o estado de spaulo

Moro se torna o 'sonho' dos militares para a terceira via

Santos Cruz declara apoio à candidatura do ex-juiz à Presidência

Marcelo Godoy / O Estado de S. Paulo

definição de Sérgio Moro sobre sua candidatura pelo Podemos em 2022 despertou a atenção dos militares. O ex-juiz é de quase uma unanimidade na caserna, não só por ter colocado Luiz Inácio Lula da Silva atrás das grades, mas também por simbolizar as ideias do salvacionismo e do combate à corrupção, que acompanham a maioria das manifestações políticas dos militares desde a criação da República. 

Era 24 de abril de 2020 quando o ministro dos sonhos da caserna decidiu deixar o governo para o qual fora convidado em 2018, quando ainda ocupava a 13.ª Vara Criminal Federal, de Curitiba. Acusava o presidente Jair Bolsonaro de interferir na Polícia Federal, particularmente na superintendência carioca do órgão, responsável entre outras investigações por verificar supostos crimes eleitorais cometidos pelo senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ). 

A investigação sobre a rachadinha nos gabinetes da família Bolsonaro se havia transformado então em uma briga nos tribunais, onde o filho rico do presidente tentava a todo custo parar a investigação alegando ilegalidades, para não enfrentar processos de consequências imprevisíveis. Não era então a única preocupação policial do governo. O domínio da PF seria fundamental para Bolsonaro e seus aliados diante das ações que o bolsonarismo ensaiava, investigadas nos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos. 

Na manhã da demissão de Moro, um general da ativa disse à coluna que estava "pessimista" em relação ao futuro do governo. Outro resolveu lembrar o gesto do então comandante do Exército, Edson Leal Pujol, que, preocupado com a covid-19, dias antes estendera o cotovelo para o presidente que tentava apertar a sua mão em meio à cerimônia de posse do comandante militar do Sul, general Valério Stumpf. A cena irritou Bolsonaro, que não havia engolido o fato de um dia Pujol tê-lo chamado de "político peculiar". 

A pandemia, que estava apenas em seu começo, colecionaria entre suas vítimas um dos protagonistas daquela cerimônia no Comando Militar do Sul, o general Antonio Miotto, que entregara o cargo a Stumpf. Os militares jamais entenderam por que Bolsonaro jamais visitou um hospital para parabenizar médicos e se compadecer com os doentes e seus familiares. Em vez disso, a Nação o ouviu dizer com desdém: "Eu não sou coveiro". Depois de mais de 600 mil mortos, o relatório da CPI da Covid tentou mostrar que Bolsonaro foi justamente o que negou ser. 


Coletiva de Imprensa do Ministério da Saúde. Foto: Alan Santos/PR
Lançamento de campanha de vacinação no Palácio do Planalto. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Presidente Bolsonaro e o ministro Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Ministro Eduardo Pazuello em cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello participa de motociata com o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
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Coletiva de Imprensa do Ministério da Saúde. Foto: Alan Santos/PR
Lançamento de campanha de vacinação no Palácio do Planalto. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Ministro Eduardo Pazuello durante coletiva de imprensa. Foto: PR
Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Presidente Bolsonaro e o ministro Pazuello durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Pazuello durante depoimento à CPI da Covid no Senado. Foto: Agência Senado
Ministro Eduardo Pazuello em cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: PR
Pazuello participa de motociata com o presidente Jair Bolsonaro. Foto: Agência Brasil
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Mas o tempo passou, e as crises se sucederam. O general Eduardo Pazuello se tornou ministro da Saúde, faltou oxigênio em Manaus – um colossal descaso logístico apontado por especialistas militares à coluna –, e veio o comício em que o presidente convidou o general da ativa para saudá-lo no palanque no Rio, pouco depois da demissão de Pujol e dos demais comandantes militares. A ausência de punição de Pazuello pelo ato de indisciplina poupou a cabeça do atual comandante, general Paulo Sérgio de Oliveira, mas se tornou um vitória de Pirro para o presidente. Bolsonaro ganhou a batalha, mas perdeu seu Exército. 

O que antes era manifestação de uma parte dos oficiais superiores, desconfiados pelos rumos de um governo que eles majoritariamente sufragaram em 2018, transformou-se em torcida pelo surgimento de uma candidatura viável da chamada terceira via. O primeiro desejo foi que o vice-presidente, Hamilton Mourão, pudesse ocupar esse espaço. Mas a relutância de concorrer contra Bolsonaro, fez com que pouco a pouco os olhares se deslocassem para outros possíveis candidatos, como o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). 

O surgimento de Moro, como um nome viável eleitoralmente e decidido a concorrer contra sua nêmesis – Lula – e seu ex-chefe – Bolsonaro –,  voltou a movimentar agora as águas das casernas. "O que eu não quero é a polarização entre Bolsonaro e Lula, que não vai ajudar em nada o Brasil. Olho para as outras candidaturas válidas e, dessas, se o Moro confirmar a sua presença na disputa, vou nessa. Vou apoiá-lo. Se o Moro se candidatar eu vou apoiar. De todas as opções, neste momento, estou com o Moro”, afirmou o general Santos Cruz à coluna. 

Nenhum segredo. Há muito ele e outros militares nutrem relações e simpatias pelos magistrados que de alguma forma tiveram seus nomes ligados às decisões da Lava Jato. Esse é o caso também do desembargador Thompson Flores, que presidiu o Tribunal Regional Federal-4 (TRF-4) entre 2017 e 2019, tempo em que o tribunal julgava os processos de Lula. Se dependesse de Mourão e outros, Flores seria ministro da Justiça ou ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), como fora o seu avô,  Carlos Thompson Flores. 

