O Globo
O Globo: 'Começa um movimento de incentivo à candidatura de Tasso Jereissati', diz Bruno Araújo
Ao GLOBO, Bruno Araújo afirma que senador pelo Ceará pode aglutinar nomes do centro político e atrair até mesmo o ex-ministro Ciro Gomes (PDT)
Gustavo Schmitt e Sérgio Roxo, O Globo
SÃO PAULO - Enquanto uma eventual candidatura do governador de São Paulo, João Doria, à Presidência da República não agrada algumas alas do PSDB e o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, é visto como inexperiente, parlamentares do partido passaram, na última semana, a citar o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) como um nome capaz de unir as forças políticas de centro em 2022.
Em entrevista ao GLOBO, o presidente do PSDB, Bruno Araújo, convidou Tasso a se colocar como candidato e fez uma série de elogios ao senador, que descreveu como “um nome que transcende o PSDB”. O senador tucano, segundo aliados, poderia atrair até Ciro Gomes (PDT), que foi seu sucessor no governo do Ceará em 1990 quando ainda estava no PSDB, e com quem voltou a conversar.
O PSDB tem prévias marcadas para outubro. No domingo, em entrevista ao jornal “Folha de S. Paulo”, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (DEM), defendeu o nome de Eduardo Leite.
Os tucanos tentam construir uma aliança de centro para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro e ao ex-presidente Lula. No sábado, Doria, Leite, Ciro, o apresentador Luciano Huck e Fernando Haddad (PT) se uniram em críticas a Bolsonaro no evento virtual Brazil Conference, promovido pelas universidades americanas Harvard e MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).
No fim do mês passado, tivemos o manifesto de seis presidenciáveis. É viável a união desse grupo?
Ela é viável, é fundamental. (O manifesto) é o primeiro gesto público de que há diálogo real entre os principais protagonistas. Não vamos reduzir para duas alternativas no campo do centro num jogo de dado. Vamos fazer com diálogo.
Quantos nomes cabem no campo do centro em meio à polarização entre Lula e Bolsonaro?
O sonho que beira a ingenuidade seria um único nome. Algo a partir de três nomes começa a atrapalhar muito essa construção.
A visão econômica do Ciro Gomes pode atrapalhar a união com os demais signatários do manifesto?
É fundamental a participação do Ciro Gomes. Aliás, (a visão econômica) não pode ser tão distinta porque a introdução de Ciro Gomes na sucessão ao governo do Ceará (em 1991), quando era tucano, se deu pela liderança do então governador Tasso Jereissati.
Como poderia ser definido um critério para a escolha do candidato a encabeçar essa união?
É justamente essa construção e os fatores que vão levar a essa definição que serão discutidos. Temos fatos novos todos os dias. Dentro do PSDB, depois da própria provocação do Eduardo Jorge, começa um movimento muito forte de incentivo ao nome do senador Tasso Jereissati (o ex-presidenciável do PV fez uma publicação sugerindo a candidatura de Tasso). Recentemente se intensificaram movimentos no sentido de convencê-lo a aceitar colocar o seu nome. Claro que é um nome que enriquece muito o processo político nacional e transcende de forma definitiva o PSDB.
O senhor já conversou com Tasso sobre isso?
Tem que ser respeitado o tempo de cada um. Fica aqui um convite público, para que ele aceite esse chamamento.
O governador João Doria não decola nas pesquisas e não consegue capitalizar o fato de ter trazido a CoronaVac ao país. A que atribui isso?
O governador Doria tem muito mais ativos do que passivos. O que ele não teve e outros pré-candidatos têm é a possibilidade de ter tido uma exposição de uma eleição nacional. A real definição do eleitor brasileiro se dá na metade do processo eleitoral. Até lá, e neste momento em especial, a população está tentando sobreviver.
Como o senhor vê a ascensão do governador Eduardo Leite no PSDB e as projeções de que ele teria hoje mais simpatia interna do que Doria?
É um dos nomes mais relevantes dessa nova geração. É a juventude e a expectativa de crescimento na sua liderança política que ele leva como um ativo às prévias do partido.
Qual vai ser o papel do PSDB na CPI da Pandemia?
Foi indicado pelo PSDB um dos homens públicos mais respeitados e mais experientes da República, o senador Tasso Jereissati. Será uma apuração com responsabilidade. Mais do que buscar culpados, precisamos apontar caminhos para essa grave crise de saúde e econômica que nós temos.
Cacá Diegues: Cantar o que somos
Uma das frases mais sábias da cultura brasileira contemporânea: “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”
O problema é que não sabemos direito quem somos. Dito de outro modo, o brasileiro não tem ideia de quem é ou de onde veio. Somos enganados por sucessivas explicações em que nossos avós eram ora bravos navegadores lusitanos amigos íntimos de sábios indígenas incorruptíveis, ora bandeirantes porretas que enfrentaram a floresta hostil e o gentil castelhano para criar a nação. Na confusão de versões, nunca tivemos um Mayflower que nos desse a garantia de nossa origem, que diabo de povo somos nós, de que ovo viemos, em que galinheiro nos chocaram, educaram e inventaram nossa bárbara cultura.
Só muito de vez em quando temos a oportunidade de responder, pelo menos em parte, a essa questão. Em geral, por causa de um criador de produtos culturais que nos surpreende e assusta.
A primeira vez que vi Roberto Carlos na vida foi no bar do Hotel Plaza, em Copacabana, onde cantava timidamente para uns boêmios desinteressados. Ele procurava ser uma nova versão de João Gilberto, cantando baixinho e pelo nariz. Pouco depois, planejei um documentário em som direto, a novidade da época, em torno de um encontro doméstico de sua turma. Planejado por mim e por David Neves, o filme se chamaria “Alô, alô, Jovem Guarda!” e seria conduzido por Roberto Carlos. Com gentileza e diplomacia, ele ia adiando sua decisão, até que anunciou sua participação na série de filmes de Roberto Farias, tão bem-sucedidos desde logo.
Mas fui o primeiro cineasta a usar uma canção de Roberto Carlos num filme, um passeio romântico pelo recém-construído Aterro do Flamengo, em “A grande cidade”. E foi fácil e rápido obter a autorização do autor. Como foi fácil e rápido, anos depois, obter de Roberto a autorização para que usássemos “Emoções” na trilha de “Dias melhores virão”. Em resposta pessoal a meu pedido formal, não me encontrando em casa, ele deu a autorização pelo telefone à minha mulher, Renata. Só exigiu dela e a fez garantir que não tinha sexo pornográfico na cena em que a canção seria tocada. Não tinha, nem teve.
Na já longa formação da Humanidade sobre a Terra, três relações foram fundamentais para determinar a existência e a cultura de todo ser humano. Em primeiro lugar, a relação com o Outro, a parceria na solidariedade que permite a existência das pessoas entre si. Em seguida, a relação com o Estado, o monte de regras e costumes que organiza e torna possível a existência em sociedade. E finalmente a relação com a Natureza, à qual tratamos até agora como se estivesse a serviço de nossa existência, como se fôssemos os senhores do mundo, quando somos apenas um de seus hóspedes.
