Varas de todo o país, e para Tribunais Eleitorais (TREs), os processos iniciados pela Lava-Jato, contra seu voto. Se a Justiça do DF confirmar as condenações e Lula for novamente condenado na segunda instância, voltaria a ser inelegível, mas isso dificilmente acontecerá, pois os crimes já devem estar prescritos, ou quase, e ninguém vai assumir o mesmo desgaste de conduzir essa batalha da Lava-Jato.

Nada que saiu de Curitiba, fora os processos do Rio de Janeiro, avançou. Os processos que não tenham vínculos claros com a Petrobras serão anulados. E Lula provavelmente será o candidato do PT em 2022. A não ser que o inesperado volte a fazer uma surpresa, como sói acontecer no Brasil.

Edson Fachin, que era ligado ao PT antes de ser indicado para o STF, beneficiou Lula, mas esse não era seu objetivo principal. Gilmar Mendes, que estava rompido com Lula, que fora seu amigo, também ajudou a libertar o ex-presidente. A suprema guerra escreve política por linhas tortas.


Míriam Leitão: As reviravoltas da terra redonda

O terremoto Fachin terá muitos efeitos secundários, mas começou mudando o dia de ontem. Havia amanhecido um tempo ruim para o presidente Bolsonaro, com o pacto entre governadores deixando claro que a sua inépcia agravava a tragédia da pandemia. No fim do dia, abrigado num guarda-chuva, Bolsonaro falou longamente sobre variados assuntos, reclamou até da alta do dólar provocada pela decisão que beneficiou o ex-presidente Lula. “A bolsa foi lá pra baixo, o dólar lá pra cima. Todos nós sofremos com uma decisão como essa”. Nos dias anteriores, o dólar subiu e a bolsa despencou por causa dele, Bolsonaro.

Um dos primeiros efeitos da decisão de Fachin de anular tudo o que foi decidido a partir da 13ª Vara Federal de Curitiba sobre Lula é mudar o cenário para a eleição de 2022, com Lula elegível. Outra consequência é que réus como o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha podem vir a se beneficiar da reviravolta. Todos que não forem diretamente ligados à Petrobras podem questionar seus processos. Cabral foi condenado pela Calicute e julgado pela 7ª Vara, no Rio, mas um ministro do Supremo me disse que, a partir de agora, tudo tem chance de ser revisto.

Bolsonaro voltou a ficar confortável para falar da “bandalheira” do PT. E afirmou que os desvios do BNDES haviam sido de “trilhão de real”. Ele nunca conseguiu, nem mesmo trocando o presidente do banco, abrir a tal caixa-preta do BNDES, mas cria uma cifra imaginária e assim pode fugir de temas incômodos, como a mansão comprada pelo seu filho Flávio. Ontem mesmo, o procurador junto ao TCU, Lucas Furtado, iniciou um procedimento questionando o fato de o senador Flávio Bolsonaro ter casa e usar apartamento funcional. Isso seria, segundo o procurador de contas, “crime e ato de improbidade”.

Uma das questões incômodas para Bolsonaro era o fim da Lava-Jato. Afinal, ele surfou na onda anticorrupção, sem qualquer relação prévia com essa agenda. Foram as decisões de seu governo, primeiro minando o pacote anticrime, depois instalando um inimigo da Lava-Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), que levaram ao desmonte das Forças-Tarefas. Portanto, a conta estava com ele. Ontem, ele jogou o peso sobre o ministro que anulou as condenações de Lula. “Luis Fachin sempre teve forte ligação com o PT. Então não nos estranha uma decisão nesse sentido”. Na verdade, Fachin tomou muitas decisões contrárias ao PT.