Assim, Santos Cruz deixa claro que, em um segundo turno, apoiará qualquer candidatura que rompa a "polarização". O ex-companheiro de ministério de Moro verbaliza ainda apenas o que outros generais já disseram: torcem por Moro ou por algum outro candidato da terceira via. Esse é o caso também do general Paulo Chagas, que foi candidato ao governo do Distrito Federal em 2018. Assim também pensa a maioria dos generais e coronéis da ativa ouvidos pela coluna. Moro, no entanto, representa para todos a possibilidade de pôr um "sonho" nos trilhos: o trem descarrilado dos militares quer provar que sua carga só não salvou o País pela condução desastrosa do maquinista Jair Bolsonaro

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Marcelo Godoy é jornalista formado em 1991, está no Estadão desde 1998. As relações entre o poder Civil e o poder Militar estão na ordem do dia desse repórter, desde que escreveu o livro A Casa da Vovó, prêmios Jabuti (2015) e Sérgio Buarque de Holanda, da Biblioteca Nacional (2015).

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,moro-se-torna-o-sonho-dos-militares-para-a-terceira-via,70003886524


Eliane Cantanhêde: João Dória de olho em Moro

Doria contra Leite: ‘A população não quer fazer teste, quer segurança, confiança’

Eliane Catanhede / O Estado de S. Paulo

O mais novo investimento do governador e presidenciável João Doria, de São Paulo, é para tentar atrair o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro para seu projeto de disputar as prévias do PSDB em novembro e a Presidência da República em 2022. Os dois andam conversando, mas Moro, um poço de indefinição, não diz nada e não descarta nem confirma sua própria candidatura. Além disso, é também disputado pelo União Brasil (resultado da fusão DEM-PSL).

Além do temperamento e da inexperiência política, o tempo corre contra Moro, que tem até o fim deste mês para acertar sua vida com a consultoria em que trabalha depois de deixar o Ministério da Justiça atirando. Ele tem até o dia 31 para dizer se abandona o sonho de ser candidato (à Presidência ou ao Senado), ou se abandona o emprego.

Moro conversa muito, mas não define nada, enquanto João Doria é inabalável na sua decisão – ou obsessão – de disputar a Presidência e tenta arrastar Moro e, junto com ele, toda a sua simbologia no combate à corrupção, para sua campanha. A Lava Jato morreu, mas a aura da Lava Jato ainda paira sobre o eleitorado.

Doria levou para seu governo seis ex-ministros do governo Michel Temer, a começar por Henrique Meirelles, da Fazenda. Também levou o seu vice, Rodrigo Garcia, do DEM para o PSDB e acolheu o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, ex-DEM, hoje sem partido, numa secretaria com dupla personalidade, econômica e política. E convidou para a Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM, que indicou seu ex-braço direito, João Gabbardo.

Enquanto o governador Eduardo Leite (RS), seu adversário nas prévias do PSDB, esbanja simpatia, princípios e pautas de costumes, Doria dispara uma torrente de números: PIB de 7,5% em São Paulo neste ano, segundo a Fundação Seade, e recuperação de 713 mil empregos de janeiro a agosto, segundo o Caged. Tudo sempre acompanhado de “eu fiz”, ou “São Paulo fez”. O Estado, aliás, aplica R$ 30 milhões em absorventes femininos nas escolas. Ontem, Bolsonaro vetou um programa semelhante para o Brasil...

Ao dizer que o social e a Educação “não são prerrogativas do (ex-presidente) Lula”, novos números: mais R$ 21 bilhões para investir em 2021 e R$ 28 bilhões em 2022, 4,3 milhões de pessoas no “Alimento Solidário”, 2 milhões no “Vale Gás”, de 363 para 1.878 escolas de tempo integral... E uma bandeira de campanha: “Aqui não tem roubo. Não se mete a mão no dinheiro público”.

E a rejeição? Para o mundo político, um grande problema de Doria é exatamente sua rejeição, que é forte em São Paulo e migra para o resto do País. Mas o próprio rejeitado diz que o índice vem caindo há quatro meses e emenda: “Quanto melhor a economia, a renda, o emprego e a vacina, melhor a avaliação (dele) em São Paulo e no Brasil”. A estratégia de Eduardo Leite é transformar suas desvantagens em vantagens – ser muito jovem (36 anos), novato e inusitado. Mas Doria aposta: “A população não quer fazer teste, quer segurança, confiança”.

Se as prévias já não são um passeio, como Doria aparentemente imaginava, a maior pedreira vem depois, seja para ele, Leite ou qualquer opção de “centro” ou “terceira via”. Ao admitir a força eleitoral de Lula, com quem já trocou ácidos desaforos, disse que não menospreza Bolsonaro: “Ele está ferido, machucado, mas tem a caneta e a queda nas pesquisas não é acentuada, é gradual. Logo, será um importante player, vai dar muito trabalho”.

É uma corrida de obstáculos: prévia tucana, polarização Lula-Bolsonaro e uma multidão de candidatos a terceira via, que fica ainda mais congestionada com o União Brasil. Logo, Eduardo Leite é apenas um dos muitos problemas de Doria para sobreviver até o segundo turno de 2022.


Almir Pazzianotto Pinto: O ministro, a economia e o desemprego

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho Bolsonaro terá poucas chances em 2022

Dentro de alguns dias o governo Bolsonaro completará dois anos. Metade do mandato foi consumida com providências mal alinhavadas para a retomada do crescimento. Incorrigíveis otimistas falam em recuperação da economia, embora admitam que os resultados são inconvincentes. É o que mostram as estatísticas sobre desemprego.

Há contradição em termos quando se fala em crescimento do produto interno bruto (PIB) se índices oficiais revelam que o desemprego atingiu no último trimestre 14,6% e pode chegar a 17% em 2021. Afinal, ninguém ignora que o mercado de trabalho é o espelho da economia.