Com uma mistura de sabedoria e sentimentos, Roberto Carlos nos ensina que, se esgotamos apenas alguma dessas relações ou, o que é pior, apenas um pedaço delas, estaremos nos condenando ao desastre. Corremos o risco de esbarrarmos com o fim da Humanidade ou até com o fim do próprio planeta que nos suporta há dez milhões de anos com certo e crescente sacrifício.
Uma das frases mais sábias da cultura brasileira contemporânea está numa canção de Roberto: “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”. É preciso aprender a chorar o fracasso no amor ou no que for. Assim como é preciso sorrir para saber se tomamos o rumo certo para o que deve ser. A grandeza da fragilidade que Roberto Carlos nos propõe está em reconhecer que é dessa ambiguidade que nasce algum valor. A certeza, nossa maior fraqueza, será sempre a causa do fracasso derradeiro. Não é à toa que ele é o Rei.
Elio Gaspari: O que falta a Bolsonaro é seriedade
O capitão, seu ex-chanceler e o ministro Ricardo Salles viajaram numa maionese de excentricidades e pirraças
A diplomacia americana está fritando Bolsonaro. O capitão, seu ex-chanceler e o ministro Ricardo Salles viajaram numa maionese de excentricidades e pirraças. Do outro lado, o Departamento de Estado levantou um muro. Quando um porta-voz disse que espera “seriedade” do governo brasileiro na cúpula do clima que começa quinta-feira, cravou uma estaca na agenda.
Enquanto o Departamento de Estado pedia “seriedade”, o primeiro-ministro francês, Jean Castex, justificava o bloqueio a viajantes brasileiros e arrancava risadas na Assembleia francesa ao lembrar que “o presidente da República, em 2020, aconselhou a prescrição de hidroxicloroquina, e gostaria de lembrar que o Brasil é o país que mais a prescreveu”.
Bolsonaro passou de piromaníaco a pedinte. Admitiu acabar com o desmatamento até 2030 e estragou sua nova posição numa única frase: “Alcançar esta meta, entretanto, exigirá recursos vultosos e políticas públicas abrangentes, cuja magnitude obriga-nos a querer contar com todo apoio possível.” Coisas assim se fazem, mas não se dizem, sobretudo se esse mesmo governo desdenhou a ajuda estrangeira e esvaziou o Fundo Amazônia. Colocar o Brasil, ou qualquer outro país, na posição do cachorro que olha para os espetos de frangos, como fez o doutor Ricardo Salles, é apenas burrice.
O Império e a República cuidaram da Amazônia de todas as formas, mas nunca falaram em dinheiro. Essa é a pior maneira para se começar uma negociação diplomática. Com ela, chega-se apenas a uma velha piada, atribuída ao ex-secretário de Estado Americano Henry Kissinger.
Numa versão politicamente correta, ela fica assim:
“Todos têm um preço”.
“Há coisas que eu não faço, nem por um milhão de dólares”.
“Você já está discutindo seu preço”.
Veneno
A carta de Bolsonaro a Joe Biden ocupa sete páginas.
Fosse qual fosse seu efeito, ele foi anulado pela curta notícia do afastamento do delegado Alexandre Saraiva, que chefiava a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas e acusou o ministro do Meio Ambiente de advogar no interesse de desmatadores.
Lula e Bolsonaro
Uma Lava-Jato e três anos depois, Lula ficou maior, e Bolsonaro está menor.
Suprema criatividade
Quem entende de Supremo Tribunal Federal arrisca: com a anulação das sentenças que Curitiba impôs a Lula, algo como dez réus de Sergio Moro, em condições similares, pedirão o mesmo benefício. Para negá-lo, será necessária inédita criatividade.
Sumiço
Um experimentado empresário do agronegócio registra que a militância dos agrotrogloditas entrou num período de entressafra. Deram-se conta de que colheram (ou queimaram) o que podiam.
Profissional e amador
O embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, é um diplomata de carreira. Como o ex-chanceler Ernesto Araújo também é, entende-se que profissionais acabem se comportando como amadores. Em 2019, quando estava sendo sabatinado pelos senadores americanos, Chapman classificou as queimadas da Amazônia como “ocorrências anuais”. Perdeu uma oportunidade de ficar calado, mas pode-se entender que não quisesse melindrar Bolsonaro, o bom amigo de Donald Trump.
Passou o tempo, Trump foi para a Flórida, e na Casa Branca está Joe Biden. O embaixador Chapman reuniu-se com integrantes da “Articulação dos Povos Indígenas do Brasil”. A Apib queria um “canal direto” de comunicação com o governo americano, e o encontro foi diluído com a presença de indígenas indicados pelo governo. Uma salada.
Não é boa ideia que um embaixador de povo estrangeiro se reúna com representantes dos “povos indígenas”, mas seria descortesia não conversar. Podia ter destacado um diplomata de escalão inferior para o encontro.
Chapman poderia consultar os arquivos do Departamento de Estado para estudar um valioso precedente. Em 1876, quando viajava pelos Estados Unidos, D. Pedro II teve seu trem parado por um grupo de índios Sioux, chefiados pelo famoso “Touro Sentado”. O cacique pedia que o Imperador intercedesse pelos índios americanos junto ao presidente Ulysses Grant. É improvável que D. Pedro tenha tratado do assunto.
Apocalipse
No mesmo dia em que se noticiava a morte, na cadeia, do vigarista Bernard Madoff, que em 2008 foi apanhado num golpe de US$ 15 bilhões, Jair Bolsonaro disse que o Brasil se tornou “um barril de pólvora”: “Estamos na iminência de ter um problema sério”.
O que ele quis dizer com isso, não se sabe. Desde o ano passado, Bolsonaro acena com um Apocalipse. Ora falava em saques, ora advertia para o caos. Morreram mais de 360 mil pessoas, faltaram testes, vacinas, oxigênio e remédios. A desordem esteve no governo, e os saques, quando ocorreram, atacaram a Bolsa da Viúva.
Madoff também apostou no Apocalipse. Muita antes de ser apanhado, ele sabia que sua pirâmide explodiria e, preso, contou:
“Eu queria que o mundo acabasse. Quando aconteceu o atentado de 11 de setembro de 2001, eu achei que ali estava a saída. O mundo acabaria.”
Doutores cloroquina
É possível que o repórter Fabiano Maisonnave tenha entregue de bandeja um presente à CPI da Pandemia. Seria o depoimento dos médicos Michelle Chechter e Gustavo Maximiliano Dutra, que foram a Manaus em fevereiro para aplicar a “técnica experimental ‘nebuhcq líquido’, desenvolvida pelo dr. Zelenko”. Eram nebulizações de cloroquina.
Quatro pacientes grávidas receberam o tratamento. Todas morreram.
