O Globo

Fernando Gabeira: As voltas que a vida dá

Bolsonaro investiu contra a vida liderando a maior política de destruição ambiental do Brasil moderno. E investiu de novo contra a vida negando a pandemia do coronavírus.

A vida começa agora a cobrar de forma combinada os crimes de Bolsonaro. Numa só semana, convergiram a Cúpula de Líderes sobre o Clima e a CPI da Covid, eventos que lembram a Bolsonaro que sua própria vida ficará para sempre marcada por seu desprezo à vida das florestas e dos bichos e pelo sacrifício humano envolto na tese da imunização de rebanho.

Por mais que psicólogos mergulhem no labirinto da mente de Bolsonaro, nenhuma explicação atenua o dado objetivo de tantas árvores derrubadas, tantos animais carbonizados, tantas pessoas mortas pelo coronavírus.

A economia explica apenas parcialmente. Bolsonaro acha que é preciso tirar todos os recursos da natureza, independentemente do rastro de destruição. Da mesma forma, ele acha que a economia precisa funcionar, independentemente das pessoas que o vírus consome.

A verdade é que Bolsonaro não se importa tanto com a economia, não estuda o tema e, ao se eleger, designou um ministro para responder a todas as perguntas, a quem chamou de Posto Ipiranga. O que move o presidente não chega a ser, portanto, nem uma teoria econômica, por mais grosseira e obsoleta que possa parecer.

Tanto na destruição das florestas como na tragédia humana diante do vírus, o que move Bolsonaro é sua vontade de permanecer no poder.

A floresta interessa na medida em que garanta os votos dos seus predadores; as pessoas podem morrer para que uma suposta normalidade econômica garanta a reeleição.

É muito conhecida a literatura sobre essa obsessão com o poder, a necessidade de respeito e até admiração que os poderosos obtêm quando se revestem dessa condição que lhes parece mágica.

Mas o caso de Bolsonaro é singular. Existe uma coerência em todas as suas escolhas. A morte é a grande aliada desde a opção destrutiva no ambiente e na pandemia, passando pela difusão das armas, chegando até a detalhes como suprimir multas de quem se descuida da cadeirinha do bebê no carro.

Essa aliança com a morte pode ser também o resultado de uma grande frustração com a própria vida. Mas, de novo, deixo isso aos psicólogos ou àqueles que preferem combater Bolsonaro no plano da sanidade mental.

Por meio de grandes episódios como a Cúpula do Clima e a CPI da Covid, entretanto, é possível compreender o antagonismo de Bolsonaro com todos todos os tipos de vida no planeta.

E refletir sobre isso. Não importa a Bolsonaro se o país se tornar um deserto, muito menos se os que ele considera mais fracos forem tombando pelo caminho.

Nunca na história moderna do país a indiferença diante da realidade política poderá ter consequências tão devastadoras para nosso futuro.

A Cúpula do Clima serve para mostrar a importância da luta da Humanidade para a sobrevivência das novas gerações e a contradição de Bolsonaro com essa gigantesca reação vital.

Ali, ele apenas mentiu, supondo que possa enganar o mundo. Seu objetivo sempre foi desmontar a fiscalização, acabar com a “indústria da multa”, liberar o garimpo e enfraquecer os povos indígenas.

A CPI da Covid servirá para revelar aquilo que muitos de nós já sabemos. Mas pode fazê-lo de uma forma séria e pedagógica para que todos compreendam a responsabilidade de Bolsonaro.

Essas duas vertentes, a ambiental e a sanitária, sempre estiveram aí enquanto, de uma certa maneira, Bolsonaro gritava “Viva la muerte”, como o oficial do Exército de Franco.

É estranho que esse grito tenha dominado um país mundialmente conhecido pela vitalidade. Imperdoável, no entanto, que ele possa ecoar em 22, o prazo final para o encerramento dessa fúnebre passagem da História do Brasil.


O Globo: Pazuello será preparado pelo Planalto para enfrentar CPI da Covid e blindar Bolsonaro

Governo treina ex-ministro da Saúde, aciona José Sarney, escala equipe e levanta documentos para defender atuação do presidente na pandemia

Jussara Soares, O Globo

BRASÍLIA - O Palácio do Planalto estruturou uma operação de guerra para enfrentar a CPI da Covid no Senado. O plano envolve preparar o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello para responder aos questionamentos dos parlamentares, acionar o ex-presidente José Sarney, montar um comitê com representantes de diferentes ministérios e levantar um arsenal de documentos sobre a ação do governo na pandemia. A principal estratégia por trás dessa investida é blindar o presidente Jair Bolsonaro — e a sua pretensão de ser reeleito em 2022 —, desviando o foco das atenções para a atuação de estados e municípios.

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Considerado o principal alvo da comissão, Pazuello será preparado pelo governo para encarar senadores opositores. A ideia é que o ex-ministro da Saúde, que deve assumir um cargo no Planalto, dedique o seu tempo em Brasília a se debruçar sobre uma série de documentos, dados e informações oficiais que reforcem a narrativa de que o governo não foi omisso na pandemia nem na crise do oxigênio em Manaus — o colapso na capital do Amazonas já levou Pazuello a responder a uma ação por improbidade administrativa apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF).

O general da ativa terá à sua disposição um grupo de trabalho formado por integrantes de diferentes ministérios — que fornecerá subsídios para defender as ações do governo. Esse é mais um sinal de apoio de Bolsonaro, que, nos últimos dias, levou o militar a duas viagens, uma ao interior de Goiás e outra a Manaus.

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Para dar suporte a Pazuello e a outros integrantes do governo que serão convocados pela CPI, o Planalto estruturou um comitê de crise formado por representantes de diversas pastas, sob o comando da Casa Civil, chefiada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos. O grupo de trabalho criado para enfrentar a comissão da pandemia foi inspirado numa força-tarefa formada por Ramos durante a Olimpíada no Rio, em 2016, com a participação de diferentes setores, da Polícia Militar à Companhia Municipal de Limpeza Urbana (Comlurb), que compartilhavam entre si informações estratégicas sobre o evento esportivo. A ideia é implementar a mesma tática militar para encarar os questionamentos do colegiado no Senado.

O comitê já traçou um plano de trabalho, registrado num organograma com os principais focos de atuação, e tem como meta se reunir semanalmente no Planalto, compilando informações de diferentes ministérios e elaborando um roteiro que será utilizado para integrantes do governo se defenderem na CPI. Dentre os participantes, estão servidores da Saúde, Defesa, Economia, do Itamaraty, Comunicações, da Advocacia-Geral da União (AGU), Controladoria-Geral da União (CGU) e Secretaria de Governo, entre outros. Em uma recente reunião no Planalto, o presidente Bolsonaro já havia alertado que os auxiliares se preparassem porque muitos seriam chamados a prestar depoimento.

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Na última sexta-feira, o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde, foi nomeado como assessor especial da Casa Civil. Antes mesmo de ser oficializado no cargo, o militar já vinha frequentando o Planalto diariamente. Segundo apurou O GLOBO, ele ficará dedicado a reunir as informações necessárias para responder aos questionamentos da CPI. A expectativa, segundo um integrante do alto escalão, é que, se o governo conseguir fazer “o trabalho que tem que ser feito”, poderá usar a CPI como “palco” para divulgar as ações do Executivo.