As maiores taxas de desocupação registram-se na Bahia, 20%, em Sergipe, 19,8%, Alagoas, 17,8%, Amazonas, 16,5%, e Rio de Janeiro, 16,4%. São Paulo, o Estado mais populoso e desenvolvido, segundo o IBGE tem 13,6% de desempregados. Os menores índices pertencem a Santa Catarina, 6,9%, Paraná, 9,6%, e Rio Grande do Sul, 9,4%. Segundo as mesmas pesquisas temos 5,9 milhões de desalentados, que abandonaram a ideia de recolocação.

A responsabilidade pela crise não pode ser atribuída apenas ao presidente Jair Bolsonaro. É indesmentível, porém, que se aprofundou, turbinada pelo ambiente político e pela pandemia de covid-19, cujas extensão e gravidade não consegue entender. Em 1.º/1/2019, quando tomou posse, o Brasil já se achava em situação pré-falimentar. A presidente Dilma Rousseff foi deposta pelo descalabro da economia, com inevitáveis repercussões nas contas públicas e privadas. Não o foi pelas pedaladas. Incapacidade administrativa, embora em elevado grau, não bastaria para despojá-la de mandato obtido nas urnas em eleições democráticas. O País, todavia, já não se conformava com a inépcia governamental. Embora incompetência não seja crime, o despreparo de Dilma, motivo geral de chacotas, combinada com forte dose de arrogância, colaborou de forma decisiva para enquadrá-la no artigo 85, V, da Constituição.

Jair Bolsonaro, capitão de Artilharia e deputado federal com vários mandatos, passou a ser olhado como tábua de salvação. Para a vitória sobre Fernando Haddad contribuíram o temor ao Partido dos Trabalhadores, a inconsistência dos adversários e a punhalada em Juiz de Fora, impedindo o debate revelador do viés autoritário e a demonstração de precária base política e intelectual.

Dentro da situação caótica em que se encontrava o País, o presidente Bolsonaro buscou economista de renome para responder pelo Ministério da Economia, ao qual incorporou o arruinado Ministério do Trabalho. Após alguns meses de prestígio, o ministro Paulo Guedes se enfraqueceu por se revelar incapaz de revigorar a economia e de enfrentar as questões sociais. Permanece empenhado em conseguir o equilíbrio das contas públicas, meta inalcançável em período de pandemia. O primeiro parágrafo de editorial do Estado é certeiro e definitivo: “O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem uma vaga ideia de onde está, ignora para onde vai e desconhece, portanto, como chegar lá” (25/11, A3).

Afinal, dirá alguém, o que tem que ver o ministro Paulo Guedes com o mercado de trabalho? Tudo. Geração de empregos é problema econômico que não se resolve ao sabor do acaso. Depende de pesados investimentos públicos e privados, internos e vindos do exterior. Exige meticuloso planejamento em médio e longo prazos, ainda que ao preço de alterações nas legislações trabalhista e tributária e da Constituição federal. O Ministério da Economia é fundamental para a geração de desenvolvimento e emprego. Mal conduzido leva o País à ruína, como mais de uma vez aconteceu.

É impossível a rápida abertura de vagas para 15 milhões de desesperados e 6 milhões de desalentados, que desistiram de gastar dinheiro à procura de serviço. Se conseguirmos superávit anual de 2 milhões, meta difícil de ser atingida em clima de pandemia, levaríamos uma década para reduzir o desemprego a índices civilizados.

O que nos aguarda em 2021? Se houver vacina eficaz no volume necessário e o presidente abandonar a postura negacionista, menos mal. Até lá, porém, medidas obrigatórias de isolamento social retardarão a retomada das atividades econômicas e manterão o desemprego em níveis elevados.

O período natalino está às portas. Como celebrarão as festas de Natal e de ano-novo os desempregados, os desalentados, os empresários quebrados e a classe média empobrecida? O comércio aguarda avidamente consumidores com o dinheiro do 13.º salário para gastar. Encerradas as compras de final de ano, não se sabe como reagirá a economia no primeiro trimestre de 2021, com o andamento dos meses de recesso.

Sem reduzir a miséria e recuperar o mercado de trabalho o presidente Jair Bolsonaro terá poucas chances de se reeleger. Às oposições compete valer-se das experiências deixadas pela fragmentação partidária. Se desejarem vencer em 2022, devem construir frente única em torno de candidato honesto, experiente, viável e com perfil popular, capaz de derrotar o sectarismo bolsonarista e a máquina governamental.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho


Lourival Sant’Anna: Onda azul não veio, e Trump está tão forte no jogo quanto Biden

Resultado não está definido, e matematicamente ambos podem ainda ganhar

Quando a contagem dos votos começou, o caminho de Joe Biden para a vitória na eleição dos EUA passava por 11 Estados. A madrugada avançou com esses Estados reduzidos a seis: Arizona, Geórgia, Pensilvânia, Michigan, Wisconsin e Nevada.

O resultado não está definido, e matematicamente ambos podem ainda ganhar. Mas uma onda azul, a cor do Partido Democrata, não aconteceu, e o presidente Donald Trump está no jogo tanto quanto Joe Biden.

Em mais um lance que mostra como essa é uma eleição atípica, Biden fugiu totalmente ao protocolo e fez um breve discurso pouco antes das 3h da manhã, hora de Brasília, 1h em Wilmington, Delaware, onde mora.

O candidato enfatizou que a tendência estava a seu favor, mas o propósito visível do pronunciamento era mobilizar seu eleitorado para garantir que todos os votos fossem contados, apesar das ameaças anteriores de Trump de não reconhecer as cédulas apuradas depois do dia da eleição.

Pela tradição americana, os candidatos presidenciais só se pronunciam depois do fechamento das urnas para informar que telefonaram para o adversário para lhe conceder a vitória, ou para celebrar seu triunfo. Trump anunciou em seguida pelo Twitter que estava ganhando e que falaria “esta noite”, significando a madrugada desta quarta.