Uma delas teve um vídeo gravado, postado no dia 20 de março pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni. Ele informava que “de 0 a 10, melhorou 8”.
Talvez Lorenzoni não soubesse, mas ela morrera no dia 2.
Milton Ribeiro zangou-se
O ministro Milton Ribeiro, da Educação, zangou-se com uma reportagem de Paulo Saldaña mostrando a existência de um esquema para fraudar pagamentos do Financiamento Estudantil, boca rica administrada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE.
Como os repórteres são uma raça maldita, o doutor Ribeiro bem que poderia estender sua zanga ao edital do FNDE de 2019 que pretendia torrar algo como R$ 3 bilhões na compra de equipamentos para a rede pública de ensino. A Advocacia-Geral da União sentiu o cheiro de queimado, porque numa só escola 255 alunos receberiam 30 mil laptops (118 para cada um). Outros 335 colégios receberiam mais de um laptop para cada aluno.
O edital foi suspenso e cancelado. Passaram-se dois anos, três ministros da Educação e pelo menos três presidentes do FNDE, mas ninguém sabe quem botou esse jabuti no edital.
Míriam Leitão: Do chão da floresta à cúpula do clima
Um avião do Comando de Aviação Operacional da Polícia Federal foi a Manaus em novembro buscar policiais para ajudar nas eleições no sul do Estado. O superintendente da PF, Alexandre Saraiva, perguntou ao piloto: “Na volta, tem como sobrevoar os rios Madeira e Mamuru para ver se tem balsa da madeira?” Um agente foi junto para fotografar e trouxe farto material. Assim começou a maior apreensão de madeira feita pela Polícia Federal. A ação foi comemorada em nota pela Secom do Planalto. Saraiva esteve no Conselho da Amazônia para explicar a operação e discutir o destino da madeira. A reviravolta ocorreu quando o ministro Ricardo Salles foi ao Amazonas e passou a defender os madeireiros.
Na reunião de cúpula esta semana sobre clima, convocada pelo presidente Joe Biden, o presidente do Brasil vai mentir. Já há muita falsidade na carta enviada por Bolsonaro a Biden. A meta de zerar o desmatamento ilegal em 2030 é antiga, foi apresentada pelo Brasil em 2009, em Copenhague, e confirmada em Paris. No mesmo dia em que prometeu reduzir o desmatamento, o governo fez o oposto. A boiada de Salles é coisa que passa todo dia. Ele baixou, na quinta-feira, uma instrução normativa que constrange mais ainda a fiscalização ambiental.
— A instrução normativa condiciona a validação das multas ambientais à concordância de uma autoridade ‘hierarquicamente superior’. Já havia antes criado um conselho de conciliação para validar as multas — explica André Lima, coordenador do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
Tudo é complexo quando o assunto é Amazônia. Mas os fatos se juntam. Tanto a exoneração do superintendente Saraiva, quanto as recorrentes normas com as quais o governo Bolsonaro mina o edifício legal construído em governos anteriores, que havia feito do Brasil um exemplo de combate ao desmatamento.
O delegado Saraiva, na sexta-feira, reapresentou a notícia-crime contra o ministro Ricardo Salles no STF por “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato das questões ambientais”. A relatora será a ministra Cármen Lúcia. Ele havia tido dificuldade de incluir no sistema eletrônico, mas, mesmo após o anúncio de que seria exonerado, insistiu. Está convencido de que o que ele viu é crime. E dos grandes. O governo achava o mesmo. A nota da Secom, no dia 24 de dezembro, trazia a bandeira do Brasil ao lado da inscrição “O gigante verde” ilustrando a foto dos caminhões enfileirados da “Operação Handroanthus GLO”. A carga, dizia a Secom, “representa mais de 6,2 mil caminhões lotados”. E isso quando se achava que eram 131 mil m3 de madeira. Na verdade, foram mais de 200 mil m3. Salles diz agora que era tudo legal.
— A madeira que estava nas balsas não correspondia à madeira descrita no Guia Florestal. Nem nos caminhões. Os documentos que os empresários apresentaram têm fortes indícios de fraude, apesar disso o ministro os defendeu — disse Saraiva.
Esse é um fato. Há milhares de fatos estranhos na rede que sustenta o abate da floresta. Contra isso o Brasil aprovou leis e assumiu compromissos internacionais. Na gestão Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente foi feito o PPCDAm, o mais bem estruturado plano de combate ao desmatamento. Era maio de 2005. Por causa dele o Brasil derrubou em 80% o desmatamento nos anos seguintes. Em 2009, para a COP-15, quando o ministro era Carlos Minc, foi anunciada a Lei Nacional de Mudanças do Clima. Assim nasceram as metas do Brasil. Elas não foram inventadas agora pela dupla queima-floresta Bolsonaro&Salles.
— A carta de Bolsonaro a Biden é mais que triste, é dramática. Ele fala em proteger indígenas, e o governo é autor do projeto que legaliza mineração, exploração de madeira, agropecuária, gás, petróleo e usina elétrica em terra indígena. Ele enterrou o PPCDAm mas pede dinheiro alegando que o Brasil reduziu o desmatamento. Caiu por causa do plano que ele desmontou — diz André Lima.
O MapBiomas tem feito perguntas pela Lei de Acesso à Informação ao vice-presidente, general Hamilton Mourão, sobre os crimes ambientais. Fez 66. A resposta é sempre a mesma. A de que o Conselho da Amazônia é só o coordenador. “Sugere-se que seja realizado o pedido ao órgão competente”. Mas o Ibama nem faz parte do Conselho.
Esse ataque múltiplo contra a floresta é a verdade do Brasil. Verdade que não estará na fala de Bolsonaro aos líderes mundiais.
Bernardo Mello Franco: Moraes expôs o método da República de Curitiba
O Supremo Tribunal Federal confirmou, por 8 votos a 3, a anulação das condenações de Lula. A corte concluiu que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência legal para julgar o ex-presidente. Isso equivale a dizer que sua prisão foi resultado de um processo irregular.
Lula vive em São Bernardo do Campo e foi acusado de receber vantagens de empreiteiras em Guarujá e Atibaia. Os três municípios ficam no Estado de São Paulo. No entanto, os casos foram levados para o Paraná, onde Sergio Moro pontificava nos julgamentos da Lava-Jato.
Na quinta-feira, o ministro Alexandre de Moraes disse que a transferência das ações violou o princípio do juiz natural. A Constituição afirma que “ninguém pode ser processado ou sentenciado senão pela autoridade competente”, definida por regras do Código de Processo Penal. “O juiz não pode escolher a causa que quer julgar”, resumiu o ministro.
Moraes expôs o método da República de Curitiba para driblar a lei e escolher réus, transformando-se numa espécie de “juízo universal” do país. “Em todas as denúncias, o MP jogava o nome da Petrobras e pedia a prevenção da 13ª Vara”, disse. O artifício deu poderes quase ilimitados ao juiz e aos procuradores da força-tarefa.