Em outra frente, o Planalto vem tentando minar o poder do senador Renan Calheiros (MDB-AL), favorito para assumir a relatoria da CPI. Nos últimos dias, um ministro do Palácio do Planalto entrou em contato com José Sarney para marcar um encontro. O objetivo dessa investida é convencer o ex-presidente da República a conter o seu colega de partido. Sarney e Renan já comandaram o Congresso em diferentes períodos e mantêm uma relação de proximidade. Mas interlocutores de ambos veem a iniciativa com pouca chance de êxito. O ex-presidente tem demonstrado pouca disposição para as articulações políticas envolvendo o Planalto, enquanto o senador sinaliza a interlocutores que não abrirá mão fácil da relatoria, apesar da ofensiva do governo. Na visão de um conselheiro de Bolsonaro, Renan Calheiros é uma opção mais palatável como relator do que os senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) ou Humberto Costa (PT-PE).

Renan Calheiros:  Senador volta aos holofotes e pressiona o governo

Em entrevista ao GLOBO, Renan disse que Bolsonaro “errou e se omitiu na pandemia”. Preocupado, o presidente ligou para o filho do parlamentar, o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB). Os dois se conheceram na Câmara, quando ainda eram deputados federais e jogavam juntos num time de futebol de parlamentares. Na conversa telefônica, Bolsonaro foi direto ao ponto. Disse ao governador que achava que não era o momento de uma CPI, argumentando que o foco do Executivo deveria estar concentrado no combate à pandemia. Renan Filho respondeu que o pai é experiente e sereno e que, portanto, o presidente deveria ficar tranquilo. O governador disse que o senador seria incapaz de cometer uma injustiça, pois já foi alvo de investigações que considera indevidas.

Reforço na articulação

Para a missão de desarmar a CPI, o presidente convocou ainda o ministro Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência. Deputado federal eleito cinco vezes pelo DEM do Rio Grande do Sul, Lorenzoni integrou as CPIs da Petrobras, dos Maus-Tratos de Animais e dos Correios, da qual foi sub-relator, entre outras. A ideia é que o ministro use a experiência de quem já atuou como inquiridor para antever a estratégia dos membros da comissão e preparar Pazuello para enfrentar os questionamentos de senadores. O Planalto quer evitar que o ex-ministro se desestabilize diante da pressão. Lorenzoni também deve assumir uma parte da articulação política na CPI e já iniciou contato com parlamentares.

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Opiniões sobre as falhas na articulação já foram tornadas públicas por governistas: em entrevista ao GLOBO, o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, disse que o “governo perdeu o timing na indicação para a CPI”. Membro titular da CPI da Covid, o vice-líder do governo no Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), também criticou a atuação do Palácio do Planalto: para ele, faltou “um pouco mais de articulação”.


Dorrit Harazim: Planeta Terra

Em semana tão memorável para nosso planetinha, alvo, finalmente, de uma Cúpula do Clima com tonalidade de emergência global, vale relembrar quanto devemos à bióloga marinha e escritora americana Rachel Carson. Pioneira de uma escrita belíssima sobre a ciência e o mundo natural, Carson catalisou o movimento ambiental dos anos 1960 com a publicação do seu clássico “Primavera silenciosa”. O livro desarrumou para melhor as até então inexistentes políticas ambientais nos Estados Unidos e despertou a consciência ambiental moderna — começando pela cadeia de danos a todas as espécies causada por agrotóxicos. A obra serviu de referência para, entre outras medidas, a criação da Agência Federal de Proteção do Meio Ambiente (EPA, na sigla em inglês), a aprovação das leis de Ar Puro (1963), Áreas Selvagens (1964), Água Limpa (1972) e Espécies em Extinção (1973). Coisa grande, portanto. E, contra a maré dos preconceitos culturais do Pós-Guerra, então ainda prevalentes. “Por que uma mulher solteira, sem filhos, e comunista, está tão preocupada com a genética?”, indagava Ezra Taft Benson, que servira ao governo de Dwight Eisenhower por oito anos como secretário da Agricultura.

“O controle da natureza é um conceito concebido na arrogância, nascido na Era Neandertal da biologia e da filosofia, quando se supunha que a natureza existe para conveniência do ser humano”, escreveu a cientista do século 20. Na Cúpula on-line de 2021, as mesmas palavras foram repetidas em roupagens variadas e idiomas diversos. Apenas com um denominador comum novo — a urgência do tema. “É quase tarde demais, devemos começar já”, resumiu a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Para a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, sempre na dianteira do progresso de seu povo, o elenco de medidas obrigatórias e imediatas passa pela precificação do carbono, pelo fim dos subsídios a combustíveis fósseis, pelo financiamento da conversão rumo a uma economia limpa. Até o FMI se manifestou a favor da instituição de um preço mínimo internacional para o carbono, aplicável aos maiores predadores do ar que respiramos.

Como se sabe, a chanceler alemã Angela Merkel, PhD em Química Quântica, é pouco afeita a arroubos retóricos e ainda menos ao uso de adjetivos superlativos. Já por isso, prestou-se atenção dupla quando ela definiu como “trabalho hercúleo” o combate urgente ao aquecimento global. Nesta luta contra o tempo, é possível que estejamos em situação apenas ligeiramente melhor que os 53 tripulantes do submarino indonésio KRI Nanggala-402, desaparecido nas profundezas do Mar de Bali, sem contato com o mundo desde a quarta-feira. Como não foi resgatado até ontem, sua reserva de oxigênio se esgotou.

Estima-se que nosso planetinha já existe há uns 4,5 bilhões de anos e deverá existir por mais outros 7,5 bilhões até ser absorvido pelo Sol. Não é ele que corre perigo com a mutação climática, e sim a biosfera, aquilo que chamamos de “mundo” — a camada de organismos cósmicos que envolve o globo e engloba todas as formas de vida, a partir de uma profundidade de 9,5 km abaixo do nível do mar até uma altura 8 km acima da superfície terrestre. A revista impressa “Lapham’s Quarterly” dedicou sua edição de outono de 2019 ao tema, com preâmbulo de Lewis H. Lapham, fundador, editor e alma da publicação. Para ele, o aquecimento do planeta, que já atinge os sete continentes, quatro oceanos e 24 fusos horários, é produto da dinâmica capitalista movida a energia fóssil, que tem entupido o mundo com riquezas muito além da necessidade, da imaginação ou de qualquer senso de medida humanos. “Somos guiados pela crença de que o dinheiro é capaz de comprar nosso futuro. Só que a natureza não aceita cheques. Veremos mais adiante quem pagará a conta — se o capitalismo sobreviverá à mudança climática ou se um clima alterado afundará o capitalismo”, escreve ele.