Um ministro do Supremo, surpreso com a decisão de Fachin, me disse o seguinte. “Ele negou tudo o que Lula pediu e agora, de repente, dá tudo de uma vez só”. Outro disse que era a “estratégia de desespero” do ministro, diante das várias derrotas recentes da sua relatoria.A decisão abala a confiança no próprio Supremo. Desde a primeira hora, a defesa do ex-presidente Lula arguiu a competência do tribunal de Curitiba, defendendo a tese de que Sergio Moro não era o juiz natural. Os fatos teriam ocorrido em São Paulo — Guarujá, Atibaia — e o acusado morava em Brasília, na época. Mas a competência da 13ª Vara foi confirmada inúmeras vezes, os processos foram julgados também na 2ª Instância. Houve recursos até ao STJ. Agora, anos depois de tudo, de Lula ter ficado quase dois anos preso, o ministro decidiu que Curitiba não era o foro competente.
Na política brasileira, que dá mais voltas que a Terra (redonda) em torno do Sol, o procurador Augusto Aras, mais precisamente a equipe da subprocuradora Lindora Araújo, a algoz da Lava-Jato, vai recorrer da decisão. Tudo o que ela não quer, evidentemente, é defender atos da Lava-Jato.

O Brasil, este país que não é para amadores, viveu ontem vários dias num dia só. De manhã, governadores articulavam com os presidentes da Câmara e do Senado a criação de um comitê de crise para a tomada de decisões coordenadas. Eu falei com dois governadores que estavam tentando negociar a coalizão mais ampla possível. Isso deixa evidente a total incompetência do presidente da República, que sabota as medidas de proteção da saúde dos brasileiros. “Nós estamos vivendo uma catástrofe”, desabafou um governador. Minutos depois, todas as atenções estavam voltadas para Lula e a disputa de 2022. Bolsonaro, que não sabe governar, voltou ao que se dedica desde o primeiro dia: a fazer campanha e contra o PT.


Carlos Andreazza: O mundo real se impõe (de novo)

Todo mundo viu o último chilique de Bolsonaro, na quinta-feira, 4 de março. Faz e avança — abrigando crimes de responsabilidade em seus pitis — porque nunca formalmente cobrado. Dirá um otimista — para quem o mito seria somente um fanfarrão — que ele estica a corda para logo soltá-la. Sim. Mas estará nosso tecido social — em tão esgarçada circunstância, sob a tensão de um espírito do tempo autoritário — com fibras para essa sucessão de estresses? O cético acrescentará que, uma vez relaxada, a corda nunca volta ao viço anterior; o fanfarrão — um populista autocrático cujos ataques influem — ganhando terreno, adiantando seus danieis-silveiras, sobre o chão da ordem política.

Tem sido assim há dois anos. E o homem vai à vontade. No último dia 6, fez um ano desde que afirmou ter provas de que a eleição de 2018 fora fraudada. Um investimento, de natureza golpista, contra o sistema eleitoral. E também um teste da disposição de Supremo e Congresso à acomodação. Omissas as instituições, captou o recado: convite a que comparecesse a uma manifestação que alvejaria STF e Congresso.

O faniquito da última quinta, como os outros, foi autorizado pela covardia institucional. Outros virão. Cada um com suas razões. A da semana passada, uma obviedade. Fôramos informados de que Flávio Bolsonaro — beneficiado por um financiamento que transformara banco em pai — havia comprado a mansão de R$ 6 milhões. O show do presidente pretendeu desconcentrar as atenções. Mas teve motivações adicionais. Todas derivadas de nova leva de imposições do mundo real sobre o discurso bolsonarista. (Há um ano, Bolsonaro projetava em 800 o número de brasileiros a morrer pela peste; e Guedes falava em domá-la com R$ 5 bilhões).

Afinal, na mesma semana passada, o governo, sob pressão dos governadores, anunciou que compraria imunizantes de um laboratório que, havia meses, desqualificava. E desqualificava com embustes como o argumento de que haveria impeditivos legais para que assumisse as responsabilidades em caso de efeitos adversos da aplicação. Uma mentira. A mesmíssima cláusula não impedindo que se assinasse contrato com a AstraZeneca.