No caso de Lula, Moraes observou que o MP nunca provou a conexão entre os desvios na Petrobras e as obras no sítio no tríplex. “A partir do genérico, sem nenhuma ligação com fatos específicos, se acusou e se denunciou o ex-presidente”, criticou. A defesa repetia isso desde 2016, mas o Supremo levou cinco anos para declarar que o processo foi ilegal.
A transferência das ações para Curitiba foi o primeiro ato de um vale-tudo judicial contra Lula. O Supremo participou do baile ao retardar o julgamento de ações que questionavam se era permitido prender um réu sem condenação definitiva. A manobra permitiu a prisão do petista às vésperas da eleição presidencial de 2018.
“Se essa inversão não tivesse sido feita, a história do Brasil poderia ter sido diferente”, disse na quarta-feira o ministro Ricardo Lewandowski. “Foi uma opção que o Supremo fez e que teve consequências muito sérias”, acrescentou. A principal consequência atende pelo nome de Jair Bolsonaro.
A propaganda enganosa
O general Augusto Heleno divulgou na sexta um vídeo que exalta a “Nova Funai”. A propaganda diz que a entidade ouve os povos indígenas e defende o meio ambiente. No mesmo dia, uma audiência promovida pela OAB empilhou críticas ao discurso chapa-branca.
“A Funai foi tomada por setores do agronegócio que imprimem uma política totalmente contrária à defesa dos direitos dos povos indígenas”, afirmou o secretário-executivo do Conselho Indigenista Missionário, Antônio Eduardo Oliveira.
A deputada Joenia Wapichana diz que a “Nova Funai” deixou de cumprir sua tarefa mais importante: a demarcação de terras indígenas. Ela também reclama da omissão diante do avanço do garimpo ilegal na Amazônia. “A situação é muito preocupante. E a Funai só atende o lado que está de acordo com as ideias do governo”, acusa.
Merval Pereira: As razões do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem razões que até a razão desconhece, como disse o filósofo Blaise Pascal no século XVII sobre o coração. Só assim podemos compreender a série de decisões tomadas nos últimos dias, reflexos distorcidos de outras, que percorreram todas as instâncias jurídicas nos últimos cinco anos em que a Operação Lava-Jato esteve em pleno vigor no combate à corrupção.
O STF é o exemplo mais evidente de que, no Brasil, até o passado é incerto, frase que o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan colocou em evidência. Cinco anos depois de vários processos, vários julgamentos até na terceira instância do Superior Tribunal de Justiça (STJ), vem o Supremo decidir, por maioria, que o foro para a Operação Lava-Jato não era Curitiba. Pior: ninguém sabe que comarca é o foro correto.
Dos onze ministros, oito votos a favor de transferir o foro se dividiram entre dois que achavam que era mesmo Curitiba, mas seguiram a maioria: o próprio relator Edson Fachin, e Luis Roberto Barroso. Outro, o ministro Alexandre de Moraes, votou por São Paulo, que deve prevalecer, e os demais pediram tempo para pensar. Três outros ministros votaram por manter o foro em Curitiba.
Como se vê, não é uma questão simples, e nem tampouco política. Denota um ponto de vista jurídico que é apoiado por cinco ministro do STF, e foi apoiado pelo STJ. Transformou-se a definição do foro em um ato político contra o ex-juiz Sérgio Moro, como se ele tivesse usurpado o juízo natural quando a questão foi discutida em diversos fóruns e, até o momento, a centralização em Curitiba dos processos da Lava-Jato por conexão era perfeitamente compatível com as normas jurídicas.
Aconteceu a mesma coisa no julgamento do mensalão. O então advogado Marcio Thomas Bastos, que já fora ministro da Justiça do governo Lula, tentou de diversas maneiras fatiar os processos, para mandar para tribunais regionais eleitorais ou varas comuns todos os que não envolvessem pessoas com prerrogativa de foro.
Por que queria fazer isso ? Porque era mais fácil para os advogados de defesa, desmembrando os casos, retirar deles a carga de uma operação organizada, conectada entre os diversos crimes. Assim como começou a ser feito pela Segunda Turma em relação à Lava-Jato, enviando processos para os tribunais eleitorais regionais e para instâncias inferiores da Justiça.
A segunda parte dessa história será julgada na próxima quinta-feira, a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro no caso do triplex do Guarujá. Mais uma vez, as razões que a própria razão desconhece surgirão para serem debatidas. No início da sessão, vai ser levantada uma questão de ordem para saber se o plenário pode ou não analisar se a Segunda Turma poderia ter julgado o caso mesmo depois que o ministro Edson Fachin transferiu o foro para o Distrito Federal, decretando a perda de objeto do habeas-corpus.
Portanto, o plenário, embora não seja instância revisora das decisões das Turmas, como ressaltou a ministra Carmem Lucia, pode decidir que o julgamento da suspeição de Moro não deveria ter ocorrido. O que prevalece, a incompetência ou a suspeição? O artigo 96 do Código de Processo Penal diz que a suspeição é a primeira questão que tem que ser analisada nos processos, dentre as exceções: de competência, de impedimento, de suspeição.
Porém, segundo Douglas Fischer, renomado processualista penal, esse artigo só se aplica às exceções que são apresentadas na primeira instância. Quando essas exceções são arguidas em um habeas-corpus, ou em vários, impetrados em qualquer tribunal, inclusive no Supremo, não há ordem de precedência, pelo contrário.
Entre as duas, o que prevalece é a incompetência, porque você pode ter na mesma Vara, na mesma comarca, ou na mesma sessão judiciária, dois juízes, sendo que um é suspeito e o outro, não, ambos competentes. Mas não pode ter um juiz que é competente, e outro não, na mesma sessão judiciária. A competência prejudica a suspeição.
Vai ser outra das muitas discussões jurídicas a que assistiremos perplexos, no dizer do ministro Marco Aurelio Mello
Ascânio Seleme: O Supremo imprescindível
Fazendo apenas a leitura do que determina a Constituição, o STF mandou que o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco, instalasse a CPI da Pandemia
Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal precisou intervir para que uma das casas do Congresso Nacional cumprisse sua obrigação. Fazendo apenas a leitura do que determina a Constituição, o STF mandou que o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco, instalasse a CPI da Pandemia. Julgando-se acima de 32 senadores que assinaram o pedido de instalação da CPI, Pacheco considerou que a hora não era adequada e sentou-se sobre o requerimento. Foi o ministro Luís Roberto Barroso, mais adiante referendado pelo plenário do tribunal, quem mandou que ele se levantasse e pusesse a comissão em andamento.
Rodrigo Pacheco imaginava que poderia fazer como seu xará da Câmara, Rodrigo Maia, que por dois anos engavetou mais de 30 pedidos de impeachment por 12 crimes de responsabilidade cometidos por Jair Bolsonaro. Não podia. Para instalar CPIs, a Constituição não lhe deu o poder conferido ao presidente da Câmara nos casos de impeachment. Pacheco fez beicinho, tentando revitalizar aquela sua cara de bom menino, mas engoliu a ordem judicial e mandou abrir a CPI.