Com 78 anos de idade, e com a pandemia da Covid-19 a convulsionar imensos nacos da população global, o presidente americano Joe Biden já teve tempo de sobra para pensar na posteridade. Escolheu as vésperas do seu 100º dia como líder do colosso econômico, militar e campeão em poluentes para oficializar o papel que escolheu para si: locomotiva de uma nova era ambiental. O robusto programa de investimento em infraestrutura apresentado por Biden no mês passado, que consumirá perto de US$ 2,3 trilhões, está todo voltado a uma economia de baixas emissões. Se conseguir a difícil aprovação no Senado, sinalizaria o início de uma grande revolução estrutural no país. Também as ambiciosas metas/promessas ambientais dos EUA, feitas pelo presidente ao abrir os trabalhos da Cúpula, indicam que, se concretizadas, cada milímetro da atividade econômica do país acabaria atrelado a um futuro mais limpo. “A hora é agora”, anunciou Biden ao mundo. Tomara.

Lewis Lapham, o do ensaio citado, sustenta que depositamos demasiada fé na tecnologia como salvação da raça humana. Transformamos o mercado consumidor num lobo universal que devora e destrói não por instinto neolítico ou ideologia — simplesmente por termos nos tornado máquinas e, como boas máquinas, não sabemos fazer outra coisa. Para salvar a raça humana, só mesmo o humano — nem acima nem à parte da natureza.

Esta semana a Nasa conseguiu o feito inédito de converter dióxido de carbono da atmosfera marciana em oxigênio puro. Foi pouquinho, porém extraordinário — segundo a agência, os cinco gramas de oxigênio produzidos no planeta vermelho equivalem a algo como 10 minutos de ar respirável por astronautas. Como então não conseguirmos nos salvar por aqui? Se falharmos agora, talvez só nos reste mesmo zarpar para Marte. 


Elio Gaspari: Vinte e quatro governadores numa impertinência

Governadores que entregaram carta a Biden praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil.

Os 24 governadores que entregaram ao embaixador americano Todd Chapman uma carta ao presidente Joe Biden oferecendo o “desenvolvimento de parcerias e de estratégias de financiamento” para a proteção do meio ambiente praticaram uma marquetagem imprópria, incompetente e inútil. (Os governadores de Santa Catarina, Rondônia e Roraima não assinaram a carta.)

Foi uma iniciativa imprópria, porque não compete a governadores propor “estratégias” a governos estrangeiros. Na carta, os doutores falam em nome dos “governos subnacionais brasileiros”. Ganha um fim de semana num garimpo ilegal, quem souber o que é isso.

É incompetente, porque uma colaboração internacional para defender o meio ambiente (leia-se proteger a Amazônia dos agrotrogloditas aninhados no bolsonarismo) não precisa ser buscada na Casa Branca. Até o ano passado, ela era ocupada por um tatarana. Existem organizações credenciadas para negociar essas “parcerias”.

À incompetência e à impertinência junta-se um fator de inutilidade historicamente documentada. Os Estados Unidos, como qualquer outra nação, tem interesses. Os amigos são asteriscos. Governadores “amigos” acabam virando massa de manobra.

Em 1961, o presidente John Kennedy lançou um programa chamado Aliança para o Progresso. Tratava-se de barrar a influência do comunismo cubano promovendo reformas sociais na América Latina. Coisa fina, mobilizando quadros da elite que trabalhara nas transformações dos Estados Unidos durante os mandatos de Franklin Roosevelt e na Europa do pós-guerra. Nesse grupo, estava o professor americano Lincoln Gordon, com seu currículo de Harvard e Oxford, mais a experiência adquirida durante o Plano Marshall .

Kennedy nomeou Gordon para a embaixada no Brasil, e ele fez parcerias com governadores amigos, como Carlos Lacerda, no Rio, Ney Braga, no Paraná, e Aluízio Alves, no Rio Grande do Norte. O que havia sido uma ideia de reformas sociais para o continente transformou-se aos poucos num instrumento de interferência política. Em menos de um ano, Gordon estava no Salão Oval da Casa Branca, discutindo também a possibilidade de um golpe militar no Brasil. Trabalhava-se com os “bons governadores” e estimulavam-se projetos que impedissem avanços de candidatos de esquerda.

No final de 1962, Gordon percebeu que a essência reformista da Aliança para o Progresso tinha morrido. Sua embaixada, e ele, estavam noutra.

Em 1964, deposto João Goulart, os governadores Ney Braga, Carlos Lacerda e Aluízio Alves tornaram-se joias da coroa da Aliança para o Progresso e da nova ordem. Quatro anos depois, Lacerda e Aluízio Alves foram banidos da política pela ditadura.

Em 1971, o diretor do programa de segurança pública da USAID, filha da Aliança para o Progresso, foi perguntado por um senador que pretendia denunciar a ação dos torturadores brasileiros:

— Uma dura declaração de nosso governo ou de sua embaixada talvez os inibisse? (...) O senhor não concorda ?

— Eu não acredito, senador, e estou habilitado a responder assim.

(O doutor disse aos senadores que não sabia o que era a Operação Bandeirantes. Era a mãe do DOI.)

A essa altura, Gordon estava desencantado com os rumos do regime brasileiro, e a embaixada em Brasília informava que seria inútil aconselhar os empresários americanos a se afastarem da caixinha de colaborações para as agências de repressão política.

Vila Kennedy, um sonho americano

No mesmo depoimento aos senadores americanos, o burocrata da USAID disse que à noite se sentiria “mais seguro no Rio” do que em Washington. Em 1971, a capital americana estava mal das pernas, e o Rio tinha o Esquadrão da Morte. Passou o tempo e deu no que deu.

Um dos projetos mais vistosos da Aliança para o Progresso foi a construção da Vila Kennedy, no Rio de Janeiro. O projeto fazia a alegria do andar de cima. Havia uma favela no Morro do Pasmado, entre Botafogo e Copacabana. Tratava-se de tirar os moradores dos barracos, levando-os para um subúrbio da cidade. Construíram-se casas populares, instalou-se uma pequena réplica da estátua da Liberdade numa pracinha. A USAID botou US$ 25 milhões em dinheiro de hoje.

Passou o tempo, e no entorno da Vila surgiram mais de dez comunidades e as narcomilícias. Em 2018, a demofobia entrou na região com a cloroquina da ocasião: a intervenção do Exército, com a utilização de 1.400 soldados. Militares distribuíram flores no Dia da Mulher, e a Vila Kennedy deveria ter sido a vitrine das operações militares. Virou resort do Comando Vermelho, e dois anos depois drogas eram vendidas no pedaço em regime de drive-thru.

Madame Natasha

Madame Natasha faz qualquer coisa pelo meio ambiente, mas não participa de queimadas do idioma. Na quinta-feira, não houve reunião de cúpula de chefes de Estado. Houve, quando muito, um vídeo muito chato.

Desde sempre, as reuniões de cúpula reúnem governantes que às vezes discursam, mas sempre conversam reservadamente. Essa é a parte útil dos encontros. Na cúpula de Biden, houve só a parte inútil.

No mesmo dia, houve muito mais interesse e emoção com a plenária virtual do Supremo Tribunal Federal confirmando a suspeição do então juiz Sergio Moro.

Rascunho perdido

No rascunho que Ricardo Salles preparou para o discurso de Bolsonaro de quinta-feira, alguns países europeus seriam atacados

Os parágrafos foram para o arquivo.

A Europa livrou-se de uma boa.

Receio real

Jair Bolsonaro e seu pelotão palaciano estão convencidos de que há uma articulação para tirá-lo da cadeira.