Esculhambou-se essa vacina também porque exigiria uma rede de frio mui complexa. Refiro-me ao imunizante da Pfizer; aquela farmacêutica que, em agosto de 2020, oferecia 70 milhões de doses ao Brasil — para entrega a partir de dezembro, com 1,5 milhão de doses já naquele mês e outro volume igual até fevereiro. Mas que foi difamada pelo governo. Governo que ora anuncia a compra de 100 milhões de doses produzidas pelo laboratório — a ser entregues, contudo, a partir do segundo trimestre de 2021. (Governo que, fosse por seu exclusivo esforço, só teria oferecido — até hoje — quatro milhões de doses à população.)

Bolsonaro não quis ter vacinas já em dezembro, três milhões de ampolas até fevereiro. (Preferiu que o “meu Exército” — o dele — fabricasse milhões de cloroquinas com dinheiros do combate à pandemia.) O mesmo sujeito que agora grita — mandando o cidadão procurar vacina na casa da mãe — que “não tem pra vender no mundo”. Tinha. Não quis. Mas o mundo real se impôs. (A mamãe Bolsonaro já foi vacinada.) Como se impôs quando teve de adquirir — depois de haver afirmado que não o faria — a vacina de Doria; sem a qual não haveria vacinação em curso neste país. (A mamãe Bolsonaro foi imunizada com a vachina.)

O mundo real se impõe. E impôs a Bolsonaro mais um cavalo de pau; correndo para comprar vacinas — Covaxin e Sputnik (de lobby parlamentar espantoso) — ainda desprovidas de certificação pela Anvisa, outrora a condição fundamental, segundo o presidente, para que o povo não fosse cobaia e para que ele não fosse irresponsável com o dinheiro do povo, firmando contratos com laboratórios cujos imunizantes ainda não estivessem liberados pela agência. O que mudou?

Bolsonaro nega — na prática — o discurso de Bolsonaro; o que castiga a base social extremista difusora de seu negacionismo. Foi também para agradar a esses que rebolou na quinta. O bolsonarismo depende de gerar inimigos. Já foi a vacinação em massa; a respeito do que se inventou uma obrigatoriedade que invadiria nossas casas para nos imunizar à força. Mas o mundo real se impôs. E o governo não apenas compra as vacinas malditas como passou a defender, ontem, Guedes por porta-voz, a vacinação em massa.

A imposição do mundo real obriga Bolsonaro aos mimimis. Pura satisfação a seus reacionários, para cujo agrado, sempre que aperta, convoca outro velho inimigo imaginário: o lockdown. Que não existe no Brasil. Mas contra o que — a tirania de governadores que nos tomam o direito de ir e vir — lutam os patriotas defensores da liberdade. Batalha pela qual o presidente pode até colocar o “meu Exército” na rua — ameaçou. Aliás, um dos motivos para a pregação armamentista-miliciana de Bolsonaro: que o cidadão possa se proteger de medidas legais decretadas por governantes legitimamente eleitos, esses ditadores.

“Mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?” — perguntou o presidente em meio ao fricote.


O Globo: Impacto de Lula no cenário eleitoral de 2022 vai depender do 'figurino' que petista adotar, dizem analistas

Segundo cientistas políticos, se ex-presidente adotar discurso mais próximo ao mercado, como fez em 2002, pode angariar votos do centro

Guilherme Caetano, O Globo

SÃO PAULO — A recuperação dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, nesta segunda-feira, embaralha a disputa eleitoral de 2022. Pesquisas de opinião colocam o petista em um patamar de intenção de voto mais alto que o do presidente Jair Bolsonaro. Mas tudo vai depender do "figurino" que Lula escolher para a disputa, avaliam cientistas políticos ouvidos pelo GLOBO.