O argumento do senador para não instalar a comissão, além de inconstitucional, era torto na lógica. Ele disse que a hora era inoportuna para discutir os crimes cometidos na pandemia porque estávamos no meio da pandemia. Mais ou menos como dizer não vamos atrás de quem está dando os tiros que matam tanta gente porque ele está atirando.
A ordem de Barroso serviu também como um pito no senador, e a vergonha que Rodrigo Pacheco passou provou mais uma vez o valor do Supremo. Não foi a primeira vez que a mais alta Corte da justiça brasileira se viu na contingência de mandar outro Poder da República fazer ou deixar de fazer alguma coisa por ser fora da lei ou inconstitucional. Muito recentemente impediu que o presidente da República nomeasse o delegado Alexandre Ramagem para a direção da Polícia Federal, impedindo que o órgão fosse usado explicitamente como instrumento da ação inescrupulosa de Bolsonaro e de seus zeros.
Na decisão que anulou as condenações de Lula na Lava-Jato, o Supremo não entrou no mérito da questão ao atender argumento da defesa do ex-presidente que alegou ter sido usado foro inadequado, que os crimes pelos quais Lula é acusado não teriam origem na Petrobras. Você pode dizer que foi um desaforo à Lava-Jato. Foi. Mas, mesmo tardia, a decisão baseia-se em fatos incontestáveis. As acusações julgadas pela Lava-Jato não diziam respeito exclusivamente aos desvios na Petrobras.
Lula terá outra chance para tentar explicar o tríplex com a cozinha da OAS, o sítio de Atibaia, com a mesma cozinha, o apartamento vizinho ao seu comprado sabe-se lá com dinheiro de quem, e as questões do Instituto Lula, mas não em Curitiba. No julgamento da suspeição do juiz Sergio Moro, o Supremo já indicou o caminho que provavelmente tomará. Mais uma vez, evidências conformadas por escutas telefônicas depõem contra o ex-juiz, o que facilita a decisão.
Em ambos os casos, Bolsonaro e sua tropa vão alegar decisão política. Não foi, mas fez bem para a política e deixou o tresloucado capitão ainda mais baratinado. Por isso, aliás, ele instrumentalizou um senador exótico para tentar forçar o STF a mandar o Senado abrir processo de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. Era um movimento tão fora da curva que nem mesmo Kassio Nunes, o mais fiel ministro de Bolsonaro, comprou a ideia.
O leitor pode dizer que o STF já errou muitas vezes em temas importantes para a nação. Pode ser. Mas, é mais provável que os erros existam a partir do seu ponto de vista, ou mesmo do ponto de vista da maioria dos cidadãos, e que muito certamente não terão sido erros à luz da lei. Para se mudar o entendimento dos ministros do Supremo sobre determinado fato, deve-se antes mudar a lei ou o artigo da Constituição que tratam do assunto. O fato inarredável é que o STF é imprescindível para o país. E o Brasil é melhor com um Supremo corajoso e atuante.
Reconstrução
Renan Calheiros quer aproveitar a CPI da Pandemia para recalibrar sua biografia. Não vai ser fácil, dado o volume das denúncias que pesam contra ele. Apenas no Supremo Tribunal Federal o senador responde a 17 inquéritos. Mas, claro que a oportunidade é boa. Se fizer um relatório que realmente aponte os crimes cometidos pelo presidente e seu ministro-general, ele pode sair da CPI maior do que entrou. Bolsonaro sabe que Renan gosta de negociar, mas preferia outro na relatoria da CPI.
Foco único
A ampliação do escopo da CPI da Pandemia não vai tirar o seu foco dos crimes cometidos pelo governo federal na condução da crise sanitária. Até porque usos indevidos de dinheiro público nos estados, repassado ou não pelo governo federal, já estão sob investigação nas assembleias, ministérios públicos e tribunais regionais, inclusive com o afastamento de governadores. E as alianças dos senadores nos estados são muito importantes, sobretudo porque o ano que vem é eleitoral.
Hora da conta
Coloquem barreiras de acrílico, convoquem somente os servidores vacinados, chamem os senadores suplentes com mais de 60 anos e também já vacinados (são 40, segundo levantamento, nome por nome, feito por Eliana Caruso). Façam sessões virtuais tanto quanto possível. Só não atrasem a CPI da Pandemia. Está passando da hora de apresentar a conta.
Segunda Dose
O brasileiro é um caso muito sério mesmo. Um milhão e meio de nacionais não voltaram aos postos de saúde para tomar a segunda dose da vacina contra a Covid dentro do prazo estabelecido. Desinformação? Claro, mas não adianta querer culpar apenas o governo por falta de campanha adequada. Evidentemente ele é culpado, mas a ignorância e a estupidez espalhadas pelos quatro cantos do Brasil também são responsáveis. Foram elas, aliás, que elegeram Bolsonaro.
Coletivo pode
Desde que não se aglomerem, os cariocas estão liberados para se reunir coletivamente nas praias e nos clubes do Rio. Pode rir, mas a prefeitura sugere que as pessoas se juntem sem se aglomerar. Como fazer isso? Só se for separando a coletividade. Como disse o prefeito Eduardo Paes, depois de constatar que fora reinfectado pelo vírus: “Essa história não é brincadeira”.
Coletivo manda
Diante do colapso do transporte público do Rio, não custa perguntar mais uma vez quem manda nesta porcaria. São os prefeitos da capital e dos demais municípios da Região Metropolitana? É o governador do estado? Ou seria a Fetranspor? Ao que parece, quem dá as ordens é mesmo a federação das empresas de coletivos, como de hábito. E vamos em frente enchendo as latas de sardinha.
Grotesco
Jair Bolsonaro é um covarde. Dizer que só sai do Palácio morto e pedir abertamente ao povo para “dar uma sinalização” que lhe permita “tomar providências” é repetir o brado por saques e confusão nas ruas contra as restrições que, na sua cabeça vazia, não salvam vidas e geram fome. Ele não fala com o povo, obviamente, mas sim com os idiotas que se enrolam em bandeiras do Brasil para pedir o fechamento do Supremo e do Congresso. Como já percebeu que dificilmente terá um segundo mandato, e que talvez nem o primeiro chegue ao fim, o capitão baderneiro sonha com uma ditadura, que nunca virá.
Vacina e voto
Me vacinei no sábado passado. Não demorou mais do que quatro minutos. Três minutos para o registro no comprovante de vacinação e mais um para a aplicação da primeira dose da AstraZeneca, que foi a que me coube. Foi no Jockey Club, mesmo lugar em que voto a cada dois anos. Para votar, levo dois minutos. Fora Nova Iguaçu, ocorre mais ou menos o mesmo em todo o país. É mais fácil e rápido votar do que ser vacinado. Se não houver solução antecipada, logo à frente a urna será o melhor caminho para mudar o Brasil. Vapt-vupt, em oito horas o eleitor transforma sua Nação. É pela urna que o povo manda suas sinalizações.