Quando esse temor entra no palácio, o governo deixa de ter projeto.

Só isso explica que Bolsonaro tenha sido capaz de dizer que “o Brasil está na vanguarda dos esforços de parar o aquecimento global”.

Salles na mira

O ministro Ricardo Salles haverá de se dar conta de que a mais letal das encrencas em que se meteu foi a da joelhada que deu na Polícia Federal, com a demissão do delegado Alexandre Saraiva.

Para a corporação, Salles solidarizou-se com delinquentes. Nenhuma polícia do mundo deixa isso barato.

Braga Netto em 22

O general da reserva Walter Braga Netto, ministro da Defesa, defendeu o governo dizendo que “é preciso respeitar” o “projeto escolhido pela maioria dos brasileiros” para dirigir o país.

Fica combinado que ele continuará na mesma posição em novembro 2022 quando terminar a contagem dos votos da eleição presidencial.

Isolamento no ócio

Nos próximos quatro domingos, o signatário cumprirá um programa de isolamento com ócio.


Míriam Leitão: Com a palavra, os embaixadores

Os embaixadores da Noruega e da Alemanha em Brasília alertam que o Brasil deve tomar muito cuidado nos próximos três meses na Amazônia. São os de maior risco de desmatamento no ano florestal que termina em julho. Nils Gunneng, da Noruega, e Heiko Thoms, da Alemanha, afirmam que há meio bilhão de reais sendo usados do Fundo Amazônia e lembram que os recursos, quase R$ 3 bilhões, que estão congelados precisam apenas que o Brasil restaure o conselho do Fundo. “O Brasil não está sozinho no combate ao desmatamento”, diz o alemão Thoms. “Tem um mercado enorme para um país que tem florestas e queira mantê-las em pé”, completa o norueguês Gunneng.

Noruega e Alemanha são os financiadores do Fundo Amazônia, um bem-sucedido mecanismo em que os dois países doaram recursos para apoiar programas de proteção ambiental. Ele funcionava perfeitamente. Em junho de 2019, o ministro Ricardo Salles dissolveu o conselho que reunia representantes do governo federal, dos estados amazônicos, da sociedade e dos empresários. Sem essa estrutura, o Fundo Amazônia não pode liberar novos recursos. “Não há base legal para as decisões”, explica o embaixador da Noruega.

Eu entrevistei os dois diplomatas durante uma hora na sexta-feira, por uma chamada de vídeo. Eles demonstram conhecimento sobre o Brasil, admitem as culpas de seus próprios países nas emissões de gases de efeito estufa, comemoram a cúpula do clima, pela volta dos Estados Unidos aos esforços globais de combate às mudanças climáticas. Ambos disseram ter gostado da carta do presidente Bolsonaro ao presidente Biden e do discurso do brasileiro na reunião do clima. Mas alertam que é preciso ir além. “Queremos ver em breve os resultados dessas palavras nas taxas de desmatamento”, disse Nils Gunneng. “Estamos ansiosos para ver a tradução desse compromisso no plano concreto”, diz Heiko Thoms.

Os dois têm tido conversas com vários setores da sociedade brasileira, e, nos dias anteriores ao encontro convocado por Joe Biden, eles e outros embaixadores fizeram reuniões com políticos de diversos partidos, com empresários e ONGs. Perguntei o que eles têm ouvido. Segundo o embaixador alemão, todas as partes entendem que problemas ambientais têm um efeito negativo na reputação do país. “Os povos indígenas compreendem isso, os bancos compreendem isso”, diz Thoms.

O representante da Alemanha afirma que seu país é parceiro tradicional do Brasil na luta ambiental desde 1992, que a cooperação bilateral tem 70 anos e há um portfólio de investimento de US$ 9 bilhões. O representante norueguês conta que o Fundo Soberano tem investimentos de US$ 8 bilhões em ativos brasileiros. O grande nó das relações entre os dois e o Brasil atualmente é o Fundo Amazônia. Perguntei a Gunneng o que ele tinha a dizer sobre a afirmação de Salles de que o Fundo parou por decisão da Noruega. “É importante dizer que o Fundo foi congelado porque o governo brasileiro dissolveu a estrutura de governança unilateralmente sem o acordo da Noruega ou da Alemanha”, respondeu.

O embaixador da Alemanha acha que o “Brasil está bem posicionado” para se beneficiar da transição para a economia de baixo carbono. “Tem a tecnologia necessária, tem uma legislação sólida e produtores sérios.” Gunneng concorda e diz que o Brasil já mostrou ser capaz de produzir sem aumentar o desmatamento. “Nós queremos ver mais países pagarem por isso”. O embaixador alemão disse que “no mundo inteiro os consumidores querem saber de onde vem o bife que está no seu prato e como o seu smartphone foi produzido. Os investidores procuram opções verdes de investimento. Quem produz de forma sustentável tem vantagem competitiva”.

Perguntei a Gunneng o que a Noruega fará com sua economia tão dependente do petróleo, e a Thoms, sobre as emissões históricas da Alemanha. “Nós somos parte do problema”, admitiu o norueguês. “A Alemanha tem grandes desafios como o do carvão”, admitiu o alemão. Os dois, contudo, dizem que seus países estão determinados a fazer a necessária transição para uma economia de baixo carbono. Perguntei se era fácil explicar para os contribuintes os gastos com o Fundo Amazônia. “Sim e não. É fácil quando o desmatamento cai, é difícil quando ele sobe”, diz Nils Gunneng, da Noruega. No momento, então, está difícil explicar.


Bernardo Mello Franco: Um país na escuridão

O governo alegou falta de verbas e cancelou o Censo de 2021. A pesquisa estava programada para 2020, mas foi adiada por causa da pandemia. Agora arrisca não acontecer nem em 2022, devido a cortes sucessivos no orçamento do IBGE.

A decisão condena o Brasil a um apagão estatístico. Não chega a ser uma surpresa. Os burocratas do bolsonarismo sempre desprezaram fatos e dados confiáveis. Preferem acreditar nas suas próprias versões.

No segundo mês de governo, o ministro Paulo Guedes reclamou que o questionário do Censo seria muito longo. “Se perguntar demais, você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”, declarou. A frase espantou técnicos que o ouviam pela primeira vez. Era só um sinal do que estava por vir.

A pretexto de economizar, Guedes ordenou a redução do levantamento previsto para o ano seguinte. Ao justificar o corte, disse que o Censo fazia 360 perguntas. Na verdade, a última pesquisa básica fez 49. O ministro insistiu na tese. “Custa muito caro e tem muita coisa que não é tão importante”, decretou.

A ordem para mutilar o questionário abriu uma crise no IBGE. Técnicos avisaram que a medida comprometeria a qualidade do Censo. A presidente Susana Cordeiro Guerra não quis saber. Acatou a ordem do chefe e demitiu dois diretores que contestavam o corte.

No mês passado, foi a vez de Susana pedir o boné. Estava contrariada com a aprovação do Orçamento sem as verbas necessárias para organizar o Censo. Ela sabia que a pesquisa seria cancelada, mas não quis reconhecer o fiasco. Preferiu atribuir a saída a “motivos pessoais”.