Trump venceu em 2016 com 306 votos no Colégio Eleitoral — 36 a mais do que os 270 necessários. De lá para cá, segundo todas as pesquisas, ele não conquistou nenhum Estado novo. Por isso o mapa eleitoral de 2016 servia de base para a estratégia de vitória de ambos os candidatos.

A tarefa de Biden é derrotar Trump em Estados que totalizem 38 cadeiras no Colégio, evitando também o empate por 269 a 269, que levaria a decisão para a Câmara dos Deputados.

A votação no caso seria entre as bancadas, com cada Estado valendo um voto. Na atual Câmara, os democratas venceriam, mas a votação seria feita pelos deputados eleitos neste pleito, cujo resultado ainda não se sabe.

Os 11 Estados que poderiam ajudar na vitória democrata eram aqueles nos quais, segundo as pesquisas, Biden estava à frente de Trump, dentro ou fora da margem de erro. Com a evolução da apuração, os democratas foram perdendo cinco desses Estados: Flórida, Ohio, Carolina do Norte, Iowa e Texas.

Biden ganhou um voto no Nebraska, um dos dois Estados que separam os resultados por distritos. Agora, para atingir 270, ele precisa somar 37 votos seguindo diferentes combinações possíveis de Arizona (11 cadeiras no Colégio Eleitoral), Geórgia (16), Pensilvânia (20), Michigan (16), Wisconsin (10) e Nevada (6). Ou 36, se ganhar em um distrito do Maine, o outro Estado em que o vencedor não leva tudo.

Desses seis Estados, Biden liderava a contagem parcial de votos apenas no Arizona. Aquele em que ele perdia pela menor margem, às 4h da manhã desta quarta-feira, era o Wisconsin: Trump estava 4 pontos à frente.

A esperança dos democratas era que grande parte dos votos antecipados ainda não tinha sido contada nesses Estados. Esses votos são predominantemente democratas. É por isso que a principal mensagem dos democratas, nessa madrugada, era: deixem contar até o último voto.

  • É COLUNISTA DO ESTADÃO E ANALISTA DE ASSUNTOS INTERNACIONAIS

Eros Grau: La Casserole também para sempre!

No futuro, meu pai, o Donda, o Paulo Bomfim e eu desceremos do Céu para almoçarmos lá

Começo a escrever estas linhas lembrando a afirmação contida numa linda canção para sempre em meus ouvidos, Porto dos Casais: é sempre bom lembrar coisas passadas! Maravilhosamente, mais e mais quando elas permanecem no presente.

Retomo em minhas mãos nossa edição do dia 13 de junho passado e lá reencontro o que escrevi sobre o Itamarati. De repente me dou conta de que bom mesmo é relembrarmos o todo, sobretudo quando alguns pedaços do passado são parcelas do presente! Restaurando o tempo – uso o verbo restaurar sorrindo! –, uma encantadora porção do tempo cá em minha memória é o restaurante (!) La Casserole, no Largo do Arouche.

Retornando ao passado é, agora, como se eu lá estivesse, caminhando pela chácara de José Arouche de Toledo Rendon, primeiro diretor – entre 1827 e 1833 – das minhas velhas e sempre novas Arcadas do Largo de São Francisco. Passeio por esse espaço e, concomitantemente, pelo Tempo. Em seguida, no início dos anos 60, ao lado de meu amigo Prado Veppo, poeta de Santa Maria, lá no Rio Grande do Sul, ouvindo-o declamar os primeiros versos de um dos seus mais belos poemas: Largo do Arouche, praça do amor, amplo mercado, sexo e flor.

A vida não apenas pode ser, a vida é maravilhosa!

Novamente transitando pelo tempo, retorno à São Paulo do início dos anos 50 e caminho por ali com meu pai, carregando flores que compramos para minha mãe numa barraca em frente ao La Casserole. Depois, 1954, aos domingos almoçávamos nós três, lá nos instando para sempre, no Casserole. O tempo veio passando e permanecemos juntos. Hoje também por conta da Academia Paulista de Letras, ao seu lado, onde encontro meus confrades, elas e eles, todas as quintas-feiras nos finais de tarde. Nestes últimos meses via Zoom, em razão da pandemia que estamos a suportar.

E lá está o Casserole, há 66 anos. Roger e Touna, sua esposa, o abriram em maio de 1954. Depois que Roger se foi para o Céu, em 2005, encontrei-a algumas vezes por lá. Serena, elegante, sorrindo para mim, sempre na mesa 21. Ela também se foi em 2009. Sua filha Marie, minha amiga generosa, o dirige desde 1987. Hoje ao lado de seu filho, Leo.

De repente é como se seu tio, Georges Henry, estivesse também ao nosso lado. Diretor musical da TV Tupi lá no passado, amigo próximo de Tito Madi e Henri Salvador, escreveu um belo livro que tenho entre as mãos agora, Um Músico... Sete Vidas. Ao envelhecer passou a viver em Amparo, em 2017 de lá também partindo para o Céu.

Recanto de afeto, desfruto o Casserole sem limites. Comer muito, muito bem, reencontrar amigos, recuperar o passado. Relembro momentos inesquecíveis que lá vivi. Quase ao lado de Di Cavalcanti e Procópio Ferreira e, de verdade, ao lado de meu amigo Ulysses Guimarães. E outros seres humanos maravilhosos hoje na mesma mesa que eu, especialmente os da APL, a nossa academia.