Araújo no DEC
Quem diria, duas semanas depois de ser demitido do Ministério das Relações Exteriores, Ernesto Araújo ainda aguarda um posto para se agarrar enquanto durar este governozinho. Por ora, ele perambula pelo DEC. Para quem não conhece, trata-se do Departamento de Escadas e Corredores do Itamaraty, apelido dado ao limbo no qual são jogados desafetos do ministro de plantão. Araújo mandou para o DEC alguns dos melhores e mais qualificados quadros do ministério, muitos por razões ideológicas, alguns por ciúmes, outros por inveja intelectual.
Madoff no Brasil
Idealizador da maior fraude financeira da História, Bernard Madoff morreu esta semana na prisão. O esquema que montou desviou mais de 65 bilhões de dólares, desmoronou a economia global e custou alguns trilhões para governos e contribuintes de todo o mundo. Ele foi condenado a 150 anos de prisão em 2009. Se fosse no Brasil, com bons advogados e juízes amigos, Bernie já estaria solto.
Pró deficiente
Uma carreata do bem parte hoje, às 9h, do Leme ao Posto 6, pedindo que pessoas com deficiência sejam consideradas como grupo de risco e sua vacinação contra a Covid seja antecipada. Estudos comprovam que pessoas com deficiência são mais vulneráveis à Covid-19 e têm maior probabilidade de morrer quando infectadas. Várias entidades convocam a manifestação, entre elas o Juntos, o Movimento Inclusão e o grupo Operação do Bem.
Bernardo Mello Franco: Plano de desmonte
No início da pandemia, Ricardo Salles expôs um plano para desmontar o sistema de proteção ao meio ambiente. Segundo ele, era preciso aproveitar as atenções voltadas para o coronavírus e “ir passando a boiada”. O ministro pode ser acusado de muita coisa, menos de não fazer o que prometeu.
Desde a célebre reunião de abril de 2020, Salles revogou normas de licenciamento, perseguiu servidores e se aliou abertamente aos devastadores da Amazônia. O resultado foi o maior desmatamento da floresta em dez anos, de acordo com os dados do Imazon.
Encorajado pelo chefe, o ministro continuou a tabelar com os algozes da floresta. Em março, ele se solidarizou com os alvos da maior apreensão de madeira da história do Brasil. A atitude revoltou os investigadores que comandaram a operação. “Na Polícia Federal não vai passar boiada”, reagiu o superintendente da PF no Amazonas, Alexandre Saraiva.
O delegado não se limitou a protestar. Apresentou ao Supremo Tribunal Federal uma notícia-crime contra Salles e o senador Telmário Mota. O documento acusa a dupla de advocacia administrativa, participação em organização criminosa e infração contra a lei de crimes ambientais.
Para Saraiva, o chefe do Ministério do Meio Ambiente atacou a PF “de forma parcial e tendenciosa, comportando-se como verdadeiro advogado da causa madeireira”. A descrição também serve para ilustrar as relações do ministro com grileiros de terra e garimpeiros ilegais.
A ousadia de Salles mostra que ele não age sozinho: cumpre tarefas combinadas com Jair Bolsonaro. Ontem o presidente deu mais um sinal de apoio à devastação. Em vez de demitir o ministro, mandou afastar o superintendente da PF que o acusou.
Saraiva fez o que o procurador Augusto Aras se recusa a fazer: denunciou o desmonte ambiental e tentou laçar a boiada de Salles. O Congresso também tem sido cúmplice do ataque à Amazônia. Agora, o Supremo tem uma chance de frear as motosserras.
A Corte ainda ganhou novos elementos para o inquérito que apura a interferência do presidente na PF. A investigação completa um ano no próximo dia 28. Ao derrubar o superintendente, Bolsonaro escancarou, mais uma vez, o plano de capturar a polícia para defender seu grupo político.
Vera Magalhães: Salles não é Ernesto nem Weintraub
Quem imagina que a pressão internacional pela adoção de políticas mais firmes no combate ao desmatamento, a demissão do superintendente da Polícia Federal no Amazonas ou os sucessivos indicadores de aumento dos desmates e das queimadas colocam em risco imediato a permanência de Ricardo Salles no governo deve atentar para uma diferença importante: Salles não tem nada a ver com Abraham Weintraub ou Ernesto Araújo.
A começar pela origem. Salles não é um fanatizado seguidor de Olavo de Carvalho, nem mesmo um cultor da imagem de Jair Bolsonaro como um “mito”. A associação entre ambos é uma conveniência de agenda, pragmática para ambos os lados.
O ministro não era o preferido do presidente eleito na transição. As primeiras reuniões entre eles foram cercadas de desconfiança, pelo fato de Salles ter integrado o governo de Geraldo Alckmin.
O paulista ganhou o posto ao se comprometer a implementar à risca a agenda de Bolsonaro, que logo nas primeiras conversas reclamou do excesso de fiscalização e de multas aplicadas por órgãos como o Ibama a madeireiros e produtores rurais. Disse que seu ministro teria a incumbência de acabar com a “indústria da multa” e enfraquecer o papel das ONGs, inclusive suas conexões no Inpe, no Ibama e no ICMBio.
Este é um ponto fulcral: diferentemente de Araújo e Weintraub, cujo comportamento caricato e cuja mente persecutória não permitiam que cumprissem nenhum planejamento de desmonte de seus órgãos sem que isso naufragasse como um plano infalível do Cebolinha, Salles sabe planejar e executar a agenda de Bolsonaro. Tem feito isso com extrema eficácia ao longo de dois anos e três meses.
O que ele propugnou na famosa reunião ministerial de 22 de abril do ano passado, aproveitar a pandemia para “passar a boiada” do desmonte da estrutura de fiscalização e a legislação ambiental, inclusive do arcabouço legal, está sendo implementado à risca. Basta pegar a lista de normas revogadas nos últimos meses, inclusive as concernentes à concessão de licença ambiental.
Salles não se furta a defender a agenda de Bolsonaro em entrevistas, reuniões com outros países e fóruns internacionais. Faz isso sem alterar a voz ou a fisionomia, supostamente esgrimindo dados, que distorce sem nem corar. Aperta os botões certos para demitir ou mandar afastar quem cruza seu caminho, como acaba de acontecer com o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva — algo “já planejado”, segundo os envolvidos.
A queda de Salles dependeria de alguns fatores combinados. Primeiro, uma evidência que o ligasse à defesa dos interesses de empresas privadas que agem ilegalmente nos ramos de madeira, extração mineral ou agropecuária, como acusou Alexandre Saraiva na notícia-crime que enviou ao Supremo Tribunal Federal.
Portanto, se o STF abrir mais um inquérito para investigar um ministro de Bolsonaro, e exigir, como Alexandre de Moraes garantiu no caso das denúncias de Sergio Moro, um delegado da PF destacado para isso que não possa ser removido pelo diretor-geral Paulo Maiurino, a situação do titular do Meio Ambiente poderia se complicar.