Os ataques ao IBGE começaram logo após a eleição de Jair Bolsonaro. Em novembro de 2018, o capitão afirmou que os dados sobre o desemprego eram “uma farsa”. Cinco meses depois, disse que o índice só servia para “enganar a população”.

O negacionismo também atingiu outros órgãos federais. Quando o desmatamento da Amazônia começou a disparar, o presidente acusou o Inpe de divulgar “números mentirosos”. Seu diretor, o cientista Ricardo Galvão, foi demitido e chamado de “mau brasileiro”.

Na pandemia, o Ministério da Saúde comandou uma operação para maquiar os dados de mortos pela Covid. Os veículos de comunicação tiveram que montar um consórcio para apurar a real dimensão da tragédia.

Como alertaram oito ex-presidentes do IBGE, o cancelamento do Censo põe o Brasil num pequeno clube de países há mais de 11 anos sem uma pesquisa nacional. Nos casos de Líbia, Afeganistão e Haiti, o problema é consequência de guerras e terremotos. No Brasil, a causa é o desgoverno.

O apagão estatístico vai comprometer a formulação e a execução de políticas públicas. Causará prejuízos à saúde, à educação, ao transporte e à moradia. Deixará o país sem informações essenciais para planejar sua reconstrução pós-pandemia.

Para Bolsonaro, o cancelamento da pesquisa pode ter uma utilidade. Os dados jogariam luz sobre o tamanho da destruição promovida nos últimos anos. Sem conhecê-los, o eleitor terá que ir às urnas na escuridão.


Merval Pereira: O futuro adiado

Ao ler que o prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa declarou apoio a Keiko Fujimori na disputa presidencial do Peru, alegando ser ela “o mal menor” diante o candidato de esquerda Pedro Castillo, fui tomado por uma sensação desalentadora de futuro adiado que experimento há anos, em relação ao Brasil e à nossa região.

Nós também no Brasil votamos no “mal menor”, raras vezes em um projeto de governo. Em busca permanente do “salvador da pátria”, acabamos escolhendo o “erro novo”. Jair Bolsonaro em 2018, Collor em 1989. Agora, possivelmente ficaremos em 2022 diante de dois “erros antigos”.

Lula, liberado pela Justiça para concorrer à eleição, deixa de ser “ficha suja”, sem ser “ficha limpa”, num paradoxo tão brasileiro que faz com que um ministro do Supremo, o “novato” Nunes Marques, vote a favor e contra a mesma ideia.

Ele considerou, na Segunda Turma, que o ex-juiz Sérgio Moro não é suspeito, mas aceitou, por questões regimentais controvertidas, que prevalecesse no plenário com seu voto a tese da falta de isenção de Moro no julgamento do triplex do Guarujá. A ministra Carmem Lucia mudou também de voto, de insuspeito para suspeito, em meio ao julgamento. Assim como ministro Gilmar Mendes votou a favor e contra a prisão em segunda instância, em julgamentos distintos, e ajudou a salvar Lula, assim como ajudara a prendê-lo. Lula foi vítima e beneficiário desses “passos trôpegos”, da balbúrdia jurídica oferecida pelo Supremo.

Apenas dois presidentes depois da redemocratização foram eleitos por projetos políticos: Fernando Henrique em 1994, com o Plano Real, e Lula em 2003, como alternativa ao que chamava de projeto neoliberal. Os dois foram reeleitos em 1988 e 2006, esgotando as últimas reservas dos projetos vitoriosos.

Lula chegou ao poder em 2003, depois de perder quatro eleições, porque se reinventou criando o personagem Lulinha Paz e Amor. E lançou a Carta aos Brasileiros. Mas também porque o segundo governo de Fernando Henrique, que teve méritos evidentes como a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Rede de Proteção Social, origem do Bolsa-Família, dos genéricos e do combate à Aids, ficou marcado pela desvalorização do Real logo nos primeiros dias, o apagão de energia e a economia em situação difícil.

Paradoxalmente, para acalmar o mercado financeiro, Lula teve que escrever a Carta aos Brasileiros onde se comprometia a manter o tripé da política econômica: câmbio flutuante, meta de inflação e equilíbrio fiscal. Foi isso que garantiu o bom desempenho econômico no primeiro governo Lula, e o tripé é a base da política econômica até hoje. Ou era, pois o Centrão está aos poucos minando esse tripé, com o auxílio de Bolsonaro que, candidato à reeleição, escolhe aumentar os gastos.

O julgamento do STF que decidiu pela suspeição do juiz Sérgio Moro foi uma grande vitória política do ex-presidente Lula, e uma grande derrota do combate à corrupção do Brasil, que não cansa de regredir. Um país que teve avanço brutal no combate à corrupção volta à estaca zero, supostamente na defesa do estado de direito, de um justo julgamento. Um ministro como Ricardo Lewandowski, que admite que os diálogos roubados por um hacker são provas ilícitas “mas, enfim, foram amplamente divulgadas”, não deveria poder falar sobre suspeição.

Nem diante de todo o escândalo revelado, as forças políticas que continuam no poder, e a manter controle da situação, sempre encontram jeito de prevalecer, mesmo depois de cinco, seis anos. Tanto o combate à corrupção quanto o equilíbrio fiscal foram conquistas da sociedade brasileira, mas estão colocadas em perigo por um governo que se elegeu justamente para defendê-las.

O país do futuro de Stefan Zweig vai sendo eternamente adiado para ficar do tamanho de sua elite política e empresarial. E seguimos elegendo o populista da vez, revezando entre esquerda e direita, sem entendermos que o mundo lá fora, pelo menos o mundo que funciona, já está em outro patamar, discutindo o futuro.


Ascânio Seleme: Lula parte para o terceiro mandato

Ao confirmar suspeição de Moro, STF reabilitou política e moralmente o ex-presidente autorizando-o a se candidatar e muito provavelmente se eleger outra vez em 2022

Ao confirmar a suspeição do ex-juiz Sergio Moro depois de tê-lo considerado incompetente para julgar Lula, o Supremo Tribunal Federal reabilitou política e moralmente o ex-presidente autorizando-o a se candidatar e muito provavelmente se eleger outra vez em 2022. Não, não haverá tempo para que uma candidatura de centro ou centro-direita surja e cresça a ponto de superar Lula e conseguir vaga no segundo turno. Apenas João Doria pode surpreender. Luciano Huck ficou no espaço. Luiz Mandetta não se consolidou. Moro se dissolveu. E os demais pré-candidatos que apareceram neste espectro eram apenas balões que nem sequer ensaiaram uma alternativa.

A centro-esquerda e esquerda tinham Fernando Haddad e Ciro Gomes. Haddad é Lula. Ciro não deve ser páreo para um Lula que volta revigorado pelo STF. À direita o candidato será mesmo Bolsonaro? Talvez sim. Talvez não. A direita liberal pode encontrar em Lula argumentos para fugir do capitão que muito prometeu em 2018 e pouco entregou. As reformas neste governo não avançaram. Mesmo a reforma da Previdência, aprovada em 2019, foi muito mais mérito de Rodrigo Maia e da Câmara do que de Bolsonaro e do Palácio. Além disso, as constantes ameaças às instituições atrapalham o capitão muito mais do que o ajudam.