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De acordo com analistas, Lula pode beneficiar Bolsonaro se adotar uma postura tida como "radical". Por outro lado, pode ganhar votos do centro se fizer acenos ao mercado, como ocorreu em 2002. Não é automático, segundo os cientistas políticos, o ganho de Bolsonaro na polarização com Lula. Diferentemente de 2018, o presidente será cobrado pelas crises causadas pela pandemia do novo coronavírus.

Professor do Insper, o cientista político Carlos Melo diz que o ressurgimento de Lula na cena política se dá no momento de maior fragilidade do governo Bolsonaro, que enfrenta múltiplas crises. Além do descontrole da pandemia que já deixou mais de 260 mil mortos, riscos de uma nova recessão técnica no primeiro semestre de 2021 e credibilidade internacional em baixa, a aprovação do presidente caiu para 28% segundo o último levantamento do Ipec

— Bolsonaro até agora tinha uma vantagem, porque não tinha ninguém no páreo. Mas tudo vai depender de como Lula vai aparecer em cena. Bolsonaro está fragilizado. Lula pode capitalizar a tensão em torno das crises agora ou esperar, estrategicamente comedido, pelo adversário sangrar mais até encontrá-lo numa situação mais crítica lá na frente — diz ele.

De acordo com a última pesquisa do Ipec, instituto criado por ex-dirigentes do Ibope, metade dos brasileiros (50%) dizem que votariam com certeza ou poderiam votar em Lula, e 44% não o escolheriam de jeito nenhum. Bolsonaro aparece 12 pontos atrás de Lula em potencial de votos (38%) e 12 pontos à frente em rejeição (56%). Outros possíveis presidenciáveis, como o governador João Doria (PSDB), aparecem em patamar mais baixo.

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Para Christian Lynch, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, Bolsonaro terá vantagem sobre Lula se o petista se comportar como em 2018, quando, preso pela Lava-Jato, manteve uma retórica mais beligerante para "tentar mostrar sua força". No entanto, o presidente poderá enfrentar um adversário competitivo se este souber com os setores que abandonaram o atual governo.

— A eleição ainda está longe. Do ponto de vista da ação política, a pergunta que importa é: vai ser o Lula de 1989 ou de 2002? Se for o de 1989, é bom para o Bolsonaro. Se for o de 2002 e se mover ao centro, é péssimo para Bolsonaro — declara.

Em 2002, Lula lançou a "carta ao povo brasileiro", documento no qual acenava para a moderação. O objetivo era tranquilizar o mercado financeiro, que temia a política econômica que seria implantada com uma vitória do petista, e mostrar que o PT, se chegasse ao poder, se comprometeria a seguir os pilares econômicos implantados no Plano Real.

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O cientista político José Álvaro Moisés, da USP, diz que o jogo eleitoral dependerá da disposição de Lula para constituir uma candidatura que agregue as forças de oposição, mas avalia a decisão de Fachin como uma oportunidade para Bolsonaro radicalizar. Segundo ele, o presidente "ganhou uma possibilidade de reinterpretar a polarização".

— A grande mudança que a viabilidade de Lula coloca é um desafio extremamente difícil para o chamado centro moderado. Não vai poder lançar três, quatro, cinco candidatos. Terá de ser um, capaz de enfrentar os dois principais problemas do país: a desigualdade social e o alto desemprego. Se o centro não for capaz de definir uma candidatura em torno desses temas, vai ficar isolado — diz Moisés.

Tanto para Melo quanto para Lynch, uma eventual disputa entre Lula e Bolsonaro permitirá que duas grandes forças políticas, o antipetismo e o antibolsonarismo, meçam suas grandezas eleitoralmente.

— O antipetismo ainda existe, mas o antibolsonarismo está forte. Dependerá do movimento de Lula, porque não vejo Bolsonaro conseguindo se flexibilizar. Ele governa para 25% do eleitorado e não vai mudar — diz Lynch.

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Melo diz que Bolsonaro poderá reavivar o antipetismo em benefício próprio, mantendo sua base energizada. Na última eleição, o então candidato pelo PSL apostou na aversão ao PT durante toda a campanha, e acabou derrotando Fernando Haddad com 57,8 milhões de votos (55,13%).