O segundo fator que pode atrapalhar a permanência do extremamente eficiente (para Bolsonaro) Ricardo Salles é uma sanção mais concreta da União Europeia, da China ou dos Estados Unidos às exportações brasileiras pela nossa trágica gestão ambiental.
Isso faria com que o prejuízo pela manutenção do ministro se fizesse sentir no bolso daqueles que apoiam Bolsonaro: o agronegócio, o setor da mineração e os madeireiros. O presidente já perdeu sustentação em segmentos importantes, como o mercado financeiro e o empresariado industrial, em razão do desastre na resposta à pandemia e da economia que não decola. Se sentir que a própria cabeça estará na guilhotina, não se furtará a colocar a de seu dileto ministro no lugar.
Merval Pereira: O pleno se pronuncia
O resultado de 9 a 2 no julgamento de ontem, confirmando que o plenário do Supremo Tribunal Federal pode julgar a decisão do ministro Edson Fachin de enviar à Justiça do Distrito Federal os processos contra o ex-presidente Lula não relativos à Petrobras, não reflete necessariamente a posição da maioria quanto à suspeição do ex-ministro Sergio Moro, decidida pela Segunda Turma. Embora possa indicar que a mudança de foro de Curitiba para o Distrito Federal será aprovada.
A figura política do ex-presidente Lula pairou sobre os votos de ontem, embora muitas vezes não tenha sido citado. O ministro Ricardo Lewandowski, que mencionou o ex-presidente diversas vezes em seu voto e em suas intervenções, chegou a afirmar que o tema só estava sendo discutido no plenário porque se tratava de Lula. Foi rebatido pelo presidente Luiz Fux, que lembrou que é inegável que o julgamento é importante porque diz respeito à Operação Lava-Jato e ao combate à corrupção no país.
Lewandowski foi o que mais politizou o tema, chegando a dizer que julgamentos do Supremo levaram a que Lula não pudesse concorrer à disputa em 2018, o que, segundo ele, poderia ter mudado para melhor o futuro do país.
O resultado de ontem foi uma derrota dos advogados da defesa do ex-presidente Lula, que queriam que o recurso da Procuradoria-Geral da República fosse tratado na mesma Segunda Turma. No plenário, a possibilidade de derrota é maior, embora possa não se confirmar.
A mudança de foro dos processos de Lula, de Curitiba para o Distrito Federal, decretada pelo ministro Edson Fachin, deve ser mantida pela vasta maioria do plenário, mas suas consequências em relação ao ex-juiz Moro ainda dependem do tamanho da divisão do plenário.
Os três ministros que votaram pela suspeição de Moro na Segunda Turma — Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Lewandowski — já reafirmaram seus votos no julgamento de ontem, em comentários paralelos. A discussão de hoje será em torno de um paradoxo jurídico: um juiz pode ser considerado incompetente para julgar um caso e, ao mesmo tempo, suspeito?
A decisão da maioria de admitir julgar o caso no plenário pode significar que, aprovando a tese de Fachin, o julgamento da isenção de Moro fica prejudicado. No entanto, para explicitar que seu voto não significa a análise do mérito, a ministra Cármen Lúcia reiterou que o plenário do Supremo não é órgão revisor da decisão das turmas e, portanto, não tem poderes para alterá-la.
Essa tese parece ter boa aceitação, sem que seja possível, no entanto, definir qual será a decisão final. Relator da Lava-Jato no Supremo, Fachin considera que o julgamento da suspeição perdeu sentido com a mudança de foro, e tem adeptos dessa tese.
O que estará sendo julgado, subjacente à suspeição, é o destino dos processos da Operação Lava-Jato. Caso Moro seja considerado suspeito no caso do triplex do Guarujá, todas as operações e investigações já ocorridas durante a tramitação desse processo em Curitiba serão anuladas, e ele terá que ser iniciado da estaca zero, o que poderá garantir sua prescrição.
A derrubada da suspeição manterá a elegibilidade do ex-presidente Lula, mas dará ensejo a que os novos juízes utilizem, em parte ou no todo, o material colhido pela força-tarefa de Curitiba em todos os processos, o que, em tese, faria com que Lula ficasse com uma espada de Dâmocles sobre sua candidatura à Presidência da República.
O ministro Marco Aurélio, ontem um dos dois votos contrários a que o plenário examinasse o recurso da Procuradoria-Geral da República, ironizou o fato de o ex-juiz Moro ter passado de herói nacional a bandido, indicando talvez que vote contra a decisão de suspeição tomada na Segunda Turma. Mas a tese de Cármen de que a decisão da Turma não pode ser revista tem seu peso. A grande questão é que a suspeição de um processo pode levar a que outros julgados por Moro venham a ser considerados nulos também pela Turma, o que prejudicaria toda a operação Lava-Jato e proporcionaria a revisão de todos os julgamentos do ex-juiz Moro.
Míriam Leitão: Um país sem um dia de calmaria
"Quando eu terei um dia de calmaria para falar com os investidores? Preciso trabalhar notícias boas, mas é preciso encontrar uma fórmula de governar com menos ruídos.” Esse desabafo eu ouvi dentro do próprio governo, de uma autoridade que está convencida de que há, na economia, alguns dados positivos para comunicar. Mesmo quem não vê essas notícias boas concordaria com esse integrante do governo que o Brasil tem excesso de ruídos, tumultos, conflitos, como se já não bastasse o que a população vive na pior pandemia em um século.
A avaliação que essa autoridade faz é que o Congresso aprovou algumas medidas importantes no começo deste ano, como o marco do gás e do saneamento. Acha que o país pode ter um segundo semestre de recuperação, se conseguir vacinar parte importante da população neste primeiro semestre. No mundo, as economias em crescimento, como a China, estão valorizando as commodities exportadas pelo Brasil. O mercado global está melhorando, a bolsa americana está batendo recordes, tudo isso ajudaria a amenizar a crise interna. “Mas o Brasil continua prisioneiro da sua história.”
A questão é que a maior parte dos tumultos é resultado da própria ação do governo. Hoje, a Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2022 tem que chegar ao Congresso, mas o país ainda não tem o Orçamento de 2021. As fórmulas mais estranhas para resolver o problema estão sendo discutidas, mas ninguém quer encarar o que é tecnicamente correto. A solução defendida por integrantes da equipe econômica — e eu já ouvi isso de mais de um — é vetar as emendas parlamentares e mandar um PLN reconstituindo despesas obrigatórias. “O ideal é ter tudo redondo, era vetar tudo, ter um PLN, mas isso não atende ao Congresso, porque seria a desmoralização dos tratados feitos. E o presidente pode ficar fragilizado”, explica essa autoridade que quer um dia de calmaria.