O presidente ficará com a extrema-direita, isso com certeza. Neste espaço, só resta ele. Trata-se de uma área tão árida do campo que somente olavistas convictos e puxa-sacos rematados conseguem por ela transitar à vontade. Com eles seguirá parte do eleitorado que se enrola em bandeiras do Brasil e pede o fechamento do Congresso, do Supremo. São minoria, mais velhos e saudosistas ou mais ignorantes e menos informados. Serão acompanhados também pelos que ainda olham para Lula e para o PT e só enxergam corrupção. São muitos, mas as pesquisas revelam que a maioria já percebeu que a alternativa é pior.

O cenário não deixa muita dúvida. O desgaste de Bolsonaro, que deve seguir e ser ainda ampliado pela CPI da Covid, o debilitará política e eleitoralmente, mas dificilmente a ponto de tirá-lo do segundo turno. Esta talvez seja a única forma de Lula não conquistar um terceiro mandato. Se houver um segundo turno entre ele e qualquer outro candidato que não seja o capitão, suas chances de vencer diminuem muito. Como é pouco provável que isso ocorra, Lula e Bolsonaro deverão ir para o segundo turno. E aí, antes de dizer com quem vai o eleitor, é importante observar como se guiarão as forças políticas, os partidos e seus líderes.

Mesmo os partidos que hoje apoiam o governo no Congresso terão de fazer cálculos para decidir com que seguir num segundo turno entre os dois. Se Bolsonaro não estiver muito isolado em 2022, talvez tenha uma meia dúzia de partidos coligados em sua campanha. Mas nesta contabilidade, não se pode dar por certo nem mesmo o apoio do PSL, que só existe por obra do presidente. O Centrão, de DEM, PP, MDB e outros, sabe muito bem para qual canoa deve pular se a sua estiver fazendo água. E a canoa de Lula já abrigou o Centrão antes. Os partidos que formam esta amálgama podem se dividir até o limite do primeiro turno, depois seguem com quem for vencer.

À esquerda, nenhuma dúvida. Talvez Ciro Gomes viaje outra vez a Paris, como já disse que fará na hipótese de ter como opção o PT. Ciro vai, mas o seu partido, o PDT, fica. Seus eleitores também, ou alguém imagina que na ausência de Ciro pedetistas votarão por descuido em Bolsonaro? Os demais partidos que contam, PSOL, PSB, Rede, PCdoB, devem ir com Lula já no primeiro turno. Os demais desaguarão no PT em seguida. Mesmo que Doria anteveja um provável fracasso e prefira disputar um segundo mandato em São Paulo, o PSDB deve ter candidato próprio. Mas no segundo turno não piscará ao emprestar seu apoio à Lula contra Bolsonaro.

Ninguém, a não ser as forças mais retrógradas do país, quer dar mais um mandato ao capitão baderneiro. A experiência foi desastrosa politicamente e trágica do ponto de vista sanitário. O Brasil precisa recuperar sua saúde, sua economia, sua autoestima, o prestígio que um dia teve no mundo. Estes objetivos certamente seriam alcançados, em escalas diferentes, por Doria, Ciro ou Haddad. Os três são melhores, muito melhores do que Bolsonaro, sob qualquer ângulo que se olhe, e o derrotariam num segundo turno. Mas pelo que se desenhou com a decisão do STF, caberá a Lula a tarefa.

A BELEZA DA CPI

Há muitos céticos quanto ao resultado da CPI da Covid. Tantas deram em nada e a coisa agora pode ir pelo mesmo caminho, dizem. Acho que esta não, sobretudo porque o objeto da investigação são os inequívocos malfeitos do presidente e de ministros. As que ficaram no caminho, até sem relatório final, não tinham a gravidade desta. Mesmo que fique menor do que o esperado, a beleza desta CPI é a abundância de luz que ela jogarásobre a tragédia patrocinada pelo governo Bolsonaro. De terça-feira em diante este será o assunto número 1 do país. Os olhos da Nação estarão virados para o Senado. A exposição sobre os membros da comissão será de uma grandeza solar. Qualquer bobagem será anotada. Todos os acertos serão contabilizados. A CPI é política. Seus membros também.

O QUERIDINHO

Engana bem o general Braga Netto.

No período em que comandou as forças de intervenção no Rio, em 2018, foi tratado como o queridinho da cidade por empresários, políticos e mesmo alguns jornalistas. Braga já tinha feito amigos civisem 2016, quando chefiou a segurança da Olimpíada. Aos olhos de muitos parecia um general arejado, moderno, gente dos novos tempos. Bagagem, aquilo era apenas uma fantasia que o general usou temporariamente no lugar da farda.

RESPEITO É BOM

O ex-queridinho disse no nefasto discurso feito na posse do novo comandante do Exército que “o projeto escolhido pelos brasileiros merece respeito”. Boa general, correto. O problema é que o projeto escolhido foi abandonado pelo governo que radicalizou para atender apenas aquela parcela de malucos embandeirados que vão para a rua pedir a intervenção militar. Para que serviriam os ditados se não houvessem verborragias como esta do general? Por isso, caro Braga Netto, “não merece respeito quem não se dá ao respeito”.

LIBERDADE

Além da ameaça dissimulada à CPI da Covid, o general Braga Netto voltou a falar em liberdade. Disse estarem enganados os que acreditam que podem “colocar em risco a liberdade conquistada por nossa Nação”. Se não tivesse outro destino, diria que a mensagem de Braga foi acertada,

já que o Brasil não está disposto a devolver a liberdade que conquistou quando se livrou de outros generais que tomaram o poder pela força.

DOUTOR ZERINHO

Flávio Bolsonaro botou banca. Vai advogar no Distrito Federal. Uma maravilha, gente. Seu primeiro cliente poderia ser a rede LavLev, que em Brasília tem filiais na Asa Norte, no Sudoeste, na Octogonal e no Cruzeiro.

MARINA E A PERERECA

Lula tem razão. Ele e Gleisi assinaram artigo na “Folha” mostrando sua preocupação com o meio ambiente e batendo na política criminosa de Bolsonaro para o setor. Mas é bom não esquecer que o maior ícone ambientalista nacional, a ex-senadora Marina Silva, pediu demissão do Ministério do Meio Ambiente no governo Lula por falta de “sustentação política” para tocar sua pauta. Também não custa lembrar que Lula sempre se queixou da “poderosa máquina de fiscalização” ambiental. Por isso disse, no longínquo 2010, que o Brasil não podia “ficar a serviço de uma perereca”. Criticava a paralisação das obras do Arco Metropolitano do Rio em favor da preservação de um anfíbio que habitava um charco por onde passaria a estrada.

BLABLABLÁ

De qualquer modo, não dá para comparar os pecados ambientais de Lula com os crimes que os vilões mentirosos Jair Bolsonaro e Ricardo Salles cometem diariamente contra o meio ambiente brasileiro. Por isso, aliás, pouca gente levou a sério o discurso hipócrita do presidente na Cúpula do Clima. Na prática, o governo faz exatamente o contrário do blablablá pronunciado. Anitta tem razão, difícil explicar no exterior esse que ela chamou de “desgoverno de bosta”.