Ainda não está claro, no entanto, se Lula sairá candidato. A vaga de pré-candidato do PT vinha sendo ocupada pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que já declarou em entrevistas que se Lula se livrasse da inelegibilidade, ele é que deveria disputar o Planalto em 2022. Desde a decisão de Fachin, petistas têm dito que Lula só não concorre à Presidência se não quiser.


O Globo: Em oito pontos, entenda o conteúdo e impactos da decisão de Fachin que anulou condenações de Lula

Em resposta a recurso da defesa do ex-presidente, que questionava competência de Moro para julgar casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, ministro do STF declarou nulidade em processos

Bernardo Mello, O Globo

RIO - Após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, que anulou condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no âmbito da Lava-Jato, nesta segunda-feira, O GLOBO preparou oito perguntas (e respostas) para esclarecer os fundamentos e os impactos deste novo desdobramento jurídico envolvendo o petista. Com a decisão de Fachin, temas como a elegibilidade de Lula e a validade de outras decisões proferidas pelo então juiz Sergio Moro tendem a ser reanalisadas.

1 - O que foi decidido?

Em resposta a um recurso da defesa de Lula, que questionava a competência da Justiça Federal de Curitiba para avaliar casos envolvendo o ex-presidente, Fachin acatou o argumento de que não houve conexão direta entre desvios na Petrobras e o pagamento de supostas vantagens indevidas a Lula por parte da OAS nos processos referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia.

Em outras palavras, Fachin firmou entendimento de que decisões proferidas por Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba referentes ao tríplex do Guarujá e ao sítio de Atibaia devem perder a validade, por não se tratar do foro adequado.

"Na estrutura delituosa delimitada pelo Ministério Público Federal, ao paciente são atribuídas condutas condizentes com a figura central do grupo criminoso organizado, com ampla atuação nos diversos órgãos pelos quais se espalharam a prática de ilicitudes, sendo a Petrobras S/A apenas um deles, conforme já demonstrado em excerto colacionado da exordial acusatória", escreveu Fachin.

Em julho 2017, ao negar um recurso da defesa de Lula, o então juiz Sergio Moro já havia escrito que "este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente".

Embora não tenha sido citado na decisão de Fachin, o trecho escrito por Moro se refere à mesma tese conexão direta avaliada pelo ministro do STF.

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2 - Qual foi o argumento usado pela defesa de Lula?

Os advogados do ex-presidente Lula citaram, em sua petição, um entendimento construído inicialmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em questão de ordem de setembro de 2015, “segundo o qual a 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba seria competente apenas para o julgamento dos fatos que vitimaram a Petrobras S/A, sendo imperativa a observância, em relação aos demais, às regras de distribuição da competência jurisdicional previstas no ordenamento jurídica”, conforme relatou Fachin em sua decisão.PUBLICIDADE

No documento, Fachin cita outros casos que passaram pela Segunda Turma do STF, da qual o ministro faz parte, como uma ação que julgava pagamento de propina pela Odebrecht na obra da Refinaria Abreu e Lima, analisada em abril de 2018, e a investigação referente a vantagens indevidas envolvendo a Transpetro durante a presidência de Sergio Machado, analisada em setembro do ano passado.

Nesses casos, os ministros do STF adotaram o entendimento firmado em 2015 e redistribuíram casos originalmente a cargo da 13ª Vara Federal de Curitiba, por avaliarem que o pagamento das vantagens ilícitas não tinham conexão direta com desvios na Petrobras.

3 - Por que só agora Fachin decidiu?

Porque o pedido de habeas corpus foi feito pela defesa de Lula em novembro de 2020, segundo informa Fachin logo no início de sua decisão. O ministro também explica que esta impetração foi “pela vez primeira assim apresentada” pelos advogados do ex-presidente. Fachin ainda faz a ressalva que o pedido se refere a situações similares julgadas pelo STF em período recente, nos quais ele mesmo “restou vencido”.