Alguns almoços por lá são inesquecíveis. Um deles em 2006, almoço de sexta-feira com Eduardo Kugelmas – o Donda –, meu irmão de coração desde o início dos anos 50, irmão que se foi deste mundo no dia 14 de novembro de 2006. Conhecemo-nos em 1951, quinto ano do primário no então chamado Instituto Mackenzie. Depois disso, tudo. Tudo, mil momentos de amizade e fraternidade, ele na Faculdade de Filosofia da USP, então na Maria Antônia. Episódios marcantes nos tempos duros e sofridos dos anos 60. Sua ida para o Chile, depois Paris e retorno ao Brasil. Logo após a sua volta veio passar longo período em nossa casa em Tiradentes, onde agora estamos já há meses isolados, Tania e eu, por conta dos maus momentos que suportamos. Nosso derradeiro encontro nesta esfera foi no Casserole, em 2006, mas estou certo de que no futuro estaremos juntos.

Além dele Paulo Bomfim, meu Amigo com maiúscula, a respeito de quem tenho mil momentos a relembrar. Belos almoços em seu apartamento, um nosso encontro no pátio das velhas Arcadas no dia 25 de outubro de 2017, quando lá fixaram uma placa em sua homenagem. Cá está ele, ao nosso lado agora, superando o Tempo. A dizer-nos que o Universo não existe, o que há em torno de nós é o Multiverso. Por isso o nosso encanto com o Largo do Arouche, as barracas de flores, e as flores renascerão para sempre no e a partir do Casserole.

O Céu, diz o Álvaro Moreyra num lindo poema, é uma cidade de férias, de férias boas que não acabam mais! Daí que no futuro – tenho certeza – estaremos todos juntos reunidos, reunidos lá no Céu. E de lá meu pai, o Donda, o Paulo Bomfim e eu um dia desceremos à Terra para almoçarmos, todos juntos reunidos, no Casserole. Meu pai relembrando as flores que comprávamos para minha mãe na barraca em frente, o Paulo em dúvida a propósito de passarmos ligeiramente pela APL, unicamente para uma olhada. Nada prontamente decidimos, meu pai sussurrou “já volto, vou só pegar umas flores” e o Donda disse tudo: “Vamos mudar de assunto, apenas lembrar, relembrar nosso derradeiro almoço aqui, Eros e eu, em 2006. O Tempo não existe, mas nosso Casserole existirá para sempre!”.

ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR APOSENTADO DA FACULDADE DE DIREITO  DA USP, FOI MINISTRO DO STF


Joaquim Falcão: ‘Eu sou realmente a Constituição’

Quando Bolsonaro interfere através da PF, está, em cascata, interferindo no próprio Supremo

No dia seguinte ao seu discurso em frente ao Quartel do Exército, para um grupo, o presidente Bolsonaro justificou-se: “Eu sou, realmente, a Constituição.”

Não é, evidentemente. Nem precisa explicar.

O importante é ter revelado um drama psíquico-político. Quase shakespeariano. Como me manter constitucionalmente no cargo, não sendo eu a Constituição? Com constituição alheia? A Constituição são os outros.

Já foi dito. Não basta ser eleito constitucionalmente. É preciso se manter constitucionalmente.

Cerca de 30% da opinião pública parecem preferir Bolsonaro como Constituição.

Mas o Supremo discorda.

Alexandre de Moraes e Celso de Mello lideram a defesa da Constituição em vigor. Moraes proibiu que a Polícia Federal lhe retirasse os delegados que trabalham diretamente com ele em inquéritos. Limitou. Proibiu a posse do delegado Ramagem como chefe da Polícia Federal. Limitou.

Celso de Mello aceitou a denúncia contra Jair Bolsonaro. Limitou. E mais. Para que não houvesse demora nas investigações e coleta de provas, determinou a ouvida de Sergio Moro em apenas cinco dias. Limitou outra vez.

No direito processual, o prazo pode ser o senhor da Justiça. Não há que se correr riscos.

A Constituição de Bolsonaro reage. Permite-lhe atacar o Supremo e a democracia com ameaças de crise constitucional. Acusa de interferência política a proibição de Moraes da posse de Ramagem.

Alguns juristas, mais radicalmente formalistas, acusam a Moraes de ativismo judicial. Assim o Supremo estaria mesmo interferindo no Executivo.

Confundem-se e enganam-se, data venia.

Uma sentença, acórdão, qualquer decisão judicial não cai do ar sozinha. Não se julga com os pés na Lua, diria Sepúlveda Pertence. Resulta de uma concatenada linha de produção. Que inclui petições, denúncias, despachos, inquéritos etc. Se uma das etapas desta linha de produção se contamina com vírus da interferência política, nos inquéritos, por exemplo, contamina todas as etapas. Até o final: a decisão do ministro do Supremo.

Quando Bolsonaro interfere através da Polícia Federal, está, em cascata, interferindo no próprio Supremo. Isto sim é ativismo político judicializado.

O Supremo está se defendendo, sim, do ativismo bolsonarista. É autodefesa. A defesa de seu livre convencimento.

A base de apoio do “Eu sou, realmente, a Constituição” está em momento delicado. O presidente tem mandado mensagens que podem atingi-los emocionalmente. Mudar percepções.

Não é mais vida contra emprego. Governador contra presidente. Ou isolacionismo social contra abertura de shopping. A nova pauta não é mais sobre divergência de políticas públicas. A nova pauta é sobre comportamentos. Toca a alma da opinião pública.

Pessoas estão morrendo. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?”. A mensagem foi: o desprezo pelos mortos.

“Mais um motivo para a troca” (sobre o chefe da Polícia Federal). A mensagem foi: a corrupção pode estar chegando no governo.

“Eu talvez já tenha pegado esse vírus no passado, talvez, talvez, e nem senti”. A mensagem foi: pode ter mentira no ar.

“Em relação a um possível número de mortes, e hoje estamos em 435, o número de 1.000, se tivermos um crescimento significativo na pandemia, é possível acontecer.” A mensagem do ministro da Saúde foi: somos ineficientes.