O presidente Bolsonaro sempre foi o principal foco de instabilidade institucional, e isso ele mostrou ontem novamente, quando fez novas ameaças ao país. Ele as faz sempre, de forma deliberadamente vaga para dar a impressão de que tem poderes que não está usando.
“O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providência. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização”, disse Bolsonaro, no seu estilo autoritário e populista. E continuou: “Estamos na iminência de ter um problema sério no Brasil. Parece um barril de pólvora que está aí. Eu não estou ameaçando ninguém, mas estou achando que brevemente teremos um problema sério no Brasil”.
Bolsonaro foi assim desde o começo desta pandemia. A cada dia ele levanta um fantasma, joga uma sombra, cria um conflito. Criou, por exemplo, na semana passada, diretamente com o ministro Luís Roberto Barroso, quando ele determinou a abertura da CPI. Ficou claro no rápido julgamento de ontem que Barroso teve todo o apoio do STF para a sua decisão, que apenas determinou o cumprimento da Constituição. CPI é direito das minorias, e cumpridos os requisitos de um terço do Senado e fato determinado não cabe ao presidente do Senado impedir.
Barroso saiu vitorioso e mandou recados educados para responder à truculência do presidente. Elogiou o senador Pacheco, que, mesmo derrotado, reagiu com “elegância, correção e civilidade”, lembrando que são qualidades raras nos tempos atuais. Mas a resposta mais forte de Barroso toca no principal ponto de instabilidade do Brasil. Para os economistas, a fonte de incerteza é de natureza fiscal. Um orçamento confuso, soluções esquisitas, como a que surgiu na tal PEC do fura-teto, elevam os temores de um descontrole nas contas públicas.
Mas o mais eloquente recado veio com o aviso sobre o que está em jogo nos ataques ao STF. “Diversos países do mundo vivem hoje uma onda referida como recessão democrática”. O ministro citou Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Venezuela. Lembrou que todos eles, sem exceção, sofreram processos de esvaziamentos e ataques aos seus tribunais constitucionais. “Quando a cidadania daqueles países despertou, já era tarde. Reafirmar o papel das supremas cortes de proteger a democracia e os direitos fundamentais é imprescindível ato de resistência democrática”. Esse é o ponto. A nossa instabilidade é muito maior do que a questão fiscal. A fonte maior de tumulto institucional é o próprio Bolsonaro.
Malu Gaspar: Povo, Bolsonaro? Que povo?
‘O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu tenho que tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. Porque a fome, a miséria, o desemprego estão aí, pô. Só não vê quem não quer’, afirmou o presidente Jair Bolsonaro, na manhã da quarta-feira, à sua claque de plantão na porta do Palácio da Alvorada. “Esse pessoal, amigos do Supremo Tribunal Federal… Daqui a pouco vamos ter uma crise enorme aqui”, continuou. “Parece que é um barril de pólvora que está aí. E tem gente de paletó e gravata que não quer enxergar.”
Tudo o que Bolsonaro disse ali, ele já falou com outras palavras, em outras ocasiões. O golpismo continua, mas há algo diferente. O tom beligerante de um ano atrás deu lugar à desorientação e ao cansaço, e até o apelo ao povo sai sem muita convicção.
Embora o discurso para as redes bolsonaristas ainda seja triunfante e desafiador, o presidente no fundo sabe que não há nada de tão explosivo para acontecer, afora a tragédia sanitária da Covid-19, que já fez mais de 360 mil vítimas fatais. O capitão percebe, também, que seu “povo” não lhe dará nenhuma mostra de apoio mais enfática do que as já prestadas em manifestações de rua e buzinaços.
Não que elas tenham sido desprezíveis. O “mito” não deixou de ter seu público cativo. Até agora, porém, esse contingente não foi capaz de evitar a crise em que Bolsonaro se afundou.
O que o presidente da República mais precisa agora é de uma solução para o impasse em torno do Orçamento para 2021, que veio do Congresso com previsão de gastos acima do teto legal permitido, a maior parte com emendas parlamentares. Se não cortar despesas, Bolsonaro corre o risco de ser processado por crime de responsabilidade e de sofrer impeachment. Mas, se cortá-las, entra em colisão com o Congresso, que acaba de abrir uma CPI para apurar responsabilidades pelos erros na condução do governo na pandemia.
Na guerra feroz dos bastidores, líderes do Parlamento e ministros palacianos não aceitam cortes além de certo limite, considerado o mínimo necessário para deputados e senadores gastarem no “Orçamento da reeleição”. A equipe econômica defende os cortes, mas tem em Paulo Guedes um chefe politicamente cambaleante, que sofre ataques e humilhações de todos os lados, mas justifica o apego ao cargo com variações do “ruim comigo, pior sem mim”.
Embora já tenha enfrentado outras crises, Guedes nunca pareceu tão vulnerável. E não só aos olhos dos colegas de Esplanada, mas também aos dos operadores do mercado, que já especulam quem pode vir a substituí-lo. Isso diz muito não só sobre o ministro, mas também sobre o próprio presidente. Se Bolsonaro manteve o “posto Ipiranga” até hoje, foi por acreditar que abrir mão dele seria admitir uma derrota política de que talvez não pudesse se recuperar. Ele sabe que o Centrão está à espreita, esperando a vaga abrir para ocupá-la.
Nesse contexto, a fala de Fernando Collor de Mello contra a CPI da Covid, na sessão do Senado que a instalou, na última terça-feira, ganha contornos especialmente simbólicos. “Temos que ter consciência do momento que vivemos. Falo isso como alguém que já passou e viveu episódios dramáticos da vida nacional”, disse o ex-presidente, afastado depois que uma CPI desnudou as relações espúrias de seu operador, PC Farias, com a elite empresarial da época.
Há muitas diferenças entre a situação de Bolsonaro e a de Collor pré-impeachment, até porque, em 1992, a ameaça à sobrevivência dos brasileiros era “só” a inflação alta. Escândalos de corrupção abalavam o país, mas não havia centenas de milhares de mortes assombrando o Planalto.
Mas há também semelhanças. A primeira é um governo em frangalhos, com os ministros que realmente importam se unindo em torno do presidente por poder e dinheiro. A segunda é uma CPI com maioria de membros da oposição, prestes a dar o bote.
Por fim, há um presidente acuado, que convoca o povo para ir às ruas apoiá-lo usando verde e amarelo. “Vamos mostrar a essa minoria que intranquiliza diariamente o país que já é hora de dar um basta a tudo isso”, disse Collor em agosto de 1992. “A sociedade quer tranquilidade para poder trabalhar.” Em resposta, o povo foi às ruas de preto, e Collor saiu do Planalto pelos fundos semanas depois.
Não há, por ora, sinais de que o destino de Bolsonaro será o mesmo. Mas já está claro que esse povo de quem o presidente espera sinais pouco pode fazer para salvá-lo. A esta altura, o único “povo” que pode tirar o presidente do corner é justamente essa gente que está de paletó e gravata, cercando seu gabinete em Brasília. Resta saber se ela o fará.