O ministro também afirmou, na decisão, que usou o recesso judiciário de dezembro de 2020 a janeiro deste ano para analisar o pedido da defesa de Lula, “cotejando a linha evolutiva de seus contornos nesses últimos anos”.PUBLICIDADE

Antes do recesso, Fachin havia chegado a remeter o habeas corpus para análise pelo plenário do STF. Os advogados, no entanto, contra-argumentaram nos embargos de declaração que havia uma “tese jurídica já uniformizada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal” -- isto é, a necessidade de ser comprovada a conexão direta entre desvios na Petrobras e supostos pagamentos de propina através de empreiteiras --, “razão pela qual a resolução da questão demandaria tão somente a verificação da sua incidência ao caso concreto”, sem caber nova análise por parte da Corte.

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4 - Em que pé ficam os processos contra Lula?

Fachin determinou a nulidade “apenas dos atos decisórios” tomados nos processos envolvendo Lula, isto é, o recebimento das denúncias e o julgamento propriamente dito. Em sua decisão, o ministro do STF escreve que “o juízo competente (deve) decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios” -- isto é, a Justiça Federal do Distrito Federal, novo foro competente para os casos, terá que decidir se confirmará a validade de outros atos no processo, incluindo os depoimentos tomados por Moro em Curitiba.

Segundo juristas, é possível que o inquérito seja convalidado até sua etapa final, com a manutenção de todos os procedimentos de obtenção de provas, apenas deixando a necessidade, por exemplo, de que os interrogatórios sejam refeitos. Para cada ato processual que o novo juiz do caso decida não convalidar, é necessário apresentar uma justificativa.PUBLICIDADE

5 - Lula volta a ser ficha limpa?

Sim. Como os processos em que Lula havia sido condenado em segunda instância foram anulados, o ex-presidente volta a ter sua elegibilidade permitida pela Lei da Ficha Limpa, que impede a participação eleitoral apenas de condenados por órgão colegiado (com mais de um juiz).

No entanto, caso uma nova denúncia seja apresentada contra o ex-presidente e julgada em primeira instância, e depois confirmada em segunda instância, antes do período de registro de candidaturas das eleições de 2022, Lula pode ficar inelegível novamente.

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6 - O que acontece com a acusação de parcialidade do Moro?

Em sua decisão, Fachin determinou a “perda de objeto” dos recursos que buscavam a anulação de casos julgados pelo ex-juiz Sergio Moro com base em acusações de parcialidade, suscitadas principalmente após a divulgação de diálogos no Telegram atribuídos a Moro e a procuradores da Lava-Jato no Paraná.

Portanto, o processo de suspeição de Moro movido pela defesa de Lula -- que começou a ser julgado em 2018 e poderia retornar à análise da Segunda Turma do STF ainda neste ano - deixa de existir.

7 - Cabe recurso à decisão de Fachin?

A Procuradoria-Geral da República já afirmou que vai recorrer da decisão. Esse recurso pode pedir ao próprio Fachin que modifique seu entendimento ou solicitar que o tema seja levado para julgamento dos demais ministros, seja na Segunda Turma do STF ou no plenário.PUBLICIDADE

8 - A decisão afeta outros casos da Lava-Jato?

É possível que sim. Na semana passada, Fachin já havia decidido em outra ação, com base em razões semelhantes às levantadas pela defesa de Lula, que a 13ª Vara Federal de Curitiba não tinha competência para analisar ilícitos envolvendo a Transpetro.

A tendência é que outros casos com teor semelhante investigados pela Lava-Jato de Curitiba, que não envolvem diretamente desvios da Petrobras, sejam levados à Corte.