CHAUVIN

Se o assassinato de um homem negro por sufocamento tivesse sido cometido no Brasil há um ano, o policial Derek Chauvin a esta altura já estaria de volta à ativa ou, no máximo, cumprindo alguma função burocrática numa delegacia ou num quartel. Logo após o crime, sobretudo se ele tivesse sido filmado, Chauvin seria afastado das ruas e mantido em casa ou detido no quartel, mas com remuneração garantida. Mesmo que a nossa bondosa Justiça visse dolo na ação do policial, se o assassino tivesse bons advogados, usaria os inúmeros recursos disponíveis e permaneceria na boa até o crime prescrever.

QUESTÃO DE AGENDA

Ernesto Araújo alegou ter um “compromisso inadiável” para não participar de uma live organizada na quarta-feira por olavistas notáveis, se é que isso existe. Talvez tivesse que buscar um filho no colégio ou restaurar uma obturação. Fora isso, agenda vazia.

NÃO MANDA NADA

Em razão de nota publicada aqui na semana passada, o presidente executivo da Fetranspor, Armando Guerra, ligou para explicar que a entidade não manda patavina nenhuma na desordem do setor no Rio. Se mandasse, 20 empresas não teriam fechado as portas entre março e dezembro do ano passado, não teria havido R$ 2,8 bi em perda de receitase R$ 1,5 bi de prejuízos no mesmo período.


Pablo Ortellado: Revisão da Lei de Segurança Nacional é necessária, mas traz riscos

A Lei de Segurança Nacional é um entulho autoritário que precisa de revisão urgente. Leis desse tipo deveriam ser usadas apenas em momentos extraordinários, quando o regime é ameaçado, e talvez não seja por acaso que nossa lei de 1983 tem sido bastante usada —por Bolsonaro, para perseguir dissidentes, e pelo STF, para investigar atividades antidemocráticas.

Por isso, o Supremo e o Congresso aparentemente acertaram uma revisão acelerada da lei que pode melhorar nosso arcabouço jurídico, mas pode também trazer novos problemas num caminho cheio de riscos e percalços.

A estratégia adotada pelo presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, foi propor um substitutivo ao projeto de lei de 1991 de Hélio Bicudo, que definia crimes contra o Estado Democrático de Direito.

Lira designou como relatora a deputada Margarete Coelho (PP-PI), que está conduzindo um amplo processo de consulta a diferentes atores da sociedade, o que levou o substitutivo a acumular 10 revisões.

A mera revogação da Lei de Segurança Nacional, com seus muitos dispositivos autoritários, já seria motivo para celebração. Mas o substitutivo da deputada tem alguns méritos. Ele se concentra em crimes como golpe de Estado, insurreição, sabotagem, traição, espionagem e atentado contra a integridade do território nacional, sem aberturas muito explícitas que permitam o enquadramento de atividades regulares de protesto como crimes contra a democracia.

Mas detalhes de redação e possibilidades de emendas de parlamentares, assim como vetos seletivos do presidente da República, trazem enormes riscos à empreitada.

O crime de insurreição, caracterizado como o impedimento do exercício de um poder mediante ameaça, poderia ser usado para enquadrar manifestantes que ocupam um escritório (do Ibama ou do Incra, por exemplo) exigindo direitos. O mesmo acontece com o crime de sabotagem, definido como a inutilização de meios de comunicação ou transporte, que poderia ser usado para enquadrar manifestantes indígenas ou caminhoneiros que bloqueiem uma via.

Ainda que se possa questionar a licitude de uma ocupação de escritório governamental ou do fechamento de uma via, a reivindicação de um direito não é o mesmo que uma tentativa de alteração da ordem democrática. Protesto não pode ser tratado como se fosse subversão do regime.

Um artigo específico do substitutivo diz isso explicitamente, mas há o temor de que ele possa ser seletivamente vetado pelo presidente, para permitir que a lei seja usada para perseguir manifestantes contrários ao governo.

Há também preocupação com o artigo que trata da “comunicação enganosa em massa”, que se baseia no escorregadio conceito de disseminação de fatos sabidamente inverídicos. Ele poderia ser mais restrito e mais efetivo se se concentrasse não em notícias “falsas”, mas na difusão de conteúdos, mesmo que “verídicos”, que promovem crimes contra o Estado de Direito, o que atingiria em cheio as atividades de propaganda no WhatsApp que diariamente convocam a população contra o Congresso e o Supremo.


Malu Gaspar: Meta que Bolsonaro prometeu melhorar na Cúpula do Clima não existia

Em seu discurso na Cúpula do Clima, Jair Bolsonaro improvisou a redução de uma meta ambiental que, na prática, nunca chegou a existir

Até ontem, o Brasil nunca havia se comprometido a neutralizar suas emissões de carbono em 2060, como o presidente sugeriu em seu discurso. Na mais recente manifestação formal sobre o tema, protocolada na Organização das Nações Unidas em dezembro, o país apenas dá um “indicativo de longo prazo” de que poderia chegar lá.

A data de 2060 foi mencionada em um documento oficial de compromisso, conhecido como NDC, protocolado 22 dias antes da data final para cada país entregar à ONU sua lista quinquenal de compromissos contra o aquecimento global.

Nele, a diplomacia brasileira fixou metas numéricas para a redução da emissão de carbono até 2030 e indicou que, a continuar nesse ritmo, o país poderia chegar à neutralidade em 2060. A neutralização das emissões acontece quando o país emite apenas o volume de gases que provocam o efeito estufa equivalente ao que consegue retirar da atmosfera.

Na ocasião, porém, os diplomatas fizeram um alerta que já antecipava o discurso de Bolsonaro nesta Cúpula: “A definição final de qualquer estratégia de longo prazo para o país, em particular o ano em que a neutralidade climática pode ser alcançada, vai depender no entanto do bom funcionamento dos mecanismos previstos no Acordo de Paris”. Traduzindo: pode ser ainda mais ousado no futuro se o dinheiro prometido pelos países ricos chegar.

O documento de dezembro também havia eliminado uma das metas mais relevantes assumidas pelo Brasil em 2015, que Bolsonaro ontem resolveu ressuscitar: zerar o desmatamento ilegal até 2030.

O novo tom no discurso de Bolsonaro acontece num momento em que seu governo está sob intensa pressão internacional para mudar a política ambiental. Vários fatores pesam contra o Brasil.

Nos dois anos de governo de Bolsonaro, o desmatamento cresceu e alcançou, em 2020, a maior devastação em 12 anos, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sofre críticas e protestos de fiscais do Ibama e do ICMBio, ONGs, lideranças indígenas e, mais recentemente, até da Polícia Federal.

Também afetou a credibilidade do Brasil o malogro do Fundo Amazônia, que tem R$ 2,9 bilhões doados pela Alemanha e pela Noruega travados no BNDES por falta de consenso com o governo brasileiro sobre a forma de gerir e aplicar os recursos.

O ministro do meio ambiente fazia questão de vetar o acesso de entidades da sociedade civil, estados e municípios aos recursos, e não aceitava as regras de governança impostas pelos financiadores.