Nenhuma Constituição pode se basear no desprezo pela vida, na potencial corrupção, na mentira sobre a saúde do presidente, nem na ineficiência governamental.

Nada mais contra o estado democrático de direito do que afirmar: “Eu sou, realmente, a Constituição.”

*Joaquim Falcão é professor de Direito Constitucional


José Goldemberg: Modernização e políticas públicas

É útil começar já a entender o que fazem os países da OCDE e comparar com o Brasil

Está aberto o caminho para que o Brasil passe a integrar a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mais conhecida como o “clube dos países ricos”. Fazem parte dela os 36 países mais avançados do mundo, onde se concentram mais de 40% da riqueza mundial.

Na prática, o Brasil, a oitava economia mundial, não é mais considerado um “país em desenvolvimento”, como é o caso de muitos países da África. E o ingresso na OCDE vai nos levar a alinhar certos procedimentos na economia e administração do País com os demais países do grupo.

Umas das áreas em que isso vai ter de ser feito é a do desenvolvimento científico e tecnológico, que é um componente essencial da modernização. É útil, portanto, começar a entender desde já as políticas públicas e os instrumentos que os países da OCDE utilizam e compará-los com os que estão sendo adotados hoje no Brasil.

Um documento útil para esse fim é o intitulado Colaboração Universidade-Indústria, publicado em 2019 pela OCDE, que analisa as políticas públicas dos países-membros da organização para apoiar a transferência de conhecimentos das universidades para a indústria. Esse não é um problema novo no mundo, nem no Brasil, e nos força a tentar entender o papel das universidades em geral na sociedade.

Até a criação da Universidade de Bolonha, por alunos e mestres independentes, há mais de 800 anos, todo o ensino e os estudos eram feitos apenas em estabelecimentos religiosos. Após a sua criação, seguida pela fundação de muitas outras, as universidades tornaram-se centros de pensamento intelectual e nelas se desenvolveram as grandes ideias filosóficas e científicas que abriram novos horizontes, para além dos permitidos pela Igreja Católica na época.

Sucede que as áreas mais técnicas, como a engenharia, se mantiveram fora das universidades, o que não significa que não se tenham desenvolvido nas próprias indústrias. Elas só foram incorporadas às universidades muito mais tarde, em alguns países, como na Inglaterra, isso só foi feito no século 20.
Essa é uma das razões por que muitas universidades adquiriram a reputação de ser elitistas e acadêmicas, verdadeiras “torres de marfim” desligadas da realidade.

Os países da OCDE, contudo, já superaram o preconceito de que as “grandes ideias” e inovações somente se originam nas universidades e que “técnicos”, fora delas, as põem em prática, ou seja, que existe uma hierarquia entre “acadêmicos, superiores”, e “técnicos, inferiores”.

Ambos trabalham em paralelo e se realimentam. Na indústria dos Estados Unidos, pesquisas acadêmicas contribuem de maneira decisiva e rápida para a produção de menos de 10% dos produtos fabricados por ela. É por essas razões que não são as universidades as grandes geradoras de patentes, mas os egressos delas que criaram empresas ou trabalham em empresas já existentes. Em muitos casos os próprios professores das universidades são sócios de empresas.

Um dos melhores exemplos é dado pela Universidade Stanford, que com seu excelente sistema de ensino e pesquisa acadêmica de alto nível deu origem ao Vale do Silício, que se formou em torno dela e onde seus ex-alunos se estabeleceram, criando inúmeras empresas.

O relatório da OCDE lista 21 políticas adotadas nos seus países-membros para estimular esse tipo da interação criativa de transferir conhecimentos das universidades para o setor industrial: 11 delas são instrumentos financeiros, como subsídios, bolsas de estudos, compras públicas, manutenção conjunta de laboratórios de pesquisa e outros. Cinco são instrumentos regulatórios, sobretudo na área de patentes. E outros cinco são estímulos à cooperação, programas de treinamento e formulação conjunta de estratégias de desenvolvimento.

A grande maioria dessas políticas já existe no Brasil, pela ação dos diversos órgãos do governo, como Capes, CNPq, Finep, e das fundações de amparo a pesquisas estaduais, das quais o melhor exemplo é a Fapesp, em São Paulo. Somam-se a elas os fundos setoriais, que são alimentados por uma taxa de 1% do produto bruto do faturamento de empresas de energia e telecomunicações.

Quando a demanda por tecnologia era elevada, como foi no País durante a construção de grandes obras de infraestrutura, como em petróleo, estradas e hidrelétricas, surgiram empresas de engenharia como a Promon e a Hidroservice, entre outras, formadas por egressos das nossas universidades que utilizaram seus serviços e sua competência.

A visão de que as universidades vivem numa “torre de marfim” no Brasil é incorreta. Elas estão funcionando satisfatoriamente, de modo geral, para os fins para os quais foram criadas, que são a formação de recursos humanos em todas as áreas (incluídas as de humanidades), mas a demanda por seus serviços e sua competência é ainda baixa e só aumentará com uma retomada vigorosa de investimentos em infraestrutura e da economia em geral, que depende de políticas governamentais.

* Professor emérito e ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP), foi ministro da Ciência e Tecnologia


O Estado de S Paulo: ‘Brasil precisa renovar suas lideranças políticas do topo para a base’, diz Huck

Em artigo no site do Fórum Mundial de Davos, apresentador cita ‘desafios’ do País

O apresentador de TV e potencial candidato à Presidência em 2022 Luciano Huck afirmou que o Brasil precisa “restaurar” e “renovar” suas lideranças políticas do “topo para a base” em artigo publicado no site do Fórum Econômico Mundial nesta quarta-feira, 15. “Lideranças e políticas públicas responsáveis e representativas são fundamentais para revitalizar o contrato social. Isso não vai acontecer espontaneamente. Requer um esforço consciente para investir em talentos e atraí-los”, afirmou Huck.