Fernando Gabeira: Uma visita à mansão Bolsonaro

Flávio Bolsonaro comprou mansão de R$ 6 milhões em Brasília. Raramente me interesso por pessoas cujas casas têm banheiros com mármore de Carrara, espaço gourmet, iluminação LED na piscina, home theater e toda essa papagaiada.

No entanto os teóricos do bolsonarismo, entre eles Steve Bannon e o chanceler Ernesto Araújo, sempre afirmam que sua luta é contra o materialismo decadente, que dará lugar a uma sociedade dominada pelos símbolos e povoada por sacerdotes.

Uma das formas de combater essa posição é apontar a distância entre as palavras e a realidade. Bannon vive como um homem rico, e a mansão do primogênito de Bolsonaro é mais uma demonstração de que seu grande projeto na vida é enriquecer.

Existem, no entanto, outras formas de contestar os teóricos do bolsonarismo, embora quase ninguém se importe com isso, por achar que eles são autoconstestáveis.

Gosto dessas discussões, pois, afinal, são parte da minha vida. Nas poucas visitas a Londres, sempre dedicava meu tempo a passear na querida Charing Cross Road, rua famosa por suas livrarias, que talvez nem existam mais como antes.

Foi na Charing Cross que comprei cinco volumes de uma pesquisa realizada pela Fundação Europeia de Ciência, sob o título de “Crenças no governo”. O quarto deles foi o que mais me interessou. Chama-se “O impacto dos valores”.

Toda vez que vejo teóricos da “alt-right” afirmarem que vivemos numa sociedade materialista decadente, lembro-me desse livro.

Segundo ele, os pontos da decadência materialista que mais incomodam, o feminismo, a luta contra o racismo, a ecologia, são na verdade valores que surgiram precisamente no pós-materialismo, a partir dos anos 60.

A passagem dos valores materialistas para uma nova fase significa a superação dos anos de dificuldades econômicas e inseguranças, abrindo espaço para as necessidades de autoexpressão, pertencimento, satisfação estética, cuidados ambientais, nesse caso uma ética para com as novas gerações.

Tudo isso surgiu de mudanças profundas na sociedade. Não houve um processo de perda de valores, mas sim de câmbio de valores.

As feministas questionam valores patriarcais, os negros questionam a supremacia branca, tão cara à alt-right, os intelectuais pós-materialistas condenam uma ideia de felicidade que consiste na acumulação de riquezas.

Os teóricos do bolsonarismo, ao se apegar a uma religiosidade popular, são apenas nostálgicos, pois não examinam as próprias mudanças no interior da religião, provocadas pelo avanço da racionalidade ocidental, aquilo que os sociólogos chamam de desencantamento do mundo.

Steve Bannon dá a impressão de que leu Heidegger. Duvido que tenha feito bom proveito. Segundo o filosofo alemão, somos um ser no mundo, impossível descuidar dele.

Trump e Bolsonaro destroem o meio ambiente em nome de um materialismo vulgar, que supõe que somos senhores do mundo e o controlamos de uma posição exterior.

Não quero dizer que as lutas modernas são perfeitas, nem negar que às vezes se excedem. Também não acredito que a questão identitária possa substituir uma consciência que envolva o problema de todos.

Quero apenas acentuar que os líderes espirituais da extrema-direita buscam reviver um passado que não existe mais e, mesmo quando essa ilusão leva a uma vitória eleitoral, é completamente incapaz de conduzir o presente. Por isso, volto à mansão do senador Flávio Bolsonaro e encontro nela um espaço mais adequado para traduzir os anseios de um grupo político que apenas se aproveita da religiosidade popular para atender aos anseios de acumular riquezas.

Não é por acaso que o grande líder mundial dessa corrente é Donald Trump. E seu correspondente tropical entope o país com armas, em confronto com a própria religião.