Além disso, o presidente brasileiro perdeu seu principal aliado no cenário mundial com a derrota, nos Estados Unidos, de Donald Trump para Joe Biden -- que fez questão de deixar a reunião minutos antes de Bolsonaro falar.

Nesta quinta, EUA, Reino Unido e Noruega anunciaram a criação de um novo fundo de US$ 1 bilhão para o combate ao desmatamento de florestas tropicais. É o mesmo valor que Salles pretendia obter nesta cúpula em doações para o Brasil.

Mas, diferentemente do que foi feito na criação do Fundo Amazônia, o dinheiro desta vez só virá como compensação para resultados. Com seguidos recordes nas taxas de desmatamento, o país não terá acesso a esses recursos tão cedo.

Apesar do discurso, na prática ainda vigora no cenário internacional a desconfiança expressada pelo secretário de estado americano, John Kerry, quanto à nova meta de Bolsonaro: "Isso funciona para nós. A questão é se eles farão o que têm que fazer". Ou pelo próprio vice-presidente Hamilton Mourão: "Em 2060, estaremos todos mortos. Tem é que reduzir o desmatamento agora".


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro vende um Brasil imaginário na Cúpula do Clima

Jair Bolsonaro tentou vender um Brasil imaginário na Cúpula de Líderes sobre o Clima. Nas palavras do presidente, o país está “na vanguarda do enfrentamento ao aquecimento global”. Nem parecia o chefe do governo que mutilou a fiscalização ambiental e permitiu o avanço do desmatamento da Amazônia.

Na defensiva, Bolsonaro sustentou que o Brasil tem uma das matrizes energéticas mais limpas do planeta e promoveu uma “revolução verde” no campo. Se tudo vai bem, o mundo estaria perdendo tempo ao se preocupar conosco.

O capitão abusou da boa-fé dos estrangeiros. Sem corar, ele disse ter determinado o “fortalecimento dos órgãos ambientais”. Na vida real, seu governo pilota uma operação de desmonte, executada pelo ministro Ricardo Salles.

No início da semana, mais de 400 servidores do Ibama denunciaram que as atividades de fiscalização estão paralisadas. Eles explicaram que uma nova instrução normativa inviabilizou a aplicação de multas aos infratores.

É verdade que houve uma mudança de estilo na fala de Bolsonaro. No passado recente, ele ameaçou abandonar o Acordo de Paris, espalhou mentiras contra o movimento ambientalista e declarou que poderia trocar a saliva pela pólvora se Joe Biden chegasse à Casa Branca.

Ontem o capitão se disse “aberto à cooperação internacional” e adotou um tom dócil ao se dirigir ao novo presidente americano. Para seu azar, o democrata já havia deixado a reunião quando ele começou a rastejar diante da câmera.

A distância entre o discurso e a prática não foi o único problema que impediu o presidente de ser levado a sério. Numa reunião em que diversos líderes prometeram sacrifícios para reduzir as emissões de gases poluentes, Bolsonaro estendeu o pires e pediu dinheiro.

“Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostas a atuar de maneira imediata”, afirmou.

Só faltou apresentar a conta de US$ 1 bilhão em troca da preservação da Amazônia, como fez na véspera o ministro Salles.


Vera Magalhães: Jair sem Trumpinho

'Alvorada sem alambrado/ Pão sem leite condensado/ Sou eu assim sem você. Ema sem cloroquina/Dudu sem carabina/ Sou eu assim sem você.'

Na hora e meia em que esperou sua vez de falar sem convicção na Cúpula de Líderes sobre o Clima convocada por Joe Biden, Jair Bolsonaro bem poderia cantarolar essa versão negacionista do sucesso de Claudinho & Buchecha.

Não que o clássico do funk carioca mereça ter seus versos solares e meigos substituídos pelo lamento do presidente brasileiro sobre o isolamento a que foi relegado no tabuleiro mundial depois que seu amigo Trumpinho foi derrotado nas urnas. Mas sua visível falta de ambiente na reunião em que teve de ler, a contragosto, um papel com o contrário daquilo que pensa e pratica em termos de política ambiental me lembrou os versos “Eu não existo longe de você/ E a solidão é meu pior castigo”.

Antes, quando era Trump, e não Biden, o anfitrião, Jair, família e agregados eram recebidos com alegria galhofeira. A caravana dos puxa-sacos exóticos dos Trópicos vestia boné, ganhava tapinha nas costas e se achava a tal. Podia mandar às favas os indicadores vergonhosos de desmatamento e queimadas. Afinal, primo Donald não estava nem aí para esse mimimi.

Agora, as coisas mudaram. Biden, vejam que amolação, resolve fazer uma Cúpula do Clima e, ainda por cima, exigir metas concretas. Jair não pode nem ler o mesmo discurso de sempre, como gostaria, porque os chatos do Itamaraty, depois da saída do Ernesto, vêm estragar o almoço do costelão e dizer que talvez seja melhor propor alguma coisa com cara de concreta.

Então toca colocar terno e gravata verde (ainda se tivesse o escudo do Palmeiras, talkey?) e fazer cara de sério ao lado do Salles, esquecer a Anitta e desenterrar aquele discurso “comunista” dos governos do PT e do PSDB.

Bolsonaro deve ter ensaiado diante do espelho para repetir palavras como biocombustíveis, biomassa, bioma e biodiversidade sem intercalar com um palavrão ou falar que aquilo é tudo coisa de maricas.

Do lado de lá da tela do computador, Biden (que até saiu da sala, dado o climão da Cúpula do Clima) e os demais líderes mundiais devem ter achado certa graça em ver o antes destemido presidente brasileiro prometer com a voz baixinha dobrar recursos para a fiscalização de crimes ambientais, uma semana depois de mandar exonerar o superintendente da Polícia Federal que ousou combatê-los por meio de uma operação.

Até Trump, onde quer que esteja curtindo seu merecido oblívio, deve ter soltado uma gargalhada e exclamado: “Quem é esse cara?”. Nem parecia aquele que até ontem estava disposto a lhe fazer companhia na bravata de abandonar o Acordo de Paris. Que deixou de sediar a COP-25, que se recusou a conversar com a diretora do Greenpeace, Jennifer Morgan, quando a encontrou em Davos em 2019. Seria o mesmo cara? Aquele do filho de boné que não sabe falar inglês, mas queria ser embaixador?

Eventos como os desta quinta-feira evidenciam a absoluta inadequação de alguém como Jair Messias Bolsonaro para presidir o Brasil, e de auxiliares como Ricardo Salles para gerir qualquer coisa que não seja destinada à destruição.

Ao conseguir, em três minutos de fala, prometer o oposto do que praticou ao longo de dois anos e quatro meses de desgoverno, Bolsonaro assinou diante de um mundo livre do trumpismo o atestado do desastre que é sua gestão.

Resta verificar o dia seguinte da Cúpula em que o Brasil e seu presidente ficaram nus diante do mundo com sua incompetência. Parece difícil que, diante de todas as evidências de que Bolsonaro apenas fez malabarismo retórico para pedir um trocado no final, Biden esteja disposto a financiá-lo. Assim como Trump só enrolava o “amigo”, os Estados Unidos sob nova direção devem continuar a dar chá de cadeira no Brasil.