O apresentador é visto como possível candidato de uma frente de centro na próxima eleição em 2022 e é ligado a movimentos de renovação política, como o RenovaBR e o Agora!. Ele estará presente no encontro do fórum em Davos, na Suíça, que ocorrerá entre os dias 21 e 24 de janeiro. No artigo, Huck lista três “desafios” do Brasil e do mundo para o futuro: as queimadas e o desmatamento na Amazônia, a redução da desigualdade e a renovação das lideranças políticas.

“Em 2017, entrei no Agora!, um dos vários movimentos cívicos dinâmicos que investem em uma nova geração de líderes comprometidos com um Brasil mais inclusivo e sustentável. E em 2018, co-fundei a RenovaBR, atraindo mais de 4.600 inscrições de pessoas que nunca haviam se envolvido em política para treinamento em governança e ética. Dos 120 candidatos aprovados, 17 foram eleitos para o cargo federal naquele ano”, disse, se colocando como parte da renovação.

Huck afirma no texto que o Brasil terá um “papel de liderança” no desenrolar da próxima década, em razão de seus “imensos recursos naturais” e também por seu “estoque impressionante de recursos humanos”. “Mas (o País) também é convulsionado pela alta desigualdade e pela pobreza crescente. Para complicar, estamos enfrentando uma crise de liderança política e esquivando de nossas responsabilidades internacionais”, analisou o apresentador.

Apresentador critica política ambiental do governo Bolsonaro
No artigo, Huck teceu críticas à política ambiental do governo brasileiro. “Apesar dos esforços das autoridades brasileiras para ocultar o problema, os dados de satélite do próprio Ministério da Ciência mostraram que as taxas de desmatamento atingiram os níveis mais altos em duas décadas”, escreveu Huck.

Para ele, é necessário um “novo e radical paradigma” para garantir a administração sustentável da biodiversidade do País. “Deve haver tolerância zero ao desmatamento e um foco conjunto na melhoria da produtividade das áreas onde as florestas já foram cortadas. Aproximadamente 90% do desmatamento na Amazônia é ilegal e pelo menos dois terços dos 80 milhões de hectares de terras desmatadas são subutilizados, degradados e abandonados”, afirmou, ressaltando que “tão importante quanto o agronegócio sustentável, são a expansão do ecoturismo, o investimento em pesquisas em biotecnologia e o desenvolvimento de produtos da floresta tropical comercializados de maneira justa.”

País tem de colocar redução de desigualdade na agenda, diz Huck
Huck também afirmou que Brasil precisa colocar a redução da desigualdade no “topo” de sua agenda nacional em 2020. “O aprofundamento da desigualdade social e econômica nos países está reconfigurando fundamentalmente as políticas doméstica e internacional”, disse. Ele considera que o governo brasileiro adota “dinâmica” de outros governos que estão se retirando da cooperação multilateral e voltando ao “nacionalismo e protecionismo reacionários”. O apresentador ainda aponta que nos últimos anos a renda per capita caiu e a diferença entre ricos e pobres começou a aumentar, “acabando com muitos ganhos sociais das três décadas anteriores”.

Embora nunca tenha se colocado publicamente como possível candidato à Presidência em 2022, o nome do apresentador tem aparecido com frequência nas articulações em torno de uma candidatura de centro, promovidas por figuras como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung. Tido como um candidato capaz de “herdar”o eleitorado do ex-presidente Lula no Nordeste, recentemente Huck também se encontrou com o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB).


Fernando Gabeira: Um ano meio maluco

Resta-me descobrir os pontos em que a loucura mundial se entrelaça com a brasileira

No último artigo do ano, não queria fazer uma resenha. Apenas me ater a uns traços mais gerais para explicar como chegamos até aqui e para onde, possivelmente, estamos nos dirigindo.

Tentei a forma clássica de explicar o que vejo aqui pesquisando os analistas mais amplos que tentam entender o mundo, os fenômenos que repercutem em muitos lugares, inclusive no Brasil.

Ao ler um deles, o sociólogo Ulrich Beck, autor de A Metamorfose do Mundo, deparei-me com o seguinte argumento que considera o ritmo das mudanças atuais muito mais rápido que os efeitos, por exemplo, da Revolução Francesa: A metamorfose do mundo ocorre com uma velocidade realmente inconcebível: em consequência, está ultrapassando e esmagando não apenas pessoas, mas instituições. É por isso que a metamorfose que acontece nesse momento, diante de nossos olhos, está quase fora da conceituação da teoria social. Por isso que muitas pessoas têm a impressão de que o mundo está louco.

Modestamente, o que me resta é descobrir alguns pontos em que a loucura mundial se entrelaça com a brasileira e que tipo de iguana nasce desse cruzamento.

A novidade do ano de 2019 foi a mudança de governo, início de uma nova etapa. Ela apresentou inúmeros pontos de contato com os Estados Unidos, expressando um divórcio quase hostil entre as pessoas comuns e os intelectuais e acadêmicos. Elas parecem cansadas de ter alguém pensando por elas, indicando caminhos, dizendo o que pode ou não ser feito.

A frustração econômica e o desencanto com a política estenderam-se também à elite intelectual, considerada uma parte do sistema.

A internet teve um peso decisivo ao dar voz a milhões de pessoas. O avanço tecnológico não apenas favoreceu a democracia, mas tem também suas consequências negativas. Pessoas que, como lembra Umberto Eco, destilavam seu ódio ou suas bobagens num botequim agora o fazem em cena aberta.

No caso brasileiro, a desconfiança em relação aos intelectuais estendeu-se também aos cientistas, questionados por novos interlocutores, que vão desde quem nega o aquecimento global até quem crê no terraplanismo.