Demétrio Magnoli: Lockdown, só usa quem pode

Bolsonaro afirmou que lockdowns “não funcionaram em lugar nenhum do mundo”. É cascata, como tudo que escorre da boca do presidente. Doria retrocedeu São Paulo para a “fase vermelha”. Atenção: não é, nem de longe, lockdown. Brasil afora, em meio à escalada da pandemia, governadores e prefeitos tornaram-se alvo de um bombardeio de críticas por não declararem lockdowns. No caso, os gestores têm razão: lockdown, só usa quem pode.

Lockdown é um extensivo congelamento da economia e da sociedade. Só os setores mais essenciais são autorizados a funcionar. A circulação de pessoas é restringida ao máximo. Funciona, pois a drástica redução de interações sociais ao longo de dois a três meses diminui radicalmente a taxa de transmissão do vírus. Não é, porém, uma varinha mágica. Como persiste alguma mobilidade social, e o vírus atravessa, impávido, a porta das residências, continuam a ocorrer contágios. Lockdowns não substituem a imunização coletiva.

A Nova Zelândia eliminou o vírus combinando lockdowns com fechamento de fronteiras. O sucesso, replicado por raros países, deve-se à circunstância de que, na etapa inicial (e oculta) da pandemia, as ilhas neozelandesas não experimentaram elevadas taxas de contágio. Hoje, porém, a reabertura de fronteiras depende da vacinação em massa da população. Na Europa, os lockdowns só conseguiram achatar temporariamente as curvas pandêmicas, impondo repetições do traumático processo.

O lockdown tem impactos políticos, econômicos, sociais e psicossociais devastadores. A restrição de direitos e liberdades, as perdas de negócios e renda, a insegurança e a solidão que provocam não devem ser menosprezados. Como a amputação, lockdown é um recurso extremo destinado a salvar o bem mais precioso — no caso, a funcionalidade do sistema hospitalar. Bolsonaro é incapaz de entender isso, mas as sociedades modernas proíbem-se, moralmente, de assistir à morte de pacientes sem atendimento.

Estados totalitários, como a China, podem deflagrar lockdowns à vontade. Basta girar a chave do maquinário estabelecido de controle social. Nas nações democráticas, há pré-condições indispensáveis para implantar o lockdown: um consenso político mínimo, um nível razoável de coesão social e o monopólio estatal do uso da força. Os EUA jamais aplicaram um lockdown nacional pela ausência da primeira dessas condições. No Brasil, faltam as três.

O voto tem consequências, acima e abaixo do Equador. Bolsonaro ainda comanda cerca de um terço dos eleitores e conta com um apoio amorfo de uma maioria parlamentar, como ficou evidenciado na eleição das mesas do Congresso. Nas esferas estadual e municipal, o bolsonarismo representa uma força política significativa. Não se fará lockdown sob o atual governo. O Brasil vive — e morre — com suas escolhas democráticas.

Nas nações europeias, formadas por extensas classes médias, os lockdowns sustentaram-se sobre o pilar do Estado de Bem-Estar. As duras restrições foram compensadas por políticas de preservação das empresas e dos empregos. Nada disso evitou a eclosão de manifestações de massa contrárias às medidas sanitárias emergenciais. No Brasil, porém, a extensão da pobreza e da informalidade exigiria, para a imposição de lockdown nas nossas derramadas periferias urbanas, a mobilização generalizada dos aparatos de repressão. Os gestores, felizmente, não se engajarão em desvarios desse tipo. Nota importante: a esquerda que clama por lockdown seria a primeira voz a condenar as violências policiais decorrentes.

O Brasil não é Araraquara. Há tempos, o Estado brasileiro perdeu o controle sobre a totalidade do território nacional. No Rio de Janeiro, um lockdown exigiria negociações das autoridades com chefes de milícias e do narcotráfico, algo que também seria necessário em favelas fincadas noutras metrópoles. Quando Eduardo Paes descarta a alternativa, não opta pela morte, mas meramente pelo realismo.

Compreendo o desespero dos epidemiologistas que exigem lockdown. Desconfio do discernimento dos comentaristas políticos que ecoam o mantra desses dias sombrios.