Apesar desses elementos perturbadores, a experiência do primeiro ano de Bolsonaro pode ser comparada ao governo Margaret Thatcher, ambos liberais dispostos a soltar as amarras do mercado. No plano político, o principal objetivo de Thatcher era impedir a volta dos trabalhistas ao poder; o de Bolsonaro, impedir a volta do PT. Thatcher começou por enfraquecer os sindicatos, questionando os acordos salariais coletivos, um dos seus instrumentos, segundo a visão liberal. Bolsonaro já encontrou uma reforma trabalhista quando assumiu. No caso brasileiro, ela continha um elemento também duro para os sindicatos: o fim do imposto sindical, algo que até o PT aceitava nos seus primeiros anos.

A julgar pelos primeiros passos este ano, a política liberal vai se impondo. A de Thatcher foi, de certa forma, vitoriosa, com mudanças irreversíveis na economia inglesa.

Um outro ponto de contato entre Bolsonaro e Thatcher se dá nas suas expectativas sobre os costumes. Em janeiro de 1983, Thatcher declarou numa entrevista de televisão sua crença nos princípios vitorianos e uma esperança de que fossem revividos na Inglaterra.

Ela não imaginava que o movimento de soltar as amarras do mercado iria levá-lo muito distante do passado idílico que pensava reviver. Na verdade, o avanço do capitalismo ajudou a sepultar os traços dos tempos que sonhava reencontrar. Thatcher talvez tivesse os instrumentos intelectuais para perceber esse rumo histórico. Tenho dúvidas sobre Bolsonaro.

E aqui acaba a comparação.

Bolsonaro quer voltar a valores que muitos sonham reviver. Mas ele vive a ilusão de uma forma especial e com estilo grosseiro, atacando a imprensa, trazendo a mãe dos outros para a conversa e ofendendo homossexuais - enfim, o arauto de um novo horizonte moral é, na verdade, um ator obsceno, não apenas nas suas palavras, como nas postagens.

Imaginem o espanto da vitoriana sra. Thatcher diante de um vídeo do golden shower.

Um aspecto singular do governo Bolsonaro é ter usado a bandeira da anticorrupção. Neste ponto, a experiência do ano o aproximou mais de Collor. Ambos desfraldaram a mesma bandeira, ambos se viram às voltas com denúncias que os desmascaravam.

Bolsonaro enfrenta o caso do filho Flávio e do amigo Queiroz. É caso que envolve família, funcionários fantasmas, rachadinhas. Suas grosserias na entrevista na porta do Palácio da Alvorada indicam para o observador que sentiu o golpe.

Diante destes traços gerais, destaco uma variável que potencialmente pode definir o futuro. A tensão entre uma política econômica que, com alguma sensibilidade, pode vingar e o comportamento disruptivo de Bolsonaro.

Surge uma pergunta que pode ser feita de duas formas: até que ponto os erros de Bolsonaro vão emperrar o projeto econômico? Ou: até que ponto o avanço da política econômica consegue amortizar o desgaste de Bolsonaro, tornando tolerável um comportamento agressivo e desrespeitoso, ou mesmo a revelação conclusiva de um esquema de desvio de verbas públicas?

A política liberal conta com o apoio do Congresso. Mas ali as coisas costumam mudar muito ao sabor dos acontecimentos políticos.

Por fim, um foco de tensão entre o econômico e o político está na questão ambiental. Estamos diante de um mundo que dá importância a isso. Até que ponto um liberalismo econômico ainda tenro se sustenta num mundo globalizado hostilizando o consenso científico e político internacional sobre as mudanças climáticas e ironizando a preocupação planetária com a Amazônia?

Não sei se entendi bem o ano que acaba, tudo o que tenho são algumas ideias gerais para não perder completamente o ano que entra.

* Jornalista


Vera Magalhães: Disfarçado, viés autoritário esteve subjacente aos atos

Em cima dos caminhões de som não se ouviram palavras de ordem pelo fechamento do Congresso ou do Supremo

O cavalo de pau dos últimos dias nas pautas autoritárias e belicistas das manifestações deste domingo surtiu efeito de saneamento básico: em cima dos caminhões de som e por parte dos coordenadores (quando era possível identificá-los) não se ouviram palavras de ordem pelo fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal.

Mas o germe havia sido plantado, e a intenção inicial de apresentar os demais Poderes como inimigos do governo Jair Bolsonaro esteve presente em faixas, pixulecos como o do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), cartazes e gritos de guerra no asfalto de Norte a Sul.

Na Paulista, epicentro desse e dos últimos grandes atos, havia muito menos gente que nas jornadas de 2013 e nas de 2015 e 2016, pelo impeachment de Dilma Rousseff. O número de pessoas foi próximo ao do ato do dia 15, contra os cortes na Educação (e, assim, antigoverno).

Mas o cálculo de participantes e a comparação com o dia 15 importam menos que o efeito das manifestações na relação entre governo e Congresso.

Os militantes foram levados a acreditar que sua presença nas ruas acuará o Centrão, em particular, e o Congresso, em geral, e os convencerá na marra a votar a reforma da Previdência, o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro e o que mais vier do Palácio do Planalto a toque de caixa.

Não é bem assim. Embora seja verdade que, nos últimos anos, o escrutínio das ruas e das redes sociais tenha adquirido mais peso para os parlamentares, o Legislativo continua cioso de suas prerrogativas e não vai abrir mão delas em favor de um plebiscito permanente.

Se Bolsonaro achar que porque as pessoas foram às ruas ele poderá governar à revelia do Congresso, cometerá (mais) um erro crasso. É preciso que haja assessores que lhe digam que quem foi à rua é um contingente menor que o de seus próprios eleitores. Em número e em representatividade (basta ver as defecções na centro-direita).

O melhor, na verdade o único, caminho para a aprovação das iniciativas do governo continua sendo a democracia representativa. A conferir o estrago que a confrontação de ontem pode